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Tabagismo, poluição ambiental e condições climáticas são fatores de risco para COVID-19?

Are smoking, environmental pollution, and weather conditions risk factors for COVID-19?

José Miguel Chatkin1, Irma Godoy2

ABSTRACT

Coronavirus disease 2019 (COVID-19), caused by the highly contagious severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2), is probably systemic, has a major respiratory component, and is transmitted by person-to-person contact, via airborne droplets or aerosols. In the respiratory tract, the virus begins to replicate within cells, after which the host starts shedding the virus. The individuals recognized as being at risk for an unfavorable COVID-19 outcome are those > 60 years of age, those with chronic diseases such as diabetes mellitus, those with hypertension, and those with chronic lung diseases, as well as those using chemotherapy, corticosteroids, or biological agents. Some studies have suggested that infection with SARS-CoV-2 is associated with other risk factors, such as smoking, external environmental pollution, and certain climatic conditions. The purpose of this narrative review was to perform a critical assessment of the relationship between COVID-19 and these potential risk factors.

Keywords: Coronavirus infections; COVID-19; Air pollution; Smoking; Tobacco use disorder.

RESUMO

A doença denominada COVID-19, causada pelo vírus altamente contagioso denominado SARS-CoV-2, é uma doença provavelmente sistêmica com importante componente respiratório e é transmitida pelo contato com uma pessoa infectada por meio de gotículas e/ou aerossóis. Após atingir o trato respiratório, o vírus inicia a multiplicação intracelular e, a seguir, sua semeadura. Os grupos de risco reconhecidos para uma evolução desfavorável são indivíduos com idade > 60 anos, portadores de doenças crônicas, como diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e/ou doenças pulmonares crônicas, assim como aqueles em uso de quimioterápicos, corticosteroides ou imunobiológicos. Alguns estudos mostram uma possível associação do SARS-CoV-2 com outros fatores de risco, como tabagismo, poluição ambiental externa e determinadas condições climáticas. O objetivo desta revisão narrativa foi avaliar criticamente a relação entre COVID-19 e esses possíveis fatores de risco.

Palavras-chave: Infecções por coronavirus; COVID-19; Poluição do ar; Fumar; Tabagismo.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, houve o surgimento de epidemias virais que ameaçaram a saúde humana em várias regiões do mundo. Têm ocorrido surtos graves de Ebola, de síndrome respiratória aguda por coronavirus (denominada SARS-CoV) e de síndrome respiratória do Oriente Médio (denominada MERS-CoV), além de tipos de influenza particularmente mais graves, como H1N1.(1)

O surto atual de infecção pelo vírus denominado SARS-CoV-2, por sua gravidade e propagação mundial, resultou na declaração da doença causada por ele (denominada COVID-19) como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No dia 16 de abril de 2020, a COVID-19 atingira 210 países e territórios, com mais de 100.000 mortes e cerca de 2 milhões de pessoas contaminadas, com taxa de letalidade global de 3,4%. As taxas anteriores de letalidade por outros coronavirus nas epidemias por SARS-CoV e MERS-CoV foram de 10% e 37%, respectivamente.(1)

A COVID-19, causada por um vírus altamente contagiante,(2) é uma doença provavelmente sistêmica com importante componente respiratório e é transmitida pelo contato com uma pessoa infectada por meio de gotículas e/ou aerossóis. Após atingir o trato respiratório, o vírus inicia a multiplicação intracelular e, logo a seguir, sua semeadura.(3,4)

O papel do tabagismo nessa atual situação de saúde pública tem sido pouco lembrado e menos ainda discutido. Outros fatores, como poluição ambiental e variações climáticas, também necessitam ter seu papel mais bem entendido. O objetivo da presente revisão narrativa foi avaliar o atual conhecimento sobre esses fatores de risco e sua importância na pandemia por COVID-19.

TABAGISMO

O tabagismo está associado a desfechos desfavoráveis em COVID-19.(5,6) Os fumantes são mais vulneráveis a vírus respiratórios que os não fumantes, sendo maior o risco de infecção grave por influenza em fumantes, que também apresentam quadros clínicos mais graves. Assim, os tabagistas, quando comparados a não fumantes, apresentam um risco maior de hospitalização (OR = 1,5; IC95%: 1,3-1,7) e de admissão em UTI (OR =2,2; IC95%: 1,4-3,4) após infecções por influenza.(7) Além disso, no surto pelo coronavirus MERS-CoV, os fumantes tiveram taxas de mortalidade maiores que os não fumantes.(8,9) O uso de cigarros eletrônicos e os de tabaco aquecido também estão relacionados a maior frequência de infecções respiratórias, especialmente virais.(10-15)

O mecanismo dessa susceptibilidade aumentada parece ser multifatorial, incluindo alterações estruturais, como aumento da permeabilidade da mucosa brônquica, defeito nos mecanismos de limpeza do tapete mucociliar, maior aderência dos patógenos, ruptura do epitélio respiratório, inflamação peribrônquica e fibrose. Também ocorre diminuição da produção de anticorpos e de células imunológicas de defesa.(10,16) Além desses mecanismos, a associação infecção por SARS-CoV-2 e tabagismo pode ser facilitada pelos rituais do ato de fumar, envolvendo movimentos repetidos de mão a face.(17)

Estudos com vírus sincicial respiratório, de estrutura semelhante ao SARS-CoV-2, mostraram que a inalação da fumaça de tabaco aumenta a taxa de transmissão viral e a gravidade das infecções, confirmando essa associação entre a fumaça do tabaco e alguns vírus e uma possível explicação para a COVID-19 em determinados grupos de indivíduos. O uso de tabaco já foi considerado um fator de risco para a infecção MERS-CoV.(18)

A necessidade de esclarecimentos dessa associação foi reforçada pela constatação de que as maiores proporções de morte por COVID-19 na China ocorreram em indivíduos do sexo masculino.(19) Esses achados poderiam estar relacionados ao fato de que o número de homens que fumam é muito maior e com maior carga tabágica que o de mulheres naquele país (288 milhões de homens fumantes vs. 12,6 milhões de mulheres em 2018).(20) É provável que esse fato seja no mínimo um cofator que leva os homens a maiores chances de desenvolver doenças pneumológicas, cardiológicas e neoplásicas. Esses dados estão de acordo com os achados da WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease 2019, que relatam taxas mais altas de caso-fatalidade em homens do que em mulheres (4,7% vs. 2,8%).(21-23)

Outras publicações também indicam maior prevalência de COVID-19 em homens. Guan et al.,(24) avaliando 1.099 pacientes críticos por COVID-19 em 552 hospitais de 30 províncias na China, encontraram uma proporção de 58,1% de pacientes do sexo masculino. Além disso, Yang et al.(25) detectaram que 67% de sua amostra de infectados eram homens. Liu et al.(26) identificaram que o uso de tabaco foi mais frequente no grupo de pacientes com evolução desfavorável em relação aos não fumantes (27,3% vs. 3,0%, p = 0,018). Contraditoriamente, Zhang et al.,(27) avaliando 140 pacientes com COVID-19 também na China, não encontraram diferenças quanto ao gênero. Na mesma publicação, os autores relataram somente 1,4% dos pacientes masculinos como fumantes atuais, apesar de a proporção de casos com DPOC incluídos ter sido bem maior. O estudo de Guan et al.(24) mostrou um número maior de fumantes atuais (12,6%) e de ex-fumantes (1,9%). Mesmo assim, os autores puderam apontar que ser fumante atual estava significativamente relacionado com sintomas mais graves. A pequena proporção de fumantes naqueles dois estudos,(24,27) comparada com a alta prevalência de tabagismo na China (50,5%),(22) indicaria menor probabilidade de associação do tabagismo com a incidência e gravidade da COVID-19.(20)

Duas meta-análises chegaram a resultados contraditórios. Lippi et al. não identificaram nenhuma associação entre tabagismo e gravidade da doença. (28) Já a análise de Vardavas e Nikitara(29) mostrou que o tabagismo ativo esteve associado a um risco 1,4 vezes maior (IC95%: 0,98-2,00) de sintomas mais graves e 2,4 vezes maior (IC95%: 1,43-4,04) de necessidade de ventilação mecânica. Mehra et al.(30) estudaram pacientes com COVID-19 internados em 169 hospitais da Europa (64,6% da amostra), Ásia (18,2% da amostra) e América do Norte (17,2% da amostra). Desse total, 2,5% dos casos apresentavam DPOC e as proporções de ex-fumantes e fumantes ativos foram de 16,8% e 5,5%, respectivamente. Os indivíduos foram classificados como sobreviventes (n = 8.395, sendo 22,5% de fumantes atuais e ex-fumantes) e não sobreviventes (n = 515, sendo 25,0% de fumantes atuais e ex-fumantes). Os autores concluíram que o tabagismo apresentou uma OR de 1,79 (IC95%: 1,29-2,47) para morte intra-hospitalar.(30) Análises adicionais, com outras séries de casos com ajustes para outros fatores serão necessárias para esclarecer a associação entre gravidade da COVID-19 e tabagismo ativo.

Explicações biológicas para essa possível associação estão ainda em investigação. A enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2) possivelmente tem ligação com a gravidade de sintomas e a evolução desfavorável da COVID-19. O SARS-CoV-2 penetra nas células humanas através de ligação com o domínio extracelular do receptor da ECA2.(31,32) Essa enzima age no sistema renina-angiotensina, fragmentando a molécula do hormônio vasoconstritor angiotensina 2, potente agente inflamatório, nos produtos angiotensina-(1-7) que, por sua vez, têm significativa ação anti-inflamatória.(33,34) Assim, anticorpos anti-ECA2 ou o bloqueio do seu receptor impedem a ligação do vírus, contribuindo para maior gravidade da doença em pacientes idosos, diabéticos e hipertensos.(35) Nesses grupos, há nítida diminuição da expressão da ECA2, dificultando a formação dos produtos de degradação, que têm ação anti-inflamatória, ao mesmo tempo que haveria maiores quantidades de ECA2, agentes inflamatórios. Esses dois mecanismos poderiam explicar parcialmente a maior gravidade do quadro clínico. Nos pacientes mais jovens, por apresentarem maior expressão da angiotensina-(1-7), de ação anti-inflamatória, eles tendem a ter doença menos grave, porém muito mais frequente.(35,36)

Smith e Sheltzer(37) observaram que o tecido pulmonar coletado de fumantes apresentava 40-50% mais receptores de ECA2 em comparação com o de não fumantes, mesmo quando a análise foi controlada para idade, sexo, raça e índice de massa corpórea. Tabagistas de mais de 80 anos-maço mostraram um aumento de 100% nos receptores de ECA2 quando comparados com usuários com carga menor que 20 anos-maço. No mesmo estudo,(37) os autores verificaram que a cessação tabágica levou à diminuição dos níveis da ECA2 no pulmão, ou seja, o aumento de expressão de ECA2 mostrou-se potencialmente reversível. Esse tipo de upregulation de ECA2 foi também encontrado em pacientes com fibrose pulmonar idiopática, mas não naqueles com asma, sarcoidose ou fibrose cística, reforçando a associação do tabagismo com upregulation de ECA2, não havendo uma relação com outras doenças respiratórias.(38)

A maior quantidade de receptores ECA2 nos pulmões de fumantes, induzida possivelmente pela própria nicotina, traria mais oportunidades para o vírus entrar nas células. Isso pode explicar, ao menos parcialmente, porque esses indivíduos estão mais propensos a desenvolver formas graves de COVID-19.(39) Além disso, como a cessação do tabagismo está associada à diminuição da expressão de ECA2, pode-se especular que haveria também uma redução da susceptibilidade às formas graves de COVID-19.(40,41)

Revisões de literatura mostram que o tabagismo, seja por cigarros convencionais, seja pelo uso de cigarros eletrônicos ou de tabaco aquecido, está associado a uma maior expressão (upregulation) da ECA2 e apresenta também uma nítida relação dose-dependente nesse efeito.(23,41,42)

Chama a atenção a baixa prevalência de tabagismo e de DPOC nos relatos de COVID-19, principalmente considerando que a maioria dos estudos são provenientes da China, onde a prevalência do tabagismo é muito alta; entretanto, quando tais frequências em outros países são avaliadas, essas prevalências também são baixas.(30,42) Dados preliminares de uma série americana mostra uma prevalência de doença pulmonar crônica de 9,2% e de tabagismo ativo de 1,3%.(43)

Em contraponto aos mecanismos descritos, outra hipótese começa a ser levantada. O uso de tabaco poderia atenuar a resposta normal do sistema imunológico, através do qual o organismo seria mais tolerante e menos reativo à agressão ocasionada pelo vírus. Os indivíduos não fumantes manteriam a capacidade de resposta imediata a esse tipo de insulto através da síndrome de liberação de citocinas, ou seja, os imunocompetentes mais prontamente responderiam a essa agressão, explicando a maior gravidade e alta mortalidade por COVID-19.(44)

Dessa forma, as informações clínicas e epidemiológicas oriundas principalmente de coortes chinesas, mas também as originárias de outros países, analisadas separadamente ou por meta-análises, são controversas em relação ao papel do tabagismo como fator de risco e de maior gravidade da doença. Por outro lado, estudos experimentais e clínicos apontam para uma maior expressão da ECA2 em fumantes como um possível elo entre tabagismo e COVID-19; porém, esses mecanismos ainda não são totalmente entendidos. Enquanto essa associação não é esclarecida, a OMS aconselha veementemente que fumantes cessem o tabagismo para minimizar seus riscos diretos e também os daqueles indivíduos expostos ao fumo passivo. (45) A atual pandemia de COVID-19 é um momento oportuno para passar essas mensagens aos usuários de qualquer forma de tabaco, provavelmente em fase de grande preocupação por sua saúde.

Pode-se inferir que o aumento nas taxas de cessação do uso de tabaco poderia impactar a transmissão comunitária de SARS-CoV-2. Em epidemias virais anteriores, houve evidências de que abordagens multifacetadas para a cessação do tabagismo, através de intervenções comportamentais e farmacológicas, podem ter um papel significativo em ambas as situações, epidemia viral e tabagismo.(46) A cessação do tabagismo, com o passar do tempo, leva a normalização de parte da arquitetura do epitélio respiratório, com diminuição da hiperplasia e downregulation dos níveis de ECA2.(47)

Muito ainda precisa ser esclarecido sobre essa relação por meio de estudos de coorte e estudos experimentais em outros países. De qualquer modo, considerando os inúmeros malefícios ocasionados pelo tabagismo à saúde humana, em especial ao trato respiratório, sua cessação em um momento de pandemia por COVID-19 pode contribuir para melhor evolução da doença, diminuição do risco de morte e menor contaminação.(48,49)

POLUIÇÃO AMBIENTAL

A poluição aérea é bem reconhecida como causa de inflamação sistêmica prolongada, através do sistema imune inato, especialmente no trato respiratório. Apesar deste conhecimento, poucos estudos têm identificado a poluição aérea como um potencial fator para a disseminação do SARS-CoV-2 e, eventualmente, como um cofator a influir na letalidade relacionada à atual pandemia por COVID-19.(49-52)

A Sociedade Italiana de Medicina Ambiental, em uma das poucas notas na literatura, mostrou que a poluição atmosférica pode ter um papel significativo na propagação do surto de COVID-19 no norte da Itália, porém não detectou evidências de que, ao piorar a saúde dos indivíduos, pudesse também interferir na letalidade relacionada ao SARS-CoV-2.(50) A região é considerada uma das mais poluídas da Europa segundo a European Environment Agency.(48)

Assim, além das já conhecidas rotas de transmissão através de perdigotos e aerossóis, é possível que a inalação de material particulado (MP) tenha algum papel na disseminação da COVID-19, uma vez que doenças infecciosas podem estar relacionadas à inalação de agentes virais adsorvidos a MPs, especialmente aqueles com diâmetro entre 2,5 e 10 μm (grossos), < 2,5 μm (finos) e ≤ 0,1 μm (ultrafinos).(49-51) Através do MP ultrafino poderia ocorrer o transporte do coronavírus desde as regiões traqueobrônquicas até as zonas mais periféricas dos pulmões.(52) Esse mecanismo pode ter maiores implicações em países e cidades com maiores taxas de poluição ambiental, como China e Milão. Agentes poluentes com potencial oxidativo poderiam atenuar as defesas imunológicas contra os vírus, exacerbando a gravidade da infecção por COVID-19.(49)

Estudos em animais e em humanos confirmam que a inalação de MPs grossos e finos induz a inflamação sistêmica através da expressão aumentada de inúmeros agentes, como IL-1, IL-4, IL-6, TNF-α e TGF-β1, relacionada diretamente com maiores perνodos de exposiηγo. Esta etapa foi denominada de cascata inflamatσria de citocinas (cytokine-storm syndrome). (51,53) Esses mecanismos podem explicar, ao menos parcialmente, o importante número de casos de COVID-19, com maior letalidade em regiões com altos índices de poluição ambiental. Por outro lado, a nítida diminuição localizada dos índices de poluição aérea como consequência do isolamento social pode também ter influído na diminuição da gravidade do surto em muitas cidades e regiões.(51)

Em um futuro próximo, o SARS-CoV-2 provavelmente se tornará um agente infeccioso sazonal. Portanto, o conhecimento de sua frequência, condições de sobrevida nos mais diferentes ambientes, mecanismos de contaminação, sua cascata fisiopatogênica e sua agressividade necessitam ser esclarecidos detalhadamente.(54)

CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS

Apesar de já ter sido anteriormente demonstrada a relação entre SARS-CoV e condições meteorológicas, com fase mais grave durante clima frio,(55,56) essa possível variável ainda não foi completamente estudada em relação ao SARS-CoV-2. Entretanto, é bem provável que as condições climáticas possam ter relação com vários parâmetros de COVID-19.

Sabe-se que o aumento na incidência de influenza está associado a baixas temperaturas, baixa umidade e maiores variações de temperatura.(57) Esses fatores climáticos também estão relacionados a uma maior frequência de mortes por doenças respiratórias.(58) Respirar ar seco causa dano à mucosa respiratória e reduz a eficácia do tapete mucociliar, tornando o indivíduo mais susceptível a infecções virais. Entretanto, gotículas exaladas em ambientes de alta umidade tendem a ser mais pesadas e flutuarem por menos tempo, diminuindo a contaminação, ocorrendo o contrário em baixas umidades. Ainda que esses fatores não tenham sido estudados na pandemia de COVID-19, é bem provável que sejam válidos também para o atual surto de coronavirus.(59)

Os poucos estudos relacionando COVID-19 e condições meteorológicas encontraram um aumento do tempo de duplicação do número de casos com o aumento da temperatura diária, mas não foi encontrada relação com alterações nas taxas de mortalidade.(54,60) Wu et al.(61) relataram que o aumento de 1ºC na temperatura estava associado à redução de novos casos diários em 3,08% (IC95%: 1,53-4,63%) e de número de óbitos em 1,19% (IC95%: 0,44-1,95%). Os mesmos autores declararam que o aumento de 1% na umidade relativa do ar estava relacionado a reduções diárias de 0,85% (IC95%: 0,51-1,19%) de casos novos e de 0,51% (IC95%: 0,34-0,67%) de novas mortes.

Ma et al.(62) analisaram 2.299 mortes por COVID-19 entre 20 de janeiro e 29 de fevereiro de 2020 em Wuhan, China, frente a parâmetros meteorológicos e de poluição. Os autores encontraram uma associação entre a diminuição das taxas de morte por COVID-19 e o aumento da umidade. Inalar ar seco causa dano epitelial e redução da limpeza mucociliar, tornando o indivíduo mais suscetível a infecções respiratórias virais. Esses achados estão de acordo com publicações prévias relacionando o aumento de mortes por doenças respiratórias com o decréscimo de temperatura,(63) em especial, com frio muito intenso e baixa umidade.(64)

De qualquer modo, devem ser considerados outros fatores que podem influir nas avaliações de qualquer surto, como intervenções governamentais, disponibilidade de recursos humanos e de materiais para atendimento à população, disponibilidade de leitos hospitalares, entre outros. O surto de influenza no Japão, concomitantemente com a COVID-19, está sendo menos intenso do que em anos anteriores. Isso pode ter ocorrido devido à menor virulência do agente, mas também às medidas restritivas relacionadas ao SARS-CoV-2, especialmente as de isolamento social, como fechamento de escolas e proibição de grandes eventos e aglomerações. Também a busca por atenção médica relacionada à influenza pode ter sido alterada pela gravidade da epidemia por COVID-19.(65)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pandemias representam grandes desafios para os indivíduos e para os sistemas de saúde. Aqueles mais preparados ou que considerarem esses períodos de dificuldades como janelas de oportunidade para se preparar para ondas futuras terão resultados melhores. Medidas de diferentes naturezas têm influência marcante na disseminação do vírus e nas doenças dela decorrentes.

No presente artigo foi revisada a influência do tabagismo, da poluição ambiental e das condições climáticas na incidência e gravidade da COVID-19. Quanto à poluição ambiental e clima, é urgente que o clamor mundial resulte em ações objetivas por parte das várias instâncias governamentais e da sociedade para que todos façam a sua parte. Quanto ao tabagismo, estamos diante da oportunidade e desafio de cessar seu consumo para diminuir o risco de adquirir e/ou ter formas mais graves dessa e de outras doenças. Mesmo que a relação entre tabagismo e COVID-19 precise ser ainda mais bem esclarecida, não há nenhuma dúvida que entre os principais fatores de risco para formas graves da doença estão o tabagismo em si e as doenças relacionadas ao uso de tabaco.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

JMC: revisão de literatura pertinente, elaboração do texto e aprovação da versão final. IG: revisão crítica da literatura e participação na elaboração do manuscrito.

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