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Editorial

Azitromicina em bronquiolite aguda

Azithromycin in acute bronchiolitis

Dirceu Solé1, Fausto Matsumoto1, Gustavo Falbo Wandalsen1

A bronquiolite aguda é uma das principais causas de hospitalização por problemas respiratórios em lactentes e crianças pequenas. Entre os possíveis agentes etiológicos predominam os virais e, entre esses, o vírus sincicial respiratório (VSR) e o rinovírus são os patógenos mais frequentes.(1)

Em humanos e em modelos animais, a infecção pelo VSR é seguida pela produção de interleucinas, como IL-12 e IL-18, e quimiocinas, como IL-8, IL-10, CCL5, proteína inflamatória de macrófagos 1α, CCL2 e eotaxina,(2) potentes mediadores inflamatórios. Fatores do hospedeiro, assim como fatores genéticos (polimorfismos) e ambientais, podem ser críticos na determinação da gravidade da doença induzida pelo VSR mesmo quando estão relacionados a idade, infecção recente, poluição e exposição a alérgenos. Aliado a isso, estudos apontam um risco aumentado de desenvolvimento de asma na infância entre pacientes que apresentaram bronquiolite aguda por VSR ou rinovírus nos primeiros anos de vida.(3)

Embora a maioria dos casos de bronquiolite aguda seja de etiologia viral, o tratamento com antimicrobianos estaria indicado na suspeita de coinfecção por bactérias ou por seus efeitos anti-inflamatórios. Todavia, seu uso tem sido muito difundido, sobretudo em pacientes hospitalizados. No entanto, o uso de antibióticos no início da vida tem sido associado ao desenvolvimento de sibilância recorrente ou asma em fase posterior da vida.(4) Um estudo realizado com a base de dados do Serviço Nacional de Saúde e Segurança de Taiwan (de 2005 a 2010) documentou a relação entre o risco de asma de início recente e o uso de antibióticos em pacientes hospitalizados por bronquiolite, especificamente a azitromicina (OR ajustada = 2,87; IC95%: 1,99-4,16).(5)

Os macrolídeos, principalmente a azitromicina, têm sido utilizados como terapia adjuvante no tratamento de algumas doenças pulmonares e da bronquiolite viral; além de sua ação bactericida, seu uso é justificado por suas ações anti-inflamatórias, antineutrofílicas e antivirais.(6)

Os resultados de estudos(7-9) que avaliaram o efeito do tratamento com azitromicina em pacientes hospitalizados por bronquiolite viral aguda demonstraram resultados distintos, tendo como variáveis idade, dose, tempo de tratamento, agente etiológico, atopia, desfechos clínicos, entre outros. Isso em parte justifica a diferença dos resultados observados.

Uma revisão sistemática seguida por meta-análise(7) avaliou os efeitos clínicos do tratamento com azitromicina em pacientes hospitalizados por bronquiolite. Foram revisados 14 estudos duplo-cegos controlados por placebo dos quais participaram 667 crianças com tratamento ativo e 661 controles. A análise global dos dados revelou não haver mudança no tempo de permanência hospitalar ou do uso de oxigênio suplementar, apesar de haver redução do tempo para o alívio de sibilância e tosse. Houve também a redução da colonização por Streptococcus pneumoniae, Haemophilus sp. e Moraxella catarrhalis na nasofaringe.(7)

Cada vez mais se tornam evidentes a importância e a participação do microbioma das vias aéreas na integridade e saúde das mesmas. Com o desenvolvimento desse microbioma já nos primeiros momentos da vida, ele é influenciado pelo tipo de parto (vaginal ou não), aleitamento materno, exposições ambientais e o ambiente em que a criança vive nos primeiros dias de vida.

Ao nascimento, a maioria das crianças é colonizada por Staphylococcus sp. ou Corynebacterium sp. antes da colonização mais estável com Alloiococcus sp. ou Moraxella sp. O desequilíbrio desse microbioma provavelmente guarda uma estreita relação com o desenvolvimento de doenças respiratórias, tais como asma e sibilância do lactente. Em pacientes com asma foi documentada a redução de espécies dos filos Bacteroidetes e Firmicutes e o predomínio de bactérias do filo Proteobacteria.(8)

Outra revisão sistemática seguida por meta-análise(9) avaliou os efeitos dos macrolídeos sobre o microbioma das vias aéreas e a produção de citocinas em crianças com bronquiolite. Houve uma redução significante do isolamento de S. pneumoniae, Haemophilus influenza e M. catarrhalis em nasofaringe, mas sem redução de Staphylococcus aureus após o tratamento com macrolídeos. Observou-se também uma redução significante dos níveis séricos de IL-8, IL-4 e eotaxina nas três semanas após a administração de claritromicina.(9) Macrolídeos podem reduzir níveis de IL-8 no plasma e na via aérea, mas falharam em demonstrar efeito antiviral em crianças com bronquiolite.(9)

No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, foi realizada uma análise secundária de um estudo duplo-cego randomizado controlado por placebo envolvendo lactentes (< 12 meses) hospitalizados por bronquiolite viral aguda (diagnóstico clínico) e tratados com azitromicina por via oral (10 mg/kg ao dia) ou placebo por sete dias. (10) Participaram da primeira fase do estudo 184 pacientes admitidos em hospitais universitários e que constituíram os dois grupos de tratamento (azitromicina e placebo), sem haver interferência nos protocolos de tratamento para bronquiolite viral aguda nesses hospitais. As variáveis estudadas ao final da hospitalização foram duração da internação e necessidade de oxigênio suplementar.(11) Os dois grupos de tratamento foram similares segundo os parâmetros clínicos de admissão e aproximadamente 15% das crianças tinham história familiar de asma. Em 63% desses pacientes houve o isolamento de um vírus, sendo que em 94% desses houve isolamento do VSR. Não houve diferenças quanto às duas variáveis estudadas.(11)

Para a nova avaliação, os pais ou responsáveis por essas crianças foram contatados, via telefônica, em três e seis meses após a alta, para responder um questionário padronizado para identificar a presença de sibilância recorrente e reinternações hospitalares. (10) Participaram dessa avaliação os pais/responsáveis de 67% dos pacientes iniciais; dentre esses pacientes, 54,3% haviam tido bronquiolite pelo VSR. A taxa de sibilância recorrente três meses após a alta foi significantemente menor (cerca de 50%) entre os tratados com azitromicina, fato que não se repetiu seis meses após a alta. Não houve diferenças com relação à taxa de reinternações.(10)

A possibilidade de redução da sibilância recorrente com o uso da azitromicina é animadora, mas diversos aspectos ainda devem ser mais bem esclarecidos antes da sua recomendação para o tratamento da bronquiolite. Conforme apontado pelos autores,(10) o número de crianças acompanhadas foi relativamente pequeno, e outros estudos são necessários para confirmar esses achados. A identificação de marcadores clínicos de melhor resposta preventiva após o uso da azitromicina é desejável, visando reduzir possíveis eventos adversos e de resistência antimicrobiana associados ao uso indiscriminado da medicação.

REFERÊNCIAS

1. Paul SP, Mukherjee A, McAllister T, Harvey MJ, Clayton BA, Turner PC. Respiratory-syncytial-virus- and rhinovirus-related bronchiolitis in children aged <2 years in an English district general hospital. J Hosp Infect. 2017;96(4):360-365. https://doi.org/10.1016/j.jhin.2017.04.023
2. Welliver RC, Garofalo RP, Ogra PL. Beta-chemokines, but neither T helper type 1 nor T helper type 2 cytokines, correlate with severity of illness during respiratory syncytial virus infection. Pediatr Infect Dis J. 2002;21(5):457-461. https://doi.org/10.1097/00006454-200205000-00033
3. Sigurs N, Aljassim F, Kjellman B, Robinson PD, Sigurbergsson F, Bjarnason R, et al. Asthma and allergy patterns over 18 years after severe RSV bronchiolitis in the first year of life. Thorax. 2010;65(12):1045-1052. https://doi.org/10.1136/thx.2009.121582
4. Ahmadizar F, Vijverberg SJH, Arets HGM, de Boer A, Turner S, Devereux G, et al. Early life antibiotic use and the risk of asthma and asthma exacerbations in children. Pediatr Allergy Immunol. 2017;28(5):430-437. https://doi.org/10.1111/pai.12725
5. Chen IL, Huang HC, Chang YH, Huang HY, Yeh WJ, Wu TY, et al. Effect of antibiotic use for acute bronchiolitis on new-onset asthma in children. Sci Rep. 2018;8(1):6090. https://doi.org/10.1038/s41598-018-24348-5
6. Schögler A, Kopf BS, Edwards MR, Johnston SL, Casaulta C, Kieninger E, et al. Novel antiviral properties of azithromycin in cystic fibrosis airway epithelial cells. Eur Respir J. 2015;45(2):428-439. https://doi.org/10.1183/09031936.00102014
7. Che SY, He H, Deng Y, Liu EM. Clinical effect of azithromycin adjuvant therapy in children with bronchiolitis: a systematic review and meta analysis [Article in Chinese]. Zhongguo Dang Dai Er Ke Za Zhi. 2019;21(8):812-819.
8. Lynch SV. The Lung Microbiome and Airway Disease. Ann Am Thorac Soc. 2016;13 Suppl 2(Suppl 5):S462-S465. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201605-356AW
9. Zhang Y, Dai J, Jian H, Lin J. Effects of macrolides on airway microbiome and cytokine of children with bronchiolitis: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Microbiol Immunol. 2019;63(9):343-349. https://doi.org/10.1111/1348-0421.12726
10. Luisi F, Roza CA, Silveira VD, Machado CC, da Rosa KM, Pitrez PM, et al. Azithromycin administered for acute bronchiolitis may have a protective effect on subsequent wheezing. J Bras Pneumol. 2020;46(3):e20180376. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20180376
11. Pinto LA, Pitrez PM, Luisi F, de Mello PP, Gerhardt M, Ferlini R, et al. Azithromycin therapy in hospitalized infants with acute bronchiolitis is not associated with better clinical outcomes: a randomized, double-blinded, and placebo-controlled clinical trial. J Pediatr. 2012;161(6):1104-1108. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2012.05.053

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