AO EDITOR,A incidência de tumores traqueais é inferior a 0,2/100.000 habitantes por ano e têm prevalência de 1 pessoa para cada 15.000 autopsias.(1) Levando em conta todas as mortes por câncer, esse tumor corresponde apenas a 0,1%.(1) No grupo de tumores traqueais, a incidência do carcinoma adenoide cístico varia de 18% a 59%, sendo o segundo tipo histológico mais frequente. Além disso, ele apresenta igual distribuição entre os sexos e não se relaciona com o tabagismo.(2,3) Sua sintomatologia é inespecífica, e o diagnóstico habitualmente é tardio. (4) O tratamento de eleição é a ressecção cirúrgica.(4)
Devido à raridade dessa lesão, poucas instituições têm tido a oportunidade de adquirir experiência sobre esse tipo de neoplasia, e, consequentemente, seu tratamento fica restrito a alguns centros médicos especializados. Dessa forma, a ressecção cirúrgica de tumores traqueais ainda é um desafio para o cirurgião torácico. A maioria dos procedimentos é realizada por toracotomia ou esternotomia mediana. Alguns centros específicos são capazes de abordagens por videotoracoscopia.
Como alternativa para a realização dessa cirurgia complexa, a robótica se apresenta como uma modalidade de cirurgia minimamente invasiva que propicia vários avanços tecnológicos, tais como visão tridimensional para o cirurgião, maior amplitude de movimentos dos instrumentos cirúrgicos, maior precisão dos movimentos e menor lesão tecidual. Tais avanços possibilitam uma cirurgia mais segura, precisa e eficiente. Podemos citar os seguintes benefícios da cirurgia robótica: menor tempo de recuperação no pós-operatório; menor dor no pós-operatório; menor tempo de internação; menor risco de sangramento e infecções; incisões menores; e preservação da ergonomia do cirurgião.(5)
Gostaríamos de apresentar o caso de um paciente do sexo masculino, 70 anos, que em fevereiro de 2018 apresentou um episódio de infarto agudo do miocárdio. Durante a internação o paciente apresentou pneumonia hospitalar. A TC de tórax identificou uma lesão dentro da luz carinal como um achado incidental. Foi realizada broncoscopia rígida com a excisão da lesão na cidade de origem do paciente. O resultado do exame anatomopatológico foi de carcinoma adenoide cístico.
O paciente foi então encaminhado para a cidade de Belo Horizonte (MG), onde se realizou broncoscopia flexível com visualização da lesão vegetante residual na carina. Optou-se por carinectomia e linfadenectomia mediastinal robóticas, com reconstrução de neocarina.
O paciente foi intubado com tubo orotraqueal simples fino guiado por endoscopia e colocado no brônquio principal esquerdo. Havia a disponibilidade de oxigenação extracorpórea por membrana caso fosse necessário.
Utilizou-se o sistema robótico Da Vinci Xi (Intuitive, Sunnyvale, CA, EUA). Foi realizado bloqueio intercostal e passagem de quatro portais robóticos. O portal da ótica foi posicionado ao nível do 8º espaço intercostal na linha axilar anterior direita, enquanto o braço anterior foi posicionado ao nível do 6º espaço intercostal na linha hemiclavicular anterior direita. Os demais braços foram posicionados de modo triangular em relação à ótica, distando 7 cm da mesma. Iniciou-se a cirurgia com linfadenectomia da cadeia linfonodal mediastinal número 7 para exposição da carina, dissecção da veia ázigos (Figura 1A) e grampeamento da mesma. A traqueia foi liberada com o intuito de proporcionar maior liberdade de movimento para a confecção da broncoplastia. Procedeu-se a broncotomia do brônquio principal esquerdo (Figura 1B), sendo identificada a lesão neoplásica por visualização direta. Houve a ressecção da carina, com margens livres confirmadas por exame histológico de corte e congelação. A seguir, foi realizada a reconstrução da traqueia e a confecção de neocarina com sutura contínua com fio polidioxanona 3-0 farpado (Figuras 1C e 1D), associado a patch de pericárdio bovino e cola biológica.
O paciente apresentou boa evolução e recebeu alta hospitalar no terceiro dia de pós-operatório. Duas semanas após a alta apresentou dor torácica moderada. Foi identificado pneumotórax laminar e realizada drenagem torácica. À broncoscopia foi identificada uma microfístula broncopleural. Optou-se por tratamento conservador com cinco dias de dreno torácico com resolução do quadro. O acompanhamento clínico e o controle endoscópico demonstraram cicatrização brônquica adequada. O resultado do exame anatomopatológico foi carcinoma adenoide cístico sem linfonodos mediastinais acometidos e margens cirúrgicas livres de acometimento neoplásico.
A cirurgia robótica tem uma série de vantagens em relação a outros métodos: é minimamente invasiva, proporcionando menor dor, menor tempo de internação e rápido retorno às atividades diárias em comparação com a cirurgia aberta; em comparação com outros acessos minimamente invasivos, os braços robóticos simulam os movimentos da mão humana, com uma dissecção mais precisa; a visão tridimensional magnifica os detalhes das estruturas anatômicas, tornando a cirurgia mais segura; e, conforme demonstrado aqui, é plenamente factível para casos bem selecionados, como na ressecção de tumores pequenos sem extensão mediastinal.
REFERÊNCIAS1. Pearson FG, Cardoso P, Keshavjee S. Primary tumors of the upper airway. In: Pearson FG, Deslauries J, Ginsberg RJ, editors. Thoracic surgery. 1st ed. New York: Churchill & Livingstone; 1995. p.285-299.
2. Sato K, Takeyama Y, Kato T, Kato T, Hashimoto H, Fukui Y, Gonda H, et al. Tracheal adenoid cystic carcinoma treated by repeated bronchoscopic argon plasma coagulation as a palliative therapy. Ann Thorac Cardiovasc Surg. 2014;20 Suppl:602-605. https://doi.org/10.5761/atcs.cr.12.02156
3. Suemitsu R, Okamoto T, Maruyama R, Wataya H, Seto T, Ichinose Y. A long-term survivor after aggressive treatment for tracheal adenoid cystic carcinoma: a case report. Ann Thorac Cardiovasc Surg. 2007;13(5):335-337.
4. Caiado A, Moura e Sá J. Tracheal tumors review--a clinical case of adenoid cystic carcinoma [Article in Portuguese]. Rev Port Pneumol. 2008;14(4):527-534. https://doi.org/10.1016/S0873-2159(15)30257-9
5. Bodner J, Wykypiel H, Wetscher G, Schmid T. First experiences with the da Vinci op-erating robot in thoracic surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2004;25(5):844-851. https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2004.02.001