Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
7559
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Qualidade de vida relacionada à saúde bucal em indivíduos com asma grave

Oral health-related quality of life in individuals with severe asthma

Rebeca Brasil-Oliveira1a, Álvaro Augusto Cruz1,2a, Adelmir Souza-Machado1,2a, Gabriela Pimentel Pinheiro2a, Debora dos Santos Inácio2a, Viviane Almeida Sarmento3a, Liliane Lins-Kusterer1a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200117

ABSTRACT

Objective: To evaluate oral health-related quality of life (OHRQoL) among individuals with severe asthma, comparing it with that observed among individuals with mild-to-moderate asthma and individuals without asthma. Methods: We conducted a cross-sectional study of 125 individuals: 40 with severe asthma; 35 with mild-to-moderate asthma; and 50 without asthma. We calculated the decayed, missing, and filled teeth (DMFT) index, as well as the Periodontal Screening and Recording index, and determined the stimulated salivary flow rate. We applied three structured questionnaires: the 14-item Oral Health Impact Profile (OHIP-14); the Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey, version 2 (SF-36v2); and the Work Ability Index (WAI). Results: Periodontitis and reduced salivary flow were both more common in the severe asthma group than in the mild-to-moderate asthma and no-asthma groups. In addition, the WAI scores were lower in the severe asthma group than in the mild-to-moderate asthma and no-asthma groups, as were the scores for all SF-36v2 domains. The individuals with severe asthma also scored lower for the OHIP-14 domains than did those without asthma. Although the mean DMFT index did not differ significantly among the groups, the mean number of missing teeth was highest in the severe asthma group. Strong correlations between the SF-36v2 Component Summaries and poorer OHRQoL were only observed in the severe asthma group. Conclusions: Severe asthma appears to be associated with poorer oral health, poorer OHRQoL, a lower WAI, and lower scores for SF-36v2 domains.

Keywords: Oral health; Periodontal diseases; Asthma.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde bucal (QVRSB) em indivíduos com asma grave, comparando-a com a observada em indivíduos com asma leve a moderada e sem asma. Métodos: Trata-se de um estudo transversal com 125 indivíduos: 40 com asma grave, 35 com asma leve a moderada e 50 sem asma. Foram avaliados o índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPO-D), o Periodontal Screening and Recording (PSR, Registro Periodontal Simplificado) e o fluxo salivar estimulado. Foram aplicados três questionários estruturados: o 14-item Oral Health Impact Profile (OHIP-14), o Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey, version 2 (SF-36v2) e o Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT). Resultados: Periodontite e fluxo salivar reduzido foram mais comuns no grupo com asma grave do que nos grupos com asma leve a moderada e sem asma. Além disso, a pontuação obtida no ICT e em todos os domínios do SF-36v2 foi menor no grupo com asma grave do que nos grupos com asma leve a moderada e sem asma. A pontuação nos domínios do OHIP-14 também foi menor nos indivíduos com asma grave do que naqueles sem asma. Embora não tenha havido diferença significativa entre os grupos quanto à média do índice CPO-D, a maior média de dentes perdidos foi observada no grupo com asma grave. Correlações fortes entre os Resumos dos Componentes do SF-36v2 e pior QVRSB foram observadas apenas no grupo com asma grave. Conclusões: A asma grave parece estar relacionada com pior saúde bucal, pior QVRSB, menor ICT e menor pontuação nos domínios do SF-36v2.

Palavras-chave: Saúde bucal; Doenças periodontais; Asma.

INTRODUÇÃO



A asma é uma doença heterogênea variável, caracterizada principalmente por sintomas respiratórios, incluindo tosse, sibilância, dispneia, aperto no peito e limitação (geralmente) reversível do fluxo aéreo tipicamente relacionada com inflamação das vias aéreas. (1) As doenças respiratórias crônicas afetam mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo, incluindo trezentos milhões de pessoas com asma.(2) Em 2011, o Ministério da Saúde do Brasil registrou 175.000 hospitalizações por asma no país, onde a asma é responsável por mais de 2.000 mortes por ano.(3) Embora aproximadamente 23% dos adultos no Brasil tenham apresentado sibilância em 2017, apenas 12% receberam diagnóstico médico de asma.(3) Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),(4) a asma é subdiagnosticada e sua prevalência é, portanto, subestimada.



Em virtude da alta prevalência de doenças respiratórias crônicas, a OMS recomenda que se aumentem a vigilância, prevenção e controle dessas doenças em todo o mundo. (4) Muitos fatores ambientais e genéticos influenciam sua progressão.(5) Existe uma forte relação entre doenças respiratórias e doença periodontal, que tem múltiplos determinantes.(6)



O uso de corticosteroides inalatórios reduz o risco de exacerbações graves da asma e controla os sintomas da doença em adultos e adolescentes.(1) No entanto, os corticosteroides podem suprimir o sistema imunológico local e aumentar a suscetibilidade individual a infecção por certos patógenos.(7) As células do sistema imunológico produzem citocinas inflamatórias quando ativadas por patógenos. Essas citocinas estimulam macrófagos e osteoclastos a liberar hidrolases, colagenases e metaloproteinases da matriz. As metaloproteinases provenientes de processos inflamatórios relacionados à doença periodontal podem afetar a estrutura tecidual do sistema respiratório, exacerbando a inflamação brônquica e agravando as manifestações da asma.(8-11)



Há relação entre a reabsorção óssea relacionada à asma e a doença periodontal. O uso regular de corticosteroides inalatórios pode afetar a arquitetura óssea por meio de uma cascata de eventos celulares e teciduais que predispõem a perda óssea.(12) Mediadores pró-inflamatórios da doença periodontal também podem estar relacionados com remodelação brônquica em indivíduos com asma grave. (11) No entanto, há uma lacuna no conhecimento sobre o efeito da asma grave na qualidade de vida relacionada à saúde bucal (QVRSB). Nosso objetivo foi comparar indivíduos com asma grave, asma leve a moderada e sem asma quanto à QVRSB.



MÉTODOS



Desenho e população do estudo



Trata-se de um estudo transversal realizado entre fevereiro de 2017 e novembro de 2019. A amostra consistiu em 125 pacientes, em três grupos: o grupo de estudo, formado por 40 pacientes do Programa para o Controle da Asma na Bahia (ProAR) com asma não tratada previamente e considerada grave de acordo com definições anteriores de gravidade,(13) e dois grupos de comparação, um deles formado por 35 pacientes com asma leve a moderada (conforme a classificação da Global Initiative for Asthma)(14) e o outro formado por 50 indivíduos sem asma. Todos os pacientes com asma leve a moderada foram recrutados no Ambulatório de Referência do ProAR e usavam corticosteroide inalatório. Os indivíduos sem asma foram recrutados na Clínica de Saúde Bucal do ProAR, onde recebiam tratamento para outras doenças. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Referência n. 2.663.115), em conformidade com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e com a Declaração de Helsinque de 2013 da Associação Médica Mundial. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.



Informações sobre características demográficas e socioeconômicas, bem como sobre hábitos de higiene bucal e comorbidades associadas foram coletadas por uma equipe multidisciplinar treinada. Durante a anamnese e o exame clínico, o mesmo dentista avaliou o índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPO-D) e o Periodontal Screening and Recording (PSR, Registro Periodontal Simplificado) em todos os participantes. O dentista avaliou o PSR com uma sonda periodontal aprovada pela OMS no sulco gengival, avaliando a profundidade de sondagem (em milímetros) em seis locais por dente, excluindo os terceiros molares. O PSR é capaz de identificar sangramento gengival, recessão gengival e cálculos. Para a identificação de gengivite ou periodontite, foram aplicados os critérios estabelecidos pela OMS(15) e pela European Association of Dental Public Health. (16) Embora não haja um ponto de corte de referência para a frequência de escovação, todos os pacientes são orientados a escovar os dentes após as refeições. Duas horas depois do café da manhã, amostras de saliva estimulada foram coletadas por meio de estimulação mecânica salivar com sialogogos durante 2 min e, em seguida, depósito da saliva acumulada em um tubo estéril graduado. A quantidade de saliva coletada é expressa em mL/min. Um fluxo salivar estimulado < 1 mL/min foi considerado reduzido.(17)



Foram aplicados três questionários estruturados(18-20): o 14-item Oral Health Impact Profile (OHIP-14), para avaliar a QVRSB, o Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey, version 2 (SF-36v2), para avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde geral (QVRS), e o Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT), para avaliar a percepção dos indivíduos a respeito de sua capacidade de trabalhar.



OHIP-14



O OHIP-14 é um questionário autoaplicável abrangente que avalia a disfunção, desconforto e incapacidade em virtude do estado de saúde bucal e é amplamente usado para avaliar a QVRSB.(18) O OHIP-14 consiste em 14 itens divididos em sete domínios: limitação funcional, dor física, desconforto psicológico, incapacidade física, incapacidade psicológica, incapacidade social e desvantagem. As respostas são classificadas por meio da escala de Likert e vão de "nunca" a "sempre". Quanto maior a pontuação, maior o impacto na saúde bucal e menor a QVRSB.



SF-36v2



O SF-36v2 consiste em 36 itens em oito domínios: capacidade funcional, função física, dor corporal, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, função emocional e saúde mental. O agrupamento desses fatores gera o Physical Component Summary (PCS, Resumo do Componente Físico) e o Mental Component Summary (MCS, Resumo do Componente Mental).(19) O programa PRO CoRE, versão 1.3 (Optum, Inc., Johnston, RI, EUA) foi usado para calcular a pontuação obtida no SF-36v2 e obter a pontuação normalizada. (19) A pontuação normalizada no SF-36v2 é ajustada para uma média de 50 com desvio-padrão de 10, o que permite comparações entre os domínios. A OptumInsight Life Sciences Inc. (Johnston, RI, EUA) autorizou a reprodução da produção (Licença n. QM025905).



ICT



O ICT(20) é um questionário com sete componentes: capacidade atual para o trabalho em comparação com a melhor em toda a vida; capacidade para o trabalho em relação às exigências do trabalho; número atual de doenças diagnosticadas por médicos; estimativa de prejuízo no trabalho em virtude de doenças; licença médica nos últimos 12 meses; prognóstico próprio da capacidade para o trabalho daqui a 2 anos; recursos mentais. O ICT acumulado varia de 7 a 49 pontos e é categorizado da seguinte maneira(21): ruim (7-27 pontos), moderado (28-36 pontos), bom (37-43 pontos) ou excelente (44-49 pontos). O ICT já foi traduzido para o português,(22) além de apresentar validade de construto satisfatória para uso no Brasil.(23)



Análise estatística



A principal variável de desfecho (a pontuação obtida no OHIP-14) foi usada para calcular o poder do teste por meio do pacote MultNonParam para RStudio, versão 1.2.5019 (RStudio, Inc., Boston, MA, EUA). Foi também usado o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, conforme descrito anteriormente,(24) com técnicas de bootstrap (Monte Carlo) para produzir uma estimativa de poder baseada nas funções de distribuição acumulada empírica dos dados da amostra. Foi realizada uma simulação com três grupos: asma grave (n = 40), asma leve a moderada (n = 35) e sem asma (n = 50). O poder do teste foi calculado em 99%, com valor de p = 0,01. As variáveis contínuas estão expressas em forma de médias e desvios-padrão, ao passo que as variáveis categóricas estão expressas em forma de frequências absolutas e relativas. Em 10% da amostra, o nível de concordância interobservadores foi determinado pelo cálculo do coeficiente kappa.(25) A consistência interna e a confiabilidade das escalas foram avaliadas pelo coeficiente alfa de Cronbach, cujos valores foram considerados satisfatórios se iguais a 0,70-0,80 e ideais se iguais a 0,80-0,90.(26) O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para avaliar a normalidade da distribuição. O teste de Kruskal-Wallis foi usado para determinar a magnitude das diferenças entre os três grupos, e o teste U de Mann-Whitney foi usado para comparar duas amostras independentes. As correlações entre os domínios do OHIP-14 e as pontuações obtidas no PCS e MCS do SF-36v2 foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Pearson. (27) Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa IBM SPSS Statistics, versão 21.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA).



RESULTADOS



A média de idade foi de 51,8 ± 10,8 anos no grupo com asma grave (n = 40), 42,5 ± 14,2 anos no grupo com asma leve a moderada (n = 35) e 48,2 ± 12,4 anos no grupo sem asma (n = 50).



Indivíduos do sexo feminino e negros/pardos corresponderam, respectivamente, a 85,0% e 95,0% do grupo com asma grave, 85,7% e 94,3% do grupo com asma leve a moderada e 48,0% e 76,0% do grupo sem asma. Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto à escolaridade (p > 0,05) e frequência de escovação (p > 0,05). A maioria (90,0%) dos indivíduos do grupo sem asma recebia mais de um salário mínimo; porém, apenas 57,5% daqueles com asma grave e 54,3% daqueles com asma leve a moderada recebiam mais de um salário mínimo (Tabela 1).



 






As proporções de indivíduos com periodontite e fluxo salivar reduzido foram de 92,5% e 80,0%, respectivamente, no grupo com asma grave, maiores que os 54,3% e 74,3%, respectivamente, no grupo com asma leve a moderada e que os 14,0% e 26,0%, respectivamente, no grupo sem asma. Apenas 45,0% dos indivíduos do grupo com asma grave eram sedentários, em comparação com 97,1% daqueles do grupo com asma leve a moderada e 60,0% daqueles do grupo sem asma. A maior proporção de indivíduos com ICT bom ou excelente (66,0%) foi observada no grupo sem asma, ao passo que a maior proporção de indivíduos com ICT ruim (47,5%) foi observada no grupo com asma grave (Tabela 1). A concordância interobservadores foi substancial (kappa = 0,68).



O coeficiente alfa de Cronbach foi ≥ 0,70 para a pontuação obtida nos domínios do SF-36v2 e para o ICT. O ICT e a pontuação nos domínios de QVRS e no PCS e MCS do SF-36v2 foram consistentemente menores nos indivíduos com asma grave do que naqueles com asma leve a moderada e sem asma (Tabela 2). Houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos quanto aos domínios capacidade funcional, função física, dor corporal, estado geral de saúde, vitalidade e função emocional do SF-36v2, bem como quanto ao ICT (p < 0,05 para todos). Não houve diferença significativa entre os grupos quanto ao índice CPO-D. No entanto, a maior média de dentes perdidos foi observada no grupo com asma grave (p < 0,05) e a maior média de dentes cariados (2,5 ± 2,0) foi observada no grupo sem asma (p = 0,03).



 






O coeficiente alfa de Cronbach foi de 0,80 para a pontuação no OHIP-14. A média da pontuação em todos os domínios do OHIP-14 foi significativamente menor no grupo com asma grave do que no grupo sem asma (Tabela 3).



 






Correlações negativas fortes entre a pontuação no PCS e MCS do SF-36v2 e a pontuação no OHIP-14 (melhor QVRSB na presença de pior QVRS) foram observadas apenas no grupo com asma grave (Tabela 4). Os domínios limitação funcional, incapacidade psicológica e incapacidade social do OHIP-14 e a pontuação total no OHIP-14 correlacionaram-se significativamente com a pontuação no PCS. A pontuação no domínio incapacidade psicológica do OHIP-14 e a pontuação total no OHIP-14 apresentaram correlações negativas significativas com a pontuação no MCS.



 






DISCUSSÃO



Neste estudo transversal, a QVRSB foi pior, o número de dentes perdidos foi maior e o ICT foi menor nos indivíduos com asma do que naqueles sem a doença. Além disso, a QVRSB foi pior, o ICT foi menor e a QVRS foi pior nos indivíduos com asma grave do que naqueles com asma leve a moderada e naqueles sem asma. Correlações negativas entre a pontuação no OHIP-14 e a pontuação no PCS e MCS do SF-36v2 foram observadas apenas no grupo com asma grave, o que ressalta a necessidade de usar instrumentos específicos e gerais para avaliar a QVRSB em indivíduos com asma. Vale notar que todos os instrumentos apresentaram boa consistência interna, com coeficiente alfa de Cronbach ≥ 0,70. Embora as maiores rendas mensais tenham sido observadas no grupo sem asma, não houve diferenças significativas entre os grupos quanto à escolaridade, frequência de escovação ou número de dentes obturados. Os indivíduos com asma grave apresentaram um número muito maior de dentes perdidos e uma probabilidade muito maior de ter periodontite e fluxo salivar reduzido. O acesso ao tratamento odontológico e à assistência à saúde bucal não minimizou nem evitou tais alterações.



A saliva tem várias funções na cavidade oral, incluindo lubrificação, limpeza mecânica, capacidade de tamponamento, atividade antimicrobiana e reparação tecidual. O fluxo salivar baixo reduz a eficácia dessas funções(28) e pode, portanto, ser considerado um possível mediador da pior QVRSB em indivíduos com asma. No presente estudo, 80,0% dos indivíduos com asma grave e 74,3% daqueles com asma leve a moderada apresentaram redução do fluxo salivar, o que pode contribuir para o surgimento de doença periodontal e perda dentária. O monitoramento do fluxo salivar ajuda a prevenir problemas de saúde bucal e preservar a QVRSB em pacientes com asma. Em um estudo anterior, observou-se uma relação entre fluxo salivar reduzido e doença periodontal e baixa QVRS em pacientes com outras doenças sistêmicas.(29) No presente estudo também se observou uma relação entre baixa QVRSB e baixa QVRS em indivíduos com asma grave. No entanto, para confirmar essa correlação, são necessários mais estudos, nos quais se analisem as características latentes dos construtos avaliados do SF-36v2 e do OHIP-14.(30)



A relação entre infecção periodontal e doenças sistêmicas, tais como doenças do aparelho respiratório, tem sido investigada nas últimas décadas. No entanto, pelo que sabemos, nenhum estudo investigou o impacto da doença periodontal na QVRSB de indivíduos com asma. Alguns estudos sugeriram que existe uma forte associação positiva entre a periodontite e a gravidade da asma.(11,31) No entanto, ainda não há evidências de uma relação de causa e efeito; nem mesmo se sabe se tal associação seria bidirecional. Além disso, esses estudos não avaliaram a QVRSB.



Pelo que sabemos, este é o primeiro estudo a avaliar a QVRSB, perfis de saúde bucal e a capacidade para o trabalho em indivíduos com asma. Quando foram considerados a QVRS, a saúde bucal e o ICT, os indivíduos com asma grave apresentaram pontuação normalizada mais baixa em todos os domínios do SF-36v2, ICT mais baixo e QVRSB pior do que aqueles com asma leve a moderada e aqueles sem asma. Em um estudo com pacientes com hepatopatias crônicas,(29) a má saúde bucal também apresentou relação com baixa QVRS e baixa capacidade para o trabalho.



No presente estudo, foram usados vários questionários para compreender e avaliar o efeito da má saúde bucal na QVRSB e funcionalidade de indivíduos com asma. Uma análise psicométrica da versão em português do OHIP-14 sugeriu que o instrumento é unidimensional e que a pontuação total reflete mais precisamente a QVRSB dos indivíduos do que a pontuação em cada domínio individual.(32) No entanto, no presente estudo, tanto a pontuação obtida nos domínios do OHIP-14 como a pontuação total foram maiores nos pacientes com asma grave, independentemente de a análise ser unidimensional ou multidimensional.



Análises psicométricas anteriores do SF-36 e do OHIP-14 mostraram correlações significativas entre eles.(30) No entanto, nossas análises de correlação mostraram que a pontuação no OHIP-14 correlacionou-se com a pontuação no PCS e MCS do SF-36v2 apenas no grupo com asma grave. Esses achados reforçam a necessidade de assistência odontológica em pacientes com asma grave.



Nosso estudo tem algumas limitações. Por se tratar de um estudo transversal, não foi possível identificar relações entre exposição e efeito. Além disso, não foi possível recrutar aleatoriamente pacientes com asma na coorte do ProAR. Vale notar que todos os instrumentos usados apresentaram boa confiabilidade. Além disso, nosso estudo foi realizado em um centro de referência para o tratamento da asma e, portanto, é possível que a população reflita as características gerais apenas de pacientes com asma no estado da Bahia. Ainda, nossas conclusões são limitadas pelo fato de que não foram avaliados nem os dados de tratamento (dose total diária ou acumulada de corticosteroides inalatórios) nem os dados funcionais (obtidos a partir de exames como a espirometria). No entanto, pelo que sabemos, este foi o primeiro estudo a investigar as relações entre QVRSB, QVRS e ICT em indivíduos com asma grave.



A asma grave parece estar relacionada com pior saúde bucal, pior QVRSB, menor ICT e menor pontuação nos domínios de QVRS do SF-36v2. Nossos achados reforçam a necessidade de tratamento periodontal em pacientes com asma grave.



CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES



RBO, VAS e LLK: concepção e desenho do estudo; análise dos dados; redação/revisão do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito. AAC, ASM e GPP: redação/revisão do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito. DSI: aprovação da versão final do manuscrito.



REFERÊNCIAS



1. Global Initiative for Asthma (GINA). Pocket guide for asthma management and prevention. Bethesda: GINA; 2019.



2. Bousquet J, Dahl R, Khaltaev N. Global Alliance against Chronic Respiratory Diseases. Eur Respir J. 2007;29(2):233-239. https://doi.org/10.1183/09031936.00138606



3. The Global Asthma Report 2018 [homepage on the Internet]. Auckland, New Zealand: Global Asthma Network; c2018 [cited 2020 Mar 1]. Asthma in regions: Country Reports from Latin America--Brazil; [about 2 screens]. Available from: http://www.globalasthmanetwork.org/about/about.php



4. Cruz AA, Camargos PAM, Bousquet J. As doenças crônicas como problema de saúde pública em países de renda média e baixa. Gaz Med Bahia. 2008;78(1):107-109.



5. Morjaria JB, Polosa R. Recommendation for optimal management of severe refractory asthma. J Asthma Allergy. 2010;3:43-56. https://doi.org/10.2147/JAA.S6710



6. Gomes-Filho IS, Cruz SSD, Trindade SC, Passos-Soares JS, Carvalho-Filho PC, Figueiredo ACMG, Lyrio AO, et al. Periodontitis and respiratory diseases: A systematic review with meta-analysis. Oral Dis. 2020;26(2):439-446. https://doi.org/10.1111/odi.13228



7. Santos NC, Jamelli SR, Rizzo JA, Sarinho ES. Side adverse effects of inhaled steroids on periodontal health that physician needs to know [Article in Portuguese]. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2007;30(6):220-226.



8. Gueders MM, Foidart JM, Noel A, Cataldo DD. Matrix metalloproteinases (MMPs) and tissue inhibitors of MMPs in the respiratory tract: potential implications in asthma and other lung diseases. Eur J Pharmacol. 2006;533(1-3):133-144. https://doi.org/10.1016/j.ejphar.2005.12.082



9. Navarro VP, Nelson-Filho P, Silva LA, Freitas AC. The participation of matrix metalloproteinases in the physiopathological processes of the oral cavity [Article in Portuguese]. Rev Odontol UNESP. 2006;35(4):233-238.



10. Holgate ST. The role of mast cells and basophils in inflammation. Clin Exp Allergy. 2000;30 Suppl 1:28-32. https://doi.org/10.1046/j.1365-2222.2000.00093.x



11. Gomes-Filho IS, Soledade-Marques KR, Seixas da Cruz S, Passos-Soares JS, Trindade SC, Souza-Machado A, et al. Does periodontal infection have an effect on severe asthma in adults?. J Periodontol. 2014;85(6):e179-e187. https://doi.org/10.1902/jop.2013.130509



12. Monadi M, Javadian Y, Cheraghi M, Heidari B, Amiri M. Impact of treatment with inhaled corticosteroids on bone mineral density of patients with asthma: related with age. Osteoporos Int. 2015;26(7):2013-2018. https://doi.org/10.1007/s00198-015-3089-y



13. Cruz AA, Riley JH, Bansal AT, Ponte EV, Souza-Machado A, Almeida PCA et al. Asthma similarities across ProAR (Brazil) and U-BIOPRED (Europe) adult cohorts of contrasting locations, ethnicity and socioeconomic status. Respir Med. 2020;161:105817. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2019.105817



14. Global Initiative for Asthma [homepage on the Internet]. Bethesda: Global Initiative for Asthma. [cited 2020 Mar 1]. Global Strategy for Asthma Management and Prevention 2012. [Adobe Acrobat document, 128p.]. Available from: http://www.ginasthma.org/local/uploads/files/GINA_Report_March13.pdf



15. Organização Mundial da Saúde. Levantamentos básicos em saúde bucal. 4th ed. São Paulo: Santos; 1999.



16. Leroy R, Eaton KA, Savage A. Methodological issues in epidemiological studies of periodontitis--how can it be improved? BMC Oral Health. 2010;10:8. https://doi.org/10.1186/1472-6831-10-8



17. Krasse B. Caries Risk: A Practical Guide for Assessment and Control. Chicago: Quintessence; 1985.



18. Slade GD. Derivation and validation of a short-form oral health impact profile. Community Dent Oral Epidemiol. 1997;25(4):284-290. https://doi.org/10.1111/j.1600-0528.1997.tb00941.x



19. Lins-Kusterer L, Valdelamar J, Aguiar CVN, Menezes MS, Netto EM, Brites C. Validity and reliability of the 36-Item Short Form Health Survey questionnaire version 2 among people living with HIV in Brazil. Braz J Infect Dis. 2019;23(5):313-321. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2019.08.001



20. Ilmarinen J. The Work Ability Index (WAI). Occup Med. 2007;57(2):160. https://doi.org/10.1093/occmed/kqm008



21. Gould R, Ilmarinen J, Järvisalo J, Koskinen S. Dimensions of work ability. Results of the health 2000 survey. Vaasa: Finnish Centre for Pensions; 2008.



22. Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. São Carlos: Ed UFSCar; 2005.



23. Martinez MC, Latorre Mdo R, Fischer FM. Validity and reliability of the Brazilian version of the Work Ability Index questionnaire. Rev Saude Publica. 2009;43(3):525-532. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000017



24. Mahoney M, Magel R. Estimation of the Power of the Kruskal-Wallis Test. Biom J. 1996;38(5):613-630. https://doi.org/10.1002/bimj.4710380510



25. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-174. https://doi.org/10.2307/2529310



26. Streiner DL. Starting at the beginning: an introduction to coefficient alpha and internal consistency. J Pers Assess. 2003;80(1):99-103. https://doi.org/10.1207/S15327752JPA8001_18



27. Hosmer DW, Lemeshow S. Applied Logistic Regression. New York: Wiley; 2000. https://doi.org/10.1002/0471722146



28. Acevedo AC. Saliva and oral health. Rev Assoc Med Bras (1992). 2010;56(1):2. https://doi.org/10.1590/S0104-42302010000100001



29. Aguiar I, Lins-Kusterer L, Lins LS, Paraná R, Bastos J, Carvalho FM. Quality of life, work ability and oral health among patients with chronic liver diseases. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2019;24(3):e392-e397. https://doi.org/10.4317/medoral.22918



30. Zucoloto ML, Maroco J, Campos JA. Impact of oral health on health-related quality of life: a cross-sectional study. BMC Oral Health. 2016;16(1):55. https://doi.org/10.1186/s12903-016-0211-2



31. Soledade-Marques KR, Gomes-Filho IS, da Cruz SS, Passos-Soares JS, Trindade SC, Cerqueira EMM, et al. Association between periodontitis and severe asthma in adults: A case-control study. Oral Dis. 2018;24(3):442-448. https://doi.org/10.1111/odi.12737



32. Santos CM, Oliveira BH, Nadanovsky P, Hilgert JB, Celeste RK, Hugo FN. The Oral Health Impact Profile-14: a unidimensional scale?. Cad Saude Publica. 2013;29(4):749-757. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000800012

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia