ABSTRACT
In this cross-sectional study, we investigated the relationship that levels of vitamin D had with eosinophil counts and IgE levels in 26 children with asthma (6-12 years of age) in the city of Londrina, Brazil. Vitamin D levels were found to correlate significantly, albeit moderately, with age (r = −0.51) and eosinophilia (r = −0.49), although not with IgE levels (r = −0.12). When we stratified the sample into two groups by the median vitamin D level (< or ≥ 24 ng/mL), we found that those in the < 24 ng/mL group were older, had higher eosinophil counts, and had higher IgE levels. To our knowledge, this is the first study to show an association between low levels of vitamin D and more pronounced eosinophilia in children with asthma in Brazil.
Keywords:
Vitamin D; Asthma; Eosinophils; Eosinophilia; Child.
RESUMO
A associação entre níveis de vitamina D, eosinófilos e IgE foi analisada transversalmente em 26 crianças (6-12 anos) com asma na cidade de Londrina (PR). Foram observadas correlações moderadas dos níveis de vitamina D com idade (r = −0,51) e eosinofilia (r = −0,49), mas não com IgE (r = −0,12). Ao separar a amostra pelo ponto de corte obtido com a mediana dos níveis de vitamina D (< ou ≥ 24 ng/mL), valores mais altos de idade, eosinófilos e IgE ocorreram no grupo abaixo desse ponto. Pelo que sabemos, este estudo exploratório é o primeiro a mostrar uma associação entre níveis baixos de vitamina D e eosinofilia mais acentuada em crianças asmáticas no Brasil.
Palavras-chave:
Vitamina D; Asma; Eosinófilos; Eosinofilia; Criança.
A inflamação via linfócitos Th2 é o perfil mais comum de asma na infância e caracteriza-se pela presença de eosinófilos e aumento nos níveis de IgE, que se relacionam à melhora da doença com corticosteroides.(1-3)
A vitamina D, um micronutriente lipossolúvel(4) que age por meio do vitamin D receptor (VDR, receptor de vitamina D),(5) pode influenciar a cascata imunológica da asma suprimindo a resposta de linfócitos T2 alto e reduzindo a produção de IL-5, com diminuição do número de eosinófilos e dos níveis de IgE.(6) Usualmente a vitamina D não está presente na alimentação da maioria das pessoas, inclusive na dos brasileiros.(2,7-9) Somado ao hábito de exposição solar insuficiente, isso pode gerar um quadro de deficiência dessa vitamina.
No Brasil, embora a maioria da população resida em regiões de adequada exposição solar, a hipovitaminose D é um problema comum que também acomete crianças e relaciona-se com o aumento da incidência de sintomas de asma e ao seu mau controle.(8,9) Em um estudo prévio feito em crianças com asma e insuficiência de vitamina D, sua suplementação melhorou o controle da asma e diminuiu o risco de exacerbações.(4) Adicionalmente, níveis mais altos de eosinófilos e IgE podem ser encontrados em pacientes com insuficiência de vitamina D, diferentemente naqueles com níveis suficientes dessa. (6,10) No entanto, com relação aos valores de vitamina D usados internacionalmente (isto é, < 20 ng/dL como deficiência, e de 20-30 ng/dL como insuficiência), é questionável se esses são aplicáveis como referência para todos os indivíduos, pois não são considerados suas características clínicas, local de habitação, idade e hábitos de vida.(9-11)
A associação dos níveis de vitamina D com eosinofilia e IgE não foi explorada em profundidade em crianças com asma no Brasil. Apesar de essa população estar sujeita a especificidades clínicas e níveis de exposição solar próprios, hipotetiza-se que tais associações possam também ocorrer em crianças no Brasil, assim como tem sido observado em outras populações de diferentes locais do mundo. Portanto, o objetivo do presente estudo exploratório foi analisar os níveis de vitamina D e sua associação com níveis de eosinófilos e IgE em uma amostra de escolares com asma.
O presente estudo foi realizado no Ambulatório de Pneumologia Pediátrica da Universidade Estadual de Londrina, localizado na cidade de Londrina (PR). Trata-se de um estudo primário e exploratório com delineamento analítico transversal. A amostra foi composta por pacientes consultados consecutivamente no ambulatório entre maio e agosto de 2019 (meses de outono e inverno), provenientes de Londrina e região, que aceitaram participar do estudo. Um termo de consentimento livre e esclarecido, informando os aspectos éticos e legais da pesquisa, foi assinado pelos responsáveis de todos os participantes. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Instituição sob o número 3.093.047/2018.
Os critérios de inclusão foram os seguintes: pacientes entre 6-12 anos acompanhados no ambulatório com diagnóstico clínico de asma, estabelecido conforme a Global Initiative for Asthma(1); uso corrente de corticosteroide inalatório sem restrições quanto ao tempo de uso; estabilidade clínica sem necessidade de uso de corticosteroide oral no último mês em razão de crise asmática; ausência de suplementação de vitamina D no último mês; ausência de outras pneumopatias, paralisia cerebral, doença do refluxo gastroesofágico ou disfagia; e uso de antiparasitário nos últimos 12 meses. Os critérios de exclusão foram: ocorrência de exacerbação asmática que requeresse um período de hospitalização maior do que um dia e/ou uso de corticosteroide oral; ocorrência de comorbidades associadas; uso de medicações que possam interferir na metabolização da vitamina D (por exemplo, anticonvulsivantes ou antifúngicos sistêmicos); e impossibilidade de obtenção de amostra laboratorial para a quantificação da vitamina D.
Os pacientes que preencheram os critérios de inclusão, conforme identificados pela avaliação clínica, foram avaliados em momento único. O método de avaliação dos níveis séricos de 25-hidroxivitamina D3 (vitamina D) foi descrito previamente,(12,13) refletindo contribuições de todas as fontes dessa vitamina (ou seja, por via alimentar e exposição ao sol).(14) Os métodos de avaliação de eosinófilos séricos(3,13), IgE,(15) nível de controle da asma,(1) diagnóstico de rinite alérgica(16) e espirometria(17,18) também já foram descritos anteriormente. A graduação da posologia de corticosteroides inalatórios e a sua padronização em dosagens equivalentes à budesonida foram feitas conforme descrito no GINA.(1)
Com relação ao tamanho amostral, um cálculo realizado (http://www.sample-size.net/correlation-sample-size/) utilizando-se alfa de 0,05 e beta de 0,20, objetivando atingir uma correlação > 0,60 entre o níveis de vitamina D e eosinófilos indicou a necessidade de uma amostra de 19 pacientes.
Para a análise estatística foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para analisar a normalidade da distribuição dos dados, com descrição dos dados em média e desvio-padrão ou mediana e intervalo interquartil. Considerando que os valores de mediana de vitamina D não se apresentaram em consonância com os valores adequados comumente propostos internacionalmente, para fins de análise no presente estudo, os pacientes foram categorizados em dois grupos de acordo com o nível de vitamina D: indivíduos com níveis acima ou abaixo da mediana da amostra (24 ng/mL). A mediana foi escolhida por ser considerada mais representativa em amostras com tamanho limitado. A comparação entre esses dois grupos foi realizada pelo teste t de Student não pareado ou pelo teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas e pelo teste do qui-quadrado para variáveis categóricas. As correlações foram avaliadas pelo coeficiente de Spearman. A análise estatística foi realizada utilizando o pacote estatístico IBM SPSS Statistics, versão 22.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). A significância estatística foi determinada como p < 0,05.
Foram incluídos 27 pacientes no estudo, e 1 foi excluído por não ter sido possível coletar a amostra laboratorial para a quantificação da vitamina D. As características basais dos 26 pacientes estão descritas na Tabela 1. De modo geral, a amostra apresentou IMC dentro da faixa da normalidade, níveis de vitamina D em dissonância com os considerados adequados comumente propostos internacionalmente, níveis aumentados de IgE e eosinofilia.
O grupo com nível de vitamina D < 24 ng/mL apresentou maior idade e maiores valores absolutos de eosinófilos e de IgE em relação ao grupo com níveis acima desse valor (Tabela 2). Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes ou limítrofes em outras variáveis. Na amostra como um todo, foram observadas correlações moderadas e estatisticamente significantes dos níveis de vitamina D com idade (r = −0,51) e número absoluto de eosinófilos (r = −0,49), mas não com IgE (r = −0,12; p = 0,66). Nenhuma outra correlação significativa foi observada entre as demais variáveis estudadas.
Pelo nosso conhecimento, este é o primeiro estudo a mostrar que níveis reduzidos de vitamina D se associaram a maiores números absolutos de eosinófilos e de níveis de IgE em uma amostra de crianças com asma no Brasil, embora os resultados devam ser vistos com cautela por ainda não permitirem inferir causalidade. A associação do nível de vitamina D com a idade já foi observada em crianças e adolescentes anteriormente,(10) embora ainda não em crianças no Brasil. Isso pode ser devido a hábitos de vida (por exemplo, menor exposição solar) e ao aumento do risco de doenças crônicas e de caráter inflamatório, que causam maior utilização da vitamina D em processos metabólicos.(8,9)
Atualmente, o papel da vitamina D em pontos da cascata inflamatória do paciente com asma é assunto de diversas discussões, com resultados conflitantes. Um estudo com crianças com asma no Brasil (7-14 anos) não quantificou eosinófilos mas encontrou uma associação inversa entre níveis de IgE e de vitamina D,(11) enquanto outro estudo com crianças com asma (6-14 anos) na Costa Rica mostrou uma associação significante da vitamina D com IgE; porém, não com eosinófilos.(10)
A vitamina D, em resposta a corticosteroides, restaura a capacidade das células T de secretar IL-10 (uma potente citocina anti-inflamatória),(10) exercendo assim um efeito imunomodulatório(19) e diminuindo a produção de IgE de forma indireta,(1,20) já que a IgE não possui VDR e é produzida pelos linfócitos B. Hipoteticamente, isso explicaria o motivo de não haver uma correlação mais robusta da vitamina D com a IgE, em contraste com o que ocorreu com os eosinófilos, que, diferentemente, possuem VDR(20) e são diretamente produzidos a partir dos linfócitos T2 alto. Considerando que a vitamina D pode prolongar a sobrevivência dos eosinófilos e aumentar a expressão de receptores de membrana que inibem sua apoptose,(20) há uma menor necessidade de produção de novos eosinófilos nesse cenário, sendo essa uma possível explicação para a boa associação entre vitamina D e eosinófilos.
De acordo com a mediana de vitamina D encontrada nessa amostra (24 ng/mL), os pontos de corte de vitamina D difundidos internacionalmente podem não ser aplicáveis a crianças com asma no Brasil. Salienta-se que os valores de vitamina D geralmente sugeridos como suficientes, insuficientes e deficientes foram baseados para uso na saúde óssea,(9) envolvendo pessoas presumidamente saudáveis,(10) porém sem levar em consideração as especificidades relativas à exposição solar e às diferentes faixas etárias.
As limitações do presente estudo incluem o tamanho amostral relativamente reduzido (o que não permite uma representação ampla da população de crianças asmáticas, nem a análise por regressão múltipla para o estudo de associações independentes), além do desenho transversal (que não permite estabelecer causalidade). Portanto, estudos amplos, multicêntricos e envolvendo coortes e inquéritos nutricionais são bem-vindos para que se confirme ou refute os presentes achados.
Em conclusão, pelo que sabemos, este é o primeiro estudo a mostrar que, nesta amostra de pacientes, a vitamina D associou-se ao número de eosinófilos e à idade de crianças com asma no Brasil, embora uma relação de causa e efeito ainda não possa ser estabelecida. O presente estudo exploratório também sugere que valores de vitamina D comumente utilizados internacionalmente podem não ser aplicáveis a crianças asmáticas no Brasil.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORESCLCGA: concepção e design do estudo; coleta dos dados; análise e interpretação dos resultados; e concepção do manuscrito. JMO, AR e KCF: análise e interpretação dos resultados; e revisão do manuscrito. FP: concepção e design do estudo; análise e interpretação dos resultados; revisão do manuscrito; e aprovação final da versão submetida.
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