A fibrose pulmonar (FP) é a indicação mais comum para transplante de pulmão. A proporção de transplantes de pulmão realizados em adultos por doença pulmonar intersticial (DPI) aumentou de 38% para 47% na última década.(1) Embora o transplante melhore a sobrevida de pacientes com FP cuidadosamente selecionados, os receptores tendem a ter resultados piores e menor expectativa de vida do que aqueles com outras indicações. (2) A chronic lung allograft dysfunction (CLAD, disfunção crônica do aloenxerto pulmonar) é responsável pela maior parte da morbidade e mortalidade após o primeiro ano do transplante. Aproximadamente 20% dos casos de FP se agrupam em famílias - denominada FP familiar (FPF) - e, desses, até um terço tem uma mutação em um gene relacionado ao telômero e/ou encurtamento dos telômeros, além de variantes em outros genes, como aqueles relacionados a proteínas surfactantes e mucina 5B.(3,4)
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Bennett et al.(5) relatam os resultados de um estudo de coorte retrospectivo unicêntrico que avaliou os desfechos de curto e longo prazo de pacientes com FPF em comparação com aqueles com FP esporádica. Os autores identificaram 9 pacientes com FPF e 74 com PF em uma amostra de 160 pacientes consecutivos submetidos a transplante de pulmão em sua instituição em Siena, Itália. Sua principal conclusão foi que não houve diferença estatística nos grupos sem CLAD e sobrevida global. Embora os pacientes com FPF fossem mais propensos a receber transplante pulmonar bilateral e diferissem dos receptores com FP pela escolha da indução/manutenção da imunossupressão recebida, essa conclusão permaneceu válida mesmo após o ajuste para essas covariáveis potenciais. Tampouco houve diferenças estatísticas em vários resultados pós-operatórios secundários, incluindo disfunção primária do enxerto ou rejeição celular aguda. Curiosamente, os pacientes com FPF eram mais propensos a ter níveis mais baixos de hemoglobina e de hematócrito pré-transplante, que aumentaram 180 dias após o transplante. Essas análises, por mais limitadas que sejam pelo pequeno tamanho da amostra, são importantes para iniciar discussões a respeito do transplante de pulmão em FPF e, de forma mais ampla, em FP associada a variantes genéticas.
No estudo de Bennett et al.,(5) análises genéticas estavam disponíveis em apenas um terço dos pacientes com FPF e em nenhum daqueles com FP esporádica. Quanto a esses resultados disponíveis dos pacientes com FPF, nenhum apresentou variações nos genes para as proteínas surfactantes C/A2 e ABCA2 ou para os genes TERT e TERC, relacionados à enzima telomerase; no entanto, a avaliação de outras mutações relacionadas a telômeros importantes não estava disponível (por exemplo, PARN, RTEL1 e NAF1). Também é importante notar que o comprimento dos telômeros não foi avaliado em nenhum dos pacientes. Apesar da falta de dados genéticos, existem vários indícios de que os pacientes no grupo FPF podem ter tido uma telomeropatia subjacente. Notavelmente, os pacientes com FPF eram mais propensos a serem anêmicos antes da cirurgia e 180 dias após a cirurgia, e a maioria dos que estavam anêmicos eram mais propensos a ter macrocitose.
Mutações em genes que codificam proteínas envolvidas na manutenção dos telômeros e telômeros curtos em geral têm sido implicados em uma série de DPI. Em pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI), múltiplas mutações em genes relacionados a telômeros foram associadas à FPI familiar e a um subconjunto menor de pacientes com doença esporádica.(3,4) Além disso, 25% dos pacientes com FPI esporádica e 37% daqueles com FPI familiar têm comprimento dos telômeros menores do que aqueles no décimo percentil corrigido por idade, o que ocorre mesmo em pacientes sem uma mutação de encurtamento de telômero identificada.(3) Embora a FPI tenha a associação mais bem caracterizada, as telomeropatias não se limitam a esse subtipo de DPI e têm sido associadas a pacientes com pneumonite de hipersensibilidade crônica, pneumonia intersticial não específica, FP não classificável e fibroelastose pleuroparenquimatosa, entre outras.(6,7) A presença de telômeros curtos, independentemente do subtipo histológico, está associada a um rápido declínio na função pulmonar(7); portanto, a discussão da disfunção dos telômeros apenas no contexto do FPF isoladamente pode subestimar seu impacto nas DPI com fibrose progressiva, que são os subtipos de DPI com maior probabilidade de demandar transplante de pulmão. Além disso, a verdadeira prevalência da FPF pode ser subestimada, porque evidências recentes sugerem que até um em cada seis membros da família de pacientes com FP esporádica têm DPI não reconhecida.(8) Esses achados provocam as seguintes considerações: devemos realizar testes genéticos em pacientes com FPF antes do transplante? Devemos avaliar o comprimento dos telômeros, independentemente da mutação genética subjacente, a fim de melhor estratificar os pacientes após o transplante?
Mutações de encurtamento de telômeros e/ou relacionadas a telômeros foram associadas a taxas mais altas de complicações após transplante de pulmão que vão além da disfunção do aloenxerto, incluindo supressão da medula óssea, intolerância à imunossupressão e insuficiência renal.(9-11) Com relação ao enxerto, telômeros curtos e mutações no complexo da telomerase têm sido atribuídos a taxas mais altas de disfunção primária do enxerto e doença mais grave, menor tempo de início de CLAD e pior sobrevida pós-transplante. (12,13) Dadas as evidências significativas de que as telomeropatias afetam os resultados pré- e pós-transplante, deveríamos rastrear todos os pacientes com FP quanto ao encurtamento de telômeros como parte de sua avaliação pré-transplante? Alguns centros de transplante propuseram protocolos para melhorar os desfechos nesses pacientes, incluindo a triagem de candidatos cuja avaliação sugere manifestações de encurtamento de telômeros (embranquecimento capilar precoce, citopenias ou macrocitose, disfunção hepática e história familiar de DPI). (6) A identificação do encurtamento dos telômeros levaria a uma avaliação minuciosa pré-transplante da medula óssea e do fígado para excluir outras manifestações de encurtamento dos telômeros e, principalmente, para mitigar potenciais complicações pós-transplante. No período pós-transplante, a identificação preemptiva de encurtamento dos telômeros pode levar à modificação da imunossupressão, profilaxia antiviral e outras drogas que potencialmente podem causar toxicidade na medula óssea.
Em resumo, talvez as implicações mais importantes do estudo de Bennett et al.(5) não residam em suas conclusões mas nas incertezas que suas limitações expõem sobre a avaliação pré- e pós-transplante e o manejo de pacientes com FP com em relação à disfunção da telomerase e ao comprimento dos telômeros, independentemente da história familiar. Dadas as evidências disponíveis, é possível que o benefício de sobrevida geral observada em pacientes com FP que recebem um transplante seja invalidado naqueles pacientes com encurtamento dos telômeros. Mais estudos são necessários para avaliar o impacto da avaliação rotineira do comprimento dos telômeros em candidatos a transplante em relação aos cuidados pós-operatórios e resultados do transplante a fim de desenvolver diretrizes baseadas em evidências. A sobrevida após transplante de pulmão é menor que aquela após outros transplantes de órgãos sólidos; o início da era da medicina personalizada pode levar a melhores resultados.
APOIO FINANCEIRO
SE-C recebeu financiamento do National Institutes of Health (NIH R01-HL 130272) e do John M. Kent Memorial Fund. AJE recebeu financiamento do National Institutes of Health (NIH F32 HL151132).
REFERÊNCIAS
1. Chambers DC, Cherikh WS, Harhay MO, Hayes D, Jr, Hsich E, Khush KK, et al. The International Thoracic Organ Transplant Registry of the International Society for Heart and Lung Transplantation: Thirty-sixth adult heart transplantation report - 2019; focus theme: Donor and recipient size match [published correction appears in J Heart Lung Transplant. 2020;39(1):91]. J Heart Lung Transplant. 2019;38(10):1056-1066. https://doi.org/10.1016/j.healun.2019.08.004
2. Laporta Hernandez R, Aguilar Perez M, Lázaro Carrasco MT, Ussetti Gil P. Lung Transplantation in Idiopathic Pulmonary Fibrosis. Med Sci (Basel). 2018;6(3):68. https://doi.org/10.3390/medsci6030068
3. Cronkhite JT, Xing C, Raghu G, Chin KM, Torres F, Rosenblatt RL, et al. Telomere shortening in familial and sporadic pulmonary fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 2008;178(7):729-737. https://doi.org/10.1164/rccm.200804-550OC
4. Tsakiri KD, Cronkhite JT, Kuan PJ, Xing C, Raghu G, Weissler JC, et al. Adult-onset pulmonary fibrosis caused by mutations in telomerase. Proc Natl Acad Sci U S A. 2007;104(18):7552-7557. https://doi.org/10.1073/pnas.0701009104
5. Bennett D, Fossi A, Lanzarone N, Vita E, Luzzi L, Paladini P, et al. Lung transplant in patients with familial pulmonary fibrosis. Transplante pulmonar em pacientes com fibrose pulmonar familiar. J Bras Pneumol. 2020;46(6):e20200032. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200032
6. George G, Rosas IO, Cui Y, McKane C, Hunninghake GM, Camp PC, et al. Short telomeres, telomeropathy, and subclinical extrapulmonary organ damage in patients with interstitial lung disease. Chest. 2015;147(6):1549-1557. https://doi.org/10.1378/chest.14-0631
7. Newton CA, Batra K, Torrealba J, Kozlitina J, Glazer CS, Aravena C, et al. Telomere-related lung fibrosis is diagnostically heterogeneous but uniformly progressive. Eur Respir J. 2016;48(6):1710-1720. https://doi.org/10.1183/13993003.00308-2016
8. Hunninghake GM, Quesada-Arias LD, Carmichael NE, Martinez Manzano JM, Poli De Frías S, Baumgartner MA, et al. Interstitial Lung Disease in Relatives of Patients with Pulmonary Fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 2020;201(10):1240-1248. https://doi.org/10.1164/rccm.201908-1571OC
9. Borie R, Kannengiesser C, Hirschi S, Le Pavec J, Mal H, Bergot E, et al. Severe hematologic complications after lung transplantation in patients with telomerase complex mutations. J Heart Lung Transplant. 2015;34(4):538-546. https://doi.org/10.1016/j.healun.2014.11.010
10. Courtwright AM, Lamattina AM, Takahashi M, Trindade AJ, Hunninghake GM, Rosas IO, et al. Shorter telomere length following lung transplantation is associated with clinically significant leukopenia and decreased chronic lung allograft dysfunction-free survival. ERJ Open Res. 2020;6(2):00003-2020. https://doi.org/10.1183/23120541.00003-2020
11. Silhan LL, Shah PD, Chambers DC, Snyder LD, Riise GC, Wagner CL, et al. Lung transplantation in telomerase mutation carriers with pulmonary fibrosis. Eur Respir J. 2014;44(1):178-187. https://doi.org/10.1183/09031936.00060014
12. Newton CA, Kozlitina J, Lines JR, Kaza V, Torres F, Garcia CK. Telomere length in patients with pulmonary fibrosis associated with chronic lung allograft dysfunction and post-lung transplantation survival. J Heart Lung Transplant. 2017;36(8):845-853. https://doi.org/10.1016/j.healun.2017.02.005
13. Swaminathan AC, Neely ML, Frankel CW, Kelly FL, Petrovski S, Durheim MT, et al. Lung Transplant Outcomes in Patients With Pulmonary Fibrosis With Telomere-Related Gene Variants. Chest. 2019;156(3):477-485. https://doi.org/10.1016/j.chest.2019.03.030