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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Padrão migratório de infiltrado pulmonar em paciente com COVID-19 e linfoma

Migratory pulmonary infiltrates in a patient with COVID-19 and lymphoma

Alfredo N C Santana1,2a, Felipe X Melo2,3a, Flavia D Xavier3,4a, Veronica M Amado3a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200528

AO EDITOR,







A COVID-19 tornou-se uma pandemia e um grande desafio aos profissionais de saúde, ao sistema de saúde e à própria população. A maioria dos pacientes apresenta a forma leve da doença, com sintomas gripais autolimitados. No entanto, aproximadamente 20% dos pacientes apresentarão formas moderadas ou graves da doença, caracterizadas por pneumonia. Além disso, 5% dos casos podem evoluir para insuficiência respiratória grave, habitualmente na segunda semana de sintomas.(1) Os achados tomográficos caracterizam-se pela presença de padrão em vidro fosco periférico/bilateral ou padrão em vidro fosco multifocal/arredondado, podendo ou não estar associado com consolidação ou pavimentação em mosaico.(2) Entretanto, outros achados tomográficos podem estar presentes na COVID-19, como o sinal do halo invertido, o sinal do alvo e, finalmente, achados de embolia pulmonar.(3-6) Pelo que sabemos, este é o segundo relato na literatura internacional de um caso de paciente com COVID-19 com padrão de infiltrado pulmonar migratório, compatível com pneumonia em organização (PO), que apresentou boa e rápida resposta ao tratamento com corticoide.(7)







Paciente do sexo feminino, 47 anos de idade e com diagnóstico de linfoma folicular foi reavaliada no 33º dia de sintomas relacionados à COVID-19. Apresentava RT-PCR positivo para COVID-19 e relatava uma piora lenta e progressiva da dispneia. Necessitava de oxigênio suplementar a 2 L/min para reverter a hipoxemia. Exames laboratoriais apresentavam contagem de linfócitos de 1.040 células/mm3, nível de dímero D de 6.106 ng/mL, galactomanana sérica negativa, PCR em tempo real (sérico) para citomegalovírus negativa, procalcitonina normal, nível de proteína C reativa de 15 mg/dL (normal até 0,5 mg/dL) e lactato normal. A revisão das TC de tórax evidenciou padrão migratório de infiltrado pulmonar sem sinais de tromboembolismo pulmonar (Figura 1). Considerando-se o tempo prolongado de evolução clínica e as características das imagens tomográficas, a hipótese de PO foi feita, sendo iniciado o uso de metilprednisolona, 80 mg/dia. Após 7 dias, a paciente apresentava importante melhora, com nível de proteína C reativa de 1,3 mg/dL e SpO2 de 95% em ar ambiente, recebendo alta hospitalar. Após 92 dias do início de sintomas da COVID-19, uma nova TC de tórax demonstrou resolução do infiltrado pulmonar, e a paciente apresentava SpO2 de 97% em ar ambiente e nível de proteína C reativa de 1,0 mg/dL. Utilizou prednisona em doses decrescentes, que foi suspensa depois de três meses de corticoterapia. Finalmente, após cinco meses do início do quadro de COVID-19, a paciente continuava assintomática, com SpO2 de 97% em ar ambiente e nível de proteína C reativa de 0,1 mg/dL.







 
















O presente caso acrescenta importantes dados à literatura internacional sobre COVID-19. Assim, sugerimos que a COVID-19 faça parte do diagnóstico diferencial de infiltrado pulmonar migratório, além dos já conhecidos, como PO criptogênica, PO secundária a drogas (como amiodarona, bleomicina, ciclofosfamida, mesalazina, anticonvulsivantes e cocaína), PO secundária a doenças reumatológicas, leucemia, linfoma, radioterapia, entre outros, ou pneumonia eosinofílica.(8)







Vale lembrar que na época em que a paciente foi avaliada o uso de corticoides não era terapia-padrão em pacientes com COVID-19 e hipoxemia.(9,10) Além disso, havia o receio de que o uso de corticoides pudesse piorar o prognóstico da COVID-19 ao se considerar a literatura prévia relacionada a infecções por Middle Eastern respiratory syndrome, SARS e até influenza.(10) Isso enfatiza o desafio na decisão do uso de corticoides no presente caso. A evolução prolongada dos sintomas, com piora clínica mais tardia e associada ao padrão de infiltrado pulmonar migratório, contribuiu para a hipótese de PO secundária a um gatilho infeccioso (COVID-19), sendo tal hipótese corroborada pela exuberante resposta ao tratamento com corticoides. Além disso, a paciente em discussão apresentava outra possível causa de padrão tomográfico de infiltrado pulmonar migratório (similar a PO): o próprio linfoma. Entretanto, a paciente havia tratado um linfoma folicular grau 3A (com seis ciclos de rituximabe + ciclofosfamida + vincristina + prednisona), seguido de tratamento de manutenção com rituximabe aplicado a cada dois meses, encontrando-se em remissão completa segundo os achados em PET-TC após a 11a dose de manutenção. Assim, a causa neoplásica parece ser menos provável ao se considerar a relação temporal entre a positividade do RT-PCR para SARS-CoV-2 e o quadro clínico e laboratorial de COVID-19, além da não recorrência do quadro após a suspensão do corticoide. Vale mencionar que, no caso previamente publicado de COVID-19 com infiltrado pulmonar migratório (compatível com PO), o paciente também tinha neoplasia hematológica (leucemia) e apresentou importante resposta com o uso de corticoide. (7) Assim, os autores atribuíram a manifestação clínica e tomográfica de PO à COVID-19.(7) Adicionalmente, nossa paciente apresentou leucemia mieloide crônica após o linfoma, com resposta ao tratamento.







Em conclusão, sugerimos que a COVID-19 seja investigada em casos de infiltrado pulmonar migratório, entrando assim no diagnóstico diferencial de PO e pneumonia eosinofílica.







REFERÊNCIAS







1. Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and Important Lessons From the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: Summary of a Report of 72 314 Cases From the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020;323(13):1239-1242. https://doi.org/10.1001/jama.2020.2648







2. Simpson S, Kay FU, Abbara S, Bhalla S, Chung JH, Chung M, et al. Radiological Society of North America Expert Consensus Statement on Reporting Chest CT Findings Related to COVID-19. Endorsed by the Society of Thoracic Radiology, the American College of Radiology, and RSNA - Secondary Publication. J Thorac Imaging. 2020;35(4):219-227. https://doi.org/10.1097/RTI.0000000000000524







3. Martins RR, Santana VG, Souza DL, Reinaux JCF. New CT finding (the target sign) in three patients with COVID-19 pneumonia. J Bras Pneumol. 2020;46(6):e20200413. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200413







4. Müller CIS, Müller NL. Chest CT target sign in a couple with COVID-19 pneumonia. Radiol Bras. 2020;53(4):252-254. https://doi.org/10.1590/0100-3984.2020.0089







5. Jasinowodolinski D, Filisbino MM, Baldi BG. COVID-19 pneumonia: a risk factor for pulmonary thromboembolism?. J Bras Pneumol. 2020;46(4):e20200168. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200168







6. Farias LPG, Strabelli DG, Sawamura MVY. COVID-19 pneumonia and the reversed halo sign. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20200131. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200131







7. John TM, Malek AE, Mulanovich VE, Adachi JA, Raad II, Hamilton AR, et al. Migratory Pulmonary Infiltrates in a Patient With COVID-19 Infection and the Role of Corticosteroids. Mayo Clin Proc. 2020;95(9):2038-2040. https://doi.org/10.1016/j.mayocp.2020.06.023







8. Cordier JF. Bronchiolitis obliterans organizing pneumonia. Semin Respir Crit Care Med. 2000;21(2):135-146. https://doi.org/10.1055/s-2000-9840







9. RECOVERY Collaborative Group, Horby P, Lim WS, Emberson JR, Mafham M, Bell JL, et al. Dexamethasone in Hospitalized Patients with Covid-19 - Preliminary Report. N Engl J Med. 2020;NEJMoa2021436. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2021436







10. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: World Health Or-ganization; c2020 [cited 2020 Oct 1]. Clinical management of severe acute respiratory infection (‎‎‎SARI)‎‎‎ when COVID-19 disease is suspected: interim guidance, 13 March 2020. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/331446

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