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Cartas ao Editor

O impacto da oxigenação extracorpórea por membrana no transplante pulmonar

Impact of extracorporeal membrane oxygenation in lung transplantation

Diego Corsetti Mondadori1a, William Lorenzi1a, Marlova Luzzi Caramori1a, Cristiano Feijó Andrade1a, Maurício Guidi Saueressig1a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200207

AO EDITOR,

O transplante pulmonar é um procedimento complexo que traz a necessidade de suporte mecânico cardiorrespiratório extracorpóreo em várias situações. Pode ser realizado no pré-operatório, intraoperatório ou pós-operatório dependendo da gravidade e das condições clínicas dos pacientes. Isso ocorre em cerca de 30-40% dos transplantes pulmonares. As situações que mais frequentemente exigem a utilização dessa terapia no período intraoperatório são hipertensão arterial pulmonar (HAP), disfunção ventricular direita e casos de intolerância à ventilação monopulmonar.(1) A melhor estratégia ainda é tema de discussão(2); todavia, o uso de extracorporeal membrane oxygenation (ECMO, oxigenação extracorpórea por membrana) vem demonstrando inúmeros benefícios se comparado ao de circulação extracorpórea. Isso porque o suporte realizado com ECMO mostrou menores taxas de primary graft dysfunction (PGD, disfunção primária do enxerto), sangramento e insuficiência renal com necessidade de hemodiálise, assim como menor taxa de realização de traqueostomia, menor transfusão sanguínea intraoperatória, menor tempo de ventilação mecânica e menor tempo de internação hospitalar.(3)

No período entre janeiro de 2017 e dezembro de 2018 foram realizados 24 transplantes pulmonares no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, localizado na cidade de Porto Alegre (RS). Os dados clínicos e laboratoriais foram submetidos à análise estatística por meio dos testes do qui-quadrado e U de Mann-Whitney e estão representados na Tabela 1. Dos 24 pacientes incluídos, 12 utilizaram ECMO como assistência cardiorrespiratória, sendo 11 (92%) casos de transplantes pulmonares bilaterais, enquanto 12 não necessitaram de ECMO, sendo 7 (58%) casos de transplantes unilaterais. Doenças supurativas corresponderam a 50% dos casos dos pacientes transplantados com auxílio da ECMO. Nos pacientes que não necessitaram ECMO, o diagnóstico de DPOC foi mais prevalente. A primeira utilização de ECMO em nosso serviço foi como ponte para o transplante. Três dos pacientes do grupo ECMO, devido à impossibilidade de ventilação monopulmonar, utilizaram ECMO venovenosa (ECMO VV) apenas para suporte respiratório. Os demais pacientes fizeram uso de ECMO venoarterial (ECMO VA) para assistência respiratória e hemodinâmica. Os pacientes com HAP elevada eram submetidos à canulação periférica sob anestesia local e sedação antes da indução anestésica. Aqueles que não apresentassem HAP ou que possuíssem valores pouco elevados de pressão pulmonar foram submetidos à canulação arterial central na aorta torácica e canulação venosa periférica na veia femoral direita. Ao término do procedimento, a ECMO VA era mantida em casos de HAP ou convertida para ECMO VV caso o paciente apresentasse estabilidade hemodinâmica e ausência de HAP. Para tanto, um cateter de lúmen único previamente posicionado na veia jugular interna direita permitia a introdução do fio guia e canulação local. Dessa forma, a cânula da artéria aorta era desconectada e retirada após reconexão com a cânula da veia jugular. A decanulação da ECMO VV era feita no CTI após extubação e certificação de ausência de PGD. Não houve diferença nos tempos de internação hospitalar e em CTI, apesar de os pacientes submetidos à ECMO terem apresentado maior gravidade, demonstrada pela necessidade de uso de maior volume de cristaloides, maior necessidade de transfusão, maior tempo cirúrgico e maior porcentagem de transplantes bilaterais. Pacientes submetidos à ECMO apresentaram estimativa de sobrevida de 66,7% em até 36 meses de seguimento, enquanto, nos que não fizeram esse uso, a taxa foi de 91,7%. Apesar de a mortalidade ter sido maior, não houve diferença estatisticamente significativa (p = 0,143).
 



Os primeiros relatos do uso de ECMO remetem à década de 1970; todavia, resumiam-se a estratégias experimentais com desfechos desfavoráveis.(4) A utilização na população pediátrica e em casos de SDRA(5) trouxe progresso técnico e aumento da experiência. Em 2001, foi descrita sua primeira aplicação durante transplante pulmonar, mas apenas recentemente foi introduzida no Brasil.(6) A ECMO VV fornece suporte respiratório drenando sangue desoxigenado do sistema venoso para oxigená-lo e devolvê-lo ao mesmo sistema. A ECMO VA, por sua vez, permite um by-pass cardiopulmonar ao devolver o sangue oxigenado no sistema arterial.(7) A ECMO intraoperatória, além de garantir maior segurança durante a manipulação cardíaca, diminui a possibilidade de lesão de reperfusão por permitir um melhor controle do fluxo sanguíneo após a abertura do clampeamento da artéria pulmonar, impedindo que o primeiro enxerto implantado receba a totalidade do débito cardíaco durante o implante do segundo pulmão. Além disso, ela evita a necessidade de ventilação agressiva para a manutenção dos parâmetros gasométricos e possibilita a continuação do suporte no período pós-operatório.(2) Em pacientes com HAP ou grande instabilidade hemodinâmica é indispensável à manutenção do suporte VA no pós-operatório, pois há a necessidade de redução do débito cardíaco para dar condições ao remodelamento do ventrículo direito, que se encontra cronicamente hipertrófico.(8) Nos demais pacientes não há consenso quanto ao tipo ou necessidade de suporte pós-operatório. No nosso grupo, em situações que permitem a descontinuidade do suporte VA ao término da cirurgia, preferimos evitar a decanulação e converter o suporte VA para VV, mantendo-o no pós-operatório. Dessa forma, a ventilação mecânica é sempre ofertada com parâmetros protetores até a extubação precoce e início da ventilação espontânea. O uso de ECMO VV para o tratamento da PGD grave é terapia consolidada, aumentando a sobrevida e minimizando os efeitos deletérios da ventilação mecânica. Também há evidências de que a instalação de ECMO até 2 horas a partir da identificação do diagnóstico de PGD grau 3 resulta em aumento da sobrevida, enquanto sua instalação tardia está associada a mortalidade muito alta.(9) Outros estudos mostram que o fato de haver necessidade de ECMO para o tratamento de PGD reduz significativamente as taxas de sobrevida do enxerto em longo prazo, em comparação a casos que não precisaram desse manejo.(10) Dessa forma, a instalação de ECMO VA no período intraoperatório auxilia a estabilidade hemodinâmica e fornece proteção ao enxerto, enquanto a manutenção do suporte VV no pós-operatório reduz a necessidade de ventilação mecânica e fornece tratamento preemptivo para eventuais danos pela reperfusão.

Na nossa experiência, verificamos que a utilização de ECMO como suporte cardiorrespiratório em pacientes com doenças pulmonares supurativas, associadas ou não à HAP, mostrou boa sobrevida, apesar da maior gravidade desses pacientes em comparação com aqueles que não utilizaram ECMO; entretanto, os tempos de internação hospitalar e em CTI foram semelhantes nos dois grupos de pacientes, fazendo dessa estratégia uma parte importante do arsenal terapêutico no cenário do transplante pulmonar.

REFERÊNCIAS

1. Bermudez CA, Shiose A, Esper SA, Shigemura N, D'Cunha J, Bhama JK, et al. Outcomes of intraoperative venoarterial extracorporeal membrane oxygenation versus cardiopulmonary bypass during lung transplantation. Ann Thorac Surg. 2014;98(6):1936-1943. https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2014.06.072
2. Hoetzenecker K, Schwarz S, Muckenhuber M, Benazzo A, Frommlet F, Schweiger T, et al. Intraoperative extracorporeal membrane oxygenation and the possibility of postoperative prolongation improve survival in bilateral lung transplantation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2018;155(5):2193-2206.e3. https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2017.10.144
3. Magouliotis DE, Tasiopoulou VS, Svokos AA, Svokos KA, Zacharoulis D. Extracorporeal membrane oxygenation versus cardiopulmonary bypass during lung transplantation: a meta-analysis. Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2018;66(1):38-47. https://doi.org/10.1007/s11748-017-0836-3
4. Benazzo A, Schwarz S, Frommlet F, Schweiger T, Jaksch P, Schellongowski P, et al. Twenty-year experience with extracorporeal life support as bridge to lung transplantation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2019;157(6):2515-2525.e10. https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2019.02.048
5. Peek GJ, Mugford M, Tiruvoipati R, Wilson A, Allen E, Thalanany MM, et al. Efficacy and economic assessment of conventional ventilatory support versus extracorporeal membrane oxygenation for severe adult respiratory failure (CESAR): a multicentre randomised controlled trial [published correction appears in Lancet. 2009 Oct 17;374(9698):1330]. Lancet. 2009;374(9698):1351-1363. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(09)61069-2
6. Schettini-Soares M, Leite PHC, Hajjar LA, Costa AN, Pêgo-Fernandes PM, Samano MN. Lung transplantation with extracorporeal membrane oxygenation as intraoperative support. J Bras Pneumol. 2018;44(5):442-444. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000309
7. Jayaraman AL, Cormican D, Shah P, Ramakrishna H. Cannulation strategies in adult veno-arterial and veno-venous extracorporeal membrane oxygenation: Techniques, limitations, and special considerations. Ann Card Anaesth. 2017;20(Supplement):S11-S18. https://doi.org/10.4103/0971-9784.197791
8. Moser B, Jaksch P, Taghavi S, Muraközy G, Lang G, Hager H, et al. Lung transplantation for idiopathic pulmonary arterial hypertension on intraoperative and postoperatively prolonged extracorporeal membrane oxygenation provides optimally controlled reperfusion and excellent outcome. Eur J Cardiothorac Surg. 2018;53(1):178-185. https://doi.org/10.1093/ejcts/ezx212
9. Fessler J, Thes J, Pirracchio R, Godement M, Sage E, Roux A, et al. Prognostic value of the PaO2 /FiO2 ratio determined at the end-surgery stage of a double-lung transplantation. Clin Transplant. 2019;33(5):e13484. https://doi.org/10.1111/ctr.13484
10. Abrams D, Brodie D, Arcasoy SM. Extracorporeal Life Support in Lung Transplantation. Clin Chest Med. 2017;38(4):655-666. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2017.07.006

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