AO EDITOR, Poucos meses depois da descrição do primeiro caso na China, a COVID-19 tornou-se pandêmica. Mais de 50 milhões de pessoas foram contaminadas pelo vírus e, até o momento, mais de 1 milhão de óbitos foram confirmados em todo mundo.
(1) No Brasil, a COVID-19 impactou fortemente com elevado número de casos, sendo o terceiro país com maior número de vítimas
(2); o mais grave é que não há perspectivas de resolução imediata, podendo o Brasil enfrentar uma segunda onda da infecção, como já acontece em vários países do mundo.
(3) A infecção pelo vírus SARS-CoV-2 causa a COVID-19, cujo espectro clínico varia de pacientes assintomáticos a quadros gripais, com sintomas como febre, fadiga, tosse seca e dispneia.
(4) Embora a maioria dos pacientes apresente evolução favorável, aproximadamente 15-20% desenvolvem formas graves da doença, incluindo SDRA, com necessidade de suporte ventilatório. Em uma série de casos de pacientes nos EUA hospitalizados com COVID-19, 14% necessitaram admissão em UTI, e aqueles que precisaram de ventilação mecânica apresentaram altas taxas de mortalidade (88,1%).
(5) O manejo da insuficiência respiratória pela COVID-19 é bastante desafiador. Primeiro, a ventilação não invasiva, uma opção para evitar a intubação orotraqueal e suas complicações, devido às altas vazões que aumentam a dispersão do vírus, eleva o risco de aerossolização e, consequentemente, a contaminação dos profissionais da saúde.
(6) Segundo, o número de leitos de UTI disponíveis durante o início da pandemia era menor que o número total de pacientes infectados que necessitaram de ventilação não invasiva.
(7) Terceiro, ocorreu um colapso da indústria mundial de ventiladores mecânicos frente à necessidade crescente de seu uso. Dentro do espectro de apresentações da COVID-19, a SDRA moderada a grave apresenta as maiores taxas de morbidade e mortalidade e é também o quadro mais desafiador quanto ao manejo do suporte ventilatório.
Nesse contexto, um sistema de interface tipo capacete (helmet), com completa vedação e isolamento respiratório da cabeça do paciente, permite a aplicação de pressão positiva na via aérea, sem intubação, com segurança e conforto para os pacientes com insuficiência respiratória aguda leve a grave.
(7,8) Visando o desenvolvimento de um dispositivo desse tipo, que até este ano pandêmico não era fabricado no Brasil, uma parceria público-privada sob a coordenação da Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins Rodrigues, envolvendo agências de fomento à pesquisa, universidades e setores da indústria do estado do Ceará, se uniram numa força-tarefa multidisciplinar para desenvolver um novo dispositivo, denominado ELMO 1.0, em tempo recorde (três meses). O dispositivo foi patenteado no Brasil (BR 20 2020 014212 2; ANVISA no. 82072609001).
Inspirado em modelos descritos na literatura,
(9,10) o ELMO 1.0 é composto por uma cápsula transparente em PVC atóxico autoclavável, com altura de 270 mm, diâmetro de 290 mm e um selo em silicone aplicado ao pescoço, preso a uma base rígida injetada em polipropileno. As entradas para a insuflação e exalação direcionam o gás para dentro e para fora do ELMO 1.0, através de orifícios feitos na parte posterosuperior (inspiratório) e na parte contralateral anteroinferior (expiratório). O silicone que envolve o pescoço é marcado com medidas que apresentam comprimentos de circunferências variadas, permitindo seu uso em diversos pacientes. Por ser não invasivo, evitar vazamentos e dispersão de gotículas, assim como ofertar níveis de CPAP até 10-15 cmH2O, o ELMO 1.0 apresenta uma série de atributos que o tornam especialmente interessante para uso em pacientes com COVID-19 que requerem oxigenoterapia (Figura 1).
Nove protótipos foram desenvolvidos, e, para avaliar a qualidade do produto, bem como identificar eventuais pontos associados a riscos para o paciente e oportunidades de melhorias do equipamento, foram feitos testes de usabilidade com profissionais de saúde com experiência em ventilação mecânica (dois médicos, dois fisioterapeutas e dois enfermeiros), assim como em quatro voluntários saudáveis, com média de idade de 38,5 anos
(variação: 24,0-51,5 anos), do sexo feminino (n = 1) e masculino (n = 3).
Os testes de usabilidade foram realizados em um laboratório de inovação tecnológica concebido para a pesquisa, onde os profissionais de saúde assistiram a um vídeo instrucional sobre a montagem do sistema e realizaram tarefas para a avaliação de habilidades propostas pelos pesquisadores para a utilização do ELMO 1.0: 1) verificar a circunferência do pescoço do paciente; 2) reconhecer, montar e conferir o ELMO 1.0; 3) colocar o ELMO 1.0 no paciente; 4) iniciar a terapia com oferta de CPAP e oxigênio; 5) verificar a pressão dentro do ELMO 1.0 utilizando-se de um cuffômetro analógico e regulação de CPAP em 10 cmH2O; 6) oferecer água ao paciente em uso do ELMO 1.0; 7) mudar decúbito do paciente; e 8) retirar o ELMO 1.0. Os problemas identificados pelos profissionais foram classificados em três níveis de gravidade: a) mínimo: não requer mudanças imediatas; b) médio: requer mudanças, mas sem urgência; e c) crítico: mudanças imediatas no equipamento.
Foram reportados 22 problemas com sugestões relacionadas a conexões para oferta de fluxo dos gases para inspiração e para a exalação, ponto de acesso ao paciente, instruções no manual e outras que foram incorporadas no protótipo final aqui apresentado. Além disso, o tempo de execução das tarefas foi analisado, sendo a montagem e verificação do ELMO 1.0 as tarefas que levaram mais tempo para ser concluídas (7,0 ± 2,0 min).
Ao final dos testes de usabilidade, foi aplicada uma escala visual analógica para avaliar o conforto da interface pelo voluntário variando de zero a 10: desconfortável a confortável. A mediana dos escores foi de 8,5, com mínimo de 7,0 e máximo de 9,0. A média de tempo em que os voluntários utilizaram o ELMO 1.0 foi de 47,5 min (variação: 41,2-57,5 min), durante o qual foram observados mínimos efeitos adversos, como hiperemia na cervical posterior em um dos participantes, sem que houvesse necessidade de qualquer interrupção do procedimento ou de medida adicional.
Após a aprovação da última versão do protótipo ELMO 1.0, foi refeita uma nova prova de conceito quanto ao nível de ruído dentro do equipamento (que variou entre 45 e 65 dB) e à pressão (CPAP, 12-13 cmH2O). A reinalação de gás carbônico foi avaliada por capnografia sidestream com cânula nasal simples e diferentes fluxos de mistura de gases (30, 40, 50 e 60 L/min) para a medida da pressão inspirada de CO2 (PiCO2). Observamos que valores maiores que 40 L/min resultaram em PiCO2 de 0 ou 1 mmHg, enquanto a PiCO2 variou entre 2 e 5 mmHg com a mistura de 30 L/min. Como já descrito na literatura, confirmamos que quanto maior o fluxo, menor a chance de reinalação de CO2.
(10) Desenvolvemos em um curto intervalo de tempo uma nova interface do tipo capacete para a aplicação de CPAP por meio da oferta de fluxo de mistura de gases (O2 e ar comprimido) de forma confortável, apresentando mínimos efeitos adversos e boa eficácia quanto à aplicação de pressão positiva, estanquidade e menor risco de reinalação de CO2. O dispositivo ELMO 1.0 se apresenta como mais uma ferramenta a ser possivelmente utilizada em testes clínicos no suporte a pacientes com insuficiência respiratória aguda hipoxêmica por COVID-19 e outras causas.
AGRADECIMENTOS Agradecemos à Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), Esmaltec S/A, Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (SESA), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade de Fortaleza (UNIFOR) seu apoio para o desenvolvimento do ELMO 1.0.
APOIO FINANCEIRO Este estudo recebeu apoio financeiro da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP) e da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES MAH, GCG, JAL, BST e DGAM: concepção e planejamento do estudo; coleta e tabulação de dados, análise estatística e criação de tabelas e figuras; redação/revisão das versões preliminares e definitiva; padronização das normas de acordo com o jornal; e aprovação da versão final.
REFERÊNCIAS
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