AO EDITOR, Em dezembro de 2019, relatos iniciais sobre um novo vírus respiratório, posteriormente denominado SARS-CoV-2, surgiram em Wuhan, na China. Esse vírus altamente transmissível se espalhou rapidamente. Em 11 de março de 2020, a OMS declarou a COVID-19 uma pandemia global, marcando o início de uma nova era mundial. Dadas as possíveis consequências clínicas dessa infecção — como o desenvolvimento de SARS e as altas taxas de infecção e mortalidade — inúmeras investigações e estudos foram realizados. Em 2020, muito conhecimento foi gerado na velocidade da luz sobre o vírus em si e sua transmissão, bem como sobre a aplicabilidade de diversos medicamentos/procedimentos como potenciais abordagens terapêuticas. Agora, após um ano do início da pandemia e mais de 100 milhões de casos de infecção pelo SARS-CoV-2, a maioria dos quais sobreviveu, nos deparamos com um novo desafio: como e quando devemos acompanhar esses pacientes?
Olhando para trás, o surto de SARS, uma nova infecção por coronavírus que começou no sul da China e foi identificada em março de 2003, tornou-se uma crise global de saúde pública. Nos anos que se seguiram, foram publicados diversos estudos sobre o acompanhamento dos sobreviventes. A avaliação incluía espirometria e medida dos volumes pulmonares e da DLCO após 3, 6, 12, 18 e 24 meses do início da doença.
(1-3) Comprometimento significativo da DLCO foi a anormalidade pulmonar mais relatada, presente em 15-50% dos sobreviventes. Baixa capacidade física também foi relatada, medida pelo teste de caminhada de seis minutos (TC6)
(1-3) e pelo teste de exercício cardiopulmonar (TECP),
(4) esse último sugerindo causas extrapulmonares para os resultados funcionais desses pacientes. A força muscular respiratória foi medida em dois estudos,
(2,3) utilizando PImáx e PEmáx. Também é importante ressaltar que o estado de saúde foi avaliado utilizando o Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey, cujas pontuações apresentaram uma correlação positiva com anormalidades da função pulmonar.
(1-3) Mais recentemente, uma revisão sistemática e meta-análise
(5) sobre função respiratória em pacientes pós-COVID-19 relatou DLCO alterada em aproximadamente 40% dos pacientes. No entanto, os resultados devem ser analisados com cautela, pois se devem considerar as comorbidades respiratórias e os diferentes momentos de realização das avaliações. Ainda não está claro se anormalidades intersticiais ou anormalidades vasculares pulmonares contribuíram para a diminuição da DLCO nesses pacientes.
(6) Os resultados iniciais do estudo prospectivo observacional nacional suíço do pulmão COVID-19,
(7) após 4 meses de acompanhamento de sobreviventes da COVID-19, identificaram que DLCO baixa foi o fator isolado mais importante associado à doença prévia grave/crítica, que se traduziu em redução da distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos e dessaturação de oxigênio durante o exercício.
Um aspecto importante a ser considerado é o momento ideal para a realização dos testes de função pulmonar. As diretrizes da British Thoracic Society, com relação a pacientes com pneumonia por COVID-19, recomendam que os testes de função pulmonar sejam realizados 3 meses após a alta caso as alterações na radiografia de tórax não tenham se resolvido satisfatoriamente ou caso o paciente apresente sintomas respiratórios contínuos.
(8) Recomendações semelhantes foram feitas pela Sociedad Española de Neumología y Cirugía Torácica.
(9) Essa sociedade sugere que a espirometria simples e a medida da DLCO devem ser utilizadas como primeira abordagem; caso haja suspeita de doença pulmonar intersticial, deve-se incluir a pletismografia corporal, enquanto, caso os sintomas persistam, devem-se realizar testes de exercício, como o TC6 e o TECP. A medida da força muscular respiratória (PImáx, PEmáx e pressão inspiratória nasal durante o fungar) também pode ser considerada nesses pacientes.
(9) Nos Estados Unidos, a Yale School of Medicine em New Haven desenvolveu um programa para fornecer uma avaliação abrangente das complicações pós-COVID-19, caracterizar e mitigar as sequelas pulmonares e abordar os sintomas persistentes experimentados pelos sobreviventes.
(10) Há também um estudo de coorte observacional prospectivo multicêntrico em andamento no Brasil,
(11) envolvendo pacientes pós-COVID-19 durante um ano de acompanhamento por meio de extensa avaliação da função pulmonar (espirometria, volumes pulmonares, DLCO, TC6 e TECP), TC de tórax e aplicação de questionários de qualidade de vida.
Em suma, atualmente há um grande número de pacientes pós-COVID-19 que devem ser acompanhados para que se possam identificar complicações respiratórias e não respiratórias. É de extrema importância que protocolos de acompanhamento clínico sejam estabelecidos e adaptados à realidade de cada país para a recomendação de quais, quando e com que frequência exames complementares devem ser realizados. Com base nas informações disponíveis até agora, os sobreviventes da pneumonia por COVID-19 devem ser avaliados 3 meses após a alta. Essa avaliação deve incluir investigação de sintomas respiratórios, radiografia de tórax, espirometria e medida da DLCO. Na presença de sintomas alterados ou persistentes, devem-se realizar pletismografia de corpo inteiro, teste de exercício e avaliação da força muscular. Além disso, pacientes com diagnóstico prévio de doença respiratória que são infectados pelo SARS-CoV-2, mesmo sem desenvolver pneumonia, devem ser reavaliados 3 meses após a detecção da infecção, ou antes se houver piora dos sintomas.
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