Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
21659
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Cartas ao Editor

Avaliação da função pulmonar em pacientes pós-COVID-19 - quando e como devemos realizá-la?

Evaluation of pulmonary function in post-COVID-19 patients - when and how should we do it?

Ana Fonseca1, Ricardo Lima1,2, Inês Ladeira1,2,3, Miguel Guimarães1,2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210065

AO EDITOR,
 
Em dezembro de 2019, relatos iniciais sobre um novo vírus respiratório, posteriormente denominado SARS-CoV-2, surgiram em Wuhan, na China. Esse vírus altamente transmissível se espalhou rapidamente. Em 11 de março de 2020, a OMS declarou a COVID-19 uma pandemia global, marcando o início de uma nova era mundial. Dadas as possíveis consequências clínicas dessa infecção — como o desenvolvimento de SARS e as altas taxas de infecção e mortalidade — inúmeras investigações e estudos foram realizados. Em 2020, muito conhecimento foi gerado na velocidade da luz sobre o vírus em si e sua transmissão, bem como sobre a aplicabilidade de diversos medicamentos/procedimentos como potenciais abordagens terapêuticas. Agora, após um ano do início da pandemia e mais de 100 milhões de casos de infecção pelo SARS-CoV-2, a maioria dos quais sobreviveu, nos deparamos com um novo desafio: como e quando devemos acompanhar esses pacientes?
 
Olhando para trás, o surto de SARS, uma nova infecção por coronavírus que começou no sul da China e foi identificada em março de 2003, tornou-se uma crise global de saúde pública. Nos anos que se seguiram, foram publicados diversos estudos sobre o acompanhamento dos sobreviventes. A avaliação incluía espirometria e medida dos volumes pulmonares e da DLCO após 3, 6, 12, 18 e 24 meses do início da doença.(1-3) Comprometimento significativo da DLCO foi a anormalidade pulmonar mais relatada, presente em 15-50% dos sobreviventes. Baixa capacidade física também foi relatada, medida pelo teste de caminhada de seis minutos (TC6)(1-3) e pelo teste de exercício cardiopulmonar (TECP),(4) esse último sugerindo causas extrapulmonares para os resultados funcionais desses pacientes. A força muscular respiratória foi medida em dois estudos,(2,3) utilizando PImáx e PEmáx. Também é importante ressaltar que o estado de saúde foi avaliado utilizando o Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey, cujas pontuações apresentaram uma correlação positiva com anormalidades da função pulmonar.(1-3)
 
Mais recentemente, uma revisão sistemática e meta-análise(5) sobre função respiratória em pacientes pós-COVID-19 relatou DLCO alterada em aproximadamente 40% dos pacientes. No entanto, os resultados devem ser analisados com cautela, pois se devem considerar as comorbidades respiratórias e os diferentes momentos de realização das avaliações. Ainda não está claro se anormalidades intersticiais ou anormalidades vasculares pulmonares contribuíram para a diminuição da DLCO nesses pacientes.(6) Os resultados iniciais do estudo prospectivo observacional nacional suíço do pulmão COVID-19,(7) após 4 meses de acompanhamento de sobreviventes da COVID-19, identificaram que DLCO baixa foi o fator isolado mais importante associado à doença prévia grave/crítica, que se traduziu em redução da distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos e dessaturação de oxigênio durante o exercício.
 
Um aspecto importante a ser considerado é o momento ideal para a realização dos testes de função pulmonar. As diretrizes da British Thoracic Society, com relação a pacientes com pneumonia por COVID-19, recomendam que os testes de função pulmonar sejam realizados 3 meses após a alta caso as alterações na radiografia de tórax não tenham se resolvido satisfatoriamente ou caso o paciente apresente sintomas respiratórios contínuos. (8) Recomendações semelhantes foram feitas pela Sociedad Española de Neumología y Cirugía Torácica. (9) Essa sociedade sugere que a espirometria simples e a medida da DLCO devem ser utilizadas como primeira abordagem; caso haja suspeita de doença pulmonar intersticial, deve-se incluir a pletismografia corporal, enquanto, caso os sintomas persistam, devem-se realizar testes de exercício, como o TC6 e o TECP. A medida da força muscular respiratória (PImáx, PEmáx e pressão inspiratória nasal durante o fungar) também pode ser considerada nesses pacientes.(9)
 
Nos Estados Unidos, a Yale School of Medicine em New Haven desenvolveu um programa para fornecer uma avaliação abrangente das complicações pós-COVID-19, caracterizar e mitigar as sequelas pulmonares e abordar os sintomas persistentes experimentados pelos sobreviventes. (10) Há também um estudo de coorte observacional prospectivo multicêntrico em andamento no Brasil,(11) envolvendo pacientes pós-COVID-19 durante um ano de acompanhamento por meio de extensa avaliação da função pulmonar (espirometria, volumes pulmonares, DLCO, TC6 e TECP), TC de tórax e aplicação de questionários de qualidade de vida.
 
Em suma, atualmente há um grande número de pacientes pós-COVID-19 que devem ser acompanhados para que se possam identificar complicações respiratórias e não respiratórias. É de extrema importância que protocolos de acompanhamento clínico sejam estabelecidos e adaptados à realidade de cada país para a recomendação de quais, quando e com que frequência exames complementares devem ser realizados. Com base nas informações disponíveis até agora, os sobreviventes da pneumonia por COVID-19 devem ser avaliados 3 meses após a alta. Essa avaliação deve incluir investigação de sintomas respiratórios, radiografia de tórax, espirometria e medida da DLCO. Na presença de sintomas alterados ou persistentes, devem-se realizar pletismografia de corpo inteiro, teste de exercício e avaliação da força muscular. Além disso, pacientes com diagnóstico prévio de doença respiratória que são infectados pelo SARS-CoV-2, mesmo sem desenvolver pneumonia, devem ser reavaliados 3 meses após a detecção da infecção, ou antes se houver piora dos sintomas.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Ngai JC, Ko FW, Ng SS, To KW, Tong M, Hui DS. The long-term impact of severe acute respiratory syndrome on pulmonary function, exercise capacity and health status. Respirology. 2010;15(3):543-550. https://doi.org/10.1111/j.1440-1843.2010.01720.x

  2. Hui DS, Wong KT, Ko FW, Tam LS, Chan DP, Woo J, et al. The 1-year impact of severe acute respiratory syndrome on pulmonary function, exercise capacity, and quality of life in a cohort of survivors. Chest. 2005;128(4):2247-2261. https://doi.org/10.1378/chest.128.4.2247

  3. Hui DS, Joynt GM, Wong KT, Gomersall CD, Li TS, Antonio G, et al. Impact of severe acute respiratory syndrome (SARS) on pulmonary function, functional capacity and quality of life in a cohort of survivors. Thorax. 2005;60(5):401-409. https://doi.org/10.1136/thx.2004.030205

  4. Ong KC, Ng AW, Lee LS, Kaw G, Kwek SK, Leow MK, et al. Pulmonary function and exercise capacity in survivors of severe acute respiratory syndrome. Eur Respir J. 2004;24(3):436-442. https://doi.org/10.1183/09031936.04.00007104

  5. Torres-Castro R, Vasconcello-Castillo L, Alsina-Restoy X, Solis-Navarro L, Burgos F, Puppo H, et al. Respiratory function in patients post-infection by COVID-19: a systematic review and meta-analysis [published online ahead of print, 2020 Nov 25]. Pulmonology. 2020;S2531-0437(20)30245-2. https://doi.org/10.1016/j.pulmoe.2020.10.013

  6. Chapman DG, Badal T, King GG, Thamrin C. Caution in interpretation of abnormal carbon monoxide diffusion capacity in COVID-19 patients. Eur Respir J. 2021;57(1):2003263. https://doi.org/10.1183/13993003.03263-2020

  7. Guler SA, Ebner L, Beigelman C, Bridevaux PO, Brutsche M, Clarenbach C, et al. Pulmonary function and radiological features four months after COVID-19: first results from the national prospective observational Swiss COVID-19 lung study [published online ahead of print, 2021 Jan 8]. Eur Respir J. 2021;2003690. https://doi.org/10.1183/13993003.03690-2020

  8. George PM, Barratt SL, Condliffe R, Desai SR, Devaraj A, Forrest I, et al. Respiratory follow-up of patients with COVID-19 pneumonia. Thorax. 2020;75(11):1009-1016. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2020-215314

  9. Sibila O, Molina-Molina M, Valenzuela C, Ríos-Cortés A, Arbillaga-Etxarri A, García YT, et al. Spanish Society of Pulmonology and Thoracic Surgery (SEPAR) Consensus for post-COVID-19 Clinical Follow-up [Article in Spanish]. Open Respir Arch. 2020;2(4):278-283. https://doi.org/10.1016/j.opresp.2020.09.002

  10. Lutchmansingh DD, Knauert MP, Antin-Ozerkis DE, Chupp G, Cohn L, Dela Cruz CS, et al. A Clinic Blueprint for Post-Coronavirus Disease 2019 RECOVERY: Learning From the Past, Looking to the Future. Chest. 2021;159(3):949-958. https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.10.067

  11. Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC) [homepage on the Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. [updated 2020 Aug 13; cited 2021 Mar 1] Evaluation of clinical symptoms, respiratory, radiological and metabolomic function in patients who have been hospitalized for coronavirus infection (COVID-19) in the period of a year: multicentric study (FENIX). Available from: https://ensaiosclinicos.gov.br/rg/RBR-8j9kqy/



Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia