AO EDITOR, A hipoxemia é uma manifestação clínica comum em pacientes com doença respiratória crônica. A oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP) é o tratamento recomendado para a hipoxemia e pode efetivamente melhorar a sobrevida de pacientes com hipoxemia crônica. Os critérios de prescrição de ODP estão bem estabelecidos por diretrizes nacionais e internacionais
(1,2): duração de pelo menos 15 h/dia na presença de hipoxemia em repouso [isto é, PaO2 ≤ 55 mmHg; SaO2 ≤ 88% ou PaO2 = 56-59 mmHg e SaO2 ≤ 89% em repouso na presença de hipertensão pulmonar, cor pulmonale ou policitemia (hematócrito > 55%)].
(1) A ODP é prescrita na maioria dos casos na alta hospitalar após a remissão da doença pulmonar ou de uma exacerbação. As sociedades médicas recomendam que os candidatos à ODP sejam avaliados 90 dias após a alta hospitalar ou após a remissão da exacerbação, pois estudos mostram que provavelmente a ODP não será mais necessária em mais de um terço desses pacientes.
(1-6) Embora os benefícios da ODP na prevenção e tratamento da hipertensão pulmonar e na redução da mortalidade estejam bem documentados, estudos relatam que a adesão à ODP é baixa e varia de 45% a 70%.
(5,7) Serviços públicos de saúde em municípios que oferecem ODP e possuem protocolos estruturados, como a cidade de São Paulo (SP), têm demonstrado eficiência na dispensação de ODP.
(2) É possível que municípios brasileiros sem esses protocolos usem procedimentos diferentes 90 dias após a dispensação inicial de ODP.
A adesão à ODP no sistema público de saúde no estado de Minas Gerais ainda não foi estudada. Portanto, nosso objetivo foi investigar a adesão à ODP em pacientes da rede pública de saúde dos municípios de Juiz de Fora e Governador Valadares, ambos em Minas Gerais.
Trata-se de um estudo transversal prospectivo realizado entre março de 2019 e março de 2020 com indivíduos com idade ≥ 18 anos em ODP há pelo menos três meses. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (Protocolo n. 3.084.871), e todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos os indivíduos hospitalizados no momento da avaliação, aqueles que não conseguimos contatar para a entrevista, aqueles com histórico de hospitalização/exacerbação dos sintomas nos últimos 90 dias, aqueles com outra doença além da doença respiratória primária que necessitasse de suplementação de oxigênio e aqueles com comprometimento cognitivo que os impedisse de preencher os questionários.
Para a anamnese e o exame físico, foram realizadas visitas domiciliares. As variáveis clínicas relacionadas com carga tabágica, hospitalização, gasometria arterial e dispneia foram extraídas dos prontuários dos pacientes. As informações sobre a gasometria arterial foram obtidas junto aos serviços públicos de saúde, e as amostras foram coletadas dois dias antes da visita domiciliar. As variáveis relacionadas com o uso de ODP foram avaliadas por meio de prontuários dos pacientes e entrevista estruturada. Foram coletados dados referentes à duração diária da ODP (h/dia) e ao fluxo de oxigênio (L/min) em repouso, durante o exercício e durante o sono. Em usuários de concentrador de oxigênio, a duração da ODP foi coletada no serviço de saúde por meio do registro das horas de consumo de oxigênio no horímetro. A adesão à ODP foi considerada adequada nos casos em que o equipamento de oxigênio foi usado por um período diário maior ou igual ao prescrito pelo médico.
(5,6) A análise dos dados foi realizada por meio do programa IBM SPSS Statistics, versão 25.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Os resultados da análise estatística descritiva estão apresentados em forma de frequência absoluta e relativa, média e desvio-padrão ou mediana e valor mínimo-máximo. A duração da ODP e o fluxo de oxigênio prescritos foram comparados com a duração diária da ODP e o fluxo de oxigênio reais por meio do teste t pareado ou do teste de Wilcoxon. O teste do qui-quadrado foi usado para identificar as diferenças entre as proporções de pacientes que aderiram à ODP prescrita (< 15 h/dia ou 15-24 h/dia). O nível de significância adotado foi de p < 0,05.
Foram analisados dados referentes a 74 usuários de ODP com diagnóstico de doença respiratória crônica. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (n = 47; 63,5%). A média de idade foi de 73 ± 8 anos. O diagnóstico mais prevalente foi DPOC (n = 61; 82,4%), seguido de doença pulmonar intersticial (n = 9; 12,2%) e asma (n = 4; 5,4%). A mediana do fluxo de oxigênio foi de 2 (1-5) L/min, e a mediana do tempo de ODP foi de 2,56 ± 3,00 anos. No tocante ao dispositivo de ODP, 82,4% dos pacientes usavam concentrador de oxigênio e 17,6% usavam cilindro de oxigênio. A interface mais comum foi cânula nasal (97,3%), seguida de máscara de traqueostomia (2,7%).
Não foram encontradas diferenças significativas entre o fluxo de oxigênio prescrito e o real em repouso, durante o exercício ou durante o sono (Tabela 1). A adesão à prescrição de ODP foi maior (91,6%) nos pacientes em ODP = 15-24 h/dia do que naqueles em ODP < 15 h/dia (42,1%; p < 0,001). Quando os pacientes com DPOC foram classificados quanto à gravidade da doença e os subgrupos foram comparados quanto à adesão à prescrição de ODP, foi possível observar que 58,3% dos pacientes nos estágios 1 e 2 da GOLD aderiram à ODP, assim como o fizeram 68,4% daqueles nos estágios 3 e 4 da GOLD, o que significa que quanto maior a gravidade da doença, maior a adesão à ODP.
A baixa adesão à ODP em pacientes com prescrição de 15 h/dia pode ser explicada pelo fato de que esses pacientes apresentavam doença menos grave, menos sintomas e menos limitações funcionais. Esses resultados corroboram os achados de um estudo que mostrou que pacientes com DPOC mais grave aderem mais à ODP do que aqueles com DPOC menos grave.
(6) Nossos achados têm implicações clínicas relevantes porque a baixa adesão à ODP pode comprometer o efeito dose-resposta, e os benefícios clínicos da ODP podem não ser alcançados.
A adesão à ODP é complexa e multifatorial.
(7) Estudos mostram que, embora tenham uma percepção positiva da oxigenoterapia,
(8) os pacientes costumam considerá-la negativa em virtude do estigma social e de efeitos psicológicos e comportamentais
(8-10) como constrangimento ao usar o equipamento de oxigênio em público, equívoco a respeito da prescrição do fluxo de oxigênio, falta de percepção dos benefícios do tratamento, estado funcional ruim, tabagismo e dependência de oxigênio.
(8-10) Essas questões devem ser abordadas e discutidas com os pacientes, familiares e cuidadores, assim como os benefícios cardiorrespiratórios clínicos e o aumento da qualidade de vida alcançados quando a ODP é usada de maneira adequada.
A falta de horímetros padronizados para registrar a duração diária da ODP é uma limitação do presente estudo. Estudos futuros devem investigar a adesão à ODP com medidores padronizados para medir o consumo de oxigênio. Os sistemas públicos de saúde também devem levar isso em consideração para a dispensação de ODP. A força de nosso estudo reside no fato de que se baseia em dados autorreferidos sobre o consumo de oxigênio em uma população local do estado de Minas Gerais. Alguns pontos fortes são o fato de que se trata de um estudo prospectivo e o fato de que pacientes com histórico de exacerbação dos sintomas/hospitalização nos últimos 90 dias foram excluídos da amostra porque a hipoxemia nesses casos ainda é lábil. Além disso, o presente estudo tem alta validade interna em virtude do contexto cultural e socioeconômico em que foi realizado (isto é, pacientes com doença respiratória crônica no estado de Minas Gerais), que pode ser diferente do de estudos realizados em outros lugares, particularmente em outros países.
A adesão à ODP em pacientes do sistema público de saúde brasileiro é subótima, principalmente naqueles que recebem prescrição de ODP < 15 h/dia. É necessário melhorar a adesão à ODP em pacientes com hipoxemia crônica. Isso pode ser alcançado por intermédio de protocolos estruturados e acompanhamento periódico realizado por uma equipe multidisciplinar.
APOIO FINANCEIRO Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG; CDS-APQ 03921-17) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; Código de Financiamento 001). CCO recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; Protocolo 424542/2018-8).
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