Neste estudo retrospectivo de 231 pacientes, Harada e colegas avaliaram dados do mundo real sobre quimioterapia adjuvante em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) em estágio I-IIIA que foram submetidos a lobectomia ou pneumonectomia com dissecção de linfonodo. O desfecho primário foi a sobrevida global (SG), enquanto os desfechos secundários foram a sobrevida livre de recorrência (SLD) e a segurança/viabilidade da cisplatina e vinorelbina. Oitenta pacientes receberam quimioterapia adjuvante, 62 dos quais (68%) receberam um regime baseado em cisplatina e 18 (22%), um regime baseado em carboplatina. Em pacientes com CPCNP em estágio II, a quimioterapia adjuvante melhorou a SLD e a SG; entretanto, em pacientes em estágio III, apenas a SLD mostrou melhora estatisticamente significante.
Parabenizamos os autores por este estudo retrospectivo bem conduzido e desenhado em um único centro no Brasil. O estudo reforça o benefício significativo de sobrevida da quimioterapia adjuvante à base de cisplatina em pacientes com CPCNP em estágio IB-IIIA ressecado. Estamos todos cientes do extenso corpo de literatura avaliando quimioterapia adjuvante em CPCNP; no entanto, a maioria dos dados vem de grandes ensaios clínicos prospectivos e randomizados, em que a maioria dos pacientes inscritos não reflete nossa prática diária.
(1-8) Portanto, não raramente, extrapolamos os resultados de uma população muito limitada e restrita para um grupo mais amplo e heterogêneo de pacientes. Nesse contexto, os dados do mundo real desempenham um papel cada vez maior nas decisões sobre cuidados de saúde e nos ajudam a preencher algumas lacunas na literatura. Embora os relatórios de eventos adversos em dados do mundo real tendam a ser menos precisos do que o monitoramento próximo de estudos randomizados, os primeiros ainda podem fornecer uma ideia da tolerabilidade e toxicidade do tratamento. No estudo de Harada et al., 89% dos pacientes que receberam cisplatina e vinorelbina apresentaram toxicidade grau 3-4, 49% foram hospitalizados devido à toxicidade e 9% vieram a óbito. Esses números são alarmantes; no entanto, o tamanho da amostra foi pequeno (n = 62).
(9) Múltiplos estudos avaliaram a cisplatina combinada com vinorelbina comparado a outros dubletos de cisplatina e encontraram uma incidência notavelmente menor de neutropenia febril e neutropenia, sem diferença em SLD ou SG.
(7,8) Nos Estados Unidos, o regime adjuvante padrão é platina + pemetrexed para histologia não escamosa e platina + docetaxel/gemcitabina para histologia de células escamosas.
Depois de pelo menos uma década de estagnação, o papel do tratamento adjuvante no CPCNP ressecado está finalmente dando passos importantes à frente. O ensaio ADAURA demonstrou recentemente uma redução de 80% no risco de recorrência da doença ou morte com osimertinibe em comparação com placebo em CPCNP IB-IIIA ressecado abrigando mutações sensíveis a EGFR.
(10) Isto levou à aprovação deste inibidor da tirosina quinase (ITQ) de terceira geração pela Food and Drug Administration (FDA) na configuração adjuvante. Os dados de sobrevida ainda são imaturos; contudo, devido a sua melhora impressionante na SLD e na SLD do sistema nervoso central em comparação ao placebo, o osimertinibe rapidamente se tornou amplamente adotado nos Estados Unidos. Continuando a desenvolver a terapia adjuvante orientada por biomarcadores, o Adjuvant Lung Cancer Enrichment Marker Identification and Sequencing Trial (ALCHEMIST) (NCT02194738) é uma iniciativa da Rede Nacional de Estudos Clínicos (NCTN - National Clinical Trials Network) patrocinada pelo Instituto Nacional do Câncer (NCI - National Cancer Institute) para abordar o papel dos testes genômicos e terapias personalizadas no tratamento adjuvante do CPCNP. O estudo avalia a crizotinibe em CPCNP IB-IIIA ressecado com um rearranjo ALK e erlotinibe em pacientes ressecados com mutações sensíveis a EGFR. Em virtude dos resultados do estudo ADAURA, a inscrição no braço do erlotinibe foi recentemente suspensa. O LIBRETTOO-432 (NCT 04819100) é um estudo de fase III que inscreverá pacientes ressecados com CPCNP IB-IIIA positivo para fusão RET para selpercatinibe ou placebo. Muitos outros estudos estão em andamento, e espera-se que o paradigma do tratamento continue a evoluir no cenário adjuvante.
Há uma forte razão para a incorporação da imunoterapia no CPCNP em estágio inicial, dados os resultados inovadores com inibidores de checkpoint imunológicos como monoterapia ou combinados com terapia citotóxica em pacientes com doença metastática. A imunoterapia produziu respostas duráveis
e taxas de sobrevida impressionantes em CPCNP avançado. O braço ANVIL do estudo ALCHEMIST randomizou pacientes em mais de 600 locais nos Estados Unidos para nivolumabe ou observação após ressecção cirúrgica e terapia adjuvante padrão (quimioterapia, se indicada) em CPCNP IB-IIIA ressecado. Os desfechos primários têm sido SLD e SG.
(11) O IMPOWER-010 é um estudo de fase III que randomizou 1.280 pacientes com CPCNP IB-IIIA ressecado para atezolizumabe ou melhor terapêutica de suporte (MTS) após quimioterapia adjuvante. O atezolizumabe mostrou um benefício significativo de SLD em relação ao MTS no estágio II-IIIA ressecado, com um benefício mais significativo em tumores positivos para PD-L1.
(12) O KEYNOTE-091 é outro estudo de fase III que randomizou 1.177 pacientes com CPCNP IB-IIIA ressecado para pembrolizumabe ou MTS após quimioterapia adjuvante. O desfecho primário também tem sido SLD. Existem vários ensaios clínicos de imunoterapia adjuvante em andamento, e estamos aguardando ansiosamente os resultados. A Tabela 1 resume a imunoterapia atual e os estudos adjuvantes direcionados.
Temos visto um número esmagador de inibidores de tirosina quinase (ITQ), imunoterapias e combinações de quimioimunoterapia no estágio final do CPCNP aprovados pela FDA. Infelizmente, e paradoxalmente, não observamos esse progresso nos estágios iniciais, onde busca-se a cura. Com a aprovação do osimertinibe e o possível papel do atezolizumabe adjuvante, estamos finalmente começando a mudar para melhor nesta área. Além do pequeno benefício histórico da quimioterapia adjuvante, reiterado por Harada e colegas, a quimioterapia à base de cisplatina ainda desempenha um papel importante como pilar para a maioria dos estudos de ITQ adjuvantes e para todos os ensaios de imunoterapia adjuvante. Portanto, a seleção do regime de quimioterapia adjuvante menos tóxico será ainda mais importante à medida que começarmos a incorporar ITQs e inibidores de checkpoint imunológico no tratamento adjuvante desses pacientes. Com base nos dados do mundo real apresentados no adjuvante platina-vinorelbina, este regime deve ser desencorajado na prática de hoje. Primeiro, não prejudicar, certo?
REFERÊNCIAS
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