ABSTRACT
Objective: High prevalences of muscle weakness and impaired physical performance in hospitalized patients recovering from COVID-19-associated pneumonia have been reported. Our objective was to determine whether the level of exercise capacity after discharge would affect long-term functional outcomes in these patients. Methods: From three to five weeks after discharge from acute care hospitals (T0), patients underwent a six-minute walk test (6MWT) and were divided into two groups according to the distance walked in percentage of predicted values: <75% group and =75% group. At T0 and three months later (T1), patients completed the Short Physical Performance Battery and the Euro Quality of Life Visual Analogue Scale, and pulmonary function and respiratory muscle function were assessed. In addition, a repeat 6MWT was also performed at T1. Results: At T0, 6MWD values and Short Physical Performance Battery scores were lower in the <75% group than in the =75% group. No differences were found in the Euro Quality of Life Visual Analogue Scale scores, pulmonary function variables, respiratory muscle function variables, length of hospital stay, or previous treatment. At T1, both groups improved their exercise capacity, but only the subjects in the <75% group showed significant improvements in dyspnea and lower extremity function. Exercise capacity and functional status values returned to predicted values in all of the patients in both groups. Conclusions: Four weeks after discharge, COVID-19 survivors with exercise limitation showed no significant differences in physiological or clinical characteristics or in perceived health status when compared with patients without exercise limitation. Three months later, those patients recovered their exercise capacity.
Keywords:
Exercise; Health status; Rehabilitation, Respiratory muscles; Dyspnea.
RESUMO
Objetivo: Há relatos de altas prevalências de fraqueza muscular e de comprometimento do desempenho físico em pacientes hospitalizados em recuperação de pneumonia associada à COVID-19. Nosso objetivo foi determinar se o nível de capacidade de exercício após a alta altera os desfechos funcionais em longo prazo nesses pacientes. Métodos: Três a cinco semanas após a alta dos cuidados agudos (T0), os pacientes foram submetidos ao teste de caminhada de seis minutos (TC6) e divididos em dois grupos de acordo com a distância percorrida no TC6 (DTC6) em percentual do previsto: grupo <75% e grupo ≥75%. Em T0 e três meses depois (T1), os pacientes responderam à Short Physical Performance Battery e à Euro Quality of Life Visual Analogue Scale, e foram avaliadas a função pulmonar e a função muscular respiratória. Além disso, o TC6 foi repetido em T1. Resultados: Em T0, a DTC6 e as pontuações na Short Physical Performance Battery foram menores no grupo <75% do que no grupo ≥75%. Não foram encontradas diferenças nas pontuações na Euro Quality of Life Visual Analogue Scale, nas variáveis de função pulmonar e função muscular respiratória, no tempo de internação hospitalar ou no tratamento anterior. Em T1, ambos os grupos melhoraram a capacidade de exercício, mas apenas os indivíduos do grupo <75% apresentaram melhoras significativas na dispneia e na função dos membros inferiores. Os valores de capacidade de exercício e estado funcional retornaram aos valores previstos em todos os pacientes de ambos os grupos. Conclusões: Quatro semanas após a alta, os sobreviventes da COVID-19 com limitação ao exercício não apresentaram diferenças significativas nas características fisiológicas e clínicas ou na percepção do estado de saúde em comparação aos pacientes sem limitação ao exercício. Três meses depois, esses pacientes recuperaram sua capacidade de exercício.
Palavras-chave:
Exercício; Nível de saúde; Reabilitação; Músculos respiratórios; Dispneia.
INTRODUÇÃO A pandemia de COVID-19 tem causado efeitos impressionantes em todo o mundo, com dezenas de milhões de pessoas infectadas e mais de um milhão de vítimas.
(1) Aproximadamente 80% dos indivíduos infectados são assintomáticos, enquanto 15% e 5% deles apresentam doença moderada/grave e crítica, respectivamente.
(2) A infecção pulmonar pode causar danos alveolares que resultam em insuficiência respiratória aguda hipoxêmica, com necessidade de ventilação mecânica (VM).
(3,4) O comprometimento muscular dos pacientes internados na UTI pode estar associado à inflamação sistêmica, à VM, à sedação e ao repouso prolongado no leito, entre outras causas.
(5) O comprometimento físico, psicológico e cognitivo em longo prazo tanto dos sobreviventes quanto dos cuidadores precisa ser investigado.
(6) Uma alta prevalência de fraqueza muscular e de comprometimento do desempenho físico foi descrita em pacientes hospitalizados em recuperação da COVID-19 que não haviam apresentado nenhuma limitação motora anterior.
(7) Sobreviventes da COVID-19 se queixam de fadiga, fraqueza muscular, dificuldades para dormir, ansiedade e depressão seis meses após a infecção aguda.
(8) Sobreviventes da COVID-19 com comprometimento do desempenho funcional e muscular, dispneia e percepção negativa do estado de saúde
(9) podem se beneficiar da reabilitação pulmonar.
(10) Não está claro se o nível de capacidade de exercício após a alta altera os desfechos funcionais em longo prazo. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a capacidade de exercício dos pacientes quatro semanas após a alta dos cuidados agudos e após um acompanhamento de três meses.
MÉTODOS Trata-se de um estudo prospectivo observacional controlado. O estudo foi aprovado pelo Comitê Central de Ética do Istituti Clinici Scientifici Maugeri (CEC nº 2435; 26 de maio de 2020), e os participantes assinaram o termo de consentimento informado.
Participantes Entre 27 de maio e 17 de setembro de 2020, pacientes consecutivos em recuperação de pneumonia associada à COVID-19 inscritos em um programa de acompanhamento no ambulatório do Istituti Clinici Scientifici Maugeri, na cidade de Tradate, na Itália, foram incluídos no estudo. O ambulatório faz parte da rede de instituições de referência para reabilitação pulmonar, diagnóstico e atendimento de pacientes pós-agudos e pós-crônicos.
(11,12) Todos os pacientes haviam sido internados anteriormente em UTI, unidade de cuidados intermediários ou unidade respiratória e haviam recebido alta para casa ou para um programa multidisciplinar para pacientes internados, conforme o Italian Position Paper.
(10,13,14) Os pacientes foram incluídos no programa de acompanhamento três a cinco semanas após a alta.
Medições Foram coletados os seguintes dados dos pacientes no momento da inclusão no programa de acompanhamento (momento basal: T0): características demográficas; características antropométricas; número e tipo de comorbidades utilizando a Cumulative Illness Rating Scale,
(15) que inclui um índice de comorbidades e um índice de gravidade; tempo de internação hospitalar; e uso de VM invasiva ou não invasiva. De acordo com a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (DTC6) em T0, os pacientes foram divididos em dois grupos: aqueles com DTC6 < 75% do previsto (grupo <75%) e aqueles com DTC6 ≥ 75% do previsto (grupo ≥75%).
As medidas de desfecho foram avaliadas, utilizando medidas de proteção completas,
(16) tanto em T0 quanto três meses após T0 (T1). A tolerância ao exercício foi avaliada por meio do TC6.
(17) A DTC6 foi expressa em metros e em percentual do previsto.
(18) No início e no final do teste, a percepção de dispneia e a fadiga de membros inferiores foram avaliadas por meio da escala modificada de Borg.
(19) A SpO2 e a FC foram monitoradas com um oxímetro de pulso (8500M; Nonin Medical, Inc., Plymouth, MN, EUA), e foram registradas a SpO2 basal, a FC basal, o nadir da SpO2 e o pico da FC. A dessaturação induzida pelo exercício foi definida como SpO2 basal − nadir da SpO2 (∆SpO2) > 4% durante o TC6.
(17,20) A função dos membros inferiores foi avaliada por meio da Short Physical Performance Battery (SPPB),
(21) utilizando os valores previstos por Bergland et al.
(22) A pontuação total na SPPB resulta da soma de três componentes: equilíbrio em pé, teste de caminhada de quatro metros e movimentação da posição sentada para a posição em pé (cinco vezes). A pontuação total na SPPB varia de 0 a 12 pontos: 1-2, incapacidade grave; 3-8, incapacidade moderada; e 9-12, sem incapacidade. A diferença mínima clinicamente importante para a SPPB é descrita como 1 ponto.
(23) A gasometria arterial foi realizada com um analisador automatizado em amostras coletadas da artéria radial com o paciente sentado e respirando ar ambiente ou oxigênio por pelo menos 1 h. O desempenho motor foi avaliado pelo índice de Barthel
(24); a pontuação total varia de 0 (nível máximo de dependência) a 100 (autonomia completa). Uma pontuação ≤ 70 corresponde à dependência grave. A dispneia foi medida pelo índice de Barthel-dispneia.
(25) A pontuação total varia de 0 (ausência de dispneia) a 100 (dispneia extremamente grave). Uma redução de 9 e 12 pontos é considerada a diferença mínima clinicamente importante em pacientes com DPOC sem e com insuficiência respiratória crônica, respectivamente.
(26) A percepção do estado de saúde foi medida pela Euro Quality of Life Visual Analogue Scale.
(27) A pontuação total varia de 0 a 100 (quanto maior a pontuação, melhor a qualidade de vida). Os volumes pulmonares dinâmicos foram avaliados conforme padrões
(28) utilizando os valores previstos por Quanjer,
(29) enquanto a PImáx e a PEmáx foram avaliadas conforme diretrizes internacionais
(30) utilizando os valores previstos por Bruschi et al.
(31) Análise estatística As variáveis qualitativas foram descritas como frequências absolutas e relativas; as variáveis quantitativas foram expressas como médias e desvios-padrão ou medianas e intervalos interquartis, dependendo de sua distribuição (paramétrica ou não paramétrica). As comparações das variáveis qualitativas entre os grupos foram realizadas com o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. Para detectar qualquer diferença estatística na comparação das variáveis quantitativas paramétricas e não paramétricas, respectivamente, foram utilizados o teste t de Student e o teste de Mann-Whitney. Utilizamos o teste t de Student e o teste dos postos sinalizados de Wilcoxon para avaliar as diferenças pareadas. Utilizamos as correlações de Spearman e de Pearson para detectar as relações entre a DTC6 medida durante o acompanhamento e as variáveis clínicas. Com base em dados publicados anteriormente,
(10) uma DTC6 basal de 86,7 m e uma diferença pré- e pós-intervenção de 105 m, um erro alfa de 0,05 e um poder estatístico de 0,9 estimaram um tamanho de amostra = 8. Um p bicaudal < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa estatístico Stata, versão 16 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA).
RESULTADOS A Figura 1 mostra o processo de seleção dos pacientes. Durante o período de estudo, 48 indivíduos foram encaminhados ao nosso ambulatório, 33 preencheram os critérios de inclusão, e 3 tiveram perda de seguimento; portanto, 30 pacientes foram incluídos na análise (Figura 1). De acordo com a DTC6 em T0, 15 e 15 pacientes foram incluídos nos grupos <75% e ≥75%, respectivamente. Onze pacientes (73%) do grupo <75% e 5 pacientes (33%) do grupo ≥75% foram submetidos à reabilitação pulmonar (p = 0,03).
(14) As características demográficas, antropométricas, fisiológicas e clínicas dos pacientes em T0 são mostradas na Tabela 1. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos. Em T0, todos os indivíduos apresentavam IMC > 23,2 kg/m2, sendo que 11 (33,3%) apresentavam IMC ≥ 30 kg/m2 (4 e 7 dos grupos <75% e ≥75%, respectivamente).
A Tabela 2 mostra a capacidade de exercício e o estado funcional dos pacientes em T0.. Como esperado, em comparação aos pacientes do grupo ≥75%, os do grupo <75% apresentavam capacidade de exercício reduzida e dispneia mais grave e apresentaram pontuações menores na SPPB, mas não na Euro Quality of Life Visual Analogue Scale.
A Tabela 3 mostra os valores das variáveis demográficas, fisiológicas e funcionais em T1, bem como as diferenças (T1 − T0) referentes à capacidade de exercício, dispneia e função dos membros inferiores. Não foram encontradas diferenças entre os grupos nas variáveis antropométricas e fisiológicas em T1. No entanto, a DTC6 e as pontuações na SPPB foram maiores no grupo ≥75% do que no grupo <75%. Ambos os grupos apresentaram melhora na capacidade de exercício, mas apenas o grupo <75% apresentou melhoras significativas na dispneia e na função dos membros inferiores. Como também mostrado na Tabela 3, os resultados de capacidade de exercício e estado funcional retornaram aos valores previstos em todos os pacientes de ambos os grupos.
A Tabela 4 mostra as correlações das características demográficas, fisiológicas e clínicas em T0 com a DTC6 em T1. Maior idade, maior tempo de internação hospitalar, presença de comorbidades e necessidade de VM invasiva correlacionaram-se com menor DTC6 em T1. Menor DTC6 e pontuações menores na SPPB em T0 correlacionaram-se com maior DTC6 em T1. Em virtude da pequena amostra, a participação no programa de reabilitação não se correlacionou significativamente com a capacidade de exercício em T1.
DISCUSSÃO O presente estudo mostra que metade dos pacientes em recuperação de pneumonia associada à COVID-19 pode apresentar limitação ao exercício quatro semanas após a alta dos cuidados agudos. Pacientes com limitação ao exercício e pior estado funcional, em comparação àqueles sem esses problemas, não apresentaram diferenças significativas nas características demográficas, antropométricas, fisiológicas e clínicas ou na percepção do estado de saúde. Três meses após T0, os resultados de capacidade de exercício e estado funcional retornaram aos valores previstos em ambos os grupos.
Nossos resultados confirmam que os sobreviventes da COVID-19 podem apresentar comprometimento do funcionamento físico no momento da alta para casa, mesmo após a mobilização precoce.
(32) A ausência de diferenças no momento basal ressalta que o declínio no desempenho físico não pode ser atribuído ao comprometimento pulmonar ou à disfunção muscular respiratória.
Como mostrado pela comparação com os valores previstos, três meses após T0, todos os pacientes recuperaram sua capacidade de exercício e seu estado funcional. Um grande estudo relatou que, seis meses após a infecção aguda, os sobreviventes da COVID-19 queixaram-se de fadiga ou fraqueza muscular, dificuldades para dormir e ansiedade ou depressão.
(8) O tempo de internação em cuidados agudos em nossa amostra foi semelhante ao no estudo supracitado
(8) com pacientes em VM invasiva, em ventilação não invasiva ou em uso de cateter nasal de alto fluxo (média: 43 vs. 35 dias). A capacidade de exercício avaliada pela DTC6 três meses após a alta foi semelhante à no estudo supracitado
(8) com pacientes avaliados seis meses após a alta dos cuidados agudos (média: 94% vs. 88% do previsto).
A grande maioria dos pacientes (73%) com limitação ao exercício (grupo <75%) foi submetida à reabilitação pulmonar conforme o Italian Position Paper,
(14) contra 33% dos pacientes do grupo ≥75%. O pequeno tamanho da amostra impede uma comparação confiável entre os pacientes que foram e os que não foram submetidos à reabilitação pulmonar. No entanto, nossos resultados confirmam os de outro estudo
(10) que mostrou que um programa de reabilitação pulmonar pode melhorar, mas não recuperar totalmente a capacidade de exercício. Além disso, em nosso estudo, em virtude do pequeno tamanho da amostra, a participação em um programa de reabilitação pulmonar não se associou com a capacidade de exercício em T1.
Não houve diferença na percepção do estado de saúde entre os pacientes com e sem limitação ao exercício. Em outras palavras, pelo menos nesta amostra de pacientes, houve dissociação entre capacidade de exercício e estado de saúde. Essa observação também foi relatada em outros estudos sobre outras doenças
(33) e provavelmente reflete o fato de que o estado de saúde não depende apenas da capacidade de exercício. Isso salienta a importância de avaliar especificamente esse parâmetro.
O presente estudo possui limitações. Testes de função muscular respiratória ou pulmonar padrão, incluindo a avaliação da capacidade de difusão no momento da alta dos cuidados agudos, não puderam ser realizados por motivo de segurança. O pequeno tamanho da amostra impede uma comparação confiável entre os pacientes que foram e os que não foram submetidos à reabilitação pulmonar.
Em conclusão, pacientes em recuperação de pneumonia associada à COVID-19 podem apresentar limitação ao exercício quadro semanas após a alta dos cuidados agudos. Não foram encontradas diferenças nas características demográficas, antropométricas, fisiológicas e clínicas ou na percepção do estado de saúde entre os pacientes com e sem limitação ao exercício. No entanto, três meses depois, os valores de capacidade de exercício e estado funcional retornaram aos valores previstos em ambos os grupos. Apesar do pequeno tamanho da amostra e da possível falta de validade externa, nossos achados podem orientar os médicos que tratam sobreviventes da COVID-19 no desenvolvimento de programas de reabilitação adequados.
AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer à Dra. Denise Rossato Silva (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil) os úteis comentários sobre o manuscrito.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES Todos os autores participaram da redação e revisão do manuscrito, bem como da aprovação da versão final.
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