AO EDITOR, A bronquiolite obliterante (BO) é uma doença rara que pode resultar de um grande número de condições clínicas. A lesão e inflamação das pequenas vias aéreas podem ser causadas por diferentes estímulos, como doenças virais, refluxo gastroesofágico, exposição prolongada a poluentes, doenças autoimunes, pós-transplante de órgãos ou medula óssea e, menos frequentemente, a síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) ou necrólise epidérmica tóxica (NET).
(1,2) Clinicamente, a BO é caracterizada por dispneia progressiva e tosse seca, que evoluem de semanas a meses.
(1) A espirometria pode ser normal ou apresentar um padrão obstrutivo, restritivo ou misto.
(1) A tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax pode mostrar alterações precoces, mesmo com espirometria normal, com áreas hipodensas apresentando calibre vascular reduzido, sugestivo de aprisionamento aéreo.
(1,3) SSJ e NET são diferentes espectros de uma mesma doença, diferindo pela extensão do descolamento da pele.
(4) Esta doença é caracterizada por reações cutâneas graves, com erupções agudas da pele e mucosas que podem afetar o sistema respiratório, levando a edema laríngeo, epiglotite, bronquiolite, pneumonite e, em casos raros, pneumotórax.
(4) Sequelas pulmonares persistentes associadas a SSJ ou NET são consideradas incomuns, mas quando o envolvimento da mucosa respiratória é extenso, a doença aparece, na maioria dos relatos, como grave, progressiva e com mau prognóstico.
(2,3,5,6) Descrevemos aqui um caso de BO secundária à NET, que apresentou evolução clínica favorável. Este é o primeiro caso relatado em adultos no Brasil, de acordo com pesquisas na base de dados PubMed. A paciente era uma mulher de 32 anos de idade, na época solteira, desempregada, cearense, não tabagista e sem doenças pulmonares prévias. Ela tinha história médica de epilepsia, fazendo uso de fenobarbital há 8 anos. A paciente evoluiu com NET secundária ao uso dessa medicação. Apresentava extenso comprometimento da mucosa oral, vaginal, corneana e respiratória, tendo permanecido em ventilação mecânica na UTI por 45 dias devido a insuficiência respiratória aguda. Na enfermaria do hospital, a paciente persistia com dispneia aos mínimos esforços, sibilância, tosse com expectoração mucoide e dependência de oxigênio. Ela teve alta após 15 dias e foi encaminhada ao Serviço de Pneumologia do Hospital Universitário Walter Cantídio. Na consulta, queixava-se de dispneia (m-MRC 3) e referia necessidade de oxigênio noturno e uso de corticoide oral (prednisona 20 mg por dia). Ao exame físico, a paciente exibia estado geral prejudicado; estava orientada, taquidispneica, apresentava amaurose bilateral e ausculta cardíaca normal. A ausculta pulmonar revelou murmúrio vesicular difusamente diminuído, sem ruídos adventícios, e a saturação de oxigênio era de 93% em ar ambiente. A espirometria inicial mostrou distúrbio ventilatório obstrutivo acentuado, com CVF reduzida (pré-BD VEF1: 0,61 (23,9%), pós-BD VEF1: 0,61 (23,9%), pré-BD CVF: 1,10 (37,4%), pós-BD CVF: 1,05 (35,6%), pré-BD VEF1 / CVF: 55,32%, pós-BD VEF1 / CVF: 57,78%). A radiografia de tórax mostrou hiperinsuflação difusa e pequena condensação focal na base direita. A TCAR de tórax mostrou um padrão de atenuação em mosaico difuso, com extensas áreas de hiperinsuflação regional e discretos infiltrados reticulares associados a uma área em vidro fosco dispersa bilateralmente nos segmentos anteriores, notadamente no pulmão esquerdo (Figura 1). Foi iniciado tratamento com Budesonida / Formoterol inalatório e realizado desmame progressivo dos corticosteroides sistêmicos. A paciente evoluiu com melhora significativa da dispneia e desmame da oxigenoterapia. Ela tem sido acompanhada há 6 anos pelo serviço, com controle dos sintomas (m-MRC 1) e melhora progressiva da função pulmonar, e, na última avaliação, apresentava um VEF1 pré-BD de 930 mL (VEF1 pré-BD: 0,93 (38,4%), VEF1 pós-BD: 0,97 (40,4%), CVF pré-BD: 1,63 (57,8%), CVF pós-BD: 1,64 (58,3%), VEF1 / CVF pré-BD: 57%, VEF1 / CVF pós-BD: 59,4%) e um aumento de 156 metros no teste de caminhada de 6 minutos.
NET é causada por hipersensibilidade a complexos imunes, desencadeada principalmente por drogas, sendo os anticonvulsivantes uma das classes mais envolvidas.
(2,4,5) Essa reação leva a lesões na epiderme e mucosas, sendo caracterizada como NET quando mais de 30% da epiderme apresenta necrose.
(4,5) Na NET, as lesões da mucosa são mais comumente vistas nas vias aéreas superiores, mas no caso da BO, uma complicação rara e grave associada a essa síndrome, as lesões da mucosa atingem os bronquíolos terminais.
(4,5) No processo de cicatrização dessas lesões, ocorre a produção de fibrina e a invasão tecidual por células inflamatórias, como linfócitos e macrófagos, além da proliferação de miofibroblastos e capilares sanguíneos, levando à hiperproliferação do tecido de granulação, com deposição de colágeno na submucosa e consequente estreitamento concêntrico progressivo e distorção da luz brônquica, caracterizando inflamação crônica.
(2) Como a estrutura da parede brônquica, incluindo a camada muscular lisa e as fibras elásticas, não é destruída e é circundada por tecido fibrótico, o padrão histológico é caracterizado por bronquiolite constritiva, que pode levar à obstrução brônquica parcial ou total, aspectos que determinam a gravidade do quadro.
(2,6) A presença de envolvimento da cartilagem brônquica também tem sido descrita como fator associado a um pior prognóstico.
(2,6) Atualmente, a biópsia está dispensada para o diagnóstico de BO, que se baseia em critérios clínicos e radiológicos, quando há história clínica e história patológica compatível, associada a prova de função pulmonar com padrão obstrutivo fixo e tomografia com padrão de atenuação em mosaico, com atenuação vascular e bronquiectasia central.
(3,5,7) Idealmente, o tratamento eficaz da NET evita que essas graves sequelas respiratórias sejam geradas.
(8) Para isso, é necessário o reconhecimento precoce da síndrome e do agente causador e a imediata interrupção da exposição ao agente, visto que a doença apresenta evolução rápida.
(4) De acordo com a literatura, quando a BO já está instalada, o prognóstico geralmente é desfavorável, com desfecho fatal na maioria dos casos em adultos.
(2,3,5,6,8) Não há tratamento específico estabelecido para esta doença, com resultados precários baseados em corticoterapia na maioria dos casos.
(3,8) Diferentemente, no caso relatado, a paciente evoluiu com bom controle dos sintomas respiratórios e melhora da função pulmonar, tornando a terapia inalatória uma opção a ser considerada.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES ALBPF: concepção e planejamento do trabalho, redação e revisão das versões preliminares e definitiva, aprovação da versão final. RCR: concepção e planejamento do trabalho, revisão das versões preliminares e definitiva, aprovação da versão final. RCPP: concepção e planejamento do trabalho, aprovação da versão final. JFF: redação e revisão das versões preliminares e definitiva, aprovação da versão final. MAH: revisão das versões preliminares e definitiva, aprovação da versão final.
REFERÊNCIAS
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