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Editorial

Fibrose pulmonar e acompanhamento de sobreviventes da COVID-19: necessidade urgente de esclarecimento

Pulmonary fibrosis and follow-up of COVID-19 survivors: an urgent need for clarification

Bruno Guedes Baldi1,2, Suzana Erico Tanni3

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210213

Vários pacientes com COVID-19 apresentam anormalidades pulmonares intersticiais residuais de longo prazo, e a prevalência dessas sequelas certamente aumentará, já que a pandemia prossegue. No entanto, ainda não se compreende bem a definição de quando se estabelece a fibrose pulmonar irreversível pós-COVID-19, pois os sobreviventes da COVID-19 podem apresentar melhora funcional e tomográfica no período de acompanhamento (Figura 1).(1-3) Além disso, há algumas sugestões para a melhor abordagem em longo prazo no que tange ao monitoramento respiratório com testes auxiliares e a frequência de avaliação de pacientes com comprometimento pulmonar na fase aguda da COVID-19, embora ainda não haja evidências definitivas.(1,4)

 
A fibrose pulmonar pós-COVID-19 pode ser definida como a presença de sequelas tomográficas fibróticas persistentes observadas no período de acompanhamento, que podem estar relacionadas com comprometimento funcional.(1) No entanto, sabe-se pouco sobre a prevalência, a fisiopatologia, os possíveis fatores de risco e a abordagem terapêutica dessa doença.(1)
 
Há várias incertezas a respeito da fibrose pulmonar pós-COVID-19 que precisam ser amplamente investigadas o mais rápido possível. Em primeiro lugar, ainda não está claro quando características tomográficas que sugerem a presença de fibrose pulmonar são consideradas definitivas, especialmente opacidades em vidro fosco. Nesse cenário, estudos recentes demonstraram que a melhora das alterações pulmonares pós-COVID-19 pode ser demonstrada em avaliações tomográficas seriadas, embora pouquíssimos estudos tenham avaliado pacientes por mais de seis meses após o diagnóstico.(2,3) Um estudo na China no qual foram avaliados pacientes hospitalizados com COVID-19, sem necessidade de ventilação mecânica, demonstrou que a maioria dos pacientes apresentou melhora na tomografia, função pulmonar e variáveis relacionadas com o exercício, porém 24% continuaram a apresentar alterações tomográficas um ano após a alta.(2) O impacto da atividade inflamatória autoimune desencadeada pela infecção viral e a presença de características genéticas e anormalidades pulmonares intersticiais prévias podem determinar um risco maior de fibrose pulmonar pós-COVID-19; entretanto, essas hipóteses precisam ser esclarecidas.(1,5) Um estudo recente mostrou que o menor comprimento dos telômeros de leucócitos sanguíneos foi identificado como um fator de risco de ocorrência de alterações tomográficas semelhantes à fibrose em pacientes quatro meses após a COVID-19, o que reforça a hipótese de suscetibilidades genéticas para a ocorrência de fibrose pulmonar pós-COVID-19.(5) Além disso, são necessários mais estudos nos quais se avaliem características histológicas em pacientes com fibrose pulmonar pós-COVID-19 para aumentar o conhecimento a respeito dessa entidade. Biomarcadores séricos como Krebs von den Lungen-6 são promissores para prever um maior risco de fibrose pulmonar pós-COVID-19, mas precisam ser explorados em estudos futuros.(6)
 
Ainda não se sabe ao certo quando iniciar as modalidades terapêuticas e quais pacientes se beneficiarão delas, incluindo medicamentos e reabilitação pulmonar, para atenuar o comprometimento resultante da fibrose pulmonar pós-COVID-19. O papel da pirfenidona e do nintedanibe, que são medicamentos antifibróticos que podem ser usados em diversos cenários em pacientes com fibrose pulmonar idiopática, precisa ser mais bem definido no caso daqueles com anormalidades pulmonares intersticiais crônicas pós-COVID-19.(7,8) Esses medicamentos antifibróticos serão provavelmente considerados para aqueles com declínio funcional progressivo durante o período de acompanhamento, embora sejam necessários ensaios clínicos controlados aleatórios para confirmar ou refutar essa hipótese. Além disso, o papel do tratamento prolongado com corticosteroides na prevenção da fibrose pulmonar pós-COVID-19 ainda é incerto, embora pareça ser útil em subgrupos de pacientes como aqueles com alterações tomográficas que sugerem a presença de pneumonia em organização.(9)
 
Não há dados robustos disponíveis para orientar quais exames devem ser realizados para a avaliação respiratória e com que frequência eles devem ser realizados rotineiramente no acompanhamento de pacientes com comprometimento pulmonar na fase aguda da COVID-19. A British Thoracic Society(4) recomendou uma avaliação clínica 4-6 semanas após a alta, além de radiografia de tórax e prova de função pulmonar 12 semanas após a alta em pacientes com COVID-19 grave ou múltiplas comorbidades. A TC deve ser realizada se houver evidências de alterações na radiografia de tórax. Para pacientes com COVID-19 pulmonar leve ou moderada, a British Thoracic Society sugeriu uma radiografia de tórax 12 semanas após a alta. Os exames devem ser realizados de acordo com a evolução clínica e os resultados das avaliações iniciais.(4) Embora a TC seja o método de imagem mais preciso para a avaliação da gravidade e o acompanhamento de pacientes com comprometimento pulmonar decorrente da COVID-19, a radiografia de tórax pode ser considerada para a avaliação, especialmente em situações em que a TC não esteja facilmente disponível.(4,10,11) A ultrassonografia pulmonar é útil para a avaliação do comprometimento pulmonar na fase aguda da COVID-19 e pode ser valiosa no acompanhamento de longo prazo de sobreviventes da COVID-19; entretanto, são necessários mais estudos para confirmar essa aplicabilidade.(12) Acreditamos que a melhor conduta no acompanhamento deve ser personalizada de acordo com os recursos disponíveis, as características dos pacientes e a gravidade da fase aguda da infecção. Sugerimos uma consulta clínica e a realização de um exame de imagem, preferencialmente a TC, 1, 3, 6 e 12 meses após a alta para aqueles com comprometimento pulmonar moderado ou grave na fase aguda da COVID-19 a fim de avaliar a resolução ou progressão de anormalidades pulmonares intersticiais persistentes. Testes de função pulmonar, incluindo o teste de caminhada de seis minutos, devem ser realizados preferencialmente 3, 6 e 12 meses após a alta.
 
As várias incertezas quanto à fibrose pulmonar e otimização do acompanhamento respiratório pós-COVID-19 deverão ser esclarecidas em um futuro próximo. Estudos com períodos de acompanhamento mais longos são necessários para determinar como a doença pulmonar intersticial (DPI) pós-COVID-19 progride e qual é a melhor abordagem para esses pacientes em longo prazo. É imprescindível que os centros de saúde se organizem para o acompanhamento clínico e uso de exames auxiliares para o atendimento do crescente número de pacientes com DPI pós-COVID-19 que precisarão ser acompanhados em longo prazo, preferencialmente com abordagem multidisciplinar. Além disso, vários exemplos reforçam o possível papel e a expansão da telessaúde no apoio ao manejo de sobreviventes da COVID-19, que pode ser útil em tal cenário. Em virtude da heterogeneidade dos centros de saúde, sugerimos que a implantação e padronização da assistência aos pacientes com DPI pós-COVID-19 sejam personalizadas de acordo com os recursos disponíveis e as prioridades estabelecidas em cada ambulatório.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Tanni SE, Fabro AT, de Albuquerque A, Ferreira EVM, Verrastro CGY, Sawamura MVY, et al. Pulmonary fibrosis secondary to COVID-19: a narrative review [published online ahead of print, 2021 Apr 27]. Expert Rev Respir Med. 2021;1-13. https://doi.org/10.1080/17476348.2021.1916472
2.            Wu X, Liu X, Zhou Y, Yu H, Li R, Zhan Q, et al. 3-month, 6-month, 9-month, and 12-month respiratory outcomes in patients following COVID-19-related hospitalisation: a prospective study [published online ahead of print, 2021 May 5]. Lancet Respir Med. 2021;S2213-2600(21)00174-0. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(21)00174-0
3.            Han X, Fan Y, Alwalid O, Li N, Jia X, Yuan M, et al. Six-month Follow-up Chest CT Findings after Severe COVID-19 Pneumonia. Radiology. 2021;299(1):E177-E186. https://doi.org/10.1148/radiol.2021203153
4.            George PM, Barratt SL, Condliffe R, Desai SR, Devaraj A, Forrest I, et al. Respiratory follow-up of patients with COVID-19 pneumonia. Thorax. 2020;75(11):1009-1016. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2020-215314
5.            McGroder CF, Zhang D, Choudhury MA, Salvatore MM, D’Souza BM, Hoffman EA, et al. Pulmonary fibrosis 4 months after COVID-19 is associated with severity of illness and blood leukocyte telomere length [published online ahead of print, 2021 Apr 29]. Thorax. 2021;thoraxjnl-2021-217031. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2021-217031
6.            Arnold DT, Donald C, Lyon M, Hamilton FW, Morley AJ, Attwood M, et al. Krebs von den Lungen 6 (KL-6) as a marker for disease severity and persistent radiological abnormalities following COVID-19 infection at 12 weeks. PLoS One. 2021;16(4):e0249607. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0249607
7.            Baddini-Martinez J, Ferreira J, Tanni S, Alves LR, Cabral Junior BF, Carvalho CRR, et al. Brazilian guidelines for the pharmacological treatment of idiopathic pulmonary fibrosis. Official document of the Brazilian Thoracic Association based on the GRADE methodology. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20190423. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20190423
8.            Pereira CAC, Baddini-Martinez JA, Baldi BG, Jezler SFO, Rubin AS, Alves RLR, et al. Safety and tolerability of nintedanib in patients with idiopathic pulmonary fibrosis in Brazil. J Bras Pneumol. 2019;45(5):e20180414.
9.            Myall KJ, Mukherjee B, Castanheira AM, Lam JL, Benedetti G, Mak SM, et al. Persistent Post-COVID-19 Interstitial Lung Disease. An Observational Study of Corticosteroid Treatment. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(5):799-806. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.202008-1002OC
10.          Baratella E, Crivelli P, Marrocchio C, Bozzato AM, Vito A, Madeddu G, et al. Severity of lung involvement on chest X-rays in SARS-coronavirus-2 infected patients as a possible tool to predict clinical progression: an observational retrospective analysis of the relationship between radiological, clinical, and laboratory data. J Bras Pneumol. 2020;46(5):e20200226. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200226
11.          Sverzellati N, Ryerson CJ, Milanese G, Renzoni EA, Volpi A, Spagnolo P, et al. Chest x-ray or CT for COVID-19 pneumonia? Comparative study in a simulated triage setting [published online ahead of print, 2021 Feb 11]. Eur Respir J. 2021;2004188. https://doi.org/10.1183/13993003.04188-2020
12.          Giovannetti G, De Michele L, De Ceglie M, Pierucci P, Mirabile A, Vita M, et al. Lung ul-trasonography for long-term follow-up of COVID-19 survivors compared to chest CT scan. Respir Med. 2021;181:106384. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2021.106384  

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