ABSTRACT
Objective: Evaluate the impact of the instrument of the "Stratification by Degree of Clinical Severity and Abandonment Risk of Tuberculosis Treatment" (SRTB) on the tuberculosis outcome. Methods: This study was a pragmatic clinical trial involving patients with a confirmed diagnosis of tuberculosis treated at one of the 152 primary health care units in the city of Belo Horizonte, Brazil, between May of 2016 and April of 2017. Cluster areas for tuberculosis were identified, and the units and their respective patients were divided into intervention (use of SRTB) and nonintervention groups. Results: The total sample comprised 432 participants, 223 and 209 of whom being allocated to the nonintervention and intervention groups, respectively. The risk of treatment abandonment in the nonintervention group was significantly higher than was that in the intervention group (OR = 15.010; p < 0.001), regardless of the number of risk factors identified. Kaplan-Meier curves showed a hazard ratio of 0.0753 (p < 0.001). Conclusions: The SRTB instrument was effective in reducing abandonment of tuberculosis treatment, regardless of the number of risk factors for that. This instrument is rapid and easy to use, and can be adapted to different realities. Its application showed characteristics predisposing to a non-adherence to the treatment and established bases to mitigate its impact.
Keywords:
Tuberculosis; Patient compliance; Risk factors; Treatment adherence.
RESUMO
Objetivo: Avaliar o impacto do instrumento denominado “Estratificação por Grau de Risco Clínico e de Abandono do Tratamento da Tuberculose” (ERTB) nos desfechos da tuberculose. Métodos: Ensaio clínico pragmático envolvendo pacientes com diagnóstico confirmado de tuberculose atendidos em uma das 152 unidades de atenção primária à saúde na cidade de Belo Horizonte (MG) entre maio de 2016 e abril de 2017. Foram identificadas áreas de cluster para tuberculose, e as unidades e os respectivos pacientes foram divididos em grupos intervenção (uso do instrumento ERTB) e não intervenção. Resultados: A amostra total foi composta por 432 participantes, dos quais 223 e 209 foram alocados nos grupos não intervenção e intervenção, respectivamente. O risco de abandono do tratamento no grupo não intervenção foi significativamente maior do que no grupo intervenção (OR = 15,010; p < 0,001), independentemente do número de fatores de risco identificados. As curvas de Kaplan-Meier mostraram uma razão de risco de 0,0753 (p < 0,001). Conclusões: O instrumento ERTB foi eficaz em reduzir o abandono do tratamento da tuberculose, independentemente do número de fatores de risco identificados. Esse instrumento é rápido e fácil de utilizar e pode ser adaptado a diferentes realidades.
Palavras-chave:
Tuberculose; Cooperação do paciente; Fatores de risco; Adesão ao tratamento.
INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o número de casos de tuberculose diminuiu globalmente. No entanto, essa redução foi insuficiente para atingir as metas da Estratégia End TB da Organização Mundial de Saúde (OMS) em todo o mundo.(1) Esses resultados só serão alcançados se o diagnóstico, o tratamento e a prevenção expressarem um cuidado integral centrado na pessoa e em suas necessidades, e ocorrerem em um contexto de cobertura universal de saúde.(1,2)
A tuberculose permanece como uma das 10 principais causas de óbito no mundo, acometendo 1.3 milhão de pessoas, com aproximadamente 10 milhões de doentes em 2018.(2) As taxas de sucesso do tratamento permanecem baixas, reforçando a necessidade de modelos de cuidado que facilitem não somente o diagnóstico, mas também o acompanhamento adequado das pessoas com tuberculose.(1,2)
O Brasil é um dos 20 países com a maior carga da doença, com um número estimado de 91.000 casos e 7.000 óbitos anuais.(2) Belo Horizonte é a capital do segundo estado mais populoso do país, possuiu taxas de cura (72,5%) e de abandono do tratamento (11,8%) fora dos parâmetros preconizados internacionalmente de no mínimo 85% e no máximo 5%, respectivamente.(3)
Apesar da alta efetividade dos esquemas terapêuticos preconizados para o tratamento e prevenção da tuberculose,(4,5) a baixa adesão ao tratamento é considerada o principal desafio para o controle global da doença.(6-9) A interrupção inadequada do tratamento pode ocasionar consequências individuais e coletivas, como a morte, sequelas, aparecimento do Mycobacterium tuberculosis resistente aos fármacos, aumento dos custos para os sistemas de saúde, além de favorecer a permanência da fonte de infecção na comunidade.(4,5,7,9-11)
As agências internacionais têm defendido o uso do Tratamento Diretamente Observado (TDO) desde 1994 para o fortalecemento da adesão ao tratamento. Sua premissa é garantir a visualização da tomada dos medicamentos pelo paciente e fortalecer o seu vínculo com a equipe de saúde.(2,4-6) Diversos estudos já mostraram que o TDO por si só não proporciona maior adesão ao tratamento e apontaram a necessidade de outras medidas.(5,7,8,10,12-14)
O fortalecimento das intervenções para promoção da adesão ao tratamento pode proporcionar maior impacto sobre a saúde da população, quando comparada a qualquer outra melhoria em tratamentos médicos. (15,16) A baixa adesão é um determinante primário da efetividade do tratamento, ao atenuar de forma indevida os benefícios clínicos esperados. Acredita-se que a magnitude e o efeito da baixa adesão ao tratamento sejam ainda maiores, especialmente em países em desenvolvimento, dada a escassez de recursos e as desigualdades no acesso ao sistema de saúde.(6,7) A organização ideal do cuidado requer coordenação entre as necessidades do paciente e a identificação de possíveis barreiras ao tratamento. (9-11,17,18)
Os sistemas de saúde com Atenção Primária à Saúde (APS) consideram este nível de atenção a porta preferencial de acesso à rede assistencial. A APS utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade tecnológica que devem resolver os problemas de saúde de maior frequência e relevância em seu território,(19) inclusive a tuberculose.(4-7,9,10,20)
O manejo adequado das condições crônicas de saúde impõe a necessidade de estratificar os casos para que recebam atenção diferenciada, sendo atributo de um sistema de saúde racional e resolutivo. O processo de estratificação da população é central nos modelos de atenção à saúde porque permite identificar pessoas e grupos com necessidades de saúde semelhantes que devem ser atendidos por tecnologias e recursos específicos. Sua lógica se apoia num manejo na abordagem diferenciada de pessoas e de grupos que apresentam riscos similares.(21,22) Usualmente, sem a estratificação de riscos, a oferta de serviços segue critérios de ordem de demanda, gerando intervenções desnecessárias ou equivocadas, privando atenção diferenciada segundo as necessidades das pessoas.(16-18)
A tuberculose é considerada uma doença crônica, sendo de extrema importância o reconhecimento dos determinantes sociais envolvidos no processo. Os pacientes necessitam de uma abordagem individualizada, pois a frequência de agravos associados é alta, assim como outras vulnerabilidades clínicas ou sociais. Muitos fatores estão associados à adesão ao tratamento da tuberculose, incluindo as características do paciente, a relação entre o prestador de cuidados de saúde e o doente, o regime prolongado de tratamento e a organização dos sistemas de saúde.(4-10)
Este estudo teve como objetivo avaliar o impacto do instrumento da “Estratificação por Grau de Risco Clínico e de Abandono do Tratamento da Tuberculose” (ERTB) no desfecho da tuberculose.
MÉTODOS Trata-se de ensaio clínico pragmático realizado com os casos de tuberculose diagnosticados no período de maio de 2016 a abril de 2017 em Belo Horizonte (BH), Minas Gerais, Brasil. Para evitar viés de seleção na amostra, todas as 152 unidades de APS foram divididas em dois grupos, observando a organização administrativa da rede de saúde, a presença de áreas de cluster para tuberculose no território e índices de vulnerabilidade social, para evitar viés de seleção na amostra.
Foi utilizado um programa de georreferenciamento (https://www.mapdevelopers.com/batch_geocode_tool.php) e os endereços dos participantes com o objetivo de determinar a localização geográfica de 70-90% dos casos entre 2012 e 2015 para a definição da existência de possíveis clusters. Foram elaborados mapas anuais e um agregado dos quatro anos citados utilizando o aplicativo TerraView® (www.dpi.inpe.br/terraview) e a presença de cluster foi avaliada com o SaTScan® (https://www.satscan.org/download_satscan.html), sendo adotado como definições da configuração a procura por “altas taxas”, “puramente espacial” com o modelo de Poisson discreto.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Protocolo nº 43320015.4.0000.5149), e todos os participantes aceitaram participar e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
A ERTB (Quadro 1) foi elaborada considerando diretrizes internacionais para o manejo da tuberculose. (4,5,10,15,20,23) O instrumento é estruturado em duas partes: o grau de risco clínico – baixo, médio, alto e muito alto – segundo a forma da doença, presença de comorbidades, resistência bacteriana e intercorrências clínicas, com a premissa de direcionar a pessoa para o nível ideal de assistência à saúde (APS, Referência Secundária – especialidades médicas, Referência Terciária – hospitais ou unidades de urgência); e o grau de risco de abandono do tratamento – baixo ou alto – com o objetivo de fortalecer as medidas de adesão (vinculando à unidade de APS de abrangência).
Todos os pacientes com diagnóstico de tuberculose, maiores de 18 anos, que aceitaram participar do estudo foram entrevistados por pesquisadores treinados e tiveram seu endereço residencial vinculado à respectiva unidade de APS. Essas unidades foram divididas em dois grupos: não intervenção e intervenção. Os pacientes de ambos os grupos responderam a um questionário, validado para esta pesquisa, sobre características sociodemográficas (sexo, auto declaração de raça/cor, escolaridade, estado civil e renda); características individuais (pessoas em situação de rua, privação da liberdade); características clínicas (sinais/sintomas, comorbidades: pessoas que vivem com o Vírus da Imunodeficiência Humana [HIV/AIDS], alcoolismo, tabagismo e uso de drogas ilícitas); características do tratamento (histórico de tratamento prévio para TB, reação adversa aos medicamentos, TDO e relato de melhora dos sintomas após o segundo mês de tratamento); e características operacionais do sistema de saúde (vigilância epidemiológica e monitoramento dos casos). A ERTB foi utilizada apenas no grupo intervenção, e os pacientes desse grupo foram monitorados quanto à implementação das recomendações do instrumento. Os desfechos considerados foram: cura (considerando exame clínico, radiológico e/ou bacteriológico), abandono do tratamento (isto é, a não tomada da medicação por mais de 30 dias consecutivos) e óbito.
As análises descritivas foram realizadas com o pacote estatístico Stata, versão 14 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA), de acordo com as características selecionadas estratificadas por grupo, por meio de distribuição de frequência e medidas de tendência central e dispersão para as características estudadas.
A magnitude da associação entre as variáveis explicativas e o evento “abandono do tratamento” foi estimada utilizando odds ratio e seu respectivo IC95% para cada variável, obtidos por regressão logística. As variáveis com valores de p igual ou menor que 0,20 no teste de Wald, na análise univariada, foram selecionadas manualmente para iniciar o modelo multivariado. O nível de significância exigido para inclusão no modelo final foi de p < 0,05. Utilizou-se o teste da razão de verossimilhança para comparar os modelos. A adequação dos modelos finais foi avaliada pelo teste de Hosmer-Lemeshow. Para estimar a ocorrência de abandono do tratamento entre os grupos, utilizamos o método de Kaplan-Meier e o modelo de riscos proporcionais de Cox.
RESULTADOS Durante o período de estudo, foram identificados 623 pacientes com tuberculose, dos quais 476 foram entrevistados. Desses, 44 pacientes foram excluídos do estudo: mudança de diagnóstico (n = 16), local de residência em outro município (n = 6) e falta de acompanhamento na unidade de APS (n = 22). Portanto, a amostra do estudo foi composta por 432 participantes, que foram divididos em grupos não intervenção (n = 223) e intervenção (n = 209).
Após o teste de semelhança entre os grupos e da regressão logística univariada, não se evidenciou diferenças significativas, exceto para renda, presença de comorbidades e reações adversas, evidenciando a homegeneidade da amostra.
A análise descritiva (Tabela 1) revelou predomínio do sexo masculino; e, aproximadamente metade da amostra tinha baixa escolaridade (≤ 8 anos de estudo). Observou-se ainda a presença de comorbidades (73,8%), alcoolismo (28,5%), tabagismo (39,4%), uso de drogas ilícitas (16,1%) e presença de reações adversas aos medicamentos no segundo mês de tratamento (47,8%).
No grupo não intervenção, na análise univariada, várias características apresentaram associação com o abandono do tratamento: cor não branca, estado civil solteiro, baixa renda (utilizado o critério do Governo Federal Brasileiro que considera famílias com renda mensal per capita com até metade do salário mínimo ou renda familiar total de até três salários mínimos), pessoa em situação de rua, presença de comorbidades, alcoolismo, tabagismo, uso de drogas ilícitas, retratamento por reingresso após abandono, presença de um ou mais fatores de risco identificados (baixa renda, pessoa em situação de rua, retratamento por reingresso após abandono, alcoolismo e/ou uso de drogas ilícitas). No grupo intervenção, nenhuma dessas características apresentou associação com o abandono do tratamento.
Em nenhum dos dois grupos o abandono do tratamento apresentou associações significativas com as seguintes variáveis: sexo, escolaridade, realização do TDO, presença de reação adversa aos medicamentos e a melhora dos sintomas, avaliadas no segundo mês de tratamento, bem como a coinfecção pelo HIV/AIDS.
Na análise multivariada, foram ajustadas as variáveis relacionadas ao abandono do tratamento, produzindo dois modelos (Tabela 2): um levando em consideração o número de fatores de risco identificados e outro considerando as seguintes variáveis: baixa renda, retratamento, uso de drogas ilícitas e/ou álcool e pessoa em situação de rua. Em ambos os modelos, a realização do TDO e a aplicação da ERTB reduziram o risco de abandono do tratamento.
O impacto da renda no tratamento da tuberculose ficou evidente (Figura 1). A baixa renda foi associada com maior chance de abandono. O risco de abandono aumentou com o decréscimo da renda, evidenciando uma relação inversa. O efeito da renda no risco de abandono praticamente desapareceu em indivíduos com renda maior que R$ 5.000,00 por mês.
A probabilidade de ocorrência de abandono do tratamento foi maior no grupo não intervenção, em comparação ao grupo intervenção (OR = 15,010; p < 0,001). O uso do instrumento ERTB reduziu o impacto de todas as características associadas ao abandono do tratamento.
O número de fatores de risco aumentou diretamente o desfecho “abandono” no grupo não intervenção. No entanto, esse desfecho não foi significativo no grupo intervenção, independentemente do número de fatores de risco identificados (Figura 2).
A curva de sobrevida de Kaplan-Meier entre os grupos (Figura 3), após o teste estatístico de log-rank apresentou significância estatística (p<0,001), demonstrando que a intervenção foi eficaz na redução do abandono do tratamento no grupo intervenção. O modelo de riscos proporcionais de Cox mostrou associação entre o fator de exposição, quer fizesse parte ou não do grupo intervenção (razão de risco = 0,0753).
DISCUSSÃO O sucesso do tratamento para pacientes com tuberculose que apresentam alto risco de abandono é excepcionalmente difícil, exigindo intenso comprometimento e abordagens inovadoras. A aplicação da ERTB proporcionou uma chance quinze vezes menor de abandono (OR: 15,010 (p <0,000), mesmo na presença de um ou mais fatores de risco identificados (OR 4,376 p=0,001 a 12,240 p<0,001). Estudos que promoveram um conjunto de intervenções de adesão ao tratamento relataram menores taxas de abandono do tratamento.(6-12,14,15) A adesão ao tratamento pode ser melhorada combinando intervenções direcionadas aos fatores de risco identificados. Mesmo se considerarmos que tais medidas exigem recursos financeiros, elas são menos onerosas do que as consequências do abandono do tratamento.(2,6,7,14,24) Devido ao conjunto de medidas realizadas, foi observada redução do abandono no grupo intervenção (com a ERTB foi 92,5% mais lento em qualquer momento do acompanhamento – HR: 0,0753) quando comparada ao grupo não intervenção, evidenciando uma forte associação entre a ocorrência de abandono e a estratégia proposta pela ERTB.
O abandono entre pacientes não brancos pode estar associado às questões sociais evidenciadas no presente estudo, pois baixa renda é mais comum nessa população no Brasil.(19) Portanto, a pobreza é uma das principais razões para o não entendimento do benefício clínico do tratamento. Pode ser observado neste estudo que com o aumento da renda, o abandono do tratamento apresentou importante queda. Geralmente, os mais pobres possuem menos acesso a serviços de saúde ou com qualidade inferior, além da exposição aos determinantes sociais da doença, o que indica a necessidade de maior ação do Estado na promoção da equidade.(2,20,25-27)
O presente estudo mostrou que o TDO reduziu o risco de abandono do tratamento quando associado a outras medidas, mas apenas no grupo intervenção. A efetividade do TDO, estratégia mundialmente recomendada para fortalecer a adesão ao tratamento, é questionada por alguns estudos,(26,27) sendo direcionado especialmente a grupos vulneráveis.(28,29) Outros autores demonstraram que o TDO reduziu o abandono do tratamento, especialmente quando outras medidas de suporte estão envolvidas, como programas de apoio educacional e psicológico.(14,30)
É evidente que bons serviços de saúde são necessários para garantir que os pacientes se beneficiem do tratamento, mas isso por si só é insuficiente; devendo considerar a autonomia do paciente, que precisam optar pela tomada dos medicamentos. Esse ponto de vista enfatiza que um sistema de saúde deve ser direcionado às necessidades das pessoas e não apenas a mecanismos de monitoramento de comportamento, como o TDO; usualmente, portadores de doenças crônicas têm dificuldade em aderir aos tratamentos recomendados.(19,21)
Outras características apresentaram forte associação com abandono do tratamento no grupo não intervenção: pessoas em situação de rua,(17,27) presença de comorbidades,(4,20) abuso de álcool e/ou uso de drogas ilícitas,(14,17) tabagismo(14,26) e retorno ao tratamento.(20,26) Assim, a identificação dessas características possibilita o desenvolvimento de estratégias mais precisas para redução dos riscos iniciais com o uso do instrumento ERTB.
A interação entre pessoas em situação de rua e uso abusivo do álcool e/ou outras drogas ilícitas foi evidenciada, revelando uma chance dez vezes maior de abandonar o tratamento (OR: 10,769 p=0,002); sendo cinco vezes maior que a presença somente da variável uso abusivo do álcool e/ou drogas ilícitas. Pessoas em situação de rua são reconhecidas como um dos grupos com maior probabilidade de abandonar o tratamento da tuberculose, ainda mais quando identificado o uso de drogas lícitas ou ilícitas associadas.(27,31) A ERTB mitigou o impacto de todas essas interações, ao direcionar intervenções estratégicas e organizadas para promoção de maior adesão do tratamento, como as de suporte social e cuidado com equipe multidisciplinar.
Diversos outros fatores estão associados ao abandono do tratamento, como estigma, falta de abordagem psicossocial e desconhecimento sobre a doença e seu tratamento; esses fatores devem ser rotineiramente abordados nos serviços de saúde.(4,5,14,27) Outra causa predisponente ao abandono do tratamento é a melhora dos sintomas no segundo mês de tratamento,(31) mas esse fator não apresentou associação com abandono do tratamento no presente estudo, corroborando os achados de outros autores.(32) Além disso, não foram encontradas associações relacionadas a reações adversas aos medicamentos, sexo e baixa escolaridade.(17,33,34)
Modelos de cuidado que integram os diferentes níveis de atenção são recomendados para alcance de melhores resultados no tratamento da TB.(2,19-21) Essa doença possui manejo ambulatorial, excetuando-se os casos que demandam maior suporte propedêutico e terapêutico.(4,5,11,14,20,35) Pacientes acompanhados em outros níveis de atenção possuem menor adesão ao tratamento.(32,35) Além disso, a falta de qualidade nos serviços de saúde pode aumentar o abandono do tratamento.(14,27,34)
As limitações do presente estudo foram a impossibilidade de entrevistar os pacientes com tuberculose grave que faleceram antes da entrevista e a impossibilidade de entrevistar os coinfectados por HIV/AIDS, cujo acompanhamento foi realizado em centros de referência secundários/terciários.
Em conclusão, a ERTB foi efetiva para redução do abandono do tratamento da tuberculose, inclusive na presença de um ou mais fatores de risco. A sua aplicação e o monitoramento da realização das recomendações explicitadas no instrumento não somente evidenciou características predisponentes a não adesão ao tratamento, como também estabeleceu bases para mitigar o seu impacto. A ERTB organizou os níveis de cuidado ao estratificar os casos, bem como demonstrou a necessidade de um conjunto de intervenções centradas na pessoa para alcançar maior êxito no tratamento. Trata-se de um instrumento de aplicabilidade fácil e rápida que poderá ser adaptado a diferentes realidades, considerando as potencialidades da rede de saúde local e recursos disponíveis.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem aos Membros do Grupo de Pesquisa em Micobacterioses, ao Programa de Pós-Graduação em Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES PDN: autor principal; desenho e execução do estudo, análise dos resultados, redação científica do manuscrito e aprovação da versão final. JPAH: análise estatística, revisão científica do artigo e aprovação da versão final. JVCR: execução do estudo, análise dos resultados, redação científica do manuscrito e aprovação da versão final. CHLS: execução do estudo, revisão científica do artigo e aprovação da versão final. INA: execução do estudo, análise dos resultados, revisão científica do artigo e aprovação da versão final. WSC: supervisão, correção do manuscrito, revisão científica do artigo e aprovação da versão final. SSM: desenho do estudo, coordenação, correção do manuscrito, revisão científica do artigo e aprovação da versão final.
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