Ao Editor,
A pneumonia intersticial familiar (PIF) é definida como a ocorrência de doença pulmonar intersticial (DPI) em dois ou mais indivíduos de uma mesma família.
(1,2) A maioria dos familiares com PIF apresenta herança autossômica dominante com um padrão de penetrância incompleta.
(2) A prevalência de fibrose pulmonar idiopática (FPI) entre pacientes com PIF é de 0,5% - 20,0%; no entanto, a PIF também foi relatada na pneumonite de hipersensibilidade fibrótica (PHf) e DPI associada a doença do tecido conjuntivo.
(2,3) Embora a pneumonia intersticial usual (PIU) seja o padrão de TCAR mais prevalente na PIF, outras TCAR e padrões histológicos dentro da mesma família foram relatados em 40% - 45% dos casos.
(1,3) Anormalidades pulmonares intersticiais (API) têm sido encontradas em parentes de primeiro grau assintomáticos de pacientes com PIF e esse padrão de pneumonia intersticial tem sido associado a um risco de progressão para DPI.
(2) O tratamento farmacológico adequado da PIF ainda não foi definido.
(3,4) Aqui descrevemos seis casos de PIF em uma mesma família e discutimos os resultados relacionados ao tratamento.
A presente série de casos envolveu seis irmãos que foram acompanhados no Ambulatório de Doenças Pulmonares Intersticiais do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, localizado na cidade de Belo Horizonte (MG), Brasil. Os dados foram obtidos dos prontuários médicos e atualizados por meio de entrevistas com os pacientes utlizando um formulário elaborado na clínica. As imagens de TCAR e as amostras histológicas foram classificadas por um radiologista e um patologista, ambos com experiência em DPI.
(5) Testes de função pulmonar (TFPs) foram realizados de acordo com as recomendações atuais.
(6) Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo fez parte de um projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE no. 44843215.5.0000.5149).
Entre 17 irmãos de uma mesma família, oito foram diagnosticados com DPI, dois dos quais morreram antes do início deste estudo. As características dos seis irmãos restantes com DPI estão detalhadas na Tabela 1. Em cinco deles, a DPI foi identificada apenas após o início dos sintomas, quando a função pulmonar já estava prejudicada.
De acordo com a classificação atual,
(5) os padrões de TCAR encontrados incluíram “PIU” (n = 2), “PIU provável” (n = 2), “consistente com outros diagnósticos” (n = 1) e “indeterminado para PIU” (n = 1). Um dos pacientes com padrão de TCAR “PIU provável” e outro com “consistente com outros diagnósticos” foram submetidos à biópsia pulmonar cirúrgica. O paciente com padrão de TCAR “PIU provável” teve “PIU” confirmado por histologia e, portanto, apresentava o fenótipo FPI. Já o paciente com um padrão de TCAR “consistente com outros diagnósticos” exibiu um padrão histológico de “fibrose intersticial centrada nas vias aéreas”, com PHf como fenótipo. O outro participante com um padrão de “PIU provável” não foi submetido à biópsia pulmonar pois foi diagnosticado depois de seus três irmãos afetados, tendo sido excluído a exposição a antígenos transportados pelo ar e DPI associada a doenças do tecido conjuntivo. Assim, ele foi considerado portador de PIF com fenótipo FPI. O paciente com padrão “indeterminado para PIU” vem evoluindo com estabilidade clínica, funcional e tomográfica e, portanto, não foi submetido à biópsia. No diagnóstico, os resultados da espirometria evidenciaram algum grau de doença pulmonar restritiva em cinco dos seis pacientes.
Dentre os seis pacientes avaliados, cinco vêm sendo tratados com antifibróticos, com exceção do paciente com padrão de TCAR “indeterminado para PIU”. Dos cinco pacientes em tratamento com antifibróticos, apenas um apresentou progressão da doença após 12 meses. Notavelmente, esse paciente tinha PHf e, apesar de evitar o antígeno, evoluiu para óbito devido à exacerbação. A escolha do antifibrótico foi baseada em uma decisão compartilhada com cada paciente.
(5) Podemos inferir que o uso de antifibróticos preveniu a progressão da doença nos outros quatro irmãos.
Os padrões de TCAR e os diagnósticos finais diferiram entre os seis irmãos aqui analisados, corroborando os achados descritos em outros estudos.
(4,7) Embora a PIU seja o padrão de TCAR mais comumente relatado na literatura, padrões consistentes com outros diagnósticos também já foram relatados.
(1,7) A maioria dos irmãos desta série tinha o fenótipo FPI, que se mostrou presente em 20% dos pacientes com PIF; outros estudos relataram taxas ainda maiores, variando de 54,5% a 85,9%.
(1,4) No presente estudo, não foi possível classificar o fenótipo do irmão com um padrão de TCAR “indeterminado para PIU”, talvez porque a doença foi diagnosticada num estágio muito precoce. Na PIF, esse padrão tem prevalência de 31,4% - 55% e pode estar associado ao início precoce dos sintomas.
(7)A triagem para PIF em indivíduos com DPI tem assumido uma maior importância recentemente. Um estudo mostrou que parentes de pacientes com PIF têm maior risco de desenvolver DPI do que a população geral.
(2) Os resultados do mesmo estudo, ao investigar parentes assintomáticos de pacientes com PIF, mostrou que API estavam presentes na avaliação inicial em 22,9% dos indivíduos; dentre eles, 63% apresentaram progressão da doença em até cinco anos.
(2) A exposição ao tabaco e bolores deve ser identificada e interrompida devido à correlações com a progressão da doença.
(2) Embora se saiba que biomarcadores genéticos estão associados à PIF, testes genéticos ainda não foram aprovados ou não estão acessíveis para uso clínico.
(4) Apesar de crescente comprovação científica, diretrizes específicas para a triagem de PIF ainda não estão disponíveis. Um estudo sugeriu a realização de TCAR em pacientes com sintomas respiratórios ou exame clínico anormal e propôs o TCAR em pacientes assintomáticos aos 40 ou 10 anos antes da idade de início no probando; segundo os autores daquele estudo, na ausência de DPI, eles sugerem repetir a TCAR após 5 anos de seguimento.
(8) A despeito da baixa sensibilidade dos TFPs, os autores também recomendaram que esses testes sejam realizados na avaliação inicial para todos os familiares de pacientes com PIF e, na ausência de DPI na TCAR, os testes devem ser repetidos em até 5 anos.
(8) Considerando essas evidências, nossa sugestão seria o acompanhamento de parentes de primeiro grau de pacientes com PIF conforme descrito acima, especialmente aqueles com sinais de progressão da doença.
Os dados sobre tratamentos antifibróticos específicos para PIF são escassos. Em um estudo, o tratamento com pirfenidona reduziu a progressão da doença em pacientes com telômeros curtos.
(9) Outro estudo, embora não específico para PIF, mostrou que o nintedanibe foi eficaz em retardar a progressão de formas não-FPI de DPI, como PHf.
(10) Tais resultados sugerem que a terapia antifibrótica pode desempenhar um papel na PIF fibrótica progressiva, embora novos estudos sejam recomendados.
Desta forma, a triagem de DPI em familiares de indivíduos com PIF é necessária para o reconhecimento precoce dessa entidade. Além disso, os medicamentos antifibróticos podem ter benefícios no tratamento desta doença.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES DRE, EVM e RAC: concepção e planejamento do estudo; coleta e tabulação de dados; análise estatística e criação da tabela; redação e revisão do manuscrito; formatação do manuscrito de acordo com as instruções do JBP para os autores e aprovação da versão final.
REFERÊNCIAS
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