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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Especial

Recomendações para o manejo da asma grave da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia – 2021

2021 Brazilian Thoracic Association recommendations for the management of severe asthma

Regina Maria de Carvalho-Pinto1, José Eduardo Delfini Cançado2, Marcia Margaret Menezes Pizzichini3, Jussara Fiterman4, Adalberto Sperb Rubin5,6, Alcindo Cerci Neto7,8, Álvaro Augusto Cruz9,10, Ana Luisa Godoy Fernandes11, Ana Maria Silva Araujo12, Daniela Cavalet Blanco13, Gediel Cordeiro Junior14,15, Lilian Serrasqueiro Ballini Caetano11, Marcelo Fouad Rabahi16, Marcelo Bezerra de Menezes17, Maria Alenita de Oliveira18, Marina Andrade Lima19, Paulo Márcio Pitrez20

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210273

ABSTRACT

Advances in the understanding that severe asthma is a complex and heterogeneous disease and in the knowledge of the pathophysiology of asthma, with the identification of different phenotypes and endotypes, have allowed new approaches for the diagnosis and characterization of the disease and have resulted in relevant changes in pharmacological management. In this context, the definition of severe asthma has been established, being differentiated from difficult-to-control asthma. These recommendations address this topic and review advances in phenotyping, use of biomarkers, and new treatments for severe asthma. Emphasis is given to topics regarding personalized management of the patient and selection of biologicals, as well as the importance of evaluating the response to treatment. These recommendations apply to adults and children with severe asthma and are targeted at physicians involved in asthma treatment. A panel of 17 Brazilian pulmonologists was invited to review recent evidence on the diagnosis and management of severe asthma, adapting it to the Brazilian reality. Each of the experts was responsible for reviewing a topic or question relevant to the topic. In a second phase, four experts discussed and structured the texts produced, and, in the last phase, all experts reviewed and approved the present manuscript and its recommendations.

Keywords: Asthma/therapy; Asthma/drug therapy; Asthma/prevention & control; Antibodies, monoclonal, humanized.

RESUMO

Os avanços no entendimento de que a asma grave é uma doença complexa e heterogênea, e os progressos que ocorreram no conhecimento de sua fisiopatologia, com a identificação de diferentes fenótipos e endotipos, permitiram novas abordagens para seu diagnóstico e caracterização, bem como resultaram em mudanças consideráveis em seu manejo farmacológico. Nesse contexto, se estabelece a definição de asma grave, diferenciando-a da asma de difícil controle. As presentes recomendações abordam esse tópico e revisam os avanços referentes a fenotipagem, uso de biomarcadores e novos tratamentos para asma grave. Ênfase é dada para tópicos voltados para a seleção personalizada do paciente e do imunobiológico, bem como para a importância da avaliação da resposta ao tratamento. Estas recomendações se aplicam a adultos e crianças com asma grave e destinam-se a médicos envolvidos no tratamento da doença. Um painel de 17 pneumologistas brasileiros foi convidado a revisar as evidências recentes referentes ao diagnóstico e manejo da asma grave, adaptadas à realidade brasileira. A cada um dos especialistas coube revisar um tópico ou questão relevante em relação ao tema. Em uma segunda fase, quatro especialistas discutiram e estruturaram os textos elaborados, e, na última fase, todos revisaram e aprovaram o presente manuscrito e suas recomendações.

Palavras-chave: Asma/terapia; Asma/tratamento farmacológico; Asma/prevenção & controle; Anticorpos monoclonais humanizados.

 INTRODUÇÃO
 
Avanços no entendimento da fisiopatologia e heterogeneidade da asma grave não apenas permitiram a descoberta de novas abordagens para o diagnóstico e a caracterização da doença, mas também resultaram no desenvolvimento de drogas eficazes para a obtenção do controle dessa enfermidade. Estamos vivendo uma época particularmente promissora para o manejo da asma grave, uma forma incomum de apresentação da doença, mas com grande impacto no sistema de saúde, bem como na qualidade de vida dos pacientes.
 
O crescente conhecimento sobre os mecanismos celulares, moleculares e genéticos que participam dos distintos aspectos envolvidos na fisiopatologia da asma tem avançado na caracterização de fenótipos e endotipos e, subsequentemente, no manejo personalizado desses pacientes.(1)
 
Devido à heterogeneidade e complexidade da asma grave, a identificação de casos requer seguimento por especialistas, preferencialmente em um centro de referência. A abordagem e o acompanhamento devem ser sistematizados visando confirmar o diagnóstico, buscar evidências de adesão ao tratamento, assegurar o uso correto dos inaladores, investigar e controlar comorbidades e otimizar o tratamento farmacológico e medidas complementares não farmacológicas.(2-4)
 
Estimativas de prevalência e custo da doença publicadas anteriormente adotaram definições antigas(5)  superestimando a prevalência da asma grave. Um estudo realizado na Holanda em 2015,(6) utilizando a definição da American Thoracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS),(3) estimou que 3,7% dos asmáticos tinham asma grave. A análise de um banco de dados realizada em 2018 no Reino Unido estimou a proporção de indivíduos com asma grave eosinofílica não controlada em < 1% na população geral de asma.(7)
 
Pacientes com asma grave têm maior morbimortalidade,(8) apresentam maior número de comorbidades que tendem a ser mais graves(9) e são responsáveis pela maior utilização de recursos em saúde por asma.(10) Já foi demonstrado que o custo da asma grave é muito alto para as famílias e para o Sistema Único de Saúde.(11) Uma intervenção em um centro de referência para asma no Brasil, com dispensação gratuita de medicações, foi efetiva em melhorar o controle da doença e, ao mesmo tempo, reduzir seus custos.(12) Estudo realizado com informações de banco de dados do sistema de saúde suplementar brasileiro, entre 2010 e 2015, mostrou que cada hospitalização por asma representa, em média, um gasto de US$ 8.655,00.(13) Logo, o custo de não intervir oferecendo acesso a especialistas experientes e/ou a centros de referência e alternativas de tratamento personalizado dirigido para o fenótipo do paciente pode ser muito alto.
 
As presentes recomendações aplicam-se a adultos, adolescentes e crianças com idade ≥ 6 anos, portadores de asma grave, sendo especialmente destinadas a médicos envolvidos com o manejo dessa forma de apresentação da doença. Nesse contexto, 17 pneumologistas brasileiros vinculados a centros de referência para asma grave foram convidados a revisar o conhecimento atual sobre a doença e elaborar as presentes recomendações, adaptadas à realidade brasileira. A seleção dos temas foi feita por um painel de especialistas que elencou tópicos e perguntas relativos aos avanços mais significativos relacionados ao conceito, fenotipagem, biomarcadores e novos tratamentos da asma grave. A cada especialista coube, fundamentando-se nas atuais e mais relevantes evidências e em diretrizes internacionalmente aceitas, revisar ou responder a um tópico ou pergunta dessas recomendações. Seguiram-se duas fases de harmonização. Na primeira, 4 especialistas discutiram e estruturaram os textos encaminhados pelos demais. Na segunda, todos os especialistas revisaram e discutiram as presentes recomendações até atingir um consenso.
 
DEFINIÇÃO DE ASMA GRAVE
 
Asma grave é um subgrupo da asma de difícil controle (ADC). A ADC é aquela que, a despeito de se encontrar nas etapas IV e V do tratamento,(2,14) permanece não controlada ou que necessita desse tratamento devido à presença concomitante de um ou mais fatores que podem interferir no controle da doença. A dificuldade em se atingir e manter o controle decorre de fatores potencialmente modificáveis ou controláveis.
 
O presente documento define como portador de asma grave o paciente com asma confirmada por método objetivo, com boa adesão ao tratamento, e que, a despeito de serem eliminados ou minimizados fatores associados à falta de controle da doença, necessita utilizar corticoide inalatório (CI) em dose alta (budesonida ≥ 1.600 µg ou equivalente) associado a uma segunda droga de controle — long-acting β2-agonists (LABA, β2 agonistas de longa duração), long-acting muscarinic antagonists (LAMA, antagonistas muscarínicos de longa duração) e/ou antileucotrienos — ou corticoide oral (CO) ≥ 50% dos dias no ano anterior para manter o controle da doença, ou que, apesar desse tratamento, permanece não controlada devido a sua gravidade intrínseca.(3)
 
INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DA ADC E ASMA GRAVE EM ADULTOS
 
Confirmação do diagnóstico de asma
 
A investigação de ADC e asma grave inicia-se pela confirmação objetiva do diagnóstico, pois, considerando sua complexidade, muitas vezes ocorrem erros de diagnóstico que resultam em manejo inadequado.(15) A asma é caracterizada por sintomas compatíveis, limitação variável ao fluxo aéreo e hiper-responsividade das vias aéreas.(14) O distúrbio ventilatório obstrutivo é demonstrado na espirometria pela presença da relação VEF1/CVF menor que o limite inferior do previsto. A reversibilidade dessa limitação pode ser avaliada pela resposta aguda (10-15 min) do VEF1 à inalação de broncodilatador de curta ação (salbutamol, 200-400 µg). Considera-se como variação broncodilatadora significativa o aumento do VEF1 em ≥ 12% e ≥ 200 mL em relação ao valor basal(16) ou ≥ 7% e ≥ 200 mL sobre o valor de referência.(17) A reversibilidade pode ser também verificada comparando a função pulmonar basal e após 4 semanas de tratamento com corticoide ou entre visitas em períodos de estabilidade clínica.(18,19) Adicionalmente, a variabilidade diária do PFE > 20% também pode contribuir para a confirmação do diagnóstico da asma.(4)
 
Cabe salientar que as variações de resposta ao broncodilatador podem também ser verificadas pelo aumento da CVF, considerando-se significativo um aumento ≥ 350 mL.(17) Esse achado é mais frequentemente observado na presença de obstrução grave como consequência de hiperinsuflação e/ou aprisionamento aéreo.(20)
 
A ausência de variação de resposta ao broncodilatador na espirometria não exclui o diagnóstico, especialmente no asmático grave, o qual pode apresentar remodelamento das vias aéreas, maior obstrução ao fluxo aéreo e menor VEF1.(21) Nesses casos, não havendo história de critério espirométrico, outras estratégias diagnósticas podem ser utilizadas. A espirometria pode ser repetida com a suspensão prévia dos broncodilatadores por tempo adequado (washout) (22) durante a ocorrência de sintomas ou ainda após um curso de corticoide sistêmico mostrando variação > 10% no VEF1.(23)
 
Outro recurso diagnóstico é o teste de broncoprovocação (TBP) com metacolina.(24) O tratamento com corticoide reduz a hiper-responsividade brônquica (HRB); por isso, o TBP negativo em pacientes tratados não exclui o diagnóstico de asma.(24,25) Adicionalmente, se o resultado do TBP for negativo, pode ser indicado, com cautela e durante estabilidade clínica, uma redução gradual e sob monitoramento do tratamento por 2-4 semanas, seguida de nova avaliação funcional.
 
A função pulmonar dos asmáticos graves pode ainda ser avaliada através dos volumes pulmonares medidos por pletismografia,(3,4) a qual acrescenta parâmetros que expressam obstrução, como hiperinsuflação e aprisionamento aéreo. Pode também ser útil para determinar reversibilidade ao demonstrar, por exemplo, reduções significativas do VR e da resistência específica das vias aéreas medidas após a administração do broncodilatador.(26)
 
Embora as alterações de pequenas vias aéreas possam estar presentes em asmáticos, independentemente da gravidade, essas ocorrem mais frequentemente em pacientes mais graves.(27) A combinação de dois ou mais testes (oscilometria de impulso, washout de nitrogênio, pletismografia e espirometria) contribuem para a identificação da disfunção de pequenas vias aéreas. A redução do FEF25-75% e da CVF foram os parâmetros fisiológicos utilizados que melhor refletiram as anormalidades desse compartimento das vias aéreas de pequeno e médio calibre.(27) Na asma grave, a disfunção de pequenas vias aéreas deve ser adequadamente avaliada, já que pode ser responsável pela maior dificuldade de obtenção do controle.
 
Na investigação da asma grave, a TCAR é recomendada(4) para o diagnóstico diferencial e para a investigação de comorbidades respiratórias. Adicionalmente, a TCAR pode auxiliar a caracterização do comprometimento de pequenas vias aéreas, aprisionamento aéreo, estreitamento de vias aéreas, espessamento de paredes brônquicas e presença de tampões mucosos, os quais estão relacionados com maior gravidade da asma.(28) A TCAR dinâmica, incluindo a região cervical, também avalia a disfunção de pregas vocais e o colapso excessivo de via aérea central (traqueobroncomalácia e/ou colapso dinâmico de via aérea).(29)
 
Avaliação da adesão ao tratamento e da técnica inalatória
 
A adesão ao tratamento é um conceito relacionado ao grau de educação, crenças do paciente e acesso à medicação e ao sistema de saúde.(30) A falta de adesão ao tratamento de manutenção não depende da gravidade da asma.(31) Em pacientes com ADC, a taxa de adesão à medicação inalatória de manutenção é de aproximadamente 50%,(32,33) mesmo em centros especializados em asma grave.(34) Avaliar a adesão ao tratamento na prática clínica é desafiador, uma vez que os instrumentos atualmente disponíveis ainda necessitam aperfeiçoamento.(35)
 
Menos da metade dos asmáticos graves apresentam uma taxa de adesão à associação CI + LABA superior a 80%, antes e depois do início do tratamento com imunobiológicos.(36-39) Além disso, é importante manter reavaliações permanentes da adesão ao tratamento de manutenção,(36,40) visto que a resposta aos imunobiológicos é melhor nos pacientes com boa adesão ao uso de CI.(40,41)
 
A técnica inalatória é tão importante quanto à adesão aos medicamentos, sendo uma das principais causas da falta de controle da doença.(34) A avaliação sistematizada de todas as etapas da técnica inalatória é fundamental, já que algumas dessas são mais associadas à falta de controle da asma.(42)
 
O manejo dos dispositivos inalatórios requer treinamento continuado. Erros na técnica inalatória são frequentes mesmo em asmáticos graves apesar das intervenções educacionais.(43) Em asmáticos moderados a graves, nos quais foram avaliadas a adesão e a técnica inalatória simultânea e objetivamente, 27% dos pacientes obtiveram controle após a melhora do emprego da técnica inalatória.(43)
 
Investigação de exposições que podem piorar o controle da asma
 
A dificuldade em se obter e manter o controle adequado da asma pode estar relacionada a exposições, como inalação de alérgenos, irritantes, poluição ambiental, tabagismo, agentes ocupacionais e/ou drogas. Essas exposições devem ser abordadas em todos os asmáticos, especialmente nos pacientes com ADC por serem causas de falta de controle.(4)
 
Exposição domiciliar
 
Ácaros e antígenos de gato, cachorro, barata, roedores e fungos são os principais alérgenos urbanos e domiciliares associados à dificuldade de controle da asma.(44,45) Apesar da escassez de estudos de base populacional sobre a prevalência de atopia no Brasil, evidências sugerem que a sensibilização a aeroalérgenos varia de acordo com a região e o tipo de estudo.(46,47)
 
Os estudos da eficácia de medidas de prevenção de exposição à poeira doméstica no controle da asma(48,49) ainda são controversos. Não há consenso na utilidade dessas medidas, mesmo entre diferentes diretrizes internacionais segundo um estudo realizado em 2020.(49)
 
Exposição ambiental
 
Existe uma associação entre poluição atmosférica e exacerbação de asma.(50,51) Os poluentes atmosféricos associados com a piora do controle da asma incluem material particulado fino (PM2,5), ozônio, dióxido de nitrogênio e monóxido de carbono. Em 2015, o ozônio e o PM2,5, respectivamente, foram responsáveis por 8-20% e 4-9% de todas as visitas à emergência por asma no mundo (52) Atenção especial deve ser dada à exposição ao PM2,5 pela queima de biomassa por estar associada ao aumento de visitas à emergência e hospitalizações por asma.(53) Um estudo nacional mostrou um aumento de 50% de admissões hospitalares por asma durante o período da queima da cana-de-açúcar.(54)
 
Exposição ao tabagismo
 
O tabagismo ativo e passivo está associado a uma maior frequência de exacerbações, hospitalizações e comprometimento da função pulmonar, sendo sua cessação ou redução um fator independente e modificável para o controle da asma.(55) Portanto, é importante a avaliação do status tabágico a cada consulta visando a eliminação dessa exposição.
 
Asmáticos que utilizam drogas ilícitas têm maior chance de requerer cuidados intensivos ou ter exacerbações mais graves, principalmente quando associadas à baixa adesão ao tratamento de controle.(56)
 
Exposição relacionada ao trabalho
 
As exposições no ambiente de trabalho têm importantes implicações clínicas na asma grave. A asma relacionada ao trabalho (ART) pode ser ocupacional (AO) ou aquela agravada ou exacerbada pelo trabalho (AA/ET).
 
A AO é definida pela presença de sintomas de asma e de obstrução reversível ao fluxo aéreo e/ou HRB decorrentes de condições atribuíveis ao ambiente ocupacional e não a estímulos encontrados fora do ambiente de trabalho. Pode ser causada por sensibilizantes e irritantes.(57,58) A AA/ET é a condição na qual a asma preexistente se manifesta ou piora após o ingresso do indivíduo em um determinado trabalho.(59)
 
A inalação de vapores, gases, poeira ou fumaças são os principais desencadeantes de AO e AA/ET.(60) Exposições no ambiente de trabalho, particularmente nas profissões de padeiros, lavradores, metalúrgicos, marceneiros e indivíduos expostos ao látex, têm maior risco ocupacional e devem ser cuidadosamente investigadas e excluídas como causa de falta de controle da asma.(61)
 
As estimativas de incidência e prevalência da AO e AA/ET variam de acordo com a população estudada e ambiente de exposição. Uma análise de 9 estudos estimou a incidência de AO em 16%.(60) Entretanto, as informações sobre o impacto da exposição ocupacional na asma grave são escassas e limitadas.(62)
 
Em uma coorte europeia de AO (N = 997), a prevalência de asma grave foi de 16,2%. A gravidade da asma correlacionou-se com a persistência da exposição ao agente, duração da asma, nível educacional, presença de asma de início precoce e produção de escarro.(62)
 
Asmáticos graves com suspeita de falta de controle por exposição no ambiente de trabalho devem seguir um fluxograma de investigação(63) para confirmar o diagnóstico. Confirmado o diagnóstico, esses pacientes devem ser afastados da exposição.(63)
 
Identificação e manejo das comorbidades
 
Identificar e tratar comorbidades que possam afetar o controle faz parte da abordagem multidisciplinar da ADC e da asma grave, uma vez que essas estão frequentemente associadas a piores desfechos.(64,65) Essas comorbidades, em sua maioria, são tratáveis. O seu manejo adequado pode reduzir a dose e quantidade de medicamentos de manutenção, contribuindo para a melhora do controle e da qualidade de vida e para a redução das exacerbações da asma.
 
A prevalência de comorbidades na asma grave é elevada (de 51% a 95%).(66,67) Em um estudo no Brasil, todos os asmáticos graves relataram pelo menos uma comorbidade, sendo que aproximadamente 70% referiram ter pelo menos três. As mais comuns foram rinite, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e hipertensão arterial sistêmica.(68)
 
Comorbidades de vias aéreas superiores
 
Rinite alérgica e rinossinusite crônica com ou sem polipose nasal
 
A prevalência de rinite alérgica em asmáticos é de 80%,(69) sendo que a prevalência dessa, associada à asma grave, varia de 72% a 96,5% no Brasil.(68,70) O diagnóstico é realizado pela história clínica, questionário de sintomas nasais, teste cutâneo e/ou de IgE específica positivos para aeroalérgenos. Quase metade dos pacientes com asma grave apresenta rinossinusite crônica com ou sem polipose nasal.(71,72) O diagnóstico baseia-se na história clínica, questionário de sintomas nasais, TC de seios da face e nasofibroscopia.
 
Estudos demonstram que o manejo adequado tanto da rinite alérgica quanto da rinossinusite com ou sem polipose nasal tem impacto positivo no controle da asma.(73-75)
 
Apneia obstrutiva do sono
 
A apneia obstrutiva do sono (AOS) em adultos é mais prevalente nos pacientes com asma grave e é um fator de risco independente para pior controle da asma,(76) estando associada a exacerbações mais graves(77) e ao declínio acelerado da função pulmonar.(78)
 
O diagnóstico baseia-se na combinação de sintomas noturnos e diurnos e alterações na polissonografia. Em asmáticos com AOS moderada a grave, observou-se melhora do controle da asma, qualidade de vida e função pulmonar após o início do uso de CPAP.(79)
 
Discinesia de cordas vocais
 
A discinesia de cordas vocais (DCV) é definida por adução anormal das cordas vocais, com consequente obstrução ao fluxo aéreo. Sua prevalência na ADC é de até 32%.(80) Os sintomas mais frequentes são dispneia inspiratória, sibilância e/ou estridor em região cervical, disfonia e rouquidão.(81) Os principais fatores desencadeantes são estresse emocional, irritantes das vias aéreas, alterações abruptas de temperatura, infecções e exercício físico.
 
O diagnóstico é confirmado por laringoscopia (padrão ouro),(82,83) que deve ser realizada no momento da crise, demonstrando movimento anormal das pregas vocais durante a inspiração. A alça inspiratória achatada, observada na curva fluxo-volume da espirometria, sugere a possibilidade de diagnóstico de DCV.(84) A TC dinâmica cervical,(29) questionários(85,86) e laringoscopia durante o exercício podem auxiliar na identificação dos casos.(87)
 
Não há tratamento específico. As alternativas consistem em fonoterapia (treinamento respiratório e terapia da voz), psicoterapia e resolução de fatores desencadeantes.(72)
 
Outras comorbidades
 
Disfunção respiratória
 
A fisiopatologia da disfunção respiratória é pouco conhecida(72) e, devido a seus sintomas, pode ser confundida com asma. Coexiste com ADC e é subdiagnosticada.(88) Com base no questionário de Nijmegen,(89) a prevalência de disfunção respiratória em ADC varia de 30% a 64%.(80,90)
 
A disfunção respiratória envolve padrões respiratórios anormais,(91) descritos e classificados por alguns autores,(92,93) sendo o padrão desordenado da respiração o seu principal componente. As formas mais conhecidas de disfunção respiratória são a síndrome de hiperventilação e a hiperventilação idiopática.(94)
 
Asmáticos com disfunção respiratória apresentam aumento de visitas à emergência e de consultas não agendadas, limitação de atividades e comprometimento da saúde física e mental.(95,96) A disfunção respiratória pode estar associada a outras comorbidades, é comumente descrita em pacientes com distúrbios de ansiedade, como síndrome do pânico,(97) e com DCV(83,98) e está associada de forma independente com um maior comprometimento da qualidade de vida e pior controle da asma.(80)
 
Há poucos estudos sobre o tratamento da disfunção respiratória.(94) Na ADC o uso de exercícios respiratórios melhorou o escore do questionário de Nijmegen e o controle da asma e reduziu a frequência de exacerbações.(99)
 
Ansiedade e depressão
 
Pacientes com asma grave têm maior predisposição a apresentar sintomas de ansiedade e depressão quando comparados a asmáticos com doença menos grave.(100) Embora já tenha sido demonstrada uma prevalência de sintomas de ansiedade e de depressão em 38% e 25% dos asmáticos graves, respectivamente,(101) essas comorbidades têm sido negligenciadas nas avaliações de ADC e asma grave.(64) Sintomas de ansiedade e de depressão são associados à dificuldade de controle da asma,(102) aumento pela procura dos serviços de saúde,(103) episódios de asma quase fatal e aumento da mortalidade.(104) É possível que esses desfechos desfavoráveis estejam relacionados à falta de adesão à medicação prescrita, irregularidade no seguimento médico e manejo não adequado da asma.(105)
 
Um estudo de vida real(106) mostrou boa correlação de questionários de avaliação de controle da asma e de qualidade de vida com escalas de ansiedade e depressão. Por essa razão, é importante realizar uma triagem adicional para sintomas de ansiedade e depressão em asmáticos não controlados e com baixa qualidade de vida(106) e considerar encaminhá-los para acompanhamento em serviços especializados.
 
DRGE
 
A DRGE é uma comorbidade frequente em asmáticos graves.(68,107-109) O diagnóstico é baseado na combinação de sintomas clínicos, alterações observadas na endoscopia digestiva alta e pHmetria esofagiana de 24 h, associada ou não à manometria e impedanciopHmetria esofagiana. O tratamento clínico da DRGE associada à ADC está indicado em pacientes com sintomas digestivos e inclui medidas comportamentais, tratamento farmacológico e, eventualmente, cirúrgico.(110)
 
Obesidade
 
Evidências de estudos transversais sugerem que indivíduos obesos apresentam risco aumentado para asma.(111,112) Asmáticos obesos têm asma mais grave, com pior controle da doença, pior qualidade de vida, maior número de visitas à emergência e de hospitalizações.(113-115) Esse comprometimento pode ser explicado por vários fatores, tais como o tipo de inflamação, comorbidades associadas à obesidade (AOS e DRGE), além de fatores da mecânica ventilatória.
 
Há evidências de que a obesidade aumenta a quantidade de mediadores pró-inflamatórios da asma, os quais estão associados à gordura visceral e podem levar ao aumento da HRB e do broncoespasmo.(116,117) Estudos transversais também sugerem que asmáticos obesos têm inflamação das vias aéreas com predomínio neutrofílico.(117,118) Esse padrão inflamatório ocorre mais em mulheres asmáticas obesas, constituindo o fenótipo asma/obesidade.(71)
 
A redução de peso deve ser incluída no plano terapêutico dos asmáticos graves obesos.(119,120) A perda de peso pode melhorar o controle da asma, a função pulmonar (CVF) e pode também reduzir a necessidade de medicação, sem alteração de marcadores inflamatórios e de reatividade brônquica.(120,121) Asmáticos obesos submetidos a dieta e atividade física que apresentaram perda de 5-10% do peso alcançaram melhor controle da asma e melhora na qualidade de vida.(122) O manejo de asmáticos obesos através da cirurgia bariátrica também resulta em melhora do controle da asma, da qualidade de vida e da função pulmonar.(4,123-125)
 
A Figura 1 apresenta um fluxograma contendo as principais etapas da abordagem da ADC em adultos.

 
Biomarcadores
 
Os biomarcadores podem auxiliar na identificação dos diferentes fenótipos e endotipos, bem como predizer a resposta ao tratamento da asma grave. (126) IgE, eosinófilos no escarro induzido (EosEI) e no sangue periférico (EosS) e fração exalada de óxido nítrico (FeNO) são os biomarcadores mais utilizados como indicadores de inflamação tipo 2 (T2) alta.(127)
 
IgE
 
A IgE tem papel importante na patogênese da asma alérgica. A exposição de um indivíduo a um alérgeno exógeno desencadeia a ativação da cascata inflamatória com produção de diversas interleucinas (IL-4, IL-5 e IL-13), além da ativação de diferentes células. As IL-4 e IL-13 estimulam os linfócitos B a produzirem IgE.(128)
 
O fenótipo alérgico é confirmado por história clínica associada a teste cutâneo de hipersensibilidade imediata (teste cutâneo por puntura) positivo e/ou IgE sérica específica positiva para pelo menos um aeroalérgeno. Os valores de IgE podem sofrer interferência da idade, e sua elevação pode estar associada a condições não atópicas.(129) O diagnóstico do fenótipo alérgico não depende do valor da IgE sérica total, embora esse valor seja utilizado para o cálculo da dose de tratamento com anti-IgE na asma grave.
 
EosEI e EosS
 
O escarro induzido (EI) é um método não invasivo que permite a quantificação do padrão de células inflamatórias nas vias aéreas,(130,131) possibilitando a identificação de diferentes fenótipos, embora o ponto de corte para caracterizar inflamação eosinofílica T2 alta na asma possa variar (≥ 2% ou ≥ 3%) entre os estudos.(4,132)
 
Um estudo utilizando o registro de asma grave na Bélgica(132) mostrou que 55% e 21% dos pacientes apresentavam fenótipo eosinofílico e não eosinofílico, respectivamente. No Brasil, existem variações na prevalência dos fenótipos inflamatórios da asma grave; em uma coorte predominando o fenótipo eosinofílico(70) e, em outra, o não eosinofílico.(133)
 
O aumento do percentual de EosEI (≥ 2 ou ≥ 3%) é um preditor de resposta a CI e CO,(134) de falta de controle da doença e de maior risco de exacerbações. (135) A utilização de uma abordagem terapêutica para manter os EosEI abaixo de 3%, comparada com o manejo usual, reduziu o risco de exacerbações.(136-138)
 
Dificuldades para implementar o uso do EI na prática clínica resultaram na procura por outros marcadores que pudessem substituí-lo.(131) Nesse cenário, foi proposta a contagem de EosS, pois é mais simples, amplamente disponível e de menor custo. Embora a contagem de EosS se correlacione parcialmente com a de EosEI,(139) a presença de eosinofilia no sangue está também associada a maior gravidade e risco aumentado de exacerbação da asma.(140) Também há evidências de que a contagem elevada de EosS está associada a melhor resposta ao tratamento com CI.(141)
 
É necessário cautela ao interpretar a contagem de EosS, uma vez que eosinofilia sanguínea pode ser causada por diferentes morbidades,(142) sofrer variação ao longo do tempo(143) e estar reduzida pelo uso de corticoides, especialmente os CO.(144) No Brasil, um estudo controlado em indivíduos não asmáticos mostrou que os principais fatores associados com o aumento de EosS foram atopia, rinite alérgica e tabagismo.(145) Portanto, a contagem de EosS deve ser interpretada no contexto das condições médicas e dos fatores que podem influenciar seus níveis.
 
Em asmáticos graves, a GINA sugere como ponto de corte de EosS ≥ 150 células/μL para a caracterização de inflamação T2 alta. Considerando a variabilidade de EosS, recomenda-se que a contagem dessas células seja realizada no mínimo em três ocasiões e sob a menor dose possível de CO.(4)
 
FeNO
 
A FeNO é uma medida não invasiva que pode ser utilizada para avaliar a inflamação das vias aéreas. Seu valor elevado pode ser considerado um marcador de inflamação eosinofílica.(14) A elevação da FeNO e EosS frequentemente é observada de forma concomitante, embora esses biomarcadores representem diferentes aspectos da inflamação T2 alta.(146) O aumento do valor da FeNO correlaciona-se com maior comprometimento da função pulmonar(147) e exacerbações mais graves. (148,149)
 
Há diferenças entre os pontos de corte da FeNO propostos na literatura. Algumas diretrizes consideram, em adultos, um valor da FeNO < 25 ppb como normal e > 50 ppb como elevado, sendo que valores entre 25-50 ppb devem ser interpretados em associação ao contexto clínico no momento da avaliação.(147,150,151) A GINA, entretanto, considera um valor ≥ 20 ppb para caraterizar inflamação T2 alta.(14)
 
Além da ampla variabilidade observada nos pontos de corte, outro aspecto importante é o de que o valor da FeNO pode aumentar ou diminuir frente a diversos fatores como, por exemplo, o uso de CI e/ou CO ou a falta de adesão ao tratamento.(152)
 
FENOTIPAGEM
 
A natureza heterogênea e complexa da asma grave, com processos fisiopatológicos díspares, sinaliza diferentes fenótipos, cuja identificação pode representar uma oportunidade de terapia-alvo bem sucedida.(1) O termo fenótipo refere-se às características observáveis de um organismo, resultantes da interação de seu genótipo com o ambiente.
 
A fenotipagem baseada na celularidade da resposta inflamatória resultou no reconhecimento de dois fenótipos principais de asma, ou seja, asma eosinofílica e asma não eosinofílica. O padrão inflamatório da asma não eosinofílica pode ser neutrofílico ou paucigranulocítico.(153) O fenótipo eosinofílico é o mais comum, sendo encontrado na maioria dos asmáticos virgens de tratamento (70%)(154,155) e em metade daqueles em tratamento com corticoides.(132,156)
 
A asma grave ainda pode ser caracterizada de acordo com o fenótipo molecular (endotipo), o qual se relaciona à identificação de uma via fisiopatológica específica, responsável pelo fenótipo. Para que um endotipo tenha utilidade clínica esse deve ser caracterizado pelas seguintes características: mecanismo molecular plausível; estabilidade longitudinal; correlação com desfechos clínicos relevantes; associação a um biomarcador que caracterize essa via fisiopatológica e que possa ser mensurado na prática; e resposta à terapêutica-alvo.(1)
 
O endotipo mais bem caracterizado é o perfil inflamatório T2 alto, resultante da interação das imunidades adaptativa e inata.(157) Esse endotipo foi inicialmente denominado Th2 alto em função do reconhecimento do papel fundamental dos linfócitos Th2 na resposta inflamatória adaptativa da asma, com produção de IL-4, IL-5 e IL-13 (Figura 2). Entretanto, essa terminologia evoluiu para T2 alto após a identificação de que a imunidade inata, por meio de group 2 innate lymphoid cells (ILC2, células linfoides inatas do grupo 2), também desempenha importante papel nessa via inflamatória, produzindo grandes quantidades de IL-5 e IL-13.(158,159)
 


 
A resposta inflamatória T2 alta é mediada não apenas por linfócitos Th2 e ILC2, mas também por linfócitos B produtores de IgE, eosinófilos, mastócitos e basófilos.(128,158) A predominância da via inata ou da via adaptativa na resposta inflamatória da asma varia com o fenótipo alérgico e não alérgico.(160)
 
A IL-4 é fundamental para a maturação de linfócitos naïve para linfócitos Th2 e para a mudança de linfócitos B em produtores de IgE. A IgE se liga a receptores de alta afinidade existentes nos basófilos e mastócitos, promovendo sua desgranulação com liberação de diversos mediadores pró-inflamatórios.(161) Α IL-5 é responsável pelo recrutamento, maturação, ativação e sobrevida dos eosinófilos, os quais secretam diversas citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias.(128) A IL-13 promove fibrose e remodelamento da musculatura lisa e, em conjunto com a IL-4, regula a produção de IgE e induz a hiperplasia das células caliciformes com aumento da produção de muco. Mastócitos produzem prostaglandina D2, que se liga ao seu receptor em linfócitos Th2, levando à liberação de IL-5 e IL-9, que aumentam a produção de muco.(128,160,162) A IL-4 e IL-13 também induzem a expressão de moléculas de adesão no endotélio vascular e, dessa forma, promovem a transmigração dos eosinófilos da corrente sanguínea para o tecido das vias aéreas, resultando em acúmulo na mucosa brônquica.(163)
 
Adicionalmente, o dano do epitélio das vias aéreas, interface dos ambientes externo e interno, leva ao aumento da expressão e liberação de IL-33, IL-25 e thymic stromal lymphopoietin (TSLP, linfopoietina do estroma tímico), que estimulam ILC2 a produzirem IL-4 e IL-13 (Figura 2). As citocinas epiteliais, também denominadas de alarminas, desempenham importante papel mediador da resposta inflamatória frente a diferentes estímulos externos (alérgenos, vírus, bactérias, fumaça e poluentes, entre outros). (128,158,160,164,165) Paralelamente, ocorre reparo inadequado do dano epitelial resultando em remodelamento das vias aéreas. O remodelamento, por sua vez, leva ao aumento de mediadores pró-inflamatórios, resultando em mais inflamação e dano epitelial (Figura 2).(157)
 
O endotipo T2 alto é caracterizado por elevada expressão de IL-4, IL-5 e IL-13, eosinofilia em vias aéreas e sangue, disfunção do epitélio das vias aéreas e produção de IgE no fenótipo alérgico.(1,158) Isso resulta em HRB, obstrução ao fluxo aéreo e exacerbações. O endotipo T2 alto é caracterizado pelo aumento de biomarcadores como EosEI, EosS e FeNO.(157) Esse endotipo corresponde a 50-75% dos casos de asma grave.(166,167)
 
Já o endotipo T2 baixo, ainda não completamente definido, é caracterizado pela ausência de resposta inflamatória T2 alta. Sua fisiopatologia está apenas parcialmente compreendida e possivelmente está associada à ativação das imunidades inata e adquirida. O endotipo T2 baixo inclui a asma neutrofílica e a paucigranulocítica.(168) Nesses indivíduos, a interação gene e gatilhos externos pode resultar na produção de alarminas (IL-33 e TSLP), que estimulam linfócitos Th17 a produzirem IL-6, IL-8 e IL-17, as quais desempenham um papel importante na atração e estimulação de neutrófilos. Adicionalmente, pode ocorrer a ativação de linfócitos Th1 que, através da produção de TNF-α e INF-γ, também estimulam a inflamação neutrofílica.(153)
 
Asma grave eosinofílica alérgica
 
Pacientes com asma eosinofílica alérgica são atópicos, com obstrução variável ao fluxo aéreo e resposta broncodilatadora. Também apresentam boa resposta a CI e inflamação eosinofílica associada a aumento da IgE sérica total e/ou aumento da FeNO (≥ 20 ppb).(1,153) Na forma grave da asma, apresentam exacerbações frequentes, e a resposta a CI em dose alta, com ou sem uso de CO, nem sempre é satisfatória, podendo a reversibilidade ao fluxo aéreo ser incompleta.
 
Esse fenótipo deve ser confirmado por documentação objetiva de atopia (teste cutâneo por puntura e/ou IgE específica no sangue periférico), do aumento do percentual de EosEI (≥ 2-3%) e/ou EosS (≥ 150 células/μL).(4)
 
Do ponto de vista fisiopatológico, o processo inflamatório das vias aéreas na asma alérgica T2 alta inicia-se pela exposição repetida do epitélio a alérgenos inalados, o que, em pessoas geneticamente suscetíveis, desencadeia a resposta inflamatória predominantemente mediada por linfócitos Th2, linfócitos B produtores de IgE, eosinófilos, mastócitos e basófilos.(128) Nessa via inflamatória, células dendríticas apresentam antígenos inalatórios a linfócitos T naïve os quais, por sua vez, transformam-se em linfócitos Th2 e passam a produzir IL-4, IL-5 e IL-13. A IL-4 estimula a mudança de linfócitos B (Figura 2), que passam a produzir IgE. Essa se liga a receptores de alta afinidade para IgE, presentes nos mastócitos e basófilos que liberam mediadores inflamatórios (leucotrienos, prostaglandina e histamina).(169)
 
Asma grave eosinofílica não alérgica
 
Pacientes com asma eosinofílica não alérgica, em geral, têm asma de início tardio associada à inflamação eosinofílica, mas não à atopia. Esse fenótipo predomina no sexo feminino e em asmáticos com rinossinusite crônica com ou sem polipose nasal e/ou obesidade. Além disso, esses pacientes tendem a apresentar limitação mais grave ao fluxo aéreo, exacerbações frequentes e menor resposta aos corticoides.(1,153,158) O fenótipo da asma grave eosinofílica não alérgica é confirmado pelo aumento do percentual de EosEI (≥ 2-3%) e/ou de EosS (≥ 150 células/μL) na ausência de parâmetros para atopia.
 
Na asma grave eosinofílica não alérgica, as ILC2 desempenham um papel importante (Figura 2). Gatilhos não alérgicos, como poluentes ambientais ou ocupacionais, irritantes ou micróbios, estimulam as células epiteliais das vias aéreas a produzirem alarminas (TSLP, IL-33 e IL-25) que, ao ativarem as ILC2, estimulam a produção de IL-5 e IL-13 que induzem a inflamação eosinofílica.(153,169)
 
Asma grave não eosinofílica
 
O endotipo asma T2 baixo inclui um grupo heterogêneo de asmáticos. Em geral, a doença é de início tardio, bastante sintomática, sem atopia, frequentemente associada à obesidade e responde mal aos corticoides.
 
A prevalência dos fenótipos da asma grave não eosinofílica (neutrofílica ou paucigranulocítica) varia entre 30% e 50%.(167,170) A ausência das características inflamatórias T2 pode ser decorrente de diversos fatores não relacionados ao endotipo da asma. Por isso, recomenda-se que o diagnóstico da asma grave não eosinofílica seja feito somente após a exclusão de situações que possam interferir na eosinofilia, como efeito do tratamento com corticoide,(137,138,171) infecções recentes(172,173) e exposição a irritantes ocupacionais ou poluentes.(174,175)
 
Asma neutrofílica
 
Asma neutrofílica, cuja fisiopatologia é pouco conhecida, também envolve as imunidades inata e adaptativa. O diagnóstico de asma neutrofílica é comprovado pelo EI em mais de uma ocasião, confirmando ausência de eosinofilia e presença de neutrofilia (≥ 40-70%).(153,176) O EI neutrofílico comumente está associado a infecções respiratórias frequentes, tabagismo, exposição a poluentes ambientais ou ocupacionais e, em alguns casos, ao tratamento crônico com corticoides.(153) Em indivíduos portadores de asma neutrofílica, a interação gene e gatilhos externos resulta na produção de alarminas (IL-33 e TSLP), que estimulam linfócitos Th17 a produzirem IL-6, IL-8 e IL-17, que desempenham papel importante na atração e estimulação de neutrófilos. Adicionalmente, pode ocorrer a ativação de linfócitos Th1 que, através da produção de TNF-α e INF-γ, também promovem inflamação neutrofílica.(153)
 
O diagnóstico diferencial da asma neutrofílica inclui infecções bacterianas persistentes das vias aéreas, micobacteriose não tuberculosa, fibrose cística, discinesia ciliar primária, bronquiectasias, imunodeficiência primária, tabagismo e DPOC.(168)
 
Asma paucigranulocítica
 
A asma paucigranulocítica é infrequente. O diagnóstico é feito pela ausência de eosinofilia e neutrofilia no EI. Esse padrão não exclui inflamação das vias aéreas, já que esse fenótipo é acompanhado de hipertrofia da musculatura lisa, remodelamento, hiperplasia de células caliciformes e HRB.(153)
 
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA ASMA GRAVE EM ADULTOS
 
Nos últimos anos, ocorreram mudanças importantes no manejo da asma grave em paralelo ao melhor entendimento da fisiopatologia e fenotipagem da doença. As recomendações atuais(2,14,151) de tratamento da asma grave incluem como tratamento preferencial doses altas de CI + LABA. No caso de paciente não controlado pode-se associar LAMA e/ou imunobiológico.
 
LAMA
 
LAMA são medicamentos broncodilatadores de longa duração que atuam inibindo os receptores muscarínicos da acetilcolina localizados nas vias aéreas. Consequentemente, causam relaxamento, diminuição do tônus da musculatura brônquica e diminuição da secreção de muco.(177) Diversos LAMA (brometos de tiotrópio, aclidínio, glicopirrônio e umeclidínio) estão disponíveis ou em estudo para o tratamento da asma.
 
Brometo de tiotrópio
 
No presente, o brometo de tiotrópio é o único LAMA aprovado para uso no Brasil para o tratamento da asma. Evidências para a indicação de tiotrópio como tratamento adicional da asma moderada a grave não controlada (etapas IV e V) são oriundas de estudos randomizados controlados (ERC) em adultos e adolescentes,(178-180) assim como em crianças.(181) Em adultos com asma grave não controlada, a adição de tiotrópio aumentou significativamente a função pulmonar e diminuiu as exacerbações.(182) Esse efeito foi similar em dois outros estudos em adolescentes(178) e crianças(179) com asma grave. Em adultos, esses resultados foram independentes das características basais(183) e dos níveis de eosinófilos e IgE sérica.(184)
 
O tiotrópio está aprovado para o tratamento da asma na dose de 5 µg/dia a partir dos 6 anos de idade. Seu uso está indicado como medicação adicional para asmáticos com doença não controlada que já estejam recebendo dose moderada ou alta de CI + LABA (etapa IV ou V).(2,4) O tiotrópio mostrou ser uma droga segura quando adicionada a outros medicamentos no tratamento da asma.(178)
 
Outros LAMA
 
Evidências de ERC sugerem que outras associações de CI + LABA ou LABA de ultralonga duração (indacaterol e vilanterol) + LAMA (umeclidínio e glicopirrônio) podem ser opções de tratamento para asma grave. (185‑187)
 
Imunobiológicos
 
No Brasil, quatro imunobiológicos estão aprovados para uso no tratamento da asma grave (omalizumabe, mepolizumabe, benralizumabe e dupilumabe). Considerando a heterogeneidade e a complexidade da asma grave e o pressuposto de que a droga escolhida deva ser dirigida para um determinado fenótipo/endotipo (Quadro 1), essa abordagem requer experiência. Adicionalmente, o tratamento com imunobiológicos depende de diferenças no sistema local de saúde, políticas de reembolso e acessibilidade, devendo, por isso, ser conduzido por especialistas.


 
Omalizumabe
 
O omalizumabe é um anticorpo monoclonal humanizado anti-IgE que age inibindo a ligação da IgE livre ao seu receptor de alta afinidade na membrana de mastócitos e basófilos. Através desse mecanismo de ação, a IgE formada não consegue atuar nas células efetoras, bloqueando a desgranulação e a consequente liberação de mediadores inflamatórios. Também promove downregulation (regulação ou modulação negativa)(188) desses receptores de membrana, tornando-os menos numerosos. O omalizumabe não altera a produção de IgE, mas bloqueia a IgE livre circulante formando imunocomplexos que serão eliminados pelo sistema retículo-endotelial.(189) Está indicado na etapa V para o tratamento da asma alérgica grave.(2,14,151)
 
Eficácia e efetividade
 
Os estudos pivotais com omalizumabe foram realizados quando a compreensão de asma grave diferia da atual. O estudo mais importante e que se aproxima dos conceitos hoje utilizados é o de Humbert et al.,(190) no qual a adição de omalizumabe à combinação de CI em dose alta com LABA reduziu em 26% as exacerbações e melhorou a qualidade de vida. Entretanto, um estudo de vida real(191) mostrou que a adição de omalizumabe ao tratamento de asma grave causou uma redução de 50-60% na taxa de exacerbação e de 50% na dose de CO.
 
Uma revisão sistemática(192) que incluiu 25 ERC em pacientes com asma alérgica moderada a grave mostrou que o omalizumabe comparado a placebo reduziu exacerbações e o número de hospitalizações e permitiu uma pequena redução da dose de CI. Outra revisão(193) que incluiu 42 estudos de vida real em asmáticos adultos e crianças mostrou que a adição de omalizumabe melhorou o controle da asma, reduziu visitas à emergência e hospitalizações, assim como a dose de CI (média de redução de 32% na dose de CI). Em média, 83% dos pacientes conseguiram reduzir ou eliminar o uso de CO.
 
Preditores de resposta
 
Não há um preditor ou desfecho único de resposta ao tratamento, embora pacientes com EosS e FeNO elevados tendam a ter melhor resposta.(194) A GINA sugere que EosS ≥ 260 células/µL e/ou FeNO ≥ 20 ppb possam ser usados como preditores de boa resposta.(14) Esse documento, alinhado com os da ATS/ERS,(3) da British Thoracic Society(195) e do The National Institute for Health and Care Excellence,(196) questiona o uso desses biomarcadores para avaliar a resposta ao omalizumabe, já que esses pontos de corte foram derivados de uma análise retrospectiva(194) e são discordantes dos resultados de um estudo de vida real,(191) que não encontrou diferenças no efeito do omalizumabe em pacientes portadores de asma grave eosinofílica ou não eosinofílica. Portanto, a utilização desses valores poderia limitar o uso do omalizumabe para um grupo de pacientes que eventualmente se benefíciaria desse tratamento.
 
Indicação
 
O omalizumabe está indicado para portadores de asma grave alérgica com idade ≥ 6 anos. A dose é variável de acordo com peso (20-150 kg) e IgE sérica total (30-1.500 UI/mL), sendo administrada por via subcutânea a cada 2 ou 4 semanas (Quadro 2). Entretanto, o valor basal da IgE não caracteriza atopia e não prediz a resposta ao tratamento.(197) Além disso, seu valor após o início da terapia não deve ser utilizado como indicador de resposta.(198) Recomenda-se a avaliação da sua eficácia baseada em desfechos clínicos após pelo menos 16 semanas do inicio do tratamento.(199)
 

 
Segurança
 
Os efeitos adversos mais comuns são reações locais. Anafilaxia pode ocorrer em até 0,2% dos pacientes nas primeiras 2 h de sua administração, tanto na primeira aplicação quanto nas subsequentes.(200) Por esse motivo, recomenda-se a observação do paciente em ambiente equipado para tratamento dessa complicação. A possível ocorrência de eventos cardíacos e cerebrovasculares também deve ser monitorizada.(201)
 
Mepolizumabe
 
O mepolizumabe é um anticorpo monoclonal completamente humanizado IgG1/k, com alta afinidade pelo ligante da IL-5, que impede sua ligação ao epítopo do receptor alfa da IL-5, bloqueando sua atividade e, consequentemente, a resposta inflamatória eosinofílica.(202)
 
Eficácia e efetividade
 
ERC demonstraram que a adição de mepolizumabe ao tratamento de pacientes exacerbadores com asma grave eosinofílica reduziu o número de EosS e as exacerbações.(203-206) Nos portadores de asma grave dependentes de CO, a mediana de redução da dose, em relação a placebo, foi de 50%.(206) Esses benefícios persistiram em longo prazo por até 4,5 anos.(207)
 
A efetividade e a segurança do mepolizumabe também foram comprovadas em estudos de vida real.(207-209) Um estudo britânico incluindo 99 pacientes com EosS ≥ 300 células/μL demonstrou uma redução de 54% das exacerbações. Pacientes corticodependentes tiveram suas doses de CO reduzidas e, em 57% deles, foi possível descontinuar seu uso. Aproximadamente 73% dos pacientes foram classificados como respondedores e 28% como super-respondedores. A melhor resposta foi observada em pacientes com polipose nasal, melhor controle da asma determinado pelo Asthma Control Questionnaire com seis questões (ACQ-6), baixo IMC e em uso de CO.(208)
 
Em outro estudo,(209) a adição de mepolizumabe ao tratamento de pacientes com asma eosinofílica grave (N = 309) mostrou que 86% eram respondedores (redução dos sintomas, exacerbações e melhora da qualidade de vida e da função pulmonar). Desses, após 12 meses de tratamento, 24% foram considerados super-respondedores (ACQ-5 < 1,0, ausência de exacerbações e sem necessidade de CO).
 
Preditores de resposta
 
Os principais preditores de resposta ao mepolizumabe são EosS ≥ 150 células/µL,(210,211) presença de exacerbações no ano anterior,(203) asma de início na idade adulta(209) e presença de polipose nasal.(212)
 
Indicação
 
O mepolizumabe está indicado para portadores de asma grave eosinofílica (≥ 150 células/μL) com idade ≥ 6 anos. Em pacientes com 6-11 anos, a dose é de 40 mg e, a partir dos 12 anos e/ou peso superior a 40 kg, a dose é de 100 mg, por via subcutânea, a cada 4 semanas (Quadro 2). Recomenda-se a avaliação da sua eficácia baseada em desfechos clínicos após pelo menos 12 semanas do início do tratamento.(14,151)
 
Segurança
 
Os principais eventos adversos são infecções brônquicas, irritação no local de aplicação e cefaleia. Anafilaxia é rara.(14,151,213)
 
Benralizumabe
 
O benralizumabe é um anticorpo monoclonal que se liga à cadeia alfa do receptor de IL-5, que bloqueia o efeito da IL-5 nos eosinófilos, ocasionando sua apoptose por meio de citotoxicidade mediada por células.(214) O benralizumabe também reduz significativamente o número de eosinófilos nas vias aéreas, medula óssea, sangue e EI.(215)
 
Eficácia e efetividade
 
A eficácia do benralizumabe foi comprovada em diversos ERC(216-219) e em duas revisões sistemáticas. (220,221) Apesar de estudos de fase III terem incluído pacientes com asma moderada a grave,(216,217) a reanálise desses estudos, avaliando apenas pacientes com asma grave (de acordo com os critérios da ATS/ERS),(3) mostrou que a sua adição em pacientes com EosS ≥ 300 células/μL reduziu exacerbações e aumentou o VEF1.(222) Em portadores de asma grave dependentes de CO, a mediana de redução da dose em relação a placebo foi de 50%.(223)
 
Estudos de vida real têm confirmado a efetividade do benralizumabe no manejo da asma grave.(224,225) Um estudo britânico que incluiu 130 pacientes portadores de asma grave com EosS ≥ 400 células/μL demonstrou uma redução de 72,8% nas exacerbações. Em 51% dos corticodependentes, foi possível descontinuar o uso de CO. Os pacientes foram classificados como respondedores (86%) e como super-respondedores (39%), sendo essas respostas associadas a maior EosS e doença de menor gravidade (melhor VEF1, melhor controle da asma, melhor qualidade de vida e menor dose de CO).(225)
 
Preditores de resposta
 
Os melhores preditores de resposta ao tratamento com benralizumabe são uso crônico de CO, polipose nasal, VEF1 pré-broncodilatador < 65% do previsto e asma de início tardio.(222)
 
Indicação
 
O benralizumabe está indicado em pacientes com asma eosinofílica grave com idade ≥ 18 anos.(2,14,151) É administrado por via subcutânea na dose de 30 mg. As três primeiras aplicações são feitas com intervalos de 4 semanas e, a partir da quarta aplicação, de 8 semanas (Quadro  2). A primeira avaliação da resposta ao tratamento deve ser feita após pelo menos 12 semanas.(14,151)
 
Segurança
 
Os eventos adversos mais comuns são nasofaringite, infecções brônquicas, reações no local de aplicação e cefaleia. Anafilaxia é rara.(219,226)
 
Dupilumabe
 
O dupilumabe é um anticorpo monoclonal humano da classe IgG4 que se liga à subunidade alfa do receptor de IL-4, bloqueando a sinalização comum para a IL-4 e IL-13,(227) que são mediadores importantes na inflamação T2.
 
Eficácia e efetividade
 
Estudos iniciais com o dupilumabe na asma moderada a grave e não controlada mostraram redução das exacerbações, melhora da função pulmonar e do controle da asma.(228,229) A eficácia do dupilumabe foi comprovada em um ECR de fase III(230) com seguimento de 52 semanas que incluiu asmáticos com idade ≥ 12 anos e doença moderada a grave não controlada. Em comparação ao uso de placebo, o dupilumabe reduziu em até 48% as exacerbações, aumentou o VEF1 (diferença em relação a placebo de 140 mL) e melhorou os sintomas e a qualidade de vida. Quando os pacientes foram estratificados por EosS, aqueles com ≥ 300 células/µL apresentaram redução mais expressiva das exacerbações (67%) e maior aumento do VEF1 (diferença em relação a placebo de 240 mL). O dupilumabe também reduziu marcadores inflamatórios (FeNO, IgE e periostina).
 
Outro ERC(231) em pacientes corticodependentes com asma grave demonstrou que o dupilumabe foi eficaz na redução da dose de CO (−70% vs. −42% em relação a placebo). Além disso, o tratamento reduziu em 59% as exacerbações graves, aumentou o VEF1 em 220 mL, melhorou o controle da asma e reduziu a FeNO. Os efeitos favoráveis foram independentes dos níveis basais de EosS e FeNO. Os efeitos benéficos do dupilumabe também foram confirmados em um estudo de vida real.(232)
 
Preditores de resposta
 
Os principais preditores de resposta ao tratamento com dupilumabe são EosS elevado e FeNO ≥ 25 ppb.(4)
 
Indicação
 
No Brasil, o dupilumabe está indicado para pacientes ≥ 12 anos com asma eosinofílica grave (EosS e/ou FeNO elevados) não controlada. É também indicado para pacientes em uso contínuo de CO, independentemente dos níveis basais de EosS e FeNO. A dose inicial recomendada é de 400 mg por via subcutânea, seguida de 200 mg a cada 2 semanas. Em pacientes corticodependentes e/ou com comorbidades (dermatite atópica, polipose nasal ou esofagite eosinofílica), está indicada uma dose inicial de 600 mg, seguida de 300 mg a cada 2 semanas (Quadro 2).
 
Segurança
 
Em estudos clínicos o dupilumabe foi bem tolerado e seguro, podendo alguns pacientes apresentar aumento transitório de EosS.(230-232) Considerando que pacientes com valor basal de EosS > 1.500 células/μL não foram incluídos nos estudos clínicos de fase III, não existem dados de segurança para sua utilização nessa população, e, por isso, seu uso nesses pacientes não é recomendado até o momento.(233)
 
Azitromicina
 
O uso intermitente (250 a 500 mg, três vezes/semana) e prolongado (12 meses) de azitromicina como terapêutica adicional na asma grave não controlada tem sido considerado uma opção por várias diretrizes. (4,151,234) A azitromicina reduz exacerbações em outras doenças respiratórias crônicas neutrofílicas, incluindo bronquiectasias e DPOC.(168) Entretanto, seu lugar na prevenção de exacerbações na asma grave ainda é limitado pela pouca evidência científica associada aos potenciais efeitos colaterais. Na asma seu uso é off-label.(2,3,14)
 
A azitromicina é um antibiótico macrolídeo com propriedades antibacterianas, antivirais e imunomodulatórias. Entre essas últimas estão inibição de citocinas e quimiocinas, diminuição da expressão de moléculas de adesão e aumento da apoptose neutrofílica.(235) Porém, o exato mecanismo pelo qual a azitromicina é eficaz em prevenir exacerbações da asma ainda não está claro.(168)
 
Embora os estudos iniciais fossem dirigidos para a asma não eosinofílica e apresentassem resultados controversos, ERC produziram evidências do benefício da adição de azitromicina ao tratamento da asma não controlada.(236,237) No maior desses estudos,(237) foram incluídos 420 adultos com asma moderada a grave não controlada. A adição de azitromicina reduziu as exacerbações em 40% e melhorou a qualidade de vida, com eficácia similar nos fenótipos eosinofílico e não eosinofílico.
 
Os efeitos colaterais do uso prolongado da azitromicina incluem diarreia, prolongamento do intervalo QT, perda auditiva e aumento da resistência antimicrobiana a Streptococcus pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e micobactérias não tuberculosas (MNT). Antes de iniciar o tratamento, recomenda-se realizar eletrocardiograma e afastar infecção ativa por MNT. No caso de tratamento prolongado, deve-se realizar rastreamento para MNT com cultura de escarro a cada 6 meses.(238)
 
COMO AVALIAR A RESPOSTA AO TRATAMENTO COM IMUNOBIOLÓGICOS NA ASMA GRAVE
 
Estudos pivotais e de vida real mostraram que a maioria dos pacientes com asma grave com perfil T2 alto, quando adequadamente investigados, fenotipados e elegíveis para o uso de imunobiológicos, responde bem ao tratamento.(204,209,218,225,231) É possível que nem todos os pacientes respondam da mesma forma e não existem estudos comparativos diretos entre os imunobiológicos disponíveis. Portanto, a escolha de um determinado imunobiológico deve ser individualizada de acordo com os possíveis preditores de resposta e acessibilidade ao medicamento.
 
Asmáticos graves devem ser avaliados mais frequentemente, especialmente se estiverem em uso de imunobiológicos.(2) É importante identificar com clareza os objetivos do tratamento e estabelecer os parâmetros que serão sistematicamente avaliados em cada consulta.
 
Apesar da escassez de publicações a respeito de como avaliar a resposta aos imunobiológicos, o tema é de extrema relevância na prática clínica. Para propor uma abordagem sistematizada de avaliação da resposta ao tratamento com imunobiológicos, o presente documento fundamentou-se em ERC(202-205,215-218,228-230,238-241) e em estudos de vida real.(193,208,209,225,243-246) ERC avaliaram o efeito dos imunobiológicos em um ou mais dos seguintes desfechos: redução das exacerbações, efeito poupador de CO, melhora do controle da asma, aumento do VEF1 e melhora da qualidade de vida.(203,206,216-219,229-231,239-242) Estudos de vida real com duração de 24-48 semanas, utilizando critérios de inclusão similares aos dos ERC, identificaram respondedores, super-respondedores e não respondedores ao tratamento.(208,209,225)
 
Respondedores
 
São considerados respondedores(208,209,225,247) os pacientes com melhora do controle da asma (redução de 0,5 ponto no ACQ) e/ou redução de exacerbações ≥ 50% e/ou redução da dose de CO ≥ 50%.
 
Super-respondedores 
 
São considerados super-respondedores(208,209,225) os pacientes com asma bem controlada (ACQ < 1,5), sem exacerbações e com redução da dose de CO ≥ 80% nos pacientes corticodependentes.
 
Não respondedores
 
São considerados não respondedores(209,247) os pacientes que não obtiveram pelo menos dois dos seguintes critérios: melhora do controle da asma (redução de 0,5 ponto no ACQ), redução de exacerbações ≥ 50% ou redução da dose de CO ≥ 25% nos corticodependentes.
 
A Figura 3 apresenta uma sugestão de avaliação da resposta ao tratamento com  imunobiológico após 6 a 12 meses.


 
Alguns pacientes previamente considerados respondedores, podem, no decorrer do tempo, apresentar piora da resposta, identificada através da redução ≥ 25% no VEF1 basal, necessidade de aumento da dose do corticoide de manutenção ou aumento ≥ 0,5 ponto no ACQ-5.(247) A piora clínica pode ser resultado de baixa adesão, técnica inalatória incorreta, exposições ocupacionais/ambientais e infecções. Nesses casos, a TC de tórax e a broncoscopia podem ser necessárias para investigar diagnósticos alternativos ou concomitantes. A produção de anticorpos contra o imunobiológico também pode ser a causa da perda de resposta ao tratamento.(225,247,248)
 
Na ausência ou perda de resposta, deve-se interromper o tratamento e reavaliar o paciente para a possível introdução de outro imunobiológico. Nos casos de resposta intermediária, o tratamento pode ser mantido por até 12 meses. Quando a resposta for adequada, o tratamento deverá ser continuado; se a resposta for inadequada, deverá ser  considerada a troca por outro imunobiológico.(249)
 
A duração do tratamento ainda não está estabelecida. Entretanto, sabe-se que a interrupção do mesmo em respondedores acompanha-se de eosinofilia(250,251) e exacerbações.(250)
 
CO EM BAIXA DOSE
 
O CO é uma opção alternativa na etapa V, devendo ser usado na menor dose possível,(2,4) pois embora seja eficaz para atingir e manter o controle da asma, seu uso regular ou em cursos repetidos está associado a efeitos adversos graves.(252) Os principais efeitos adversos são a perda de massa óssea com maior risco de fratura, ganho de peso, síndrome metabólica, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência adrenal e imunossupressão.(3,9,14,151,253-255) Esses efeitos indesejáveis são dose-dependentes.(256)
 
Redução gradual e cessação do CO de manutenção
 
Devido aos efeitos adversos, deve-se tentar reduzir a dose de CO em todos os pacientes. Não existem diretrizes baseadas em evidências sobre a melhor forma de redução da dose. Entretanto, recomendações de especialistas(254) sugerem que essa seja feita de forma gradual até que se atinja uma dose mínima eficaz ou o desmame completo. O ritmo e a velocidade da redução devem ser personalizados, com base no histórico de exacerbação grave, no tempo de tratamento prévio e no risco e tipo de efeitos adversos. Recomenda-se a avaliação da possibilidade de insuficiência suprarrenal durante e após o processo de redução do tratamento com CO.(257)
 
TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO
 

Termoplastia brônquica
 
A termoplastia brônquica é um procedimento não farmacológico aprovado para o tratamento da asma grave em pacientes não controlados com o tratamento usual.(258) Através de uma broncoscopia, um cateter é inserido nas vias aéreas, gerando energia por radiofrequência e aquecendo as paredes brônquicas de maneira controlada. O mecanismo de ação envolve a redução da musculatura lisa e das terminações nervosas das vias aéreas, bem como ações mecânicas e fisiológicas resultantes dessas reduções. O procedimento deve ser realizado em centros treinados e consiste de três sessões com intervalo de 21 dias.(259) Três ERC(258,260,261) investigaram a segurança e a eficácia da termoplastia brônquica demonstrando melhora da qualidade de vida e do controle da asma, com redução das exacerbações, consultas de emergência, hospitalizações e dose de CO. Esses efeitos foram mantidos por pelo menos 10 anos, com um perfil de segurança aceitável.(262) A termoplastia brônquica pode ser considerada uma opção de tratamento para aqueles pacientes com asma grave que não se qualificaram ou que não responderam adequadamente ao tratamento com imunobiológicos.
 
Atividade física
 
O paradigma sobre a prática de exercícios por pacientes com asma começou a mudar na virada do século com os dados de uma revisão sistemática(263) que comparou estudos que avaliaram asmáticos participantes de um programa de treinamento e um grupo que não realizou atividades físicas. O grupo de asmáticos que realizou exercícios apresentou melhora significativa da capacidade aeróbia, mas não foi observada melhora nos parâmetros de função pulmonar avaliados no repouso.
 
Nos anos seguintes, estudos experimentais mostraram redução de IL-4 e IL-13 (citocinas pró-inflamatórias), sugerindo um efeito do treinamento na redução da inflamação das vias aéreas(264) e aumento significativo da expressão de IL-10 (citocina anti-inflamatória).(265) A redução de EosEI e FeNO foram demonstrados em um ensaio clínico(266) que, comparando asmáticos que realizaram treinamento aeróbio com um grupo controle, indicou que o treinamento reduz a inflamação das vias aéreas. Entretanto, esse achado não foi observado em um estudo posterior.(267)
 
Um estudo que avaliou programas de treinamento físico em asmáticos mostrou melhora da qualidade de vida e redução de sintomas de ansiedade/depressão e de asma.(268) Em outro estudo o treinamento físico melhorou o controle da asma e promoveu a perda de peso e a redução da inflamação sistêmica e de vias aéreas.(122) Uma revisão sistemática(269) incluindo estudos com asmáticos adultos que realizaram treinamento físico aeróbio demonstrou melhora no controle da asma e na função pulmonar. Em asmáticos obesos os exercícios físicos também auxiliam na perda peso.(270)
 
Nessa linha, intervenções realizadas com o objetivo de promover mudanças de comportamento para aumentar a atividade física em asmáticos adultos fisicamente inativos resultaram em melhora no controle da asma e redução de exacerbações, do uso de medicação de resgate e de cursos de CO, assim como aumento na prática de atividades físicas.(271) Por outro lado, outros estudos não observaram melhora clinicamente significativa no controle da asma com o aumento de atividade física após intervenções de mudança de comportamento. Isso pode indicar que os possíveis benefícios clínicos sejam dependentes da magnitude do aumento da atividade física regular nos asmáticos.(272,273)
 
Apesar do potencial dos exercícios físicos supervisionados, em programas estruturados, na melhora da asma,(269) devem-se levar em consideração as preferências pessoais dos pacientes, bem como as barreiras encontradas para a prática da atividade física. (274) Esses achados apontam para o papel importante da atividade física no manejo da asma, indicando a necessidade de se considerar a implantação de medidas não farmacológicas, como a prática de atividade física, em associação ao tratamento farmacológico também em pacientes com asma grave ou ADC. A GINA recomenda que adultos com asma façam atividade física regular.(4)
 
DIAGNÓSTICO E MANEJO DA ASMA GRAVE EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
 
Aspectos diagnósticos
 
Os critérios diagnósticos de asma em crianças são os mesmos estabelecidos para adultos. Salientamos, no entanto, que, na faixa etária de 6-11 anos, existem diferenças nos parâmetros de função pulmonar: relação VEF1/CVF < 0,9; reversibilidade ao uso de broncodilatador > 12% do valor basal; variabilidade da média do PFE > 13%; e redução do VEF1 > 12% após broncoprovocação por exercício.(4) Além disso, crianças com asma grave não costumam apresentar alterações ou perda de função pulmonar importante.(275) O TBP deve ser restrito a casos com espirometria normal e sintomas sugestivos de asma. O teste negativo torna o diagnóstico de asma improvável.(276)
 
A definição de asma grave em pacientes de 6-11 anos não difere da em adolescentes e adultos. Entretanto, é importante destacar que as doses de CI diferem nessa faixa etária, sendo considerada como dose alta > 400 µg/dia de dipropionato de beclometasona (partícula fina - hidrofluoralcano) ou equivalente.(4) Crianças com suspeita de asma grave devem ser sempre avaliadas e manejadas por um especialista.(2,4)
 
O diagnóstico diferencial de asma grave nessa faixa etária inclui fibrose cística, bronquiolite obliterante pós-infecciosa, aspiração de corpo estranho, discinesia ciliar primária, imunodeficiências congênitas, cardiopatia congênita, entre outros.(4)
 
A investigação de asma grave nessa faixa etária inclui alguns aspectos que merecem destaque. Não há evidências para indicar a TC de tórax de rotina. Na asma grave, essa deve ser realizada somente para exclusão de outras doenças.(277) A investigação de refluxo gastresofágico deve ser realizada somente em casos selecionados. O tratamento do refluxo assintomático raramente resulta em melhora clínica da asma.(277) A medida da FeNO na orientação do tratamento farmacológico em crianças reduz o risco de exacerbações.(278) O EI não é recomendado para o manejo farmacológico em crianças.(279)
 
A asma grave em crianças de 6-11 anos deve ser fenotipada para perfil inflamatório T2 alto através de teste de sensibilização a alérgenos, EosS ou EosEI (quando disponível) e FeNO.(4) O fenótipo predominante em crianças com asma grave é o eosinofílico alérgico, T2 alto.(280)
 
Tratamento em crianças de 6-11 anos
 
No tratamento da asma grave em crianças de 6-11 anos (etapa V) está indicada dose alta de CI + LABA. Antes da fenotipagem recomenda-se associar tiotrópio a CI + LABA com o objetivo de se atingir e manter o controle da asma.(2,281) Recomenda-se a fenotipagem em pacientes que não atingirem o controle.
 
No Brasil, para asmáticos nessa faixa etária com o fenótipo T2 alto, dois imunobiológicos estão aprovados: omalizumabe (anti-IgE) e mepolizumabe (anti-IL-5). A escolha do imunobiológico deve ser definida individualmente, considerando biomarcadores e acesso ao tratamento.
 
A eficácia e segurança do omalizumabe em crianças com asma grave foi comprovada em um ERC(282) e em um estudo de vida real.(283) Um estudo em crianças e adolescentes no Brasil mostrou que a adição de omalizumabe melhorou o controle da asma, reduziu hospitalizações e a dose de CO.(284) Em algumas crianças, o valor da IgE total é mais elevado do que os limites recomendados na bula do omalizumabe, contraindicando seu uso.(285)
 
A eficácia e a segurança do mepolizumabe para crianças de 6-11 anos foi demonstrada em um estudo. (286) As doses de imunobiológicos em crianças de 6-11 anos encontram-se descritas no Quadro 2.
 
A resposta ao tratamento com imunobiológicos deve ser avaliada periodicamente através de medida objetiva do controle da asma, redução do número de exacerbações/hospitalizações e da dose de CO. A duração do tratamento em pacientes com boa resposta clínica e as recomendações sobre a troca de imunobiológicos na falha de tratamento ainda não estão estabelecidas.
 
SUMÁRIO DAS RECOMENDAÇÕES DE MANEJO DA ASMA GRAVE
 

  • Pacientes com diagnóstico ou suspeita de asma grave devem ser encaminhados para um especialista

  • Adesão ao tratamento e técnica inalatória adequadas devem ser verificadas em todas as consultas

  • Comorbidades e exposições ambientais/ocupacionais que possam piorar o controle da asma devem ser investigadas e, se presentes, devem ser eliminadas ou minimizadas

  • Deve ser considerado como asmático grave o paciente que necessita tratamento com CI em dose alta (budesonida ≥ 1.600 µg ou seu equivalente) associado a LABA e/ou LAMA e/ou antileucotrienos e/ou CO para manter o controle ou que ainda assim permaneça não controlado, devido sua gravidade intrínseca

  • A adição de brometo de tiotrópio ao tratamento da asma grave está indicada preferencialmente antes do uso de imunobiológicos

  • Pacientes com diagnóstico confirmado de asma grave e com indicação de tratamento com imunobiológicos devem ser fenotipados

  • Quando disponível, a análise do EI deve ser realizada para fenotipar a asma grave

  • A dosagem de EosS deve ser utilizada para a fenotipagem da asma grave na indisponibilidade da análise do EosEI

  • A dosagem da IgE específica e/ou teste por puntura devem ser utilizados para a fenotipagem em todos os pacientes com asma grave

  • O valor da IgE sérica total deve ser utilizado para o cálculo da dose de omalizumabe mas não para a fenotipagem ou o acompanhamento do tratamento

  • Não se recomenda o uso de rotina da FeNO para fenotipagem ou como estratégia de manejo da asma grave

  • A escolha do imunobiológico deve ser baseada no fenótipo e no acesso ao medicamento

  • A avaliação da resposta ao tratamento deve ser objetiva, utilizando como parâmetros o controle da asma, a redução de exacerbações e a redução da dose de corticoides

  • Para pacientes respondedores o tratamento deve ser mantido por tempo indeterminado


 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
RMCP, JEDC, MMMP e JF: conceituação, metodologia e administração do projeto; supervisão; validação; e responsabilidade pelo estudo. ASR, CAN, ÁAC, ALGF, AMSA, DCB, GCJ, LSBC, MFR, MBM, MAO, MAL e PMP: redação, revisão e edição do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.
 
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