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Cartas ao Editor

Autotransplante pulmonar para o tratamento de tumores localmente avançados

Lung autotransplantation for the treatment of locally advanced tumors

João Marcelo Lopes Toscano de Brito1,3, Gabriel Lunardi Aranha2,3, Oswaldo Gomes Jr.1,3, Benoit Jacques Bibas1,3, Marcos Noyuki Samano1,3

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210224

AO EDITOR,


Desde a primeira pneumectomia para o tratamento do câncer de pulmão, relatada por Graham em 1933, e a primeira lobectomia em manga para a preservação da função pulmonar em 1947, por Thomas, uma importante discussão tem se conduzido a respeito da extensão do tratamento cirúrgico e da morbimortalidade inerente à pneumectomia, e das possíveis complicações da lobectomia em manga para o tratamento do câncer de pulmão.(1,2)
 
Descrevemos aqui o caso de um homem de 66 anos de idade, um fumante compulsivo (25 anos-maço e alcoolismo social) com doença pulmonar obstrutiva crônica, que vinha recebendo tratamento há um ano sem exacerbações e sem outras comorbidades. O paciente procurou atendimento médico devido a um quadro de dor torácica à esquerda. A tomografia computadorizada (TC) de tórax evidenciou uma massa central contralateral ao longo do trajeto das fissuras, medindo 5 cm em seu maior eixo, envolvendo o brônquio lobar do lobo superior e entrando em contato com o brônquio do lobo médio. Sinais de invasão da artéria lobar inferior e de ramos segmentares do lobo médio e superior foram notados, com linfonodomegalia hilar aparente, sem derrame pleural ou outras lesões satélites. A biópsia transtorácica revelou um Carcinoma de Células Escamosas primário. PET-TC mostrou hipermetabolismo da massa (SUVmáx 15,4) e do nó hilar (SUVmáx 5,9). RMN do cérebro sem metástases à distância. Foi realizada uma videomediastinoscopia com amostragem dos linfonodos 2R, 4R e 7, todos negativos. O teste de função pulmonar mostrou CVF 2,75L – 73% do valor predito, VEF1 1,64L – 55% do valor predito e uma razão VEF1/CVF 0,6 – 75% do valor predito, caracterizando distúrbio ventilatório obstrutivo moderado. A avaliação cardiológica estava dentro da normalidade e o teste de caminhada de 6 minutos foi de > 400 metros sem dessaturação.
 
Dada a extensão do tumor com invasão brônquica, a magnitude do envolvimento da artéria interlobar e a presença de um efeito tethering pela veia pulmonar inferior, a lobectomia em manga dupla parecia tecnicamente inviável, enquanto a pneumectomia direita era um procedimento de alto risco devido à função pulmonar prejudicada do paciente. Encaminhamos então o caso para um conselho multidisciplinar para propor um autotransplante de pulmão com pneumonectomia direita, lobectomia do lobo superior e médio e reimplante do lobo inferior direito (LID).
 
Após consentimento, o paciente foi submetido a toracotomia póstero-lateral direita com heparinização da artéria pulmonar direita. Foi realizada uma pneumonectomia radical direita, tomando cuidado para manter o coto do vaso pulmonar o máximo possível a fim de permitir uma anastomose segura. Seguiu-se com linfadenectomia radical das estações 2R, 4R, 7, 10R e 11R. Na back table, foi realizado o flush anterógrado e retrógrado com solução de preservação pulmonar – Perfadex® (Vitrolife; Gothenburg, Suécia), mantendo ventilação constante do LID. Subsequentemente, foi realizada uma bilobectomia superior direita, com margens seguras e preparo meticuloso da artéria, veia e brônquio do LID para reimplante. A técnica de reimplante envolveu os seguintes procedimentos: anastomose término-terminal do brônquio primário direito ao brônquio do enxerto com polipropileno 4-0, sutura contínua na porção membranosa e pontos simples na porção cartilaginosa; anastomose da artéria pulmonar direita com polipropileno 5-0 corrido e enxerto da veia inferior para a veia superior com polipropileno 5-0 corrido; tempo total de isquemia fria de 210 minutos. O paciente foi extubado na sala de cirurgia e encaminhado para a UTI. Evoluiu com hipoxemia por embolia pulmonar, necessitando de anticoagulação, sendo reintubado devido a pneumonia no 9º dia pós-operatório (PO) e mantido sob ventilação mecânica por 8 dias. Após esse período inicial crítico, ele se recuperou e recebeu alta hospitalar no 34º PO. O exame anatomopatológico mostrou Carcinoma de Células Escamosas invasivo estágio pT3pN1 (AJCC 8ª edição), com margens de ressecção livres de tumor incluindo todas as anastomoses críticas. Ele recebeu quimioterapia adjuvante e seu seguimento transcorreu sem intercorrências 7 meses depois (Figura 1).

 
As ressecções em manga apresentam morbidade aceitável e taxas de sobrevida semelhantes às observadas nas lobectomias.(3,4) No entanto, também se sabe que a pneumonectomia apresenta maior morbimortalidade quando comparada aos dois procedimentos (5-7% vs. 1%), principalmente no lado direito, que é 2 vezes maior do que no lado esquerdo por causa das fístulas broncopleurais.(5,6) De fato, apesar da indicação consolidada de ressecções em manga e manga dupla, que podem poupar a função pulmonar, em lesões generalizadas, a lacuna dos cotos broncovasculares impede uma cirurgia descomplicada devido a questões técnicas.(7) Portanto, para conseguir uma anastomose livre de tensão e a reconstrução das estruturas broncovasculares, uma pneumonectomia radical com dissecção ex situ e autotransplante do enxerto saudável pode seja a melhor escolha. Desde a década de 2000, poucos casos têm sido relatados e, apesar do pré-julgamento além desse método e de suas indicações, ele se mostra eficaz, sem tempo ou custo extra, exceto para a perfusão. Apesar de não haver rejeição do aloenxerto, com perfusão adequada e menor tempo de isquemia, a complicação dessa técnica é semelhante à lobectomia em manga dupla com preservação da função pulmonar.(8–10)
 
A cirurgia de preservação pulmonar deve ser prioridade em tumores localmente avançados e deve ser preconizada sempre que possível. No entanto, nos casos em que a lobectomia em manga é impossível, o autotransplante pulmonar torna-se viável e deve ser proposto como uma alternativa para pacientes com função pulmonar prejudicada. Uma boa avaliação pré-operatória, a experiência da equipe cirúrgica com preparação meticulosa gradual e abordagens multidisciplinares são os pilares para o desenvolvimento de um programa cirúrgico para casos complexos de câncer.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
JMLTB, GLA, OGJR, BJB e MNS: concepção e planejamento do estudo; coleta e tabulação de dados; criação de figuras; redação e revisão do manuscrito; formatação do manuscrito de acordo com as instruções do JBP aos autores e aprovação da versão final.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Graham EA, Singer JJ. Successful Removal of an Entire Lung for Carcinoma of the Bronchus. JAMA. 1933; 101(18):1371-4. https://doi.org/10.1001/jama.1933.02740430017005.

  2. Thomas CP. Conservative Resection of the Bronchial Tree. J R Coll Surg Edinb. Mar 1956; 1(3):169-86.

  3. Okada M, Tsubota N, Yoshimura M, Miyamoto Y, Matsuoka H, Satake S et al. Extended Sleeve Lobectomy for Lung Cancer: The Avoidance of Pneumonectomy. J Thorac Cardiovasc Surg. Oct 1999; 118(4):710-4. https://doi.org/10.1016/s0022-5223(99)70017-6.

  4. Berthet J-P, Paradela M, Jimenez MJ, Molins L, Gómez-Caro A. Extended Sleeve Berthet JP, Paradela M, Jimenez MJ, Molins L, Gómez-Caro A. Extended Sleeve Lobectomy: One More Step Toward Avoiding Pneumonectomy in Centrally Located Lung Cancer. Ann Thorac Surg. Dec 2013; 96(6):1988-97. https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2013.07.011.

  5. Darling GE, Abdurahman A, Yi Q-L, Johnston M, Waddell TK, Pierre A et al. Risk of a Right Pneumonectomy: Role of Bronchopleural Fistula. Ann Thorac Surg. Feb 2005; 79(2):433-7. http://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2004.07.009.

  6. Deslauriers J, Grégoire J, Jacques LF, Piraux M, Guojin L, Lacasse Y. Sleeve Lobectomy Versus Pneumonectomy for Lung Cancer: A Comparative Analysis of Survival and Sites or Recurrences. Ann Thorac Surg. Apr 2004; 77(4):1152-6. https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2003.07.040.

  7. Jiang F, Xu L, Yuan F, Huang J, Lu X. Lung Autotransplantation Technique in the Treatment for Central Lung Cancer of Upper Lobe. J Thorac Oncol. Jun 2008; 3(6):609-11. http://doi.org/10.1097/JTO.0b013e31817589a8.

  8. Reardon MJ, Walkes J-CM, Rice DC. Autotransplantation for Central Non-Small-Cell Lung Cancer in a Patient with Poor Pulmonary Function. Tex Heart Inst J. 2004; 31(4):360-2. PMID: 15745285; PMCID: PMC548234.

  9. Watanabe Y, Sato M, Nakamura Y, Hoshikawa Y, Harada A, Nagata T et al. Right Lower Lobe Autotransplantation for Locally Advanced Central Lung Cancer. Ann Thorac Surg. Jan 2015; 99(1):323-6. https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2014.02.065.

  10. Nakajima D, Ohsumi A, Hamaji M, Chen-Yoshikawa TF, Date H. Expanded Indications for Auto-Lung Transplant Technique. Gen Thorac Cardiovasc Surg. Aug 2020; 68(8):828-32. https://doi.org/10.1007/s11748-020-01289-3.



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