AO EDITOR,
Desde a primeira pneumectomia para o tratamento do câncer de pulmão, relatada por Graham em 1933, e a primeira lobectomia em manga para a preservação da função pulmonar em 1947, por Thomas, uma importante discussão tem se conduzido a respeito da extensão do tratamento cirúrgico e da morbimortalidade inerente à pneumectomia, e das possíveis complicações da lobectomia em manga para o tratamento do câncer de pulmão.
(1,2) Descrevemos aqui o caso de um homem de 66 anos de idade, um fumante compulsivo (25 anos-maço e alcoolismo social) com doença pulmonar obstrutiva crônica, que vinha recebendo tratamento há um ano sem exacerbações e sem outras comorbidades. O paciente procurou atendimento médico devido a um quadro de dor torácica à esquerda. A tomografia computadorizada (TC) de tórax evidenciou uma massa central contralateral ao longo do trajeto das fissuras, medindo 5 cm em seu maior eixo, envolvendo o brônquio lobar do lobo superior e entrando em contato com o brônquio do lobo médio. Sinais de invasão da artéria lobar inferior e de ramos segmentares do lobo médio e superior foram notados, com linfonodomegalia hilar aparente, sem derrame pleural ou outras lesões satélites. A biópsia transtorácica revelou um Carcinoma de Células Escamosas primário. PET-TC mostrou hipermetabolismo da massa (SUVmáx 15,4) e do nó hilar (SUVmáx 5,9). RMN do cérebro sem metástases à distância. Foi realizada uma videomediastinoscopia com amostragem dos linfonodos 2R, 4R e 7, todos negativos. O teste de função pulmonar mostrou CVF 2,75L – 73% do valor predito, VEF1 1,64L – 55% do valor predito e uma razão VEF1/CVF 0,6 – 75% do valor predito, caracterizando distúrbio ventilatório obstrutivo moderado. A avaliação cardiológica estava dentro da normalidade e o teste de caminhada de 6 minutos foi de > 400 metros sem dessaturação.
Dada a extensão do tumor com invasão brônquica, a magnitude do envolvimento da artéria interlobar e a presença de um efeito tethering pela veia pulmonar inferior, a lobectomia em manga dupla parecia tecnicamente inviável, enquanto a pneumectomia direita era um procedimento de alto risco devido à função pulmonar prejudicada do paciente. Encaminhamos então o caso para um conselho multidisciplinar para propor um autotransplante de pulmão com pneumonectomia direita, lobectomia do lobo superior e médio e reimplante do lobo inferior direito (LID).
Após consentimento, o paciente foi submetido a toracotomia póstero-lateral direita com heparinização da artéria pulmonar direita. Foi realizada uma pneumonectomia radical direita, tomando cuidado para manter o coto do vaso pulmonar o máximo possível a fim de permitir uma anastomose segura. Seguiu-se com linfadenectomia radical das estações 2R, 4R, 7, 10R e 11R. Na back table, foi realizado o flush anterógrado e retrógrado com solução de preservação pulmonar – Perfadex® (Vitrolife; Gothenburg, Suécia), mantendo ventilação constante do LID. Subsequentemente, foi realizada uma bilobectomia superior direita, com margens seguras e preparo meticuloso da artéria, veia e brônquio do LID para reimplante. A técnica de reimplante envolveu os seguintes procedimentos: anastomose término-terminal do brônquio primário direito ao brônquio do enxerto com polipropileno 4-0, sutura contínua na porção membranosa e pontos simples na porção cartilaginosa; anastomose da artéria pulmonar direita com polipropileno 5-0 corrido e enxerto da veia inferior para a veia superior com polipropileno 5-0 corrido; tempo total de isquemia fria de 210 minutos. O paciente foi extubado na sala de cirurgia e encaminhado para a UTI. Evoluiu com hipoxemia por embolia pulmonar, necessitando de anticoagulação, sendo reintubado devido a pneumonia no 9º dia pós-operatório (PO) e mantido sob ventilação mecânica por 8 dias. Após esse período inicial crítico, ele se recuperou e recebeu alta hospitalar no 34º PO. O exame anatomopatológico mostrou Carcinoma de Células Escamosas invasivo estágio pT3pN1 (AJCC 8ª edição), com margens de ressecção livres de tumor incluindo todas as anastomoses críticas. Ele recebeu quimioterapia adjuvante e seu seguimento transcorreu sem intercorrências 7 meses depois (Figura 1).
As ressecções em manga apresentam morbidade aceitável e taxas de sobrevida semelhantes às observadas nas lobectomias.
(3,4) No entanto, também se sabe que a pneumonectomia apresenta maior morbimortalidade quando comparada aos dois procedimentos (5-7% vs. 1%), principalmente no lado direito, que é 2 vezes maior do que no lado esquerdo por causa das fístulas broncopleurais.
(5,6) De fato, apesar da indicação consolidada de ressecções em manga e manga dupla, que podem poupar a função pulmonar, em lesões generalizadas, a lacuna dos cotos broncovasculares impede uma cirurgia descomplicada devido a questões técnicas.
(7) Portanto, para conseguir uma anastomose livre de tensão e a reconstrução das estruturas broncovasculares, uma pneumonectomia radical com dissecção ex situ e autotransplante do enxerto saudável pode seja a melhor escolha. Desde a década de 2000, poucos casos têm sido relatados e, apesar do pré-julgamento além desse método e de suas indicações, ele se mostra eficaz, sem tempo ou custo extra, exceto para a perfusão. Apesar de não haver rejeição do aloenxerto, com perfusão adequada e menor tempo de isquemia, a complicação dessa técnica é semelhante à lobectomia em manga dupla com preservação da função pulmonar.
(8–10) A cirurgia de preservação pulmonar deve ser prioridade em tumores localmente avançados e deve ser preconizada sempre que possível. No entanto, nos casos em que a lobectomia em manga é impossível, o autotransplante pulmonar torna-se viável e deve ser proposto como uma alternativa para pacientes com função pulmonar prejudicada. Uma boa avaliação pré-operatória, a experiência da equipe cirúrgica com preparação meticulosa gradual e abordagens multidisciplinares são os pilares para o desenvolvimento de um programa cirúrgico para casos complexos de câncer.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES JMLTB, GLA, OGJR, BJB e MNS: concepção e planejamento do estudo; coleta e tabulação de dados; criação de figuras; redação e revisão do manuscrito; formatação do manuscrito de acordo com as instruções do JBP aos autores e aprovação da versão final.
REFERÊNCIAS
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