A ampliação do acesso ao corticoide inalatório tem contribuído para a importante redução da morbidade e mortalidade por asma no Brasil e no mundo.
(1,2) Entretanto, alguns indivíduos asmáticos permanecem sintomáticos apesar de terem recebido prescrição de terapia de manutenção por via inalatória em dose adequada. Para esses pacientes, é crucial confirmar o diagnóstico correto de asma, além de identificar e mitigar os fatores agravantes modificáveis que contribuem para a ausência de controle da asma, tais como o uso inadequado dos dispositivos inalatórios, má adesão ao tratamento, exposição a estímulos ambientais e comorbidades não controladas. Após essa abordagem, se a asma permanece não controlada, é possível estabelecer o diagnóstico de asma grave.
(3) Aproximadamente 3,7% dos pacientes asmáticos têm doença grave.
(4) Apesar da prevalência relativamente baixa, os pacientes com asma grave estão particularmente susceptíveis à perda da qualidade de vida e da função pulmonar, assim como a exacerbações com necessidade de internação hospitalar.
(5,6) Além dos desfechos desfavoráveis diretamente relacionados à asma, o uso de doses elevadas das medicações inalatórias e o uso frequente de corticoide sistêmico nesses pacientes, apesar de minimizarem a morbidade e mortalidade por eventos respiratórios, agregam morbidade relacionada aos efeitos sistêmicos desses fármacos.
(7) Dentre os efeitos sistêmicos mais relevantes, citam-se a perda de densidade mineral óssea, elevação da glicemia, ganho ponderal, imunossupressão, entre outros.
Este contexto preocupante tem impulsionado pesquisas para compreender melhor os mecanismos que determinam a asma grave. Os avanços nos conhecimentos sobre a imunopatologia e fisiopatologia permitiram o desenvolvimento de novos tratamentos,
(8) e ensaios clínicos têm demonstrado que medicamentos anteriormente utilizados para outras doenças respiratórias, como os broncodilatadores antimuscarínicos de longa duração, também são eficazes para o tratamento da asma grave.
(9) Os corticoides inalatórios associados aos broncodilatadores β2-agonistas de longa duração habitualmente compõe o esquema terapêutico principal para asmáticos graves, enquanto a adição de outros fármacos ou terapias não farmacológicas deve ser guiada pelas características fenotípicas de cada indivíduo.
(10) Para exemplificar, alguns fármacos imunobiológicos são indicados para asma grave eosinofílica, enquanto o anticorpo anti-IgE está indicado para os indivíduos atópicos com IgE elevada; a azitromicina, apesar da menor robustez das evidências, tem sido indicada para prevenir exacerbações da asma; e a termoplastia brônquica é o último recurso para os pacientes que não respondem ou não preenchem critérios para medicamentos imunobiológicos.
Se por um lado a diversidade de opções terapêuticas e o conceito de terapia de precisão contribuem para melhorar o prognóstico da asma grave, por outro lado tornam o manejo dessa doença um pouco mais complexo. O manejo da asma grave, portanto, deve ser feito por profissionais especializados, mas não é viável que todos os pacientes com essa condição sejam encaminhados para os centros de excelência que habitualmente estão inseridos em instituições de ensino ou no sistema de saúde terciário de grandes e médios centros urbanos. É necessário que os profissionais de saúde que cuidam de doenças respiratórias na atenção secundária também estejam capacitados e tenham a estrutura necessária para identificar e tratar a asma grave. É nesse contexto que a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) publica as “Recomendações para o Manejo da Asma Grave da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia – 2021”.
(11) Esse documento foi construído por um painel de 17 pneumologistas com experiência clínica e em pesquisa na asma grave. O texto aborda de forma objetiva e didática os tópicos mais relevantes e atuais sobre esse tema, como os critérios para diagnóstico da asma grave; biomarcadores úteis para fenotipagem; aspectos importantes sobre a imunopatologia da asma grave, cuja compreensão é necessária para entender o racional das estratégias de manejo guiado por fenótipos; e as opções terapêuticas disponíveis no Brasil. Ao discorrer sobre as terapias disponíveis, o documento da SBPT
(11) não apenas compila os resultados de eficácia e segurança encontrados nos ensaios clínicos mais recentes, mas também traz evidências de estudos pragmáticos de mundo real, adequados à realidade brasileira.
Esse documento
(11) tem o grande mérito de facilitar a divulgação do conhecimento mais atual sobre o tema, mas divulgar o conhecimento é apenas uma das etapas necessárias para o amplo diagnóstico e tratamento da asma grave. Atualmente, existem limitações estruturais fora dos centros de referência que podem dificultar o cumprimento das recomendações da SBPT no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). Por exemplo, o número elevado de pacientes em relação à quantidade de profissionais de saúde que cuidam de doenças respiratórias limita o tempo disponível para a consulta de cada paciente, o que pode comprometer a qualidade da avaliação; os pacientes atendidos nos serviços públicos de saúde frequentemente têm limitações financeiras para solucionar problemas ambientais no domicílio; exames complementares simples, como a espirometria, nem sempre estão disponíveis em centros urbanos menos populosos; e exames complementares complexos necessários para o diagnóstico da asma grave, apesar de estarem progressivamente mais acessíveis, ainda não estão amplamente disponíveis.
(12) Adicionalmente, ainda há a dificuldade de acesso aos medicamentos imunobiológicos e à termoplastia brônquica, que não estão efetivamente disponibilizados pelo SUS. Felizmente, a última atualização dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para asma do Ministério da Saúde
(13) incorpora dois imunobiológicos ao esquema terapêutico da asma grave proposto pelo SUS, especificamente o omalizumabe e o mepolizumabe, abrindo a possibilidade de que esses fármacos estejam disponíveis em um futuro não muito distante.
O primeiro passo para resolver um problema é conhecê-lo. Vamos trabalhar para que as ”Recomendações para o Manejo da Asma Grave da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia – 2021”
(11) sejam amplamente divulgadas para médicos de nossa especialidade e de especialidades afins e que as informações pertinentes estejam disponíveis para profissionais de saúde da atenção primária, pacientes e gestores.
REFERÊNCIAS
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