ABSTRACT
Objective: Obstructive sleep apnea (OSA) is a common disorder associated with a significant economic burden. Continuous positive airway pressure (CPAP) and auto-titrating positive airway pressure (APAP) are recognized therapeutic options in patients with OSA, although treatment costs are higher with APAP. We conducted a study aimed at evaluating the effectiveness and potential cost savings resulting from the implementation of a protocol guiding the transition to CPAP in OSA patients previously treated with APAP. Methods: This prospective study included patients with OSA under APAP who were followed up at the Sleep Medicine outpatient clinic of a tertiary referral hospital between January 2019 and January 2021. Treatment was switched to CPAP in patients who met the following criteria: satisfactory adaptation and adherence to APAP, residual apnea-hypopnea index (AHI) of < 5/hour, and no relevant air leaks. APAP and CPAP outcomes were compared and an estimate of the savings obtained by the transition from APAP to CPAP was calculated. Results: Ninety-three patients were included in the study. APAP and CPAP were both effective in correcting obstructive events and improving daytime sleepiness. No significant differences were found regarding treatment adherence and tolerance between both PAP modalities. The selection of fixed-pressure CPAP through 90th or 95th percentile APAP pressure proved to be effective and an alternative strategy to titration polysomnography. At the end of this two-year study, the transition from APAP to CPAP enabled savings of at least 10,353?. Conclusion: The transition from APAP to CPAP may be an effective, well-tolerated, safe, and cost-saving strategy in patients with OSA.
Keywords:
Obstructive sleep apnea (OSA); continuous positive airway pressure (CPAP); auto-titrating positive airway pressure (APAP); health care costs
RESUMO
Objetivo: A apneia obstrutiva do sono (AOS) é um distúrbio comum associado a um ônus econômico significativo. A pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) e a pressão positiva automática nas vias aéreas (APAP) são opções terapêuticas reconhecidas em pacientes com AOS, embora os custos do tratamento sejam maiores com APAP. O presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia e o potencial de economia de custos resultante da implementação de um protocolo que orienta a transição para o CPAP em pacientes com AOS previamente tratados com APAP. Métodos: Este estudo prospectivo incluiu pacientes com AOS, em tratamento com APAP, acompanhados no ambulatório de Medicina do Sono de um hospital de referência terciário entre janeiro de 2019 e janeiro de 2021. O tratamento foi mudado para CPAP em pacientes que preencheram os seguintes critérios: adaptação satisfatória e adesão à APAP, índice de apneia-hipopneia (IAH) residual de < 5/hora e ausência de vazamentos significativos de ar. Os desfechos de APAP e CPAP foram comparados e uma estimativa da economia obtida pela transição de APAP para CPAP foi calculada. Resultados: Noventa e três pacientes foram incluídos no estudo. APAP e CPAP foram ambas eficazes na correção de eventos obstrutivos e na melhora da sonolência diurna. Não foram encontradas diferenças significantes em relação à adesão e tolerância ao tratamento entre as duas modalidades de PAP. A seleção da CPAP de pressão fixa por meio do percentil 90 ou 95 da pressão de APAP mostrou-se eficaz e uma estratégia alternativa à polissonografia para titulação. No final deste estudo de dois anos, a transição de APAP para CPAP permitiu uma economia de pelo menos 10.353,00€. Conclusão: A transição de APAP para CPAP pode ser uma estratégia eficaz, bem tolerada, segura e econômica em pacientes com AOS.
Palavras-chave:
apneia obstrutiva do sono (AOS); pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP); pressão positiva automática nas vias aéreas (APAP); custos com saúde.
INTRODUÇÃO A apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma doença comum que afeta de 9% a 38% da população geral. (1) A prevalência relatada de AOS tem aumentado de forma preocupante ao longo do tempo, em parte devido ao número crescente de pacientes obesos, nos quais o a prevalência excede 30%.(2) A AOS é um importante problema de saúde emergente, uma vez que é um fator de risco independente e reconhecido para distúrbios cardiovasculares, metabólicos e psiquiátricos.(3,4) Um grande fardo relacionado a essa doença também está associado à sonolência diurna excessiva, qualidade de vida prejudicada, acidentes de trabalho e de veículos automotores, perdas de produtividade e custos com saúde.(5,6)
A pressão positiva nas vias aéreas (PAP) é o tratamento de escolha para AOS e pode ser administrada por meio de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) ou pressão positiva automática nas vias aéreas (APAP).(7) O dispositivo CPAP fornece pressão positiva constante para as vias aéreas superiores durante o sono, evitando seu colapso.(8,9) Por outro lado, o APAP fornece pressão variável dependendo de mudanças na resistência ao fluxo de ar, que pode variar de acordo com vários fatores, incluindo o estágio do sono, a posição do corpo e o grau de congestão nasal.(10,11) Os efeitos do tratamento parecem semelhantes entre CPAP e APAP e, por esse motivo, a escolha terapêutica muitas vezes depende de outros fatores, como preferência do paciente, motivos específicos para a não adesão e custos diretos e indiretos.(12,13)
A polissonografia (PSG) para titulação, realizada em laboratórios do sono, é a abordagem padrão ouro para determinar os níveis ideais de PAP, mas está associada a altos custos e longas listas de espera.(7) Estudos anteriores mostraram que o nível de pressão do percentil 90 ou 95 obtido por meio do registro do sistema de monitoramento APAP tem boa correlação com os níveis de PAP obtidos por meio da PSG para titulação; essa abordagem é mais custo-efetiva do que a titulação laboratorial manual.(14,15) Em pacientes tratados com APAP, após a identificação da pressão fixa mais adequada para corrigir os eventos respiratórios através do percentil 90 ou 95, é possível modificar o tratamento para CPAP usando aquele nível de pressão especificado.
No Serviço Nacional de Saúde Português, a prescrição inicial do CPAP ou APAP é realizada nos Centros de Medicina do Sono por pneumologistas que asseguram a investigação diagnóstica e a decisão terapêutica dos doentes com AOS. Seguindo a prescrição médica, as empresas de tratamento respiratório domiciliar fornecem o dispositivo CPAP ou APAP, e o tratamento é totalmente pago pelo Serviço Nacional de Saúde. Embora ambos sejam eficazes no tratamento da AOS, o CPAP e o APAP têm custos diferentes, que são maiores com o APAP. Em Portugal, os preços contratuais acordados entre o Serviço Nacional de Saúde e as empresas de cuidados respiratórios a domicílio são de 1,0399€/dia com CPAP e 1,2079€/dia com APAP.(16) Para os doentes que optem por adquirir o seu próprio aparelho PAP, o custo do dispositivo APAP é normalmente mais alto do que o do CPAP. Por outro lado, para pacientes com AOS com plano de saúde, muitas empresas podem não aprovar a cobertura de APAP devido ao seu custo mais elevado em comparação com o CPAP.
O presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia e potenciais economias de custo resultantes da transição de APAP para CPAP em pacientes com AOS acompanhados em um ambulatório de Medicina do Sono de um hospital terciário de referência no norte de Portugal.
MÉTODOS Delineamento do Estudo e Coleta de Dados Este estudo prospectivo e unicêntrico incluiu pacientes adultos com diagnóstico prévio de AOS tratados com APAP, que foram acompanhados no ambulatório de Medicina do Sono do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, em Portugal, entre janeiro de 2019 e janeiro de 2021. A coleta e análise de dados foram realizadas em fevereiro de 2021.
Todos os pacientes foram avaliados por um pneumologista com experiência em medicina do sono. Após um período inicial variável de tratamento com APAP, os pacientes foram transferidos para o tratamento com CPAP. A transição do tratamento de APAP para CPAP foi realizada em pacientes que preencheram os seguintes critérios: adaptação satisfatória ao APAP, boa adesão ao tratamento (uso por > 4 horas/noite em pelo menos 70% das noites), índice de apneia-hipopnéia (IAH) residual de < 5/hora e ausência de vazamentos relevantes de ar (vazamento no percentil 95 < 25L/min). Consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os pacientes, e o protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.
Os aparelhos PAP foram escolhidos pelas empresas de cuidados respiratórios a domicílio, desde que fossem adequados para prescrição médica (S9 AutoSetTM ou AirSense 10 AutoSetTM da ResMed, ou SystemOneTM ou DreamStationTM da Philips Respironics). O tratamento foi iniciado com uma interface nasal; se o paciente se queixasse de desconforto ou intolerância ou precisasse de um melhor controle do vazamento de ar, o tratamento era mudado para uma interface oronasal. Umidificadores e circuitos aquecidos foram prescritos tanto com APAP quanto com CPAP quando necessário para o conforto do paciente.
A exclusão dos pacientes se deu caso algum dos seguintes critérios estivesse presente: má adaptação ou adesão ao tratamento com APAP, distúrbios de hipoventilação, predominância de eventos centrais, deficiência cognitiva e dados médicos incompletos.
O número de horas que o dispositivo PAP foi usado por noite, a porcentagem de noites em que o PAP foi usado por mais de 4 horas, o IAH residual e o vazamento de ar foram determinados por meio de dados de conformidade registrados por máquina. Com relação ao APAP, os dados foram coletados nos três meses anteriores à transição para o CPAP. Já os dados do CPAP foram coletados após três meses de tratamento.
Definições O diagnóstico de AOS foi obtido por meio de PSG em ambiente hospitalar (nível 1) ou ambulatorial (nível 2) ou por poligrafia cardiorrespiratória domiciliar (nível 3). Os estudos do sono foram pontuados manualmente por um técnico do sono experiente seguindo os critérios da Academia Americana de Medicina do Sono (AASM).(17) O diagnóstico foi estabelecido com base nos critérios da terceira edição da Classificação Internacional de Distúrbios do Sono,(18) e a gravidade da AOS foi estabelecida como leve para IAH de ≥ 5/hora e < 15/hora, moderada para IAH de ≥ 15/hora e ≤ 30/hora e grave se IAH > 30/hora. A AOS posicional foi definida como IAH total de ≥ 5/hora, com uma redução > 50% do IAH entre as posições supina e não supina. A AOS associada ao sono de movimento rápido dos olhos (REM – do inglês Rapid eye movement) foi definida como a ocorrência de apneias e hipopneias obstrutivas predominantemente ou exclusivamente durante o sono REM em pacientes submetidos à PSG.
Análise Estatística Uma análise descritiva foi realizada. A normalidade foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. As variáveis contínuas foram descritas por meio de média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil (IIQ). Variáveis categóricas foram expressas como frequências (n) e porcentagens (%). Para análises de medidas repetidas em uma única amostra, o teste de postos sinalizados de Wilcoxon foi aplicado para variáveis contínuas, e o teste de McNemar foi realizado para variáveis categóricas. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)® (Chicago, Illinois, EUA), versão 22.0. O nível de significância estatística foi estabelecido em p < 0,05.
RESULTADOS População do Estudo Em um total de 209 pacientes com AOS em tratamento com APAP, 93 foram incluídos com base nos critérios de seleção. As razões subjacentes à exclusão dos participantes do estudo foram: baixa adesão ao APAP (n = 81), IAH residual de > 5/h sob tratamento com APAP (n = 19), distúrbios de hipoventilação associados (n = 11) e registros médicos significativamente incompletos (n = 5). A maioria dos pacientes era do sexo masculino (76,3%) e a mediana de idade era de 61 [51 - 67] anos. Observou-se uma prevalência significativa de doenças cardiovasculares, a saber: hipertensão arterial (66,7%), obesidade (52,7%), dislipidemia (41,9%) e insuficiência cardíaca (26,9%). A maioria dos pacientes (78,5%) apresentava AOS moderada ou grave, com uma mediana de IAH de 25,1/hora [16,9 – 41,0]. As características demográficas e clínicas dos pacientes estão resumidas na Tabela 1.
Desfechos de PAP Após o início do tratamento com APAP, a mediana de tempo até a transição para o CPAP foi de 18 [8 - 36] meses. A mediana das pressões mínima e máxima de APAP foram 6 [5 - 6] cmH20 e 12 [12 - 14] cmH20, respectivamente. O APAP foi eficaz na eliminação de eventos respiratórios do sono, resultando em um IAH residual mediano de 1,7/hora [0,9 - 2,8]. Embora os pacientes apresentassem boa adesão ao APAP (uso mediano de 7 horas/noite e uso por > 4 horas/noite em 93% dos casos), 61,3% relataram efeitos colaterais relacionados ao tratamento, nomeadamente ressecamento da mucosa (49,5%), congestão nasal (11,8%), sensação de vazamento de ar (7,5%), sensação de frio (5,4%) e dor facial (5,4%). O ressecamento da mucosa e a sensação de frio foram resolvidos com umidificadores e circuitos aquecidos, respectivamente, em todos os pacientes que reportaram tais efeitos colaterais.
Em 97,8% dos pacientes, a determinação da pressão ideal para o tratamento com CPAP foi realizada com base no 90º ou 95º percentil do nível de pressão identificado no último relatório de terapia com APAP. Em 2,2% dos pacientes, a pressão do CPAP foi determinada com base na PSG para titulação, realizada no laboratório do sono. A mediana de pressão CPAP inicial foi de 10 [9 - 11] cmH20. O ajuste de pressão foi necessário em 16,1% dos pacientes devido a intolerância à alta pressão (33,3%), IAH residual controlado, o que permitiu a redução da pressão (26,7%), vazamento significativo de ar (20%) e IAH residual não controlado, exigindo aumento de pressão (20%). A mediana de pressão CPAP final foi de 9 [8 - 11] cmH20.
A comparação entre a terapia APAP e CPAP está mostrada na Tabela 2. Ambas foram igualmente eficazes na melhora da sonolência diurna, um sintoma característico da AOS, conforme indicado pela Escala de Sonolência de Epworth (ESE). A porcentagem de pacientes com pelo menos um efeito colateral foi estatisticamente menor com CPAP do que com APAP (32,6% vs. 60,9%; p < 0,001); estes incluíram ressecamento da mucosa (20,4%), sensação de vazamento de ar (8,6%), congestão nasal (n=6; 6,5%), sensação de pressão elevada (3,2%) e aerofagia (1,1%). Vale ressaltar que o CPAP foi estatisticamente superior ao APAP no controle do IAH residual (1,4/h vs. 1,7/h; p = 0,033), embora ambas as terapias tenham sido eficazes. A subanálise incluindo pacientes com AOS posicional ou associada ao sono REM não revelou diferenças estatisticamente significantes entre os desfechos de APAP e CPAP, exceto no subgrupo de pacientes com AOS posicional, em que o número de horas de tratamento por noite foi maior com CPAP do que com APAP (7,5h vs. 6,7h; p = 0,046). Também vale salientar que em pacientes com AOS posicional, o IAH residual tendeu a ser maior naqueles tratados com CPAP do que com APAP (6,8/h vs. 2,3h; p = 0,374).
Após a mudança de tratamento para CPAP, a maioria (91,4%) dos pacientes manteve boa tolerância. Porém, em 8.6% dos pacientes, o CPAP foi pouco tolerado, principalmente por causa de ressecamento da mucosa (50%) e sensação de obstrução nasal (25%). O tratamento precisou ser trocado novamente para APAP em 5,4% dos pacientes devido à ocorrência de efeitos colaterais, e em um paciente com AOS e a síndrome de sobreposição de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), o tratamento foi alterado para pressão positiva de dois níveis nas vias aéreas (BPAP) devido a hipercapnia diurna persistente, apesar do IAH residual controlado.
Do total de pacientes, 33,3% tiveram alta para a Atenção Primária à Saúde por apresentarem boa adesão e tolerância ao CPAP, com benefício clínico e correção de eventos respiratórios noturnos. Nenhum desses pacientes foi reencaminhado ao Centro de Medicina do Sono durante o período de acompanhamento do presente estudo. Perda de seguimento ambulatorial foi observada em cinco (5,4%) pacientes.
O tempo médio entre o início do tratamento com CPAP e o final do estudo foi de 22,8 ± 7,7 meses. Considerando-se os custos contratuais da terapia PAP em Portugal, a transição de APAP para CPAP permitiu uma economia de custo média de 119 ± 39,11€ por paciente e, ao final deste estudo de dois anos, incluindo 87 pacientes que permaneceram em tratamento com CPAP, um uma economia de 10.353,84€.
DISCUSSÃO No presente estudo, ambas as modalidades de PAP foram eficazes, permitindo a correção de eventos obstrutivos noturnos e a melhora da sonolência subjetiva, medida pela ESE. De fato, o CPAP foi estatisticamente superior ao APAP na correção do IAH residual. Ainda assim, o significado clínico desse achado é provavelmente irrelevante, uma vez que ambas as terapias permitiram atingir um IAH residual de < 5/hora. Nossos resultados corroboram com estudos anteriores que documentam que tanto o APAP quanto o CPAP são semelhantes em sua capacidade de eliminar eventos respiratórios e melhorar os sintomas diurnos associados à AOS.(12,13)
Os pacientes mostraram boa tolerância ao APAP e ao CPAP, embora os efeitos colaterais tendessem a ser menos frequentes com o último. Ressalta-se, entretanto, que a ocorrência de menos efeitos colaterais com o CPAP pode ser explicada pelo fato de que tais efeitos poderiam ter sido previamente identificados e corrigidos durante o tratamento inicial com o APAP. Com ambas as modalidades de PAP, os efeitos colaterais foram principalmente mínimos e reversíveis. Ao contrário de estudos anteriores que revelaram que o APAP foi melhor tolerado e mais eficaz do que o CPAP no aumento da adesão do paciente, não foram encontradas diferenças entre as duas terapias em relação à tolerância e adesão ao tratamento.(19,20)
Na prática clínica diária, a pressão escolhida para o CPAP é frequentemente selecionada por meio do algoritmo automático dos aparelhos APAP.(12,13,21) Aqui, a escolha da pressão do CPAP foi baseada no percentil 90 ou 95 da pressão APAP na maioria dos casos; essa estratégia se mostrou eficaz, pois o reajuste da pressão do CPAP se fez necessário em apenas 16,1% dos pacientes e em nenhum deles foi necessária a PSG durante a noite, achado relevante devido aos custos e à dificuldade de acesso ao laboratório do sono. A possibilidade de definir as pressões ideais de CPAP por meio de dados registrados no dispositivo APAP é uma janela de oportunidade para o uso da telemedicina em pacientes com AOS. De fato, existem dispositivos no mercado projetados para medir automaticamente o nível de PAP ideal, mudando remotamente do modo APAP para o modo CPAP após um período de tempo.(22) Este recurso pode não apenas melhorar o acompanhamento dos pacientes com OSA, mas também viabiliza a telessaúde em vez de visitas clínicas convencionais presenciais, o que pode ser uma alternativa valiosa na era da pandemia da Doença do Coronavírus 2019 (COVID-19). Ao mesmo tempo, independentemente do contexto pandêmico, a telessaúde e o telemonitoramento continuam a ser ferramentas úteis, uma vez que os pacientes com AOS são tipicamente uma população trabalhadora e, por esse motivo, esta alternativa às visitas convencionais permite que eles economizem tempo e recursos e evitem faltar ao trabalho.
Ao final do estudo, a pressão mediana final do CPAP era menor do que a pressão inicial. Isso pode ser explicado pelo fato de que os motivos mais frequentes para o reajuste da pressão foram intolerância à alta pressão e IAH residual controlado, permitindo assim a redução da pressão. Além disso, um efeito retardado do CPAP também foi descrito anteriormente.(23) O nível efetivo de CPAP pode diminuir progressivamente com o tempo, o que pode ser atribuído a uma melhora na morfologia das vias aéreas superiores e/ou à correção da fragmentação do sono, o que podemos especular que também pode ter contribuído para uma pressão mediana final de CPAP mais baixa no presente estudo. (24,25,26)
Foi demonstrado anteriormente que apenas uma semana de terapia com APAP parece ser suficiente para determinar um nível eficaz e estável de PAP dentro da faixa de pressão de ± 2 cmH20.(21) No entanto, no presente estudo, verificamos um tempo maior desde o início de APAP até a transição para CPAP (18 [8 - 36] meses). Esse achado pode ser explicado pelo fato de alguns pacientes já estarem em tratamento com APAP há muito tempo, e a transição para o CPAP só foi realizada devido à inclusão do paciente no estudo. Isso, de alguma forma, pode sugerir que os médicos não estão totalmente cientes da eficácia, segurança e economia de custos da transição de APAP para CPAP em sua prática clínica diária.
Sabe-se que o nível de pressão necessário para eliminar eventos respiratórios obstrutivos varia durante a noite dependendo de vários fatores, como posição corporal, estado do sono, obstrução nasal e o uso de álcool e agentes hipnóticos.(10,11,14) A APAP poderia ser uma modalidade de PAP mais atraente se essa variabilidade de necessidade de pressão fosse resolvida. No entanto, no presente estudo, descobrimos que os benefícios da transição de APAP para CPAP permaneceram, mesmo no subgrupo de pacientes com AOS posicional e AOS associada ao sono REM. Entretanto, os pacientes com AOS posicional em tratamento com CPAP apresentaram uma mediana de IAH residual de 6,8/hora, um valor ligeiramente acima do desejado (< 5/hora). Vale ressaltar que um pequeno número de pacientes foi incluído no subgrupo de AOS posicional e que não houve diferença estatisticamente significante entre APAP e CPAP em relação ao IAH residual. No entanto, tais dados podem sugerir que pacientes com AOS posicional talvez não sejam bons candidatos para a mudança de APAP para CPAP. Além disso, no presente estudo, é provável que a AOS associada ao sono REM tenha sido subdiagnosticada, visto que em 45,2% dos pacientes a PSG não foi realizada.
Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a analisar a eficácia e a economia potencial de custos com a transição de APAP para CPAP em uma população de pacientes com AOS. Avaliar a relação custo-eficácia das intervenções de saúde é um guia essencial para a tomada de decisões em saúde pública, a fim de decidir melhor a alocação de recursos econômicos. Surpreendentemente, no presente estudo, a implementação de um protocolo que orienta a transição de APAP para CPAP em uma população relativamente pequena de pacientes com AOS permitiu uma economia de quase 10.350,00€ em apenas dois anos. Acreditamos que nossos resultados levantam questões importantes na prática clínica diária, visto que a AOS é uma doença crônica prevalente e a PAP, um tratamento para a vida, imputando enormes custos aos sistemas de saúde. Além disso, também deve ser notado que, em alguns países, após a alta da consulta hospitalar, os médicos da Atenção Primária à Saúde renovam as prescrições de PAP crônica, mas não podem alterá-las; portanto, a conscientização sobre a transição de APAP para CPAP deveria existir ao nível dos Centros de Medicina do Sono. Ademais, se levarmos em consideração a cronicidade da terapia com PAP, a idade relativamente jovem dos pacientes com AOS e o aumento da expectativa de vida média mundial, o potencial de economia seria ainda mais significativo.(27)
Nossos resultados encorajam o desenvolvimento e implementação de protocolos que orientam a transição de APAP para CPAP em pacientes com AOS ao nível de Centros de Medicina do Sono. Para tal, devem ser atribuídos recursos humanos e técnicos adequados, incluindo a utilização de telessaúde.
Este estudo apresentou algumas limitações. Dentre os 209 pacientes recrutados inicialmente, apenas 93 foram incluídos, indicando que poderíamos estar enfrentando um viés de seleção. Tal fato pode limitar a generalização das conclusões tiradas aqui, uma vez que a transição para o CPAP foi realizada em uma população muito específica de pacientes com AOS com boa adesão, tolerância aceitável e correção de eventos obstrutivos sob terapia APAP. Portanto, podemos especular que, em pacientes com AOS, o APAP - por meio de sua capacidade de ajustar automaticamente a pressão do ar ao longo da noite - é uma estratégia terapêutica inicial adequada com a intenção de posteriormente mudar o tratamento para CPAP, uma opção igualmente eficaz, porém menos dispendiosa. Por outro lado, embora nossos resultados demonstrem o potencial de economia obtido com a transição do APAP para o CPAP, uma análise real de custo-efetividade não foi realizada. Além disso, a economia potencial resultante da seleção da pressão CPAP por meio do 90º ou 95º percentil da pressão APAP em vez da PSG para titulação não foi levada em consideração. Outra limitação deste estudo foi o seguimento relativamente curto dos pacientes incluídos. De fato, por causa dessa limitação, pode ser difícil determinar se a pressão fixa definida no CPAP antes da alta hospitalar permanecerá adequada ao longo da vida do paciente, uma vez que podem ocorrer variações de peso e alterações anatômicas nas vias aéreas superiores devido ao envelhecimento. Por esta razão, após a alta para a Atenção Primária à Saúde, os sintomas de AOS e o relatório de conformidade, nomeadamente o IAH residual, devem ser avaliados regularmente de forma a identificar a necessidade de novo encaminhamento para consulta hospitalar. Finalmente, este estudo limitou a generalização para a população geral com AOS, uma vez que foi realizado em um único centro português e tanto os custos do tratamento quanto o manejo dos pacientes com AOS podem ser significativamente diferentes em outros ambientes, especialmente em outros países. Um estudo randomizado, simples-cego e transversal avaliando a eficácia, conformidade, efeitos colaterais e satisfação do paciente nos permitiria tirar conclusões mais definitivas.
O presente estudo mostra que a transição de APAP para CPAP pode ser uma estratégia eficaz, bem tolerada, segura e econômica em pacientes com AOS. A implementação rotineira de um protocolo de orientação sistemático e uniforme, com critérios estabelecidos para a transição de APAP para CPAP, em Centros de Medicina do Sono, possibilitaria economias relevantes para os sistemas de saúde, mantendo a qualidade do tratamento PAP.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES AA: concepção e delineamento do estudo; materiais ou encaminhamento de pacientes; coleta/compilação de dados; análise e interpretação dos dados. ARG: coleta/compilação de dados; análise e interpretação dos dados. DM, IS e DF: concepção e delineamento do estudo; materiais ou encaminhamento de pacientes. RM, IF, RM e CN: materiais ou encaminhamento de pacientes. Todos os autores: redação e revisão do manuscrito.
FONTES DE FINANCIAMENTO Este estudo não recebeu nenhuma bolsa específica de agências de fomento nos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.
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