AO EDITOR,
Em julho de 2001, um grupo de pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento se reuniu no auditório da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com a intenção ousada de criar uma rede de pesquisa voltada para questões relacionadas à tuberculose (TB) por meio de uma abordagem sinérgica e compreensiva. Embora a ideia de lançar uma rede colaborativa fosse incomum na época, visto que os pesquisadores recrutados muitas vezes competiam entre si no passado devido ao escasso financiamento e promoção da ciência no Brasil, após 20 anos, essa decisão se destacou como fundamental para o desenvolvimento da pesquisa sobre TB no país.(1)
Em 2003, a Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (REDE-TB) tornou-se uma organização não governamental sem fins lucrativos envolvida não apenas em auxiliar no desenvolvimento de novos medicamentos, novas vacinas, novos testes diagnósticos e novas estratégias de controle da TB, mas também em validar tais inovações tecnológicas antes de sua comercialização no país ou incorporação ao Programa Nacional de Controle da Tuberculose.
Durante os últimos 20 anos, a REDE-TB tem contribuído para 1) o desenvolvimento/capacitação de profissionais da saúde, 2) melhorias na qualidade da pesquisa no Brasil, com a introdução da TB como tema prioritário nas políticas de saúde, agendas de saúde e financiamento da pesquisa e 3) o reconhecimento internacional das publicações da rede, seus esforços para reduzir a carga da doença por sincronismo e o estabelecimento de alianças essenciais entre pesquisadores, a sociedade civil organizada, gestores, profissionais da saúde e estudantes, entre outros atores-chave. Por causa dessa abordagem original, estratégica e bem-sucedida, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a rede como uma das conquistas mais relevantes e recomendou essa estratégia para outros países também afetados pela TB.(2)
Em relação à qualificação e treinamento de profissionais da saúde, uma das iniciativas de maior sucesso foi o desenvolvimento do Projeto ICOHRTA AIDS/TB, financiado pelo National Institutes of Health (NIH), EUA, um consórcio envolvendo três conceituadas Universidades norte-americanas (Johns Hopkins, Cornell e UC Berkeley) e as contrapartes brasileiras. O projeto foi executado entre 2002 e 2016 e treinou mais de 2.000 profissionais da saúde em TB para conduzir pesquisas em seus respectivos locais de trabalho.
Com relação à qualidade da pesquisa no Brasil, diversas publicações têm evidenciado o impacto da REDE-TB, seja no aumento do número e impacto das publicações ou no networking entre seus membros, potencializando colaborações nacionais e internacionais.(3,4) A rede tem ajudado a melhorar a competitividade de seus membros, resultando em projetos de financiamento colaborativo. Um exemplo é o grupo RePORT BRAZIL, um consórcio entre membros e não membros da REDE-TB financiado pelo NIH e pelo Ministério da Saúde, que foi fundamental para criar e consolidar esses grupos de pesquisa no Brasil e ajudar a alcançar a competitividade internacional.(5)
Além disso, é reconhecido que a produção científica da REDE-TB tem contribuído para impulsionar as publicações no Brasil. Em 2019, Migliori et al.(6) mostraram que o Brasil era o país com maior número de artigos sobre tuberculose, respondendo por 208 (52,7%) do total de 395 artigos da América Latina, e que os autores mais citados eram membros do o grupo REDE-TB. O reconhecimento internacional da rede também pode ser observado com sua participação no BRICS, onde atua na elaboração e operacionalização da rede de pesquisa em tuberculose nos países associados ao bloco BRICS. Ademais, a OMS incluiu a REDE-TB em um estudo de caso para a construção de uma estrutura de ação global para a pesquisa da TB em apoio ao terceiro pilar da estratégia da OMS para o fim da TB, que foi elaborada com a colaboração de seus membros.(2)
A REDE-TB é um exemplo de como o modelo de colaboração científica, muito mais do que aproximar pessoas, pode ser uma estratégia inteligente para a eliminação da TB e de outras doenças. No entanto, no Brasil, essa ainda é uma tarefa para poucos devido à falta de recursos ou financiamento inexpressivo. É essencial que os governos entendam que investir nessas redes colaborativas é a forma mais promissora de cumprir as metas de desenvolvimento sustentável da OMS.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
ELM, RAA e JRLS contribuíram na concepção, planejamento, interpretação e redação desta carta. Todos os autores aprovaram a versão final submetida.
REFERÊNCIAS
1. Kritski A, Dalcomo MP, Mello FCQ, Carvalho ACC, Silva DR, Oliveira MM, et al. The role of the Brazilian Tuberculosis Research Network in national and international efforts to eliminate tuberculosis. J Bras Pneumol. 2018 Apr;44(2):77-81. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000435.
2. World Health Organization. (2015). Geneva: World Health Organization. A global action framework for TB research in support of the third pillar of WHO’s end TB strategy. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/a-global-action-framework-for-tb-research-in-support-of-the-third-pillar-of-who-s-end-tb-strategy.
3. Silva DR, Rendon A, Alffenaar J, Chakaya JM, Sotgiu G, Esposito S, et al. Global TB Network: working together to eliminate tuberculosis. J Bras Pneumol. 2018 Set-Oct;44(5):347-349. https://doi.org/10.1590/S1806-37562018000000279.
4. Kritski A, Dalcolmo MP, Mello FCQ, Carvalho ACC, Silva DR, Oliveira MM, et al. The role of the Brazilian Tuberculosis Research Network in national and international efforts to eliminate tuberculosis. Jornal Brasileiro de Pneumologia [online]. 2018 Apr;44(2):77-81. https://doi.org/10.1590/S1806-37562017000000435.
5. Regional Prospective Observational Research in Tuberculosis (RePORT) – Brazil [Accessed 6 August 2021]. Disponível em: https://reportbrazil.org/.
6. Migliori GB, Centis R, D’Ambrosio L, Silva DR, Rendon A. International collaboration among medical societies is an effective way to boost Latin American production of articles on tuberculosis. Jornal Brasileiro de Pneumologia. 2019 Apr 25;45(2): e20180420. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20180420.