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Cartas ao Editor

Anos potenciais de vida perdidos devido à COVID-19 no estado do Espírito Santo e mortalidade proporcional por idade.

Potential years of life lost by COVID-19 in the state of Espírito Santo and proportional mortality by age.

Keila Cristina Mascarello1, Anne Caroline Barbosa Cerqueira Vieira1, Paula de Souza Silva Freitas2, Helaine Jacinta Salvador Mocelin2, Ethel Leonor Noia Maciel2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210489

AO EDITOR,
 
Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a COVID-19 uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) e categorizou a situação como uma pandemia grave,(1) o número cumulativo de óbitos em todo o mundo até 23 de novembro de 2021 chegou a 5.158.211.(1)
 
A mortalidade prematura é entendida como a expressão do valor social da morte. Quando a morte ocorre em uma fase em que a vida é potencialmente produtiva, ela atinge não apenas o indivíduo e o grupo em que está inserido, mas também a coletividade como um todo, uma vez que fica desprovida de seu potencial econômico e intelectual e do futuro que teria na sociedade.(2)
 
Anos potenciais de vida perdidos (APVP) é um indicador usado para estimar quanto tempo uma pessoa viveria se não tivesse morrido prematuramente. A medida de anos potenciais de vida perdidos enfatiza as causas específicas de morte que acometem faixas etárias mais jovens, resultando em uma ordenação diferente dessas causas.
 
A presente análise de dados utilizou as informações disponíveis no painel público da COVID-19 do estado do Espírito Santo(3) com a finalidade de calcular o número de APVP devido à COVID-19. Foram analisados todos os óbitos ocorridos no estado do Espírito Santo até 22 de julho de 2021 em pessoas menores de 79 anos de idade, totalizando 9.073 óbitos, considerando a expectativa média de vida de 79,1 anos para o estado do Espírito Santo em 2019.(4)
 
O valor absoluto de APVP em cada faixa etária foi calculado multiplicando-se o número de anos restantes de vida pelo número de óbitos na mesma faixa etária; o número de APVP total foi obtido pela soma dos APVP em cada faixa etária de acordo com a seguinte fórmula: APVP = Σ ai x di, onde: ai representa a diferença entre o limite de idade e o ponto médio de idade em cada faixa etária, assumindo uma distribuição uniforme de óbitos em cada grupo, e di é igual ao número de óbitos por COVID-19 na mesma faixa etária.
 
Para calcular o número médio de APVP por cada 1.000 habitantes, utilizou-se a razão obtida pela soma dos APVP por faixa etária dividida pelo número total de habitantes da mesma faixa etária multiplicado por 1.000.
 
O primeiro caso de COVID-19 registrado no estado do Espírito Santo foi em 5 de março de 2020. Mais de 530 mil casos e 11.786 óbitos foram confirmados até 22 de julho de 2021, denotando uma letalidade de 2,2%. Em relação à idade, mais de 60% dos óbitos ocorreram em indivíduos com 60 anos ou mais.
 
O número de APVP por faixa etária está apresentado na Tabela 1. Devido à natureza dessa estimativa, os óbitos em pessoas mais jovens resultaram em maior número de APVP em relação às faixas etárias mais avançadas. Os óbitos ocorridos na faixa etária de 0 a 4 anos apresentaram número de APVP igual a 77,1 anos; no entanto, como os óbitos por COVID-19 são infrequentes em faixas etárias mais jovens (0,15% dos óbitos até 79 anos), elas têm pouco impacto na estimativa global de APVP. O menor número de APVP por cada 1.000 habitantes foi observado na faixa etária de 5 a 9 anos, com perda de vida de 1,1 anos, enquanto o maior impacto no número de APVP foi observado na faixa de 60 a 69 anos, com uma perda de 121 anos de vida para cada 1.000 habitantes.

 
No geral, os 11.786 óbitos por COVID-19 no estado do Espírito Santo totalizaram 154.843,3 anos de vida perdidos, com uma média de 38,5 anos de vida perdidos para cada 1.000 habitantes e uma média de 17,06 APVP por indivíduo falecido.
 
Nossos resultados foram consistentes com aqueles encontrados em um estudo na Colômbia, que registrou 19.364 óbitos por COVID-19, totalizando 346.148 APVP até 30 de agosto de 2020. Em média, cada homem falecido perdeu 17,4 anos, enquanto cada mulher perdeu 18,7 anos.(6)
 
Enquanto isso, no Reino Unido, o número de APVP foi estimado em 14 para homens e 12 para mulheres. Tal discrepância no número de APVP para mulheres pode ser devido ao fato de que no Reino Unido a população afetada é mais velha, enquanto no Brasil a população geral é mais jovem e apresenta comorbidades e doenças crônicas, características mais semelhantes às da Colômbia e outros países de baixa e média renda.(6)
 
Os dados de APVP relacionados aos óbitos pela COVID-19, juntamente com outros indicadores, revelam uma diminuição da expectativa de vida e perdas em relação à população economicamente ativa. Além da redução das taxas de natalidade, tal cenário pode impor uma crise econômica que exigirá ampla assistência de órgãos internacionais aos países em desenvolvimento após a pandemia. Caso isso não ocorra, teremos que lidar com várias doenças, dada a determinação social do processo saúde-doença.(7)
 
Apesar do baixo impacto do número de APVP sobre o óbito de idosos, no cotidiano, muitas famílias brasileiras dependem inteiramente da renda previdenciária do idoso para sobreviver. Embora várias famílias tenham recebido ajuda financeira emergencial do governo, muitas delas perderam renda devido à redução das atividades informais de serviços, o que contribuiu para a diminuição da renda familiar.(8,9)
 
Considerando a taxa de natalidade, em vez do aumento esperado, a preocupação com a futura disseminação do novo coronavírus causou uma queda significativa nas taxas de natalidade em quase todo o mundo. Paralelamente, a taxa de mortalidade mundial aumentou significativamente, e a combinação de vários fatores fez de 2020/2021 um ano demograficamente atípico, que terá impactos econômicos e sociais intangíveis.(10)
 
Sabe-se que o óbito de grande número de pessoas durante uma pandemia traz graves consequências sociais, emocionais e econômicas para a população e, portanto, não deve ser subestimado. Portanto, medidas urgentes para conter a propagação da doença devem ser implementadas rapidamente, como a vacinação imediata da população, avaliações sobre a necessidade de vacinações de reforço e proteção social em grupos vulneráveis, evitando assim novos aumentos desse grande número de óbitos no futuro.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
KCM: delineamento e planejamento do estudo, análise de dados, redação do manuscrito e aprovação da versão final. PSSF, HJSM, ACBCV e ELNM: delineamento e planejamento do estudo, redação do manuscrito e aprovação da versão final.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            World Health Organization. WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard. [citado 2021 nov. 24]. Disponível em: https://covid19.who.int/.
2.            PEIXOTO HCG, SOUZA ML. O indicador anos potenciais de vida perdidos e a ordenação das causas de morte em Santa Catarina, 1995*. Inf. Epidemiol. Sus. 1999;8(1):17-25. https://doi.org/10.5123/S0104-16731999000100003.
3.            Painel Covid Espírito Santo [homepage on the Internet]. [citado 2021 jul. 22]. Disponível em: https://coronavirus.es.gov.br/painel-covid-19-es.
4.            Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [homepage on the Internet]. Tábua completa de mortalidade para o Brasil [citado 2021 jul. 25]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=73097.
5.            Rosselli D, Rincón G, Pantoja-Ruiz C. Covid-19 y años de vida potencial perdidos en Colombia. Acta Med Peru. 2020;37(3):402-3. https://doi.org/10.35663/amp.2020.373.1045.
6.            Hanlon P, Chadwick F, Shah A, Wood R, Minton J, McCartney G, et al. COVID-19 - exploring the implications of long-term condition type and extent of multimorbidity on years of life lost: a modelling study. Wellcome Open Res. 2021;5:75. https://doi.org/10.12688/ wellcomeopenres.15849.1.
7.            Castro-Silva CR, Ianni A, Forte E. Desigualdades e subjetividade: construção da práxis no contexto da pandemia de covid-19 em território vulnerável. Saúde Soc. São Paulo. 2021;30(2):1-9. https://doi.org/10.1590/S0104-12902021210029.
8.            Aquino EML, Silveira IH, Pescarini JM, Aquino R, Souza-Filho JA, Rocha AS et al. Medidas de distanciamento social no controle da pandemia de covid-19: potenciais impactos e desafios no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva. 2020; 25(Supl. 1): 2423-2446. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10502020.
9.            Souza JN. Covid-19 e capitalismo: uma visão. In: Castro D, Dal Seno D; Pochmann M (Org.). Capitalismo e a covid-19: um debate urgente. São Paulo; 2020. p. 11-18.
10.          Moaven L, Brown J. COVID-19 “Baby boom”. Med J Aust. 2021. https://doi.org/10.5694/mja2.51010.

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