AO EDITOR, O tromboembolismo pulmonar (TEP) é a terceira doença cardiovascular mais frequente, podendo ser letal na fase aguda ou determinar repercussões tardias significativas, como o tromboembolismo pulmonar crônico hipertensivo. Do ponto de vista clínico, a sintomatologia do TEP agudo é ampla, incluindo quadros assintomáticos, dispneia de repouso, dor torácica e episódios de síncope.(1) Dada a variabilidade de manifestações do quadro agudo, mesmo diante da suspeição clínica, diagnósticos alternativos podem ser obtidos após a realização da angiotomografia por tomógrafo de múltiplos detectores (angio-TC). A angio-TC é considerada o método de escolha para o diagnóstico por imagem de TEP, sendo apontada como um método seguro para exclusão de TEP em exames com qualidade técnica satisfatória, alcançando valor preditivo negativo de 95%.(1-3) Considerando as limitações do diagnóstico clínico de TEP e eventuais contraindicações à injeção do meio de contraste iodado, TCs do tórax não contrastadas são frequentemente realizadas para avaliação de pacientes com sintomas cardiopulmonares agudos não específicos, tornando a detecção de sinais indiretos de TEP crucial para suscitar a necessidade de exames complementares para confirmação do diagnóstico em tempo hábil.
O objetivo do presente estudo foi avaliar a frequência e características de trombos visualizados em TCs do tórax não contrastadas em pacientes portadores de TEP confirmado por angio-TC.
Foi realizado um estudo retrospectivo transversal e observacional das angiotomografias de tórax com protocolo para TEP realizadas entre janeiro de 2010 e dezembro de 2014 em um hospital de atenção terciária. Os exames foram realizados sendo executada uma fase não contrastada, parte do protocolo da instituição, seguida de uma fase contrastada, utilizando-se infusão endovenosa de contraste iodado não iônico de baixa osmolaridade. Inicialmente, dois examinadores (com 19 e 10 anos de experiência, respectivamente) avaliaram as angiotomografias de forma independente na procura de embolia pulmonar, sendo os exames com resultado positivo selecionados para análise. Posteriormente, outros dois examinadores (com 2 e 10 anos de experiência, respectivamente) tiveram acesso aos exames positivos para TEP selecionados, visando pesquisa de sinais de trombos na aquisição não contrastada. Nesta etapa, os leitores realizaram a avaliação da TC sem contraste de maneira cega em relação à localização dos trombos, buscando identificação dos mesmos na aquisição não contrastada. Foi avaliada ainda a presença de imagens compatíveis com infartos no parênquima pulmonar.
Um total de 993 angiotomografias consecutivas foram selecionadas, sendo encontrados estudos positivos para TEP em 164 pacientes (16,5%). Destes, foram excluídos 64 pacientes por motivos variados (protocolo inadequado ou perda de dados), restando 100 pacientes com angiotomografias positivas para TEP, constituindo a amostra desta avaliação. Dentre os 100 pacientes participantes, 72 eram do sexo feminino, e a idade média foi de 51,4 anos. Trombos em ramificações centrais (tronco da artéria pulmonar, artérias pulmonares principais ou ramos interlobares descendentes) foram caracterizados em 44 pacientes.
Em 17 pacientes (17%), foi possível detectar a presença de imagens compatíveis com trombos (TSC+) no estudo não contrastado; os pacientes restantes (TSC-) foram utilizados como grupo controle para fins de análise estatística. Em 13 pacientes (76,5%), os trombos se apresentaram hiperatenuantes, enquanto em 4 pacientes (23,5%), hipoatenuantes. Dentre estes, no estudo não contrastado, foram observados trombos exclusivamente centrais em 15 pacientes (88,2%); em 1 paciente (5,9%), foi possível observar trombos centrais e em ramo segmentar, e em 1 paciente (5,9%), houve observação isolada de trombo em ramificação segmentar. Em relação à localização dos trombos observados no estudo não contrastado, os vasos mais acometidos foram a artéria interlobar descendente direita (13 pacientes), seguido da artéria pulmonar principal homolateral (7 pacientes) e posteriormente do ramo interlobar descendente esquerdo (4 pacientes), destacando-se que, eventualmente, o mesmo paciente apresentava trombos passíveis de detecção em mais de um sítio. A mensuração da densidade foi possível em todos estes pacientes e, em média, os trombos que se apresentaram espontaneamente hiperatenuantes tiveram densidade de 71,1 UH (Mín 58 UH / Máx 87 UH), enquanto os trombos hipoatenuantes mostraram densidade média de 26,7 UH (Mín 11 UH / Máx 36 UH).
Na análise multivariada, comparando-se os grupos TSC+ e TSC-, houve associação significante entre a visualização espontânea de trombos no sistema arterial pulmonar e a presença de trombo central (OR: 30,81; IC: 3,80-249,69).
Notou-se que, dentre os pacientes do grupo TSC+, aproximadamente metade (47%) não apresentava imagens atribuíveis a infartos no parênquima pulmonar, destacando-se que, eventualmente, a percepção espontânea do trombo pode ser o único sinal indireto para suspeição de embolia pulmonar em uma tomografia do tórax sem contraste endovenoso.
O presente estudo incluiu a maior casuística de angio-TCs positivas para embolia pulmonar dentre aqueles com metodologia semelhante a que tivemos acesso. Foi possível identificar trombos na aquisição tomográfica não contrastada em 17% dos exames, em sua maioria de localização central. Houve associação estatisticamente significante entre a visualização de trombos no estudo não contrastado e a presença de trombos centrais, corroborando estudos prévios.(4-8) Embora estudos recentes mostrem que a presença de embolia central não representa fator de risco independente para aumento de mortalidade, a localização central tem sido relacionada à disfunção do ventrículo direito, recorrência de tromboembolismo venoso após retirada da anticoagulação e à evolução clínica desfavorável, ressaltando a importância do reconhecimento da condição.(9-10)
No grupo TSC+, foram percebidos trombos hiperatenuantes e hipoatenuantes em relação à densidade sanguínea regional. Comparando-se a frequência destes achados no estudo atual e no estudo de Cobelli et al.,(5) a frequência de trombos hiperatenuantes foi maior no presente estudo (76% vs. 47%), sendo semelhante à frequência de trombos hipoatenuantes (23% em ambos). A atenuação média dos trombos hiperatenuantes e hipoatenuantes foi bastante semelhante entre o estudo atual e o estudo de Cobelli et al.(5) (71,1 UH vs. 74,2 UH para trombos hiperatenuantes e 26,7 UH vs. 27,7 UH para trombos hipoatenuantes, respectivamente).
Nosso estudo apresentou algumas limitações. A variação interobservador na identificação dos trombos nos estudos não contrastados não foi realizada por fugir ao objeto do presente estudo. Dentre os exames excluídos por perda de dados, a maioria se tratava de estudos positivos para tromboembolismo segundo os relatórios, aspecto que, além de reduzir a amostragem, limitou a avaliação da acurácia da identificação de trombos na aquisição não contrastada para detecção de tromboembolismo pulmonar.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES PPTST, MFR, ADM, SHRS e EM: concepção e planejamento do trabalho; interpretação das evidências; redação e/ou revisão das versões preliminares e definitiva e aprovação da versão final.
Trabalho realizado no Departamento de Radiologia, RA Radiologia - Sabin Medicina Diagnóstica, Taguatinga (DF), Brasil e na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
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6. Torres PPTS, Mançano AD, Zanetti G, Hochhegger B, Aurione ACV, Rabahi MF et al. Multimodal Indirect Imaging Signs of Pulmonary Embolism. Br J Radiol 2020;93: 20190635. https://doi.org/10.1259/bjr.20190635.
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