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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Efeitos da técnica de breath stacking após cirurgia abdominal alta: ensaio clínico randomizado

Effects of the breath stacking technique after upper abdominal surgery: a randomized clinical trial

Débora da Luz Fernandes1, Natiele Camponogara Righi1, Léo José Rubin Neto2, Jéssica Michelon Bellé2, Caroline Montagner Pippi2, Carolina Zeni do Monte Ribas2, Lidiane de Fátima Ilha Nichele3, Luis Ulisses Signori4, Antônio Marcos Vargas da Silva4

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210280

ABSTRACT

Objective: To evaluate the effect of the association of the breath stacking (BS) technique associated with routine physiotherapy on pulmonary function, lung volumes, maximum respiratory pressures, vital signs, peripheral oxygenation, thoracoabdominal mobility, and pain in the surgical incision in patients submitted to upper abdominal surgery during the postoperative period, as well as to analyze BS safety. Methods: This was a randomized clinical trial involving 34 patients divided into a control group (CG; n = 16), who underwent conventional physiotherapy only, and the BS group (BSG; n = 18), who underwent conventional physiotherapy and BS. Both groups performed two daily sessions from postoperative day 2 until hospital discharge. The primary outcomes were FVC and Vt. The safety of BS was assessed by the incidence of gastrointestinal, hemodynamic, and respiratory repercussions. Results: Although FVC significantly increased at hospital discharge in both groups, the effect was greater on the BSG. Significant increases in FEV1, FEV1/FVC ratio, PEF, and FEF25-75% occurred only in the BSG. There were also significant increases in Ve and Vt in the BSG, but not when compared with the CG values at discharge. MIP and MEP significantly increased in both groups, with a greater effect on the BSG. There was a significant decrease in RR, as well as a significant increase in SpO2 only in the BSG. SpO2 acutely increased after BS; however, no changes were observed in the degree of dyspnea, vital signs, or signs of respiratory distress, and no gastrointestinal and hemodynamic repercussions were observed. Conclusions: BS has proven to be safe and effective for recovering pulmonary function; improving lung volumes, maximum respiratory pressures, and peripheral oxygenation; and reducing respiratory work during the postoperative period after upper abdominal surgery.

Keywords: Abdomen/surgery; Pulmonary ventilation; Physical therapy modalities. (ClinicalTrials.gov identifier: NCT 04418700 [http://www.clinicaltrials.gov/])

RESUMO

Objetivo: Avaliar o efeito da técnica de breath stacking (BS) associada à fisioterapia de rotina na função pulmonar, volumes pulmonares, pressões respiratórias máximas, sinais vitais, oxigenação periférica, mobilidade toracoabdominal e dor na incisão cirúrgica em pacientes no pós-operatório de cirurgia abdominal alta, bem como analisar a segurança do BS. Métodos: Trata-se de um ensaio clínico randomizado com 34 pacientes divididos em grupo controle (n = 16), que realizou apenas a fisioterapia convencional, e grupo BS (n = 18), que realizou a fisioterapia convencional e BS. Ambos os grupos realizaram duas sessões diárias desde o 2º dia do pós-operatório até a alta hospitalar. Os desfechos primários foram CVF e Vt. A segurança do BS foi avaliada pela incidência de repercussões gastrointestinais, hemodinâmicas e respiratórias. Resultados: Embora a CVF tenha aumentado significativamente no momento da alta hospitalar em ambos os grupos, o efeito foi maior no grupo BS. Aumentos significativos do VEF1, VEF1/CVF, PFE e FEF25-75% ocorreram apenas no grupo BS. Também houve aumentos significativos do Ve e do Vt no grupo BS, mas não em comparação com os valores do grupo controle no momento da alta. A PImáx e a PEmáx aumentaram significativamente em ambos os grupos, com efeito maior no grupo BS. Houve uma diminuição significativa da FR e um aumento significativo da SpO2 apenas no grupo BS. A SpO2 aumentou agudamente após o BS; entretanto, não foram observadas alterações no grau de dispneia, sinais vitais e sinais de desconforto respiratório, e não foram observadas repercussões gastrointestinais e hemodinâmicas. Conclusões: O BS mostrou-se seguro e eficaz na recuperação da função pulmonar; melhoria dos volumes pulmonares, pressões respiratórias máximas e oxigenação periférica; e redução do trabalho respiratório no pós-operatório de cirurgia abdominal alta.

Palavras-chave: Abdome/cirurgia; Ventilação pulmonar; Modalidades de fisioterapia. [Identificador no ClinicalTrials.gov: NCT 04418700 (http://www.clinicaltrials.gov/)]

INTRODUÇÃO
 
O número de cirurgias cresceu exponencialmente nos últimos anos e, dentre elas, destaca-se a cirurgia abdominal.(1) A cirurgia abdominal alta (CAA), frequentemente usada para o diagnóstico e tratamento de diversas doenças,(2) implica uma incisão nos quadrantes superiores da região abdominal.(3) Alguns aspectos da CAA, tais como a anestesia, a incisão, fatores relacionados ao ato cirúrgico e características individuais do paciente,(4,5) podem resultar em complicações como inibição reflexa do diafragma, dor, hipoventilação,(6) redução da força muscular respiratória e inibição da tosse.(4) O padrão respiratório pós-cirúrgico caracteriza-se predominantemente como restritivo, com diminuição do VT, da CV e da capacidade residual funcional.(6,7) Portanto, as complicações mais comuns após a CAA são atelectasias, hipoxemia, pneumonia,(8,9) infecção traqueobrônquica, insuficiência respiratória aguda, ventilação mecânica prolongada e/ou intubação, broncoespasmo,(4,9) tromboembolismo pulmonar, derrame pleural e insuficiência respiratória.(10) Essas complicações são causas diretas de aumento de morbidade, mortalidade, tempo de internação hospitalar e custos.(11)
 
Diversas técnicas ou dispositivos mecânicos têm sido utilizados para estimular o paciente a inspirar profundamente e promover a expansão pulmonar.(12-16) Em 1990, por meio da técnica desenvolvida por Marini et al.(17) para medir a CV, demonstrou-se que pacientes com diferentes diagnósticos eram capazes de gerar e manter volumes inspiratórios maiores do que aqueles alcançados por meio da espirometria de incentivo. Essa técnica, denominada breath stacking (BS, empilhamento de ar), consiste em inspirações sucessivas através de uma válvula unidirecional com o ramo expiratório obstruído. Esforços inspiratórios sucessivos com impedimento expiratório por meio de BS aumentam o volume torácico, promovendo a redistribuição do ar em áreas com diferentes constantes de tempo. A manutenção da inspiração máxima causa um aumento da pressão transpulmonar, recrutando alvéolos colapsados e contribuindo para o aumento da PaO2 e da expansão pulmonar.(17-19) A técnica de BS já foi aplicada em pacientes com doenças neuromusculares,(20-24) lesão pulmonar aguda,(25) obesidade,(13,26) no pós-operatório de cirurgia cardíaca(19) e abdominal,(27) em pacientes traqueostomizados(28) e em crianças,(20) com resultados promissores no que tange à função pulmonar e mecânica respiratória.
 
Até onde sabemos, este é o primeiro ensaio clínico randomizado realizado para avaliar a eficácia e segurança da técnica de BS em pacientes submetidos a CAA. Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar o efeito do uso da técnica de BS em conjunto com a fisioterapia de rotina na função pulmonar, volumes pulmonares, pressões respiratórias máximas, sinais vitais, oxigenação periférica, mobilidade toracoabdominal e dor na incisão cirúrgica durante a hospitalização após a CAA, bem como analisar a segurança da técnica de BS.
 
MÉTODOS
 
Trata-se de um ensaio clínico randomizado realizado na Unidade de Cirurgia Geral da Clínica Cirúrgica do Hospital Universitário de Santa Maria, em Santa Maria (RS). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
 
Os pacientes foram aleatoriamente divididos em grupo controle, que realizou fisioterapia de rotina na unidade, e grupo BS, tratado com fisioterapia de rotina e BS. A alocação em grupos ocorreu após o término da primeira avaliação por um pesquisador independente, usando a randomização no site random.org na proporção de 1:1. Os avaliadores desconheciam o tipo de intervenção.
 
O tamanho da amostra foi estimado após os resultados da CVF (em % dos valores previstos) dos 8 primeiros pacientes de cada grupo no momento da alta hospitalar, com poder de 80% e erro alfa de 5%. Como a diferença entre o grupo controle e o grupo BS quanto à CVF foi de 10,6% (60,9 ± 11,1% vs. 71,5 ± 9,7%), a amostra deveria ter pelo menos 16 pacientes em cada grupo. Os pacientes usados para o cálculo amostral também foram incluídos na análise estatística final. O poder do tamanho da amostra foi de 89,2%.
 
Foram incluídos pacientes com idade entre 18 e 65 anos submetidos a CAA com incisão no quadrante superior da região abdominal. Foram excluídos os pacientes com intolerância ao uso da máscara de BS, DPOC, asma, doença de Crohn e trauma hepático grave com repercussões hemodinâmicas, bem como aqueles que foram submetidos a esofagectomia, que apresentaram sepse com complicações hemodinâmicas no pós-operatório, que necessitaram de reintervenção cirúrgica, que foram admitidos na UTI, que necessitaram de ventilação mecânica após a alta da sala de recuperação ou que apresentavam um distúrbio cognitivo que impossibilitasse a realização de avaliações ou intervenções.
 
Os prontuários médicos foram analisados a fim de preencher a lista de verificação com os critérios de inclusão e exclusão e registrar os resultados dos exames laboratoriais e as características antropométricas, clínicas e cirúrgicas. As avaliações ocorreram no segundo dia do pós-operatório (entre 24 e 48 h após a cirurgia) e no momento da alta hospitalar. Os desfechos primários foram CVF e VT. Os desfechos secundários foram pressão arterial (PA) sistêmica, FC, FR, SpO2, mobilidade toracoabdominal, limiar de percepção da dor, VE, VEF1, relação VEF1/CVF, PFE, FEF25-75%, PImáx e PEmáx.
 
A PA sistêmica e a FC foram medidas por meio de um estetoscópio (Littmann; 3M, Maplewood, MN, EUA) e um esfigmomanômetro (Premium; Beijing Choice Electronic Technology, Pequim, China). A SpO2 foi avaliada por meio de um oxímetro de pulso portátil (G-Tech; Beijing Choice Electronic Technology). A FR foi medida pelos movimentos da caixa torácica durante os ciclos respiratórios em um minuto. A mobilidade toracoabdominal foi avaliada por meio de uma fita antropométrica posicionada em três marcos anatômicos: prega axilar, apêndice xifoide e linha umbilical. Em cada marco, foram realizadas três medidas, com um minuto de intervalo entre um marco e outro. Foi selecionado o maior valor medido em cada marco.(29) Para avaliar o limiar de percepção da dor na incisão cirúrgica, foi usado um algômetro digital de pressão (modelo FPX 50/220; Wagner Instruments, Greenwich, CT, EUA), que determina o limiar de dor à pressão. O avaliador exerceu pressão sobre a pele com uma ponta de borracha de 1 cm de diâmetro em um ângulo de 90°, a uma distância de 2-3 cm da incisão em três níveis (superior, médio e inferior). Em seguida, foi calculada a média dos três valores relatados pelo paciente como desconforto doloroso.(30) Além disso, foi usada uma escala visual analógica para avaliar a percepção da dor.
 
As medidas de VT e VE foram obtidas por meio de um espirômetro (Wright; British Oxygen Company, Londres, Inglaterra). As variáveis espirométricas (CVF, VEF1, relação VEF1/CVF, PFE e FEF25-75%) foram obtidas por meio de um espirômetro portátil (Spirobank II; Medical International Research, Roma, Itália), em conformidade com diretrizes internacionais(31) e expressas em % dos valores previstos em conformidade com Pereira et al.(32) A força muscular respiratória (PImáx e PEmáx) foi avaliada por meio de um manômetro digital (MVD300; GlobalMed, Porto Alegre, Brasil), e os resultados foram expressos em % dos valores previstos com base na equação de Pessoa et al.(33)
 
Para analisar a segurança da técnica de BS, foram avaliadas as seguintes variáveis antes e depois da primeira sessão: grau de dispneia (escala modificada de Borg),(34) SpO2, FR, FC, PA, sinais de desconforto respiratório (taquipneia, sudorese, cianose, confusão mental e uso de músculos acessórios) e sintomas gastrointestinais (náusea, vômito e dor abdominal).
 
Os pacientes do grupo controle receberam assistência fisioterapêutica de rotina, em duas sessões diárias, com o uso de técnicas de higiene brônquica, re-expansão pulmonar, mobilização geral, deambulação e orientações a respeito de cuidados pós-alta. Além da fisioterapia de rotina, o grupo BS foi tratado com a técnica de BS, sendo a primeira intervenção realizada entre 24 e 48 h após a cirurgia em duas sessões diárias até a alta hospitalar. A técnica de BS foi aplicada por meio de uma máscara facial de silicone acoplada a uma válvula unidirecional que permitia apenas a inspiração (o ramo expiratório estava obstruído).(18) Os pacientes realizaram a manobra por meio de esforços inspiratórios sucessivos durante 20 s. Em seguida, o ramo expiratório foi desobstruído para permitir a expiração. Essa manobra foi repetida cinco vezes em cada série, com 30 s de intervalo entre uma e outra, em três séries(19) (com 2 min de intervalo entre as séries).(35) A técnica foi realizada com a parte superior do corpo inclinada a 30° em relação ao plano horizontal. O tempo total de terapia foi de até 20 min. Durante as intervenções, houve monitoramento contínuo por meio de oximetria de pulso para mensuração da SpO2 e FC.
 
A análise estatística foi realizada por meio do programa GraphPad Prism 5 (GraphPad Software Inc., San Diego, CA, EUA). A distribuição dos dados foi avaliada por meio do teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. O teste exato de Fisher foi usado para as variáveis categóricas. Para as variáveis contínuas, as comparações entre os grupos na linha de base foram realizadas por meio do teste t de Student não pareado ou do teste de Mann-Whitney. As comparações quanto à segurança da técnica de BS foram analisadas por meio do teste t de Student pareado. As variáveis com mais de duas medidas foram comparadas por meio de ANOVA de duas vias para medidas repetidas, seguida de teste post hoc de Bonferroni. Os dados são apresentados em forma de média ± dp, e as diferenças entre os grupos foram expressas em Δ e seus respectivos IC95%. O nível de 5% foi considerado significativo (p < 0,05).
 
RESULTADOS
 
Entre junho de 2020 e março de 2021, foram avaliados 47 pacientes potencialmente elegíveis, dos quais 36 preencheram os critérios e foram randomizados. No entanto, 2 pacientes retiraram o consentimento (1 de cada grupo) durante o estudo. Portanto, a amostra foi composta por 34 pacientes. A Figura 1 apresenta o fluxograma do processo de seleção de pacientes.


 
Os grupos foram semelhantes quanto às características antropométricas, clínicas e cirúrgicas, bem como quanto ao tempo de protocolo e aos resultados dos exames laboratoriais (Tabela 1). As cirurgias mais extensas foram laparotomia exploradora, em 11 pacientes (32,5%); hepatectomia parcial, em 6 (17,6%); esplenectomia, em 4 (11,8%); e colecistectomia aberta, em 3 (8,8%), com semelhança entre os grupos. Os grupos também foram semelhantes quanto ao número de cirurgias eletivas e de emergência. Os principais diagnósticos clínicos foram abdome agudo perfurativo por trauma, em 6 pacientes (17,7%); neoplasia hepática, em 6 (17,7%); neoplasia retal, em 4 (11,8%); neoplasia pancreática, em 3 (8,8%); e câncer de estômago, em 2 (5,9%).
 

 
Houve um aumento da CVF em ambos os grupos, mais pronunciado no grupo BS. Além disso, VEF1, VEF1/CVF, PFE, FEF25-75%, VT, e VE aumentaram significativamente no grupo BS, porém não no grupo controle (Tabela 2). Ambos os grupos apresentaram um aumento significativo da PImáx e PEmáx no momento da alta hospitalar, embora o efeito tenha sido maior no grupo BS.


 
Houve uma diminuição significativa da FR e da temperatura corporal e um aumento significativo da SpO2 no grupo BS no momento da alta hospitalar, porém não no grupo controle. Não houve alterações em outros sinais vitais em nenhum dos dois grupos (Tabela 3).


 
A mobilidade toracoabdominal e a percepção da dor avaliada por algometria foram semelhantes em ambos os grupos. Houve uma diminuição significativa da percepção da dor pela escala visual analógica em ambos os grupos, mas não houve diferença significativa entre os grupos (Tabela 4).


 
Os achados referentes à segurança da técnica de BS são apresentados na Tabela 5. Houve um aumento da SpO2 como resposta aguda ao BS; entretanto, não houve alterações nem no grau de dispneia nem nos sinais vitais. Não houve alterações significativas nem nos sinais de desconforto respiratório nem nos sintomas gastrointestinais. Com base nos relatos, apenas 1 paciente (2,9%) apresentou dor abdominal leve antes do BS, que cessou logo após sua realização, e 2 permaneceram com náusea (5,8%). Durante o estudo, não houve necessidade de interrupção do protocolo, e não foram observados eventos adversos relacionados aos dados coletados.


 
DISCUSSÃO
 
Os principais achados deste ensaio clínico mostraram que o uso de BS com fisioterapia de rotina após a CAA favoreceu a recuperação da função pulmonar, melhorou as pressões respiratórias máximas e a oxigenação e reduziu a FR no momento da alta hospitalar.
 
Nossos resultados mostraram uma recuperação significativa da CVF em ambos os grupos, mas o efeito foi mais significativo no grupo BS. Em comparação com o grupo controle, o grupo BS apresentou respostas significativamente favoráveis no VEF1, VEF1/CVF, PFE e FEF25-75%. Como sugeriram Baker et al.,(18) o BS permite a mobilização de volumes pulmonares maiores, provavelmente em virtude do aumento da complacência pulmonar e da diminuição da resistência do sistema respiratório, resultando no recrutamento de alvéolos colapsados e re-expansão de áreas de atelectasia. Inspirações sucessivas aumentam progressivamente o volume pulmonar até que os volumes inspiratórios máximos sejam atingidos involuntariamente, ativando maior expansão pulmonar, da capacidade residual funcional para a capacidade pulmonar plena.(13) Nesse contexto, a recuperação da CVF parece estar relacionada ao aumento do volume de ar mobilizado. A melhoria do VEF1 e da relação VEF1/CVF em resposta ao BS também sugere que a técnica é capaz de mobilizar volumes pulmonares maiores.(22)
 
Como se demonstrou em um estudo anterior,(23) a geração de fluxos expiratórios mais elevados parece estar relacionada ao momento de insuflação máxima alcançada pela técnica de BS, o que pode explicar o aumento do PFE e do FEF25-75% após a técnica. Uma vez que se alcança isso, o volume de ar comprimido é liberado sob a força dos músculos expiratórios, melhorando assim a fase explosiva da tosse com a retração dos pulmões, distensão da parede torácica e alongamento dos músculos expiratórios,(23) isto é, quanto maior for o volume inspirado, maior será a pressão de recolhimento elástico e o PFE.(28) Por isso, fica evidente em nosso estudo o impacto positivo da manobra na evolução do PFE e do FEF25-75%.
 
Outras investigações demonstraram os efeitos favoráveis do BS na CVF e no pico de fluxo da tosse em pacientes com esclerose lateral amiotrófica(21) e no declínio da função pulmonar naqueles com distrofia muscular de Duchenne.(22) Um estudo(19) com pacientes submetidos a cirurgia cardíaca mostrou que o BS promoveu volumes inspiratórios maiores entre o 1º e o 5º dia do pós-operatório em comparação com a espirometria-padrão e a espirometria de incentivo, mas teve efeito semelhante na CVF durante o mesmo período. Dias et al.,(27) em um ensaio clínico cruzado, relataram o efeito agudo do BS na geração e manutenção de volumes inspiratórios, que se mostrou superior à espirometria de incentivo no 1º dia do pós-operatório de CAA.
 
Nossos resultados também mostraram uma tendência de aumento do VT e do VE no grupo BS. Sabendo que o VE resulta do produto entre VT e FR, podemos sugerir que o aumento do VE após a técnica de BS ocorre em virtude da elevação do VT, já que a FR não aumentou. O aumento do VT pode resultar do aumento do gradiente de pressão transpulmonar, que permite a re-expansão de alvéolos colapsados, melhorando a ventilação pulmonar. (36) Esse achado também parece estar relacionado à oclusão do ramo expiratório na máscara, que evoca mecanismos compensatórios para a manutenção do VT, estimulando progressivamente o centro respiratório a acumular volumes pulmonares e favorecendo a ventilação colateral.(17) Outro estudo já havia aventado a hipótese de que os volumes pulmonares induzidos pela técnica de BS são maiores que os induzidos pela espirometria de incentivo, pois a válvula unidirecional permite que os músculos inspiratórios relaxem, sem perder a expansão pulmonar.(35) Além disso, já se sugeriu que a respiração cumulativa permite o apoio da pressão intrapulmonar, a redistribuição do volume por forças interdependentes e a abertura de áreas hipoventiladas por meio de ventilação colateral nas bases pulmonares e regiões periféricas, mais predispostas a complicações no pós-operatório.(35)
 
Observamos melhoria da PImáx e da PEmáx após o BS, ambas as quais são indicadores de força muscular respiratória.(33) Esse achado pode ser explicado, pelo menos em parte, pelo tempo inspiratório prolongado (hiperinsuflação) somado às pausas entre os esforços inspiratórios durante as manobras de BS, que permitem o relaxamento fásico dos músculos inspiratórios, principalmente do diafragma, reduzindo a carga sobre esse músculo e otimizando seu desempenho.(18) É plausível sugerir que o BS pode ser benéfico para os músculos respiratórios após a CAA. No entanto, seus efeitos na força muscular como desfecho primário devem ser testados em investigações futuras.
 
A redução da FR em resposta ao protocolo de BS pode ser explicada pela diminuição das necessidades energéticas desencadeada pelo aumento do volume pulmonar e da complacência torácica e pulmonar, bem como pelo recrutamento alveolar.(26) Portanto, sugere-se que a diminuição da FR reflete-se na redução do trabalho respiratório, em menor gasto energético muscular ventilatório e, consequentemente, em maior conforto para o paciente no momento da alta hospitalar. Somente o grupo BS apresentou resultados significativamente superiores quanto à SpO2 no momento da alta hospitalar. Segundo um grupo de autores,(37) a inspiração máxima gerada pela aplicação da máscara provoca um aumento da pressão transpulmonar e mantém a pressão alveolar, contribuindo para o aumento da PaO2. Assim, é provável que a melhoria da SpO2 reflita o efeito da máscara na PaO2, mas essa variável não foi avaliada em nosso estudo.
 
Não houve alteração significativa da mobilidade toracoabdominal no momento da alta hospitalar em nenhum dos dois grupos. Sugere-se que essa pequena variação observada na cirtometria ocorra em virtude do próprio procedimento cirúrgico, pois a disfunção diafragmática, a dor, a incisão cirúrgica, o efeito da anestesia e o medo do paciente de respirar fundo são fatores que contribuem para sua limitação.(38,39) A redução da dor relacionada à incisão cirúrgica em ambos os grupos é um achado esperado, especialmente em virtude do curso normal do pós-operatório.(6) Além disso, todos os pacientes receberam analgésicos regularmente, conforme prescrição médica. Assim, observamos que o BS, apesar de recrutar volumes e capacidades pulmonares maiores, não induziu maior dor no local da incisão, o que aponta para aspectos favoráveis relacionados à segurança e conforto da técnica. O BS mostrou-se seguro desde a primeira intervenção, pois não induziu alterações da percepção de esforço, FR, FC ou PA, e não provocou maiores sintomas respiratórios ou gastrointestinais. A melhoria da SpO2 logo após o uso da técnica de BS aponta de forma contundente para sua eficácia.
 
Uma das limitações do estudo é o curto tempo de permanência em nosso hospital após a CAA, com consequente redução do número de sessões de BS, o que restringe nossos resultados a uma intervenção de curto prazo. Um aumento do tamanho da amostra pode ajudar a reduzir os IC95% em estudos futuros. Qualquer demanda específica de um paciente poderia interferir na fisioterapia de rotina ou no BS, mas isso não aconteceu em nosso estudo. Os efeitos continuados da técnica de BS, avaliados após a alta hospitalar, podem ser considerados em investigações futuras. A aplicabilidade clínica e validade externa deste estudo podem ser consideradas, já que o protocolo de BS foi descrito minuciosamente, é de fácil aplicação, tem baixo custo e pode ser usado de forma segura e eficaz em pacientes hospitalizados submetidos a CAA, bem como em pacientes submetidos a outros tipos de cirurgia abdominal.
 
Até onde sabemos, o presente estudo é o primeiro ensaio clínico randomizado a investigar a eficácia e segurança da técnica de BS em pacientes submetidos a CAA. O BS mostrou-se uma alternativa segura, aliado à fisioterapia de rotina, para a recuperação da função pulmonar, melhorando os volumes pulmonares, as pressões respiratórias máximas e a oxigenação periférica, além de reduzir o trabalho respiratório de pacientes no pós-operatório de CAA.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
DLF, LUS e AMVS: concepção e planejamento do estudo; interpretação das evidências; redação e revisão das versões preliminares e da versão final do manuscrito; aprovação da versão final. NCR: concepção e planejamento do estudo; interpretação das evidências; aprovação da versão final. LJRN, JMB, CMP, CZMR e LFIN: concepção e planejamento do estudo; aprovação da versão final.
 
CONFLITO DE INTERESSES
 
Nenhum conflito declarado.
 
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