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Cartas ao Editor

Tuberculose no Brasil: o impacto da pandemia de COVID-19

Tuberculosis in Brazil: the impact of the COVID-19 pandemic

Célia Márcia Fernandes Maia1, Daniella R. Barbosa Martelli2, Denise Maria Mendes L. da Silveira2, Eduardo Araújo Oliveira3,4, Hercílio Martelli Júnior1,2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220082

AO EDITOR,
 
A disseminação da Síndrome Respiratória Aguda Grave - Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) continua a progredir, causando danos em vários países do mundo devido a sua rápida transmissibilidade e taxas de mortalidade significativas,(1,2) apesar das medidas governamentais para conter sua transmissão, como o controle de movimento, o fechamento de escolas, a proibição de viagens e aglomerações públicas, o uso obrigatório de máscaras e a higienização das mãos.(1,2,3,4,5,6) A doença do coronavírus (COVID-19) apresenta manifestações clínicas semelhantes às encontradas em outras infecções também transmitidas pelas vias aéreas, como a tuberculose pulmonar (TB).(1,2,3,4,5,6) Embora a TB seja um problema de saúde global, é uma doença curável, com tratamento e prevenção acessíveis. No entanto, continua sendo uma das principais causas de morte por um único agente infeccioso em todo o mundo, situação esta ameaçada pela COVID-19.(1,2,3,4,5,6,7)
 
A eliminação da COVID-19 tem sido priorizada em relação a outras doenças que podem ser tratadas pela saúde pública.(7,8) Durante a pandemia da COVID-19, observou-se um grande impacto na prestação de serviços de saúde da TB em vários países, por meio de medidas de remanejamento de profissionais e orçamentos, e a interrupção de serviços.(3,4,5,6,7,8). No entanto, não sabemos a verdadeira extensão desse dano; espera-se um aumento no número de casos de TB não diagnosticados em todo o mundo, o que pode evidenciar maus resultados do tratamento.(3,4,5,6,7,8) A apresentação simultânea de TB e COVID-19 é motivo de preocupação, pois o paciente pode estar em maior risco de desfechos ruins e morte do que pacientes com somente COVID-19.(7,8)
 
No Brasil, a TB é um problema de saúde pública e de notificação compulsória, e a situação atual apresenta um alto ônus de co-infecção com TB e TB-HIV.(9,10) O objetivo do presente estudo foi comparar os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre o número de casos de TB pulmonar notificados nas 5 regiões geográficas brasileiras (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) de 2017 a 2019 com os mesmos períodos de 2020, este último representando o período da pandemia, para verificar o real impacto da pandemia no número de casos de TB no Brasil.
 
Os dados analisados foram extraídos do banco de dados público brasileiro - Ministério da Saúde (MS) - Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB) https://sisab.saude.gov.br/ - do SUS, que contém o número médio de consultas de TB pulmonar no território brasileiro. Esses dados foram provenientes de consultas em serviços públicos de atenção primária à saúde, realizadas por médicos e enfermeiros, cuja doença dos pacientes foi classificada sugestivamente como TB pulmonar (casos confirmados e não confirmados laboratorialmente). Os dados do MS - SUS dos últimos 12 meses estão sujeitos a alterações e atualizações.
 
As diferenças no número médio de consultas de TB pulmonar informadas pelo sistema público de saúde brasileiro em todas as regiões geográficas em 2017, 2018 e 2019 em relação ao mesmo período de 2020 estão apresentadas na Figura 1. Nesta análise descritiva dos dados por região, houve um aumento significativo no percentual de consultas de TB pulmonar em todas as regiões brasileiras durante a pandemia de COVID-19. Tal aumento variou de 27.492 (156,0%) consultas, em média, na região Sudeste, para 1.523 (25,0%) consultas, em média, na região Sul. Considerando todas as regiões brasileiras, a média total de consultas passou de 48.688 no período de 2017 a 2019 para 108.269 em 2020, o que representa um aumento de 122,4% na média de consultas de TB durante o período da pandemia.

 
Dada a relevância da TB, tornou-se necessário incluir os dados extraídos do banco de dados público brasileiro - MS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação - SINAN (http://portalsinan.saude.gov.br/tuberculosis) neste estudo, em que o foi obtida a média anual de casos confirmados de TB pulmonar notificados em território nacional. A Figura 1 mostra a diferença na média anual de casos confirmados de TB pulmonar notificados pelo sistema público de saúde brasileiro em todas as regiões geográficas em 2017, 2018 e 2019 em relação ao mesmo período de 2020, que representou o período da pandemia.
 
Por ser uma doença sazonal, houve uma redução nos casos confirmados notificados de TB pulmonar em todas as regiões brasileiras, exceto o Norte, durante o período da pandemia. As regiões Sudeste (-8,2%), Sul (-8,9%) e Nordeste (-10,9%) apresentaram uma queda percentual acima da média nacional (-7,9%). Durante o período da pandemia, o número médio de casos notificados de TB diminuiu em 6.501 casos em relação ao período de 2017 a 2019. Esses dados revelam o impacto da pandemia no número de casos de TB pulmonar no Brasil. Portanto, existe a preocupação de que a pandemia de COVID-19 dificulte as metas de eliminação da TB em todas as regiões brasileiras.(9,10)
 
Em 2020, foram confirmados 88.678 casos de TB no Brasil, e 4.500 pessoas morreram em decorrência da doença em 2019.(10) De acordo com as análises realizadas, o Brasil vivenciou diferentes níveis de interrupção do sistema de saúde, o que resultou em uma redução no total de notificações de TB pulmonar no país (Figura 1) devido às medidas adotadas para conter a disseminação do SARS-CoV-2.(10) No período da pandemia, os serviços essenciais para TB foram restringidos devido à diminuição de recursos e insumos, priorizando a mitigação da COVID-19.(3,5,6) Os dados apresentados pelo MS revelaram um incremento no número de abandonos de tratamento e um aumento no número de óbitos por TB.(10)
 
No geral, esses achados são semelhantes aos relatados em outros países.(3,4,7,8) Acredita-se que as medidas adotadas para o cuidado da COVID-19 influenciam as metas estabelecidas pela OMS para reduzir o ônus global de TB.(3)
 
O aumento do número de consultas e a redução de casos confirmados de TB notificados no período da pandemia aqui evidenciados são extremamente preocupantes. O Brasil, com seu alto ônus devido à TB, precisa garantir a continuidade dos serviços no controle do Mycobacterium tuberculosis durante a pandemia de COVID-19 para atingir suas metas de eliminação da TB.
 
REFERÊNCIAS
 
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4.            Ortiz-Martínez Y, Rodríguez-Morales AJ, Henao-Martínez AF. Decreased notification of TB cases during the COVID-19 pandemic. Int J Tuberc Lung Dis. 2022 Feb 1;26(2):177-178. https://doi.org/10.5588/ijtld.21.0651.
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6.            Tadolini M, Codecasa LR, García-García J-M, Blanc F-X, Borisov S, Alffenaar J-W et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J 2020;56(1):2001398. https://doi.org/10.1183/13993003.01398-2020.
7.            Fei H, Yinyin X, Hui C, Ni W, Xin D, Wei C et al. The impact of the COVID-19 epidemic on tuberculosis control in China. Lancet Reg Health West Pac. 2020 Oct;3:100032. https://doi.org/10.1016/j.lanwpc.2020.100032. Epub 2020 Sep 24.
8.            Arentz M, Ma J, Zheng P, Vos T, Murray CJL, Kyu HH. The impact of the COVID-19 pandemic and associated suppression measures on the burden of tuberculosis in India. BMC Infect Dis. 2022 Jan 27;22(1):92. https://doi.org/10.1186/s12879-022-07078-y.
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10.          Brazil. Ministry of Health. Department of Chronic Diseases and Sexually Transmitted Infections. General Coordination of Surveillance of Chronic Conditions Respiratory Transmission Diseases. Tuberculosis Epidemiological Bulletin. Mar. 2021. Available from: www.aids.gov.br › pt-br › pub (10/05/2021).

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