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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Prevalência do fenótipo eosinofílico em pacientes com asma grave no Brasil: o estudo BRAEOS

Prevalence of the eosinophilic phenotype among severe asthma patients in Brazil: the BRAEOS study

Rodrigo Athanazio1, Rafael Stelmach1, Martti Antila2, Adelmir Souza-Machado3, L. Karla Arruda4a, Alcindo Cerci Neto5, Faradiba Sarquis Serpa6, Daniela Cavalet Blanco7, Marina Lima8, Pedro Bianchi Júnior9, Márcio Penha10, Marcelo Fouad Rabahi11

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210367

ABSTRACT

Objective: To assess the prevalence of the eosinophilic and allergic phenotypes of severe asthma in Brazil, as well as to investigate the clinical characteristics of severe asthma patients in the country. Methods: This was a cross-sectional study of adult patients diagnosed with severe asthma and managed at specialized centers in Brazil. The study was conducted in 2019. Results: A total of 385 patients were included in the study. Of those, 154 had a blood eosinophil count > 300 cells/mm3 and 231 had a blood eosinophil count of = 300 cells/mm3. The median age was 54.0 years, and most of the patients were female, with a BMI of 29.0 kg/m2 and a history of allergy (81.6%). The prevalence of patients with a blood eosinophil count > 300 cells/mm3 was 40.0% (95% CI: 35.1-44.9), and that of those with a blood eosinophil count > 300 cells/mm3 and a history of allergy was 31.9% (95% CI: 27.3-36.6). Age and BMI showed positive associations with a blood eosinophil count > 300 cells/mm3 (OR = 0.97, p < 0.0001; and OR = 0.96, p = 0.0233, respectively), whereas the time elapsed since the onset of asthma symptoms showed an increased association with a blood eosinophil count > 300 cells/mm3 (OR = 1.02, p = 0.0011). Conclusions: This study allowed us to characterize the population of severe asthma patients in Brazil, showing the prevalence of the eosinophilic phenotype (in 40% of the sample). Our results reveal the relevance of the eosinophilic phenotype of severe asthma at a national level, contributing to increased effectiveness in managing the disease and implementing public health strategies.

Keywords: Asthma; Epidemiology; Eosinophils; Phenotype; Allergy and immunology.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a prevalência dos fenótipos eosinofílico e alérgico da asma grave no Brasil e investigar as características clínicas dos pacientes com asma grave no país. Métodos: Estudo transversal com pacientes adultos com diagnóstico de asma grave atendidos em centros especializados no Brasil. O estudo foi realizado em 2019. Resultados: Foram incluídos no estudo 385 pacientes. Destes, 154 apresentavam contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3 e 231 apresentavam contagem de eosinófilos no sangue ≤ 300 células/mm3. A mediana da idade foi de 54,0 anos, e a maioria dos pacientes era do sexo feminino, com IMC de 29,0 kg/m2 e história de alergia (81,6%). A prevalência de pacientes com contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3 foi de 40,0% (IC95%: 35,1-44,9), e a daqueles com contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3 e história de alergia foi de 31,9% (IC95%: 27,3-36,6). A idade e o IMC apresentaram associações positivas com contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3 (OR = 0,97, p < 0,0001 e OR = 0,96, p = 0,0233, respectivamente), ao passo que o tempo decorrido desde o início dos sintomas de asma apresentou associação aumentada com contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3 (OR = 1,02, p = 0,0011). Conclusões: Este estudo possibilitou a caracterização da população de pacientes com asma grave no Brasil, mostrando a prevalência do fenótipo eosinofílico (em 40% da amostra). Nossos resultados revelam a relevância do fenótipo eosinofílico da asma grave em nível nacional, contribuindo para aumentar a eficácia no manejo da doença e na implantação de estratégias de saúde pública.

Palavras-chave: Asma; Epidemiologia; Eosinófilos; Fenótipo; Alergia e imunologia.

INTRODUÇÃO
 
A asma é uma doença heterogênea complexa que afeta mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo.(1) No Brasil, estima-se que a prevalência de asma em adultos seja de 4,4%, sendo que a asma grave corresponde a 3,7% de todos os casos.(2-4)
 
A asma grave onera o sistema de saúde, com várias necessidades não atendidas. De acordo com a GINA, a asma grave é aquela que permanece não controlada mesmo com a adesão à terapia otimizada máxima e o tratamento dos fatores contribuintes, ou que piora quando se reduz o tratamento com altas doses.(5)
 
Em virtude da variedade de características inflamatórias, clínicas e funcionais da asma grave, a doença pode ter vários fenótipos.(6) Um alto nível de eosinófilos (no soro ou no escarro induzido) caracteriza um fenótipo inflamatório específico associado a um mau controle dos sintomas e a um maior número de exacerbações.(7) Embora vários imunobiológicos direcio-nados à via inflamatória T2 usem diferentes pontos de corte de eosinófilos no sangue, ainda não há consenso a respeito dos pontos de corte para a asma grave: 150 células/mm3, 300 células/mm3 ou 400 células/mm3.(8,9) Estabeleceu-se uma relação entre contagens de eosinó-filos no sangue periférico de até 400 células/mm3 e um maior número de exacerbações da asma. (8) Não obstante, pacientes com asma de início tardio e contagem de eosinófilos no sangue ≥ 300 células/mm3 apresentam um fenótipo distinto de asma grave, com exacerbações frequentes e prognóstico ruim. Estudos sobre terapias antieosinofílicas sugerem que pacien-tes com contagem de eosinófilos no sangue ≥ 300 células/mm3 se beneficiam do tratamento direcionado.(9,10) Sabe-se que a contagem de eosinófilos > 150 células/mm3 pode ser carac-terizada como sendo um fenótipo específico de doença mais grave.(8) No entanto, quanto maior o ponto de corte, maiores as diferenças clínicas entre os fenótipos e maiores os benefí-cios clínicos das terapias direcionadas à via inflamatória T2.(8,9)
 
Embora a inflamação eosinofílica das vias aéreas esteja classicamente associada à asma a-lérgica, há evidências de que a eosinofilia esteja presente em pacientes com asma grave sem história de “atopia”. (11-14) Pacientes com asma grave e altos níveis de eosinófilos geralmente apresentam níveis maiores de ansiedade e depressão, além de menor qualidade de vida (QV),(15) consumindo mais recursos de saúde.
 
É de extrema importância compreender melhor a distribuição epidemiológica dos fenótipos eosinofílicos em pacientes com asma grave para otimizar o manejo da doença. Este estudo buscou investigar a prevalência de diferentes fenótipos eosinofílicos em pacientes com asma grave atendidos em centros especializados no Brasil, bem como caracterizar e comparar as características clínicas de dois fenótipos com base na contagem de eosinófilos no sangue. Os objetivos do estudo foram avaliar a prevalência do fenótipo eosinofílico (contagem de eosinó-filos no sangue > 300 células/mm3) em pacientes com asma grave, identificar a sobreposição dos fenótipos eosinofílico e alérgico, e comparar os fenótipos eosinofílico e não eosinofílico quanto às características clínicas e aos desfechos relatados pelos pacientes. A prevalência de eosinófilos foi avaliada por meio do ponto de corte > 150 células/mm3,(5) e o impacto do uso crônico de corticosteroides orais também foi avaliado.
 
MÉTODOS
 
Desenho e população do estudo
 
O estudo BRAEOS foi um estudo transversal realizado no Brasil em dez centros especializa-dos no manejo de pacientes com asma. Os pacientes foram incluídos no estudo ao longo de 10 meses em 2019.
 
A população-alvo foi composta por pacientes adultos que receberam diagnóstico de asma grave pelo menos um ano antes da inclusão no estudo. A definição de asma grave foi asma com necessidade de tratamento com altas doses de corticosteroides inalatórios (conforme determinado pela GINA)(5) e β2-agonistas de longa duração ou antileucotrienos/teofilina duran-te o ano anterior; asma com necessidade de tratamento com corticosteroides orais em ≥ 50% dos dias do ano anterior para evitar que se tornasse “descontrolada”; ou asma que permane-ceu “descontrolada” mesmo com essa terapia.(5) Foram excluídos do estudo os fumantes/ex-fumantes (com carga tabágica ≥ 10 anos-maço), os pacientes que apresentaram uma exacer-bação moderada/grave da asma nas 4 semanas anteriores à inclusão no estudo e aqueles que receberam bursts de corticosteroides sistêmicos (isto é, altas doses em curto tempo) nas 4 semanas anteriores à inclusão. Outros critérios de exclusão foram o uso prévio de imunobio-lógicos para tratamento da asma (à exceção de omalizumabe), quaisquer alterações no trata-mento farmacológico da asma nos últimos 3 meses e doenças pulmonares concomitantes.
 
Coleta de dados e variáveis
 
Os dados foram coletados durante uma consulta na qual 1) os pacientes foram avaliados quanto ao controle da asma e à QV; 2) amostras de sangue foram coletadas para que se de-terminassem os níveis de eosinófilos e IgE sérica total; e 3) os prontuários médicos dos paci-entes foram analisados em busca dos seguintes dados: características demográficas; taba-gismo; dados clínicos relacionados à asma; história de alergia (história preexistente clinica-mente documentada e/ou resultado positivo para aeroalérgenos no teste de IgE específica, no teste cutâneo ou em ambos); comorbidades; Índice de Comorbidade de Charlson(16); trata-mento farmacológico e função pulmonar. Os dados referentes à função pulmonar incluíram VEF1 pré e pós-broncodilatador (em % do previsto) e relação VEF1/CVF pós-broncodilatador.
 
O fenótipo eosinofílico foi caracterizado por contagem de eosinófilos no sangue > 300 célu-las/mm3. A contagem de eosinófilos no sangue > 150 células/mm3 foi usada como desfecho secundário. O fenótipo alérgico foi caracterizado pela presença de IgE sérica total elevada (> 100 UI/mL) e história de alergia.
 
O surgimento de sintomas de asma aos 12 anos de idade ou mais caracterizou a asma de início tardio.(17) A definição de exacerbação moderada da asma foi o uso de corticosteroides sistêmicos (ou um aumento temporário da dose estável de corticosteroides orais) durante pelo menos 3 dias, o uso de uma dose única de corticosteroides injetáveis ou uma visita (de dura-ção < 24 h) ao pronto-socorro/centro de atendimento de urgência motivada por asma com necessidade de corticosteroides sistêmicos.(18) A definição de exacerbação grave da asma foi uma internação hospitalar (de duração ≥ 24 h) motivada pela asma.(5,19)
 
Desfechos relatados pelos pacientes
 
Os pacientes preencheram o Saint George’s Respiratory Questionnaire (SGRQ)(20) e o 5-item Asthma Control Questionnaire (ACQ-5, Questionário de Controle da Asma com 5 itens)(21) para avaliar sua percepção da QV e do controle da asma, respectivamente. As pontuações obtidas no SGRQ foram expressas em porcentagem de comprometimento geral (sendo que uma pon-tuação = 100 indicou o pior estado de saúde possível e uma pontuação = 0 indicou o melhor estado de saúde possível). A pontuação total no ACQ-5 vai de 0 (asma totalmente controlada) a 6 (asma gravemente descontrolada). Uma pontuação > 1,5 no ACQ-5 indicou asma não con-trolada.
 
Análise estatística
 
O tamanho da amostra foi calculado para um estudo de prevalência baseado no desfecho primário definido como a proporção de pacientes com contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3, assumindo-se uma estimativa conservadora de prevalência de 50%. Com margem de erro de 5%, calculou-se que seria necessária uma amostra composta por 385 paci-entes com asma grave.
 
A análise estatística descritiva foi usada para resumir os dados (médias, desvios-padrão, me-dianas e valores mínimos/máximos para as variáveis numéricas e números absolutos e porcen-tagens para as variáveis categóricas). Os dados incompletos não foram substituídos.
 
O conjunto de dados da análise primária incluiu todos os pacientes cujas contagens de eosi-nófilos no sangue estivessem disponíveis para a caracterização do fenótipo eosinofílico. Os dados foram resumidos para a amostra como um todo e discriminados por fenótipo eosinofí-lico, além de terem sido resumidos e comparados por uso crônico de corticosteroides orais (n = 387).
 
As comparações entre grupos eosinofílicos e usuários/não usuários crônicos de corticosteroi-des orais foram realizadas por meio do teste do qui-quadrado ou do teste exato de Fisher no caso de variáveis categóricas e por meio do teste t de Student ou do teste de Mann-Whitney no caso de variáveis numéricas. Regressões logísticas multivariadas foram realizadas para explorar a associação entre características clínicas e o fenótipo eosinofílico, com IC95% e OR ajustadas. Todos os testes estatísticos foram bicaudais, e o nível de significância adotado foi de 5%. Todas as análises estatísticas foram realizadas por meio do programa Statistical A-nalysis System, versão 9.4 (SAS Institute Inc., Cary, NC, EUA).
 
Considerações éticas
 
Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido antes de serem incluídos no estudo. O estudo foi aprovado pelos comitês de ética em pesquisa/conselhos de revisão dos centros participantes e foi realizado em conformidade com as exigências regula-mentares e legais aplicáveis.
 
RESULTADOS
 
Dos 387 pacientes incluídos no estudo, 385 tinham disponíveis contagens de eosinófilos no sangue e, portanto, foram incluídos na análise. Dos 385 pacientes, 154 apresentavam conta-gem de eosinófilos > 300 células/mm3 e 231 apresentavam contagem de eosinófilos ≤ 300 células/mm3 (Tabela 1). Os principais resultados são apresentados por fenótipo eosinofílico. Todos os 387 pacientes foram incluídos na análise do uso crônico de corticosteroides orais.


 
Do total da amostra, a maioria (78,4%) era do sexo feminino, com mediana de idade de 54,0 anos. A mediana do IMC foi de 29,0 kg/m2, e aproximadamente 16% eram ex-fumantes. Quase 50% (188/370) de nossos pacientes apresentavam asma de início tardio. A maioria dos pacien-tes (81,6%) apresentava história de alergia, com atopia confirmada (resultado positivo para aeroalérgenos no teste de IgE específica ou no teste cutâneo) em 73,2%. A média do VEF1 pós-broncodilatador foi de 67,7 ± 17,9%, e a média da relação VEF1/CVF pós-broncodilatador foi de 66,5 ± 11,8.
 
Exacerbações moderadas da asma estiveram ausentes em 26,6% dos pacientes, e 36,7% haviam apresentado 3 ou mais exacerbações moderadas no ano anterior. Pelo menos uma exacerbação grave da asma foi observada em 4,4% dos pacientes nesse mesmo período. A média da taxa global de exacerbações no ano anterior foi de 2,77 (2,71 para exacerbações moderadas e 0,07 para exacerbações graves).
 
No que tange ao tratamento farmacológico da asma, todos os pacientes usavam corticoste-roide inalatório, e 99,0% receberam tratamento com β2-agonista de longa duração. Um total de 13,5% dos pacientes estava recebendo tratamento com antagonista muscarínico de longa duração, e 11,9% estavam recebendo tratamento com omalizumabe. Nos últimos 12 meses, 75,5% dos pacientes haviam recebido uma mediana de 3,0 bursts de corticosteroides. A me-diana da dose de corticosteroide oral foi de 5,0 ± 10,2 mg de prednisona.
 
A proporção de pacientes com eosinófilos > 300 células/mm3 foi de 40,0% (IC95%: 35,1-44,9), ao passo que 73,0% (IC95%: 68,6-77,4) apresentavam eosinófilos > 150 células/mm3.
 
Aproximadamente 80% dos pacientes apresentavam história de alergia, e 31,9% (IC95%: 27,3-36,6) apresentavam tanto contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3 como histó-ria de alergia. Um total de 286 pacientes (74,3%) apresentavam IgE sérica total > 100 UI/mL (IC95%: 69,9-78,7), e 62,6% (IC95%: 57,8-67,4) apresentavam IgE sérica total > 100 UI/mL e história de atopia (Tabela 2).


 
A mediana da idade dos pacientes eosinofílicos foi menor do que a dos não eosinofílicos (p = 0,0422). A mediana do IMC foi significativamente menor nos pacientes eosinofílicos do que nos não eosinofílicos (p = 0,0395). Os pacientes eosinofílicos apresentaram uma taxa global de exacerbações de 3,20 exacerbações/paciente-ano, uma taxa de exacerbações moderadas de 3,13 exacerbações/paciente-ano e uma taxa de exacerbações graves de 0,06 exacerba-ções/paciente-ano. Os pacientes não eosinofílicos apresentaram uma taxa global de exacer-bações de 2,49 exacerbações/paciente-ano, uma taxa de exacerbações moderadas de 2,42 exacerbações/paciente-ano e uma taxa de exacerbações graves de 0,08 exacerba-ções/paciente-ano, sem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (Tabela 1).
 
Na amostra geral, a média da contagem de eosinófilos no sangue foi de 309,8 ± 263,5 célu-las/mm3. A média da contagem de eosinófilos no sangue foi de 540,9 ± 274,2 células/mm3 nos pacientes eosinofílicos e de 155,7 ± 79,5 células/mm3 nos pacientes não eosinofílicos. A mediana da IgE sérica total foi de 259,0 UI/mL nos pacientes eosinofílicos, sendo que os ní-veis de IgE foram mais elevados nos pacientes eosinofílicos do que nos não eosinofílicos (p = 0,0150; Tabela 3).


 
No que tange a rinite, refluxo gastroesofágico, diabetes tipo 2 e pólipos nasais, houve dife-renças estatisticamente significativas entre os dois grupos. A mediana do Índice de Comorbi-dade de Charlson foi menor nos pacientes eosinofílicos (p = 0,0125; Figura S1).
 
Na amostra geral, a mediana da pontuação no domínio de sintomas do SGRQ foi de 55,6 (mediana da pontuação no domínio de atividades: 60,8; mediana da pontuação no domínio de impacto: 39,9; Tabela 4) e a mediana da pontuação total no SGRQ foi de 49,8. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os fenótipos eosinofílico e não eosinofílico quanto à pontuação total e à pontuação obtida nos domínios individuais.


 
A mediana da pontuação obtida no ACQ-5 foi de 2,0, e 63,4% dos pacientes apresentavam asma não controlada. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os fenótipos eosinofílico e não eosinofílico.
 
Foi construído um modelo de regressão logística com variáveis clínicas de interesse (Tabela 5). Menor idade (OR = 0,97; p < 0,0001) e menor IMC (OR = 0,96; p = 0,0233) apresentaram associação positiva com o fenótipo eosinofílico. Por outro lado, o tempo decorrido desde o início dos sintomas de asma (OR = 1,02; p = 0,0011) apresentou associação aumentada com contagem de eosinófilos > 300 células/mm3.


 
Os resultados por uso crônico de corticosteroides orais incluíram 387 pacientes (14 pacientes com uso crônico de corticosteroides orais e 373 pacientes sem uso crônico de corticosteroi-des orais). A proporção de pacientes sem exacerbações graves da asma nos 12 meses ante-riores foi significativamente menor em usuários crônicos de corticosteroides orais do que em não usuários crônicos de corticosteroides orais (78,6% vs. 96,2%). A proporção de pacientes com história de acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca foi significativamente maior em usuários crônicos de corticosteroides orais do que em não usuários crônicos de corticos-teroides orais (14,3% vs. 1,9% para ambos; Tabela S1).
 
DISCUSSÃO
 
O estudo BRAEOS revelou alta prevalência de pacientes eosinofílicos (40% tendo como ponto de corte uma contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3 e 73% tendo como ponto de corte uma contagem de eosinófilos no sangue > 150 células/mm3), com grande sobreposi-ção entre os fenótipos eosinofílico e alérgico. Nossos resultados estão de acordo com os de vários outros estudos com pacientes com asma grave. Um estudo de coorte realizado em um centro terciário de referência e tendo como ponto de corte uma contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3 revelou prevalência do fenótipo eosinofílico = 41%.(22) Dois estu-dos observacionais que usaram como ponto de corte uma contagem de eosinófilos no sangue > 400 células/mm3 relataram prevalência de asma eosinofílica = 16-38%.(23,24) Por outro lado, o Registro Belga de Asma Grave usou como ponto de corte uma contagem de eosinófilos no sangue > 200 células/mm3 e observou uma prevalência de 53%. (25) Embora esses estudos tenham sido realizados em diferentes contextos e tenham usado populações de estudo distin-tas quanto à gravidade da asma, eles fornecem uma visão ampla da distribuição do perfil eo-sinofílico e uma base para a interpretação de nossos resultados.
 
No presente estudo, a contagem de eosinófilos no sangue > 300 células/mm3 como ponto de corte foi usada para o objetivo primário. Embora diversos imunobiológicos direcionados à via inflamatória T2 (eosinofílica) usem diferentes pontos de corte, ainda não há consenso a respei-to de qual ponto de corte deve ser usado: 150 células/mm3, 300 células/mm3 ou 400 célu-las/mm3.(26-28) Sabe-se que pacientes eosinofílicos com contagem de eosinófilos no sangue > 150 células/mm3 apresentam doença mais grave que pode ser caracterizada como um fenó-tipo distinto. (5,9) Com o uso de um ponto de corte mais alto, como 300 células/mm3, por exemplo, as diferenças clínicas entre grupos fenotípicos e o potencial benefício das terapias para tratar a inflamação do tipo 2 se tornam mais evidentes. Isso permite a identificação de grupos específicos com mais chance de se beneficiar da terapia direcionada.(28)
 
No que tange às características gerais dos participantes do estudo, a mediana da idade foi de 54.0 anos, a maioria era do sexo feminino e a proporção de obesidade foi alta. Uma apresen-tação clínica grave foi observada na população estudada, evidenciada por uma história de exacerbação, bem como níveis elevados de eosinófilos e IgE. Esses achados são consisten-tes com os de outros estudos.(29-31) A pontuação no ACQ-5 mostrou que aproximadamente dois terços da amostra apresentavam sintomas de asma não controlada. Os achados de fun-ção pulmonar revelaram alta prevalência de obstrução fixa das vias aéreas, não obstante o tratamento otimizado com altas doses de corticosteróides inalatórios e outros medicamentos de controle em longo prazo.(32) Pontuações altas no SGRQ revelaram baixa QV, o que reflete a gravidade da doença na população estudada e ressalta a carga da doença.
 
No que tange aos dois fenótipos inflamatórios de interesse, os pacientes eosinofílicos apre-sentavam IMC mais baixo e menos comorbidades, além de uma tendência a ser mais jovens do que os não eosinofílicos. Em comparação com os pacientes não eosinofílicos, os eosino-fílicos apresentaram maior tempo decorrido desde o início dos sintomas de asma, IgE mais elevada, mais bursts de corticosteroides e uma tendência a taxa anual de exacerbações mais elevada. Embora os achados referentes ao fenótipo eosinofílico apontem para um grupo de pacientes aparentemente mais saudáveis clinicamente (mais jovens, com IMC mais baixo e menos comorbidades), esses pacientes necessitaram de mais bursts de corticosteroides orais no ano anterior do que os pacientes não eosinofílicos. É possível que isso forneça uma expli-cação fisiopatológica para a causa das exacerbações.(33) Em pacientes eosinofílicos, o pro-cesso inflamatório pode ter papel predominante; já em pacientes não eosinofílicos, fatores como obesidade e outras comorbidades podem estar associados à ocorrência das exacerba-ções.(34)
 
As doses de corticosteroides inalatórios e o controle da asma foram semelhantes nos dois grupos eosinofílicos. Isso reflete a gravidade da doença em ambos os grupos. Não obstante, esses achados podem ser valiosos para ajustar a prática clínica rotineira com abordagens distintas de manejo. Algumas das abordagens possíveis são o acréscimo de imunobiológicos para fenótipos específicos e o aumento das doses de corticosteroides inalatórios em pacien-tes eosinofílicos ou a redução das doses de corticosteroides inalatórios em pacientes não eosinofílicos para minimizar os efeitos colaterais em longo prazo. Outra estratégia é melhorar o controle das comorbidades em pacientes não eosinofílicos em vez de introduzir novos anti-inflamatórios.
 
Em nosso estudo, a gravidade da asma foi mais evidente nos usuários crônicos de corticoste-roides orais, com mais intubações endotraqueais, mais exacerbações e pior QV. Os usuários crônicos de corticosteroides orais necessitaram de cuidados adicionais, o que acabou levan-do ao aumento dos custos do manejo da doença. Nesse contexto, os imunobiológicos pare-cem ser uma opção terapêutica adequada com resultados comprovados, reduzindo as taxas de exacerbações e as doses de corticosteroides orais. Em um ensaio,(35) o benralizumabe resultou em uma redução de 75% da dose de corticosteroides orais vs. uma redução de 25% da dose no grupo placebo, além de uma redução de 100% da dose de corticosteroides orais em 52% dos pacientes. Estudos nos quais foram examinados o mepolizumabe e o dupiluma-be apresentaram resultados semelhantes.(36) Observamos uma proporção muito baixa de usuários crônicos de corticosteroides orais em comparação com contextos da vida real na Europa.(33) É possível que isso ocorra porque muitos pneumologistas/alergistas evitam pres-crever corticosteroides orais na prática clínica rotineira, mesmo para pacientes com asma não controlada. No entanto, o número de bursts de corticosteroides orais foi alto, e isso pode estar relacionado a um alto risco de efeitos colaterais do uso crônico de corticosteroides o-rais.(34) Isso sugere que terapias direcionadas para melhorar o controle da asma grave podem ser altamente benéficas ao reduzir o uso crônico de corticosteroides orais.
 
Dada a considerável sobreposição de asma eosinofílica e atopia no presente estudo, muitos desses pacientes seriam potenciais candidatos a terapias direcionadas a ambas as doenças: terapia anti-IgE para pacientes com atopia e anti-IL-5 para aqueles com asma eosinofí-lica.(37) O conjunto de evidências, entretanto, não é suficientemente consistente para que se possa concluir qual dessas terapias deveria ser introduzida primeiro nessa população de paci-entes, já que estudos anteriores relataram eficácia semelhante.(38) Sabe-se que a resposta inflamatória T2, que gira em torno do eosinófilo como célula efetora final, pode ser iniciada por uma via alérgica (Th2) ou não alérgica (não Th2), desencadeada por fatores externos como tabagismo, vírus, poluentes e bactérias.(39)
 
Uma das principais limitações do presente estudo é seu desenho transversal, que limita a infe-rência causal. No entanto, os modelos de regressão nos permitiram explorar associações entre as características dos pacientes e o perfil eosinofílico. A contagem de eosinófilos no escarro induzido, um reconhecido biomarcador de inflamação das vias aéreas e gravidade da doença, não foi realizada, pois não está amplamente disponível na prática clínica.(26,27) No entanto, alguns estudos sugerem que existe uma forte correlação entre a contagem de eosinófilos no sangue e no escarro.(40) Outra limitação do presente estudo é que nem todos os pacientes com história de atopia e níveis elevados de IgE tinham disponíveis resultados de teste cutâneo ou de IgE específica para alérgenos. É possível que nosso resultado de prevalência tenha sido ligeiramente subestimado, em virtude da inclusão de pacientes que usavam corticosteroi-des orais e omalizumabe. No entanto, como esses pacientes correspondem a menos de 15% da amostra e como o objetivo do estudo foi estimar a prevalência do fenótipo eosinofílico em pacientes com asma grave no Brasil, acreditamos que esse impacto tenha sido mínimo. Não obstante, no caso desse subgrupo de usuários crônicos de corticosteroides orais, os resulta-dos da análise estatística devem ser interpretados com cautela, em virtude do pequeno núme-ro de casos em nosso estudo.
 
O estudo BRAEOS foi um estudo multicêntrico com uma população representativa de várias regiões do Brasil, que é um país de dimensões continentais. Os dados foram coletados de forma sistemática e de acordo com definições validadas internacionalmente, o que propiciou comparabilidade adequada dos resultados. Portanto, o estudo BRAEOS foi capaz de caracte-rizar a população de pacientes com asma grave no Brasil, enfatizando o fenótipo eosinofílico (40% da amostra) e mostrando associações com IMC mais baixo, menos comorbidades e mais bursts de corticosteroides. Como era de se esperar, os usuários crônicos de corticoste-roides orais apresentavam doença mais grave, com mais exacerbações, mais comorbidades cardiovasculares e pior QV relacionada à saúde. Nossos resultados revelam a relevância do fenótipo eosinofílico da asma grave em nível nacional, contribuindo para o aumento da eficá-cia no manejo da doença e na implantação de estratégias de saúde pública.
 
AGRADECIMENTOS
 
Gostaríamos de agradecer a todos os pacientes, coordenadores e pesquisadores que partici-param do estudo BRAEOS, bem como a todos os funcionários da AstraZeneca envolvidos no estudo, especialmente Flavia Lopes, Luisa Augusto Furlan e Angela Honda de Souza, que atualmente é Chefe do Programa de Educação Médica Continuada da Fundação ProAr. O a-poio à realização do estudo e redação do artigo científico foi fornecido pela CTI Clinical Trial & Consulting e financiado pela AstraZeneca Brasil.
 
DISPONIBILIDADE DE DADOS
 
Os autores confirmam que os dados que sustentam os achados deste estudo estão disponí-veis no artigo e/ou em seus materiais suplementares.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
RA e MP: concepção, administração do projeto, metodologia, análise dos dados e redação do manuscrito. RA, RS, MA, AS-M, LKA, ACN, FSS, DCB, ML, MR e PBJ: coleta de dados, análise dos dados e redação do manuscrito. Todos os autores revisaram e aprovaram a ver-são final do manuscrito.
 
DECLARAÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSES
 
Rodrigo Athanazio participou de estudos clínicos financiados pelas seguintes indústrias far-macêuticas ou delas recebeu honorários de consultoria ou por participação em congressos: AstraZeneca, Chiesi, GlaxoSmithKline, Novartis, Sanofi, Pfizer, Roche e Vertex. Rafael Stel-mach participou de estudos clínicos financiados pelas seguintes indústrias farmacêuticas ou delas recebeu honorários de consultoria ou por participação em congressos: AstraZeneca, Boehringer Ingelheim, Eurofarma, GlaxoSmithKline, Novartis e Sanofi. Martti Antila participou de estudos clínicos financiados pela AbbVie, AstraZeneca, EMS, Eurofarma, GlaxoSmithKline, Humanigen, Janssen, Novartis, Sanofi, Angion Biomedica, BeiGene e Rigel Pharmaceuticals, Inc., além de ter recebido honorários de consultoria da Abbott Laboratories, Aché, AstraZene-ca, Chiesi, Eurofarma, IPI ASAC Brasil e Sanofi. Adelmir Souza-Machado não tem conflitos de interesses a declarar. L. Karla Arruda recebeu da AstraZeneca, Novartis, Sanofi, GlaxoSmith-Kline e Takeda apoio de pesquisa ou honorários por aulas/palestras. Alcindo Cerci Neto não tem conflitos de interesses a declarar. Faradiba Sarquis Serpa é membro de conselhos consul-tivos e palestrante da Novartis, Sanofi e Takeda-Shire, além de ter participado de ensaios clí-nicos financiados pela Novartis e AstraZeneca. Daniela Cavalet Blanco não tem conflitos de interesses a declarar. Marina Lima recebeu da AstraZeneca honorários por aulas/palestras e por participação em congressos. Marcelo Rabahi participou de pesquisas clínicas financiadas pela AstraZeneca e Boehringer Ingelheim. Pedro Bianchi Júnior recebeu patrocínio da AstraZe-neca, Bayer, Novartis, Sanofi e Takeda-Shire. Márcio Penha era funcionário da AstraZeneca Brasil na época da realização do estudo; atualmente é funcionário da Chiese Brasil.
 
 
REFERÊNCIAS
 
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