Recentemente, um grupo de especialistas mundiais definiu a bronquiectasia como sendo uma dilatação do lúmen das vias aéreas produzida principalmente pela destruição da parede brônquica, em decorrência da ação de várias substâncias proteolíticas provenientes de inflamação local — geralmente neutrofílica,(1) embora algumas vezes também eosinofílica,(2-4) e mesmo com um componente sistêmico(5,6) — e/ou produtos bacterianos secundários (geralmente como infecção crônica).(7-9) Além disso, esse achado radiológico deve estar acompanhado de sintomas a ele relacionados, principalmente tosse produtiva (geralmente com um componente purulento), com ou sem exacerbações.(10-12) Portanto, a definição de bronquiectasia deve preencher critérios não só radiológicos, mas também clínicos.(1,13) Consequentemente, as bronquiectasias de tração (BT) têm sido sistematicamente excluídas de estudos diagnósticos, prognósticos e terapêuticos de bronquiectasias porque geralmente não estão associadas a um quadro clínico secundário de inflamação ou infecção das vias aéreas.(14)
É verdade que as BT geralmente ocorrem em virtude da dilatação da luz brônquica causada pela destruição do parênquima pulmonar circundante. As BT geralmente não são acompanhadas por espessamento das paredes brônquicas relacionado com inflamação brônquica excessiva, e a probabilidade de infecção crônica por microrganismos potencialmente patogênicos é baixa. As BT são comumente observadas no contexto de processos fibróticos avançados decorrentes de doenças intersticiais, após infecções extensas ou enfisema pulmonar e, em geral, após processos que envolvam a destruição do parênquima pulmonar.(15)
Nos últimos anos, a presença de BT tem gerado algumas perguntas particularmente interessantes a respeito de sua capacidade de influenciar o prognóstico da doença de base. As BT são realmente tão benignas quanto pensamos? A presença de BT poderia influenciar o prognóstico dos pacientes, independentemente do padrão intersticial usualmente associado? A progressão das BT deve ser monitorada? Embora o nome “bronquiectasia” ainda seja usado por motivos etimológicos (bronkos = brônquio e ectasis = dilatação), ainda não há resposta a essas perguntas, já que, como mencionado acima, as BT têm sido sistematicamente excluídas de todos os tipos de estudos de bronquiectasias.
Recentemente, porém, um estudo(16) com 5.295 indivíduos com DPOC (média de idade = 59 anos) parece ter indicado que a presença de BT não é de maneira alguma trivial e que as BT podem ter impacto negativo em vários desfechos importantes da DPOC. No estudo em questão, Hata et al.(16) identificaram um subgrupo de pacientes (n = 582) com alterações intersticiais na TC. Aqueles com BT associadas (n = 105) apresentaram correlação linear ajustada entre maior gravidade radiológica das BT e pior qualidade de vida. Além disso, os pacientes com BT apresentaram risco ajustado de óbito 3,8 vezes maior (IC95%: 2,6-5,6; p < 0,001) do que aqueles sem BT.
Esses achados a respeito da relação entre BT e pior prognóstico da doença de base não são novos; já foram descritos em diversas doenças pulmonares intersticiais como fibrose pulmonar idiopática,(17) pneumonite de hipersensibilidade(18) e pneumonia eosinofílica crônica. (19) É também importante observar que as BT progridem na maioria dos pacientes e, à medida que progridem, pioram o prognóstico e agravam a doença de base. A presença de BT poderia, portanto, servir de marcador da gravidade das doenças intersticiais de qualquer origem, o que sugere, como já se sabe, que é essencial o tratamento anti-inflamatório precoce e intensificado durante a fase inflamatória da doença de base, antes que esta evolua para lesão intersticial e, consequentemente, BT. De fato, alguns autores sugeriram o uso de um índice de BT(16,20) cuja validade se distingue, entre outras coisas, pela excelente concordância interobservadores no que tange ao diagnóstico de BT por meio de TC de tórax (índice kappa de aproximadamente 0,75). O índice de BT classifica os pacientes em quatro grupos, de acordo com a presença e o tipo de BT no processo intersticial: tipo 1: sem BT; tipo 2: bronquiolectasias; tipo 3: BT moderadas; tipo 4: BT graves. Essa classificação foi usada no estudo de Hata et al.(16) e em outro estudo de base populacional realizado na Islândia.(20) Neste último estudo, a TC foi realizada na linha de base e 5 anos após a inclusão de 3.167 participantes, 327 dos quais apresentavam algum tipo de alteração intersticial. Os autores observaram não apenas que as BT progrediram na maioria dos indivíduos ao longo do tempo, mas também que essa progressão esteve associada a uma maior probabilidade de morte (razão de risco = 1,68; IC95%: 1,21-2,34; p < 0,001), ajustada para levar em conta a idade, o sexo, o IMC e o tabagismo após 11,5-14,0 anos de acompanhamento.
Todos esses achados abrem um tópico oportuno de grande relevância para sequelas no parênquima pulmonar de pacientes que tiveram pneumonia por SARS-CoV-2. Estudos de acompanhamento com dados de TC mostraram que grande parte desses pacientes sofre de dano intersticial crônico (especialmente após pneumonia grave), frequentemente acompanhado de BT.(21,22) As BT piorarão ainda mais o prognóstico ou a gravidade clínica em pacientes com alterações intersticiais, em comparação com aqueles sem BT? Ainda não se sabe a resposta a essa pergunta, mas certamente deve ser objeto de pesquisa, pois um tratamento agressivo precoce na fase inflamatória provavelmente seria a melhor opção para prevenir sequelas intersticiais e o aparecimento subsequente de BT. Além disso, também não se sabe se, além de BT, bronquiectasias clinicamente ativas poderiam resultar em infecção crônica por microrganismos patogênicos em decorrência de um círculo vicioso de inflamação e infecção excessivas ao longo do tempo. Essa situação não pode ser descartada, pois é sabido que uma das etiologias mais comuns de bronquiectasias sintomáticas é a pós-infecciosa, incluindo infecções virais.
Em suma, a literatura parece não confirmar a suposta benignidade atribuída às BT como parte de um processo intersticial em diferentes doenças pulmonares de base (incluindo doenças intersticiais e não intersticiais). A presença de BT poderia, de fato, piorar o prognóstico e a gravidade clínica da doença de base, isto é, piorar ainda mais o prognóstico da alteração intersticial em si. Resta esclarecer outra questão muito importante, que já vem gerando um campo de pesquisa de grande interesse: qual será o futuro impacto das bronquiectasias observadas nos padrões intersticiais em pacientes que se recuperaram de pneumonia por COVID-19? Ainda não há resposta a essa pergunta, mas os dados disponíveis até o momento indicam que esses pacientes necessitam de acompanhamento em longo prazo; se necessário, devem ser usados exames de imagem e até mesmo monitoramento clínico, incluindo dados microbiológicos, sempre que possível.
CONFLITOS DE INTERESSE
Nenhum declarado.
REFERÊNCIAS
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