AO EDITOR, Uma investigação recente(1) publicada neste periódico revelou um aumento significativo das internações por tromboembolismo pulmonar (TEP) na última década no Brasil, de 2,57/100.000 habitantes em 2008 para 4,4/100.000 hab. em 2019, com variação percentual média anual (VPMA) no período de 5,6%; p < 0,001 (Figura 1A).
Vários registros em diferentes países também mostraram um aumento nas internações por TEP nas últimas décadas.(2) Um registro americano verificou um aumento significativo nas internações por TEP após a introdução da angiotomografia pulmonar (ATCP) para o diagnóstico desta condição (62,1/100.000 hab. vs. 112,3/100.000 hab.; p < 0,0001) comparando os períodos antes e depois de 1998, quando a tomografia computadorizada multidetectores foi introduzida.(3) Um registro espanhol também mostrou um aumento nas internações por TEP, de 20,44/100.000 hab. em 2002 para 32,69/100.000 hab. em 2011; p < 0,05.(4) Achados semelhantes foram relatados em registros na Itália e na Austrália.(5,6)
Vale ressaltar que as taxas de internação por TEP no Brasil têm sido muito inferiores àquelas relatadas em países desenvolvidos em todo o mundo (Figura 1B). De acordo com a Figura 1A, a maior taxa anual de internações por TEP no Brasil foi registrada em 2019, com 4,7 internações/100.000 hab. Enquanto isso, na Figura 1B, um registro americano mostrou uma taxa de internação por TEP de 112,3/100.000 hab. entre 1998-2006;(3) um registro espanhol registrou uma taxa anual de internação por TEP de 32,69/100.000 hab. em 2011,(4) e um registro italiano mostrou taxas anuais de internação por TEP de 55,5 e 40,6/100.000 hab. para mulheres e homens, respectivamente, de 2002 a 2012.(5)
Com base nesses dados, é possível que TEP seja subdiagnosticado no Brasil; portanto, é provável que muitos pacientes não recebam o diagnóstico correto desta condição. Como os sintomas de TEP são inespecíficos, sua apresentação clínica pode ser confundida com diversas outras doenças, como pneumonia, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, entre outras. O diagnóstico definitivo só é possível por meio de exames de imagem como a ATCP ou cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão planar. Esses exames diagnósticos são caros e sua disponibilidade ainda é restrita aos grandes centros do Brasil, principalmente na rede pública de saúde. Além disso, medidas racionais de diagnóstico e tratamento baseadas em algoritmos propostos por diretrizes internacionais que incluem, por exemplo, probabilidade pré-teste, dímero d e anticoagulantes orais diretos (DOACs), precisam ser mais amplamente adotadas no país.
Por outro lado, este estudo também mostrou uma redução significante nas taxas de letalidade por TEP na última década, diminuindo de 21,21% para 17,11% (VPMA: -1,9%; p < 0,001).(1) Tal achado corrobora aqueles relatados por outros importantes registros internacionais, que também mostraram uma redução substancial nas taxas de letalidade por TEP nos últimos anos.(2) Em um registro americano, por exemplo, as taxas de letalidade por TEP para o primeiro episódio foram de 5,9%, 4,2%, 3,8% e 2,4%, respectivamente, nos períodos de 2001-2002, 2003-2004, 2005-2006 e 2007-2008.(7) Outro registro americano mostrou uma diminuição nas taxas de letalidade por TEP para homens e mulheres entre 2003-2011.(8) Em um registro chinês, uma diminuição nas taxas de letalidade por TEP foi observada de 25,1% (intervalo de confiança de 95% (IC95%) 16,2-36,9) em 1997 para 8,7% (IC95% 3,5-15,8) em 2008.(9) Em um registro italiano, as taxas de letalidade por TEP diminuíram entre 2002 e 2012 em mulheres (15,6% a 10,2%) e homens (17,6% a 10,1%) (p < 0,0001).(5) Além disso, um banco de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou uma diminuição nas taxas de letalidade por TEP ajustadas por idade entre os anos de 2000 e 2015 em países europeus de 12,8% (IC95% 11,4-14,2) para 6,5% (IC95% 5,3-7,7).(10)
Apesar do declínio significativo das taxas de letalidade por TEP na última década no Brasil, as taxas registradas no país ainda são superiores àquelas documentadas em outros países do mundo (Figura 1C). As maiores taxas de letalidade no Brasil podem estar diretamente relacionadas ao subdiagnóstico de TEP. Nesse cenário, é realizado apenas o diagnóstico de condições mais graves, responsáveis pelas maiores taxas de mortalidade intra-hospitalar, enquanto TEP com pouca significância clínica pode permanecer sem diagnóstico na maioria dos casos no Brasil. Por outro lado, não podemos descartar a possibilidade de que as menores taxas de letalidade por TEP em países desenvolvidos possam ser influenciadas pelo sobrediagnóstico, uma vez que o número de diagnósticos de TEP poderia ter sido inflado com casos clinicamente menos significativos que só foram detectáveis por meio de exames de imagem altamente sensíveis e radiologistas experientes.
A subnotificação de TEP no Brasil também pode ser outro problema relevante. Segundo Gomes et al. (2022),(1) os dados de internação extraídos do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do Departamento de Tecnologia da Informação do Sistema Único de Saúde (SUS) compreendem aproximadamente 70% das internações em hospitais públicos. Outra possibilidade seria o elevado número de diagnósticos ambulatoriais de TEP. No entanto, embora o tratamento domiciliar de TEP de baixo risco seja viável, sabemos que essa abordagem ainda é pouco difundida no Brasil; a maioria dos médicos ainda interna seus pacientes para iniciar tratamento com anticoagulantes. Outro problema pode ser a subnotificação intra-hospitalar de TEP, uma vez que seu diagnóstico pode não ser incluído nos diagnósticos de internação primária em pacientes internados por outras condições médicas, como fratura de fêmur, etc. Entretanto, a subnotificação por si só não explicaria essas menores taxas de internação por TEP no Brasil.
Em conclusão, assim como em outros países ao redor do mundo, o Brasil registrou um aumento nas taxas de internação e uma diminuição das taxas de letalidade por TEP na última década. No entanto, é fundamental ressaltar que as taxas de internação por TEP são menores e as taxas de letalidade por TEP são maiores no Brasil do que em qualquer outro país desenvolvido. Um percentual significativo de TEP provavelmente não é diagnosticado no Brasil. Além disso, esta condição pode ser subnotificada. O TEP não diagnosticado e tratado inadequadamente pode ter inúmeras consequências futuras para esses pacientes, como o desenvolvimento de hipertensão pulmonar tromboembólica crônica.
O TEP é uma doença negligenciada no Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS) precisa incorporar novas estratégias para melhorar o diagnóstico e promover o tratamento adequado dessa doença no país. O uso de escores clínicos (Wells e Geneva modificada), fluxogramas racionais para diagnóstico e estratificação de risco devem ser incentivados, permitindo assim um manejo mais adequado e melhores resultados. Além disso, quando indicado, esses pacientes devem ter acesso a DOACs, pois além de seus efeitos mais previsíveis, tais medicamentos podem ser administrados em casa. Desta forma, podemos aumentar a taxa de diagnóstico, diminuir a taxa de letalidade e reduzir os custos hospitalares.
REFERÊNCIAS 1. Gomes JA, Barros JEB, Nascimento ALOD, Rocha CAO, Almeida JPO, Santana GBA, et al. Hospitalizations for pulmonary embolism in Brazil (2008-2019): an ecological and time series study. J Bras Pneumol. 2022;48(3):e20210434. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210434.
2. Konstantinides SV, Barco S, Lankeit M, Meyer G. Management of Pulmonary Embolism: An Update. J Am Coll Cardiol. 2016;67(8):976-90. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2015.11.061.
3. Wiener RS, Schwartz LM, Woloshin S. Time trends in pulmonary embolism in the United States: evidence of overdiagnosis. Arch Intern Med. 2011;171(9):831-7. https://doi.org/10.1001/archinternmed.2011.178.
4. de Miguel-Díez J, Jiménez-García R, Jiménez D, Monreal M, Guijarro R, Otero R, et al. Trends in hospital admissions for pulmonary embolism in Spain from 2002 to 2011. Eur Respir J. 2014;44(4):942-50. https://doi.org/10.1183/09031936.00194213.
5. Dentali F, Ageno W, Pomero F, Fenoglio L, Squizzato A, Bonzini M. Time trends and case fatality rate of in-hospital treated pulmonary embolism during 11 years of observation in Northwestern Italy. Thromb Haemost. 2016;115(2):399-405. https://doi.org/10.1160/TH15-02-0172.
6. Shiraev TP, Omari A, Rushworth RL. Trends in pulmonary embolism morbidity and mortality in Australia. Thromb Res. 2013;132(1):19-25. https://doi.org/10.1016/j.thromres.2013.04.032.
7. Tsai J, Grosse SD, Grant AM, Hooper WC, Atrash HK. Trends in in-hospital deaths among hospitalizations with pulmonary embolism. Arch Intern Med. 2012;172(12):960-1. https://doi.org/10.1001/archinternmed.2012.198.
8. Agarwal S, Clark D 3rd, Sud K, Jaber WA, Cho L, Menon V. Gender Disparities in Outcomes and Resource Utilization for Acute Pulmonary Embolism Hospitalizations in the United States. Am J Cardiol. 2015;116(8):1270-6. https://doi.org/10.1016/j.amjcard.2015.07.048.
9. Yang Y, Liang L, Zhai Z, He H, Xie W, Peng X, et al. Pulmonary embolism incidence and fatality trends in chinese hospitals from 1997 to 2008: a multicenter registration study. PLoS One. 2011;6(11):e26861. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0026861.
10. Barco S, Mahmoudpour SH, Valerio L, Klok FA, Munzel T, Middeldorp S, et al. Trends in mortality related to pulmonary embolism in the European Region, 2000-15: analysis of vital registration data from the WHO Mortality Database. Lancet Respir Med. 2020;8(3):277-287. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(19)30354-6.