Fisioterapia cardiorrespiratória e fisioterapia em terapia intensiva são especialidades hospitalares bem estabelecidas que têm dois objetivos principais: 1) prevenir e mitigar os efeitos adversos relacionados à permanência prolongada no leito; e 2) manter e melhorar a função respiratória. Como especialidade emergente, as recomendações de intervenções respiratórias e físicas para pacientes hospitalizados têm sido continuamente desenvolvidas acompanhando o crescimento das evidências científicas.(1,2)
Recentemente, as ondas de infecção por COVID-19 e o aumento do número de pacientes hospitalizados com doença grave desafiaram os fisioterapeutas em todo o mundo. Como resultado, sociedades especializadas divulgaram recomendações para orientar os fisioterapeutas. (3,4) No entanto, até o momento, desconhecemos como os fisioterapeutas têm prestado cuidados aos pacientes hospitalizados com COVID-19.
No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Dias et al.(5) descrevem pela primeira vez dados sobre o encaminhamento e a prática fisioterapêutica para pacientes com COVID-19 admitidos tanto na UTI quanto na enfermaria. O estudo traz muitos resultados provocativos e reflexões sobre a prática profissional pós-pandemia.
Durante cinco meses em 2021, os pesquisadores coletaram dados usando um questionário autoaplicável com 50 itens, obtendo 485 questionários preenchidos (taxa de preenchimento de 76%). Os respondentes representavam todas as regiões do Brasil, principalmente do Sudeste (61%) e do Nordeste (21%). A maioria dos entrevistados (80%) possuía algum tipo de especialização em fisioterapia hospitalar. No entanto, apenas 13% eram especialistas certificados pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.
Os autores verificaram que o principal motivo de indicação de fisioterapia na UTI e na enfermaria foi a melhora da oxigenação (> 80%), enquanto evitar o descondicionamento físico foi o motivo menos comum (< 65%) para pacientes tanto em ventilação mecânica quanto em respiração espontânea. A indicação de mobilização para pacientes com COVID-19 foi notavelmente menor quando comparada a um estudo prospectivo anterior,(6) que mostrou que aproximadamente 90% dos pacientes graves atendidos em UTI brasileiras receberam terapia de mobilização. A gravidade dos sintomas respiratórios em pacientes com COVID-19 pode explicar parcialmente o menor número de indicações de mobilização para priorizar a assistência respiratória.
Outra possível barreira à mobilização observada no estudo de Dias et al.(5) foi o número limitado de profissionais, pois os fisioterapeutas atenderam uma mediana de 10 pacientes por plantão de seis horas. Embora esse número siga o número mínimo recomendado pela legislação nacional brasileira vigente,(7) acreditamos que a realização completa do tratamento respiratório e de mobilização com essa relação profissional-paciente seja difícil.
Como afirmam Dias et al.,(5) cuidar de 10 pacientes em um turno de 6 horas significa que o fisioterapeuta tinha aproximadamente apenas 30 minutos por paciente. Portanto, o tempo limitado de atendimento pode afetar potencialmente o plano terapêutico do paciente. A prioridade dos tratamentos associados à manutenção da vida (por exemplo, suporte respiratório) é insuficiente para melhorar a sobrevida e a funcionalidade, que englobam mobilização passiva, treinamento de força de membros superiores e inferiores, transferência do paciente para cadeira, deambulação e atividades funcionais.
De fato, uma pesquisa com membros da Acute Care Section da American Physical Therapy Association relatou que a falta de pessoal e de treinamento foram a principal barreira para fornecer reabilitação em UTI.(8) Além disso, há evidências que demonstram que o número de pacientes por fisioterapeuta é um preditor independente de exercício fora do leito,(6) e que uma maior disponibilidade de fisioterapeutas (12 h/dia vs. 24 h/dia) pode reduzir o tempo de permanência e custos em UTI.(9)
Outro resultado marcante no estudo de Dias et al.(5) foi que a escolha das intervenções respiratórias variou muito quando comparadas às terapias de mobilização. Mesmo com avanços importantes na assistência respiratória, a taxa de adesão ao tratamento respiratório considerado eficaz foi baixa. Por exemplo, apenas 25% dos fisioterapeutas relataram usar o “flow bias expiratório”, uma intervenção bem estudada para remoção de secreção em pacientes em ventilação mecânica.(10-12) Esse fato pode indicar que ter uma especialização não impediu a subutilização de técnicas eficazes.
Este estudo instigante(5) revelou que os fisioterapeutas na linha de frente no atendimento de pacientes com COVID-19 provavelmente permanecerão no atendimento de pacientes graves em UTI e enfermarias no Brasil. Urge a necessidade de padronizar o tratamento fisioterapêutico respiratório e rever as condições de trabalho. Além disso, os fisioterapeutas devem receber mais estímulos para se tornarem especialistas certificados. Finalmente, associações profissionais, gestores de saúde, universidades e instituições de pesquisa devem discutir esses resultados e dar os próximos passos para selecionar as evidências para melhorar o tratamento e os resultados dos pacientes.
REFERÊNCIAS
1. Gosselink R, Bott J, Johnson M, Dean E, Nava S, Norrenberg M, et al. Physiotherapy for adult patients with critical illness: recommendations of the European Respiratory Society and European Society of Intensive Care Medicine Task Force on Physiotherapy for Critically Ill Patients. Intensive Care Med. 2008;34(7):1188-1199. https://doi.org/10.1007/s00134-008-1026-7
2. França EÉ, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcanti R, Duarte A, Martinez BP, et al. Physical therapy in critically ill adult patients: recommendations from the Brazilian Association of Intensive Care Medicine Department of Physical Therapy. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22. https://doi.org/10.1590/S0103-507X2012000100003
3. Felten-Barentsz KM, van Oorsouw R, Klooster E, Koenders N, Driehuis F, Hulzebos EHJ, et al. Recommendations for Hospital-Based Physical Therapists Managing Patients With COVID-19. Phys Ther. 2020;100(9):1444-1457. https://doi.org/10.1093/ptj/pzaa114
4. Musumeci MM, Martinez BP, Nogueira IC, Alcanfor T. Physiotherapy techniques used in the intensive care unit for the assessment and treatment of respiratory problems in patients with COVID-19. Assobrafir Ciencia. 2020;11(1):73-86. https://doi.org/10.47066/2177-9333.AC20.covid19.007
5. Dias LMS, Guimaraes FS, Leite CF, Paro FM, Annoni R, Oliveira ACO, et al. Physiotherapy practice for hospitalized patients with COVID-19. J Bras Pneumol. 2022;48(4):e20220121.
6. Timenetsky KT, Neto AS, Assunção MSC, Taniguchi L, Eid RAC, Corrêa TD, et al. Mobilization practices in the ICU: A nationwide 1-day point- prevalence study in Brazil. PLoS One. 2020;15(4):e0230971. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0230971
7. Brazil. Ministry of Health. National Health Surveillance Agency. Resolution-RDC No. 7, of February 24, 2010. Diário Oficial da União No. 37 of February 25, 2010.
8. Malone D, Ridgeway K, Nordon-Craft A, Moss P, Schenkman M, Moss M. Physical Therapist Practice in the Intensive Care Unit: Results of a National Survey. Phys Ther. 2015;95(10):1335-1344. https://doi.org/10.2522/ptj.20140417
9. Rotta BP, Silva JMD, Fu C, Goulardins JB, Pires-Neto RC, Tanaka C. Relationship between availability of physiotherapy services and ICU costs. J Bras Pneumol. 2018;44(3):184-189. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000196
10. Volpe MS, Adams AB, Amato MB, Marini JJ. Ventilation patterns influence airway secretion movement. Respir Care. 2008;53(10):1287-1294.
11. Li Bassi G, Saucedo L, Marti JD, Rigol M, Esperatti M, Luque N, et al. Effects of duty cycle and positive end-expiratory pressure on mucus clearance during mechanical ventilation. Crit Care Med. 2012;40(3):895-902. https://doi.org/10.1097/CCM.0b013e318236efb5
12. Volpe MS, Guimarães FS, Morais CC. Airway Clearance Techniques for Mechanically Ventilated Patients: Insights for Optimization. Respir Care. 2020;65(8):1174-1188. https://doi.org/10.4187/respcare.07904