ABSTRACT
Objective: To evaluate clinical outcomes and factors associated with mortality, focusing on secondary infections, in critically ill patients with COVID-19 in three Brazilian hospitals during the first pandemic wave. Methods: This was a retrospective observational study involving adult patients with COVID-19 admitted to one of the participating ICUs between March and August of 2020. We analyzed clinical features, comorbidities, source of SARS-CoV-2 infection, laboratory data, microbiology data, complications, and causes of death. We assessed factors associated with in-hospital mortality using logistic regression models. Results: We included 645 patients with a mean age of 61.4 years. Of those, 387 (60.0%) were male, 12.9% (83/643) had undergone solid organ transplant, and almost 10% (59/641) had nosocomial COVID-19 infection. During ICU stay, 359/644 patients (55.7%) required invasive mechanical ventilation, 225 (34.9%) needed renal replacement therapy, 337 (52.2%) received vasopressors, and 216 (33.5%) had hospital-acquired infections (HAIs), mainly caused by multidrug-resistant gram-negative bacteria. HAIs were independently associated with a higher risk of death. The major causes of death were refractory shock and multiple organ dysfunction syndrome but not ARDS, as previously reported in the literature. Conclusions: In this study, most of our cohort required invasive mechanical ventilation and almost one third had HAIs, which were independently associated with a higher risk of death. Other factors related to death were Charlson Comorbidity Index, SOFA score at admission, and clinical complications during ICU stay. Nosocomial COVID-19 infection was not associated with death. The main immediate causes of death were refractory shock and multiple organ dysfunction syndrome.
Keywords:
COVID-19/mortality; Sepsis; Multiple organ failure.
RESUMO
Objetivo: Avaliar desfechos clínicos e fatores associados à mortalidade, com foco em infecções secundárias, em pacientes com COVID-19 em estado crítico em três hospitais brasileiros durante a primeira onda da pandemia. Métodos: Estudo observacional retrospectivo envolvendo pacientes adultos com COVID-19 internados nas UTIs participantes entre março e agosto de 2020. Analisaram-se características clínicas, comorbidades, fonte de infecção por SARS-CoV-2, dados laboratoriais, dados microbiológicos, complicações e causas de óbito. Os fatores associados à mortalidade hospitalar foram avaliados por meio de modelos de regressão logística. Resultados: Foram incluídos 645 pacientes com média de idade de 61,4 anos. Desses, 387 (60,0%) eram do sexo masculino, 12,9% (83/643) haviam sido submetidos a transplante de órgão sólido, e quase 10% (59/641) apresentaram infecção nosocomial por COVID-19. Durante a internação na UTI, 359/644 pacientes (55,7%) necessitaram de ventilação mecânica invasiva, 225 (34,9%) necessitaram de terapia renal substitutiva, 337 (52,2%) receberam vasopressores, e 216 (33,5%) apresentaram infecções hospitalares (IHs), causadas principalmente por bactérias Gram-negativas multirresistentes. As IHs associaram-se de forma independente a maior risco de óbito. As principais causas de óbito foram choque refratário e síndrome de disfunção de múltiplos órgãos, mas não SDRA, como relatado anteriormente na literatura. Conclusões: Neste estudo, a maior parte de nossa coorte necessitou de ventilação mecânica invasiva, e quase um terço apresentou IHs, que se associaram de forma independente a maior risco de óbito. Outros fatores relacionados à mortalidade foram Índice de Comorbidade de Charlson, SOFA na admissão e complicações clínicas durante a internação na UTI. A infecção nosocomial por COVID-19 não se associou à mortalidade. As principais causas imediatas de óbito foram choque refratário e síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.
Palavras-chave:
COVID-19/mortalidade; Sepse; Insuficiência de múltiplos órgãos.
INTRODUÇÃO A pandemia de COVID-19 continua a impactar os sistemas de saúde em todo o mundo desde que casos foram relatados pela primeira vez na China em dezembro de 2019. Um número significativo de pacientes com COVID-19 desenvolve doença crítica e necessita de tratamento em UTI.(1) As taxas de mortalidade na UTI variam de 8,1% a 97% naqueles que necessitam de ventilação mecânica, dependendo do país ou do período da pandemia.(2-5)
A idade mais avançada e as condições crônicas preexistentes de saúde estão fortemente associadas à mortalidade hospitalar.(1,6,7) No entanto, as taxas de mortalidade de pacientes com COVID-19 em estado crítico estão relacionadas não apenas com a gravidade da doença, mas também com fatores modificáveis, como a cepa na UTI, infecções hospitalares (IHs) e aspectos organizacionais.(8-11) As informações sobre a causalidade e o mecanismo de óbito não são claras e são conflitantes. (12,13) O impacto da COVID-19 nosocomial também é inconsistente.(14) Embora a característica clínica mais preocupante da COVID-19 seja a SDRA com necessidade ventilação mecânica invasiva (VMI) e, geralmente, a insuficiência respiratória seja relatada como a principal causa de óbito,(15) o papel das IHs por COVID-19, da sepse bacteriana e da síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMO) precisa ser mais bem esclarecido, principalmente em países de baixa e média renda (PBMR).(16)
O objetivo do presente estudo foi investigar as características clínicas e fatores associados à mortalidade hospitalar, com foco em infecções secundárias, em pacientes com COVID-19 em estado crítico.
MÉTODOS Trata-se de um estudo retrospectivo envolvendo pacientes adultos com COVID-19 internados nas UTIs de três diferentes hospitais da cidade de São Paulo (SP). O Hospital São Paulo é um hospital universitário público da Universidade Federal de São Paulo com 35 leitos de UTI exclusivos para pacientes com COVID-19, enquanto o Hospital SEPACO e o Hospital BP Mirante são hospitais privados com 40 e 14 leitos de UTI exclusivos para pacientes com COVID-19, respectivamente. As três UTIs estavam ativas antes da pandemia e possuíam equipes adequadas, insumos e rotinas bem estabelecidas, como visitas multidisciplinares diárias e protocolos clínicos. As três instituições desenvolveram diretrizes específicas para o manejo de pacientes com COVID-19, incluindo os principais aspectos dos cuidados, como critérios de internação, uso de equipamentos de proteção individual, suporte de ventilação não invasiva (VNI), suporte de VMI, manejo hemodinâmico, sedação, analgesia, nutrição, uso de esteroides e reabilitação. O Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo aprovou o estudo (Protocolo n. 38065220.9.1001.5505). Em virtude da natureza retrospectiva do estudo, o consentimento livre e esclarecido foi dispensado.
Todos os pacientes adultos consecutivos internados nas UTIs participantes entre 10 de março e 31 de agosto de 2020 foram incluídos no estudo. Todos os pacientes tinham diagnóstico confirmado de COVID-19 ou alta suspeita clínica. Os casos confirmados foram aqueles com resultados positivos de RT-PCR de amostras de swabs nasofaríngeos, LBA ou aspirados nasofaríngeos/traqueais. Os casos suspeitos foram definidos com base na presença de sintomas clínicos, história clínica compatível e resultados de TC altamente sugestivos de COVID-19. Não houve critérios de exclusão.
O desfecho primário foi a mortalidade hospitalar. Também foram coletados desfechos secundários como fonte de infecção por SARS-CoV-2 (adquirida na comunidade ou nosocomial), complicações clínicas, mortalidade por transplante de órgão sólido, principal causa de óbito, prevalência de infecções secundárias e perfil microbiológico.
Os dados foram coletados por meio de uma plataforma baseada na Web (REDCap—Research Electronic Data Capture) que foi acessada site por site. Foram utilizados dados de prontuários médicos eletrônicos e de um banco de dados administrativo eletrônico (Epimed Solutions, Rio de Janeiro, Brasil). Foram coletados dados referentes a características demográficas e clínicas (idade, sexo, comorbidades, fonte de internação na UTI, diagnóstico e presença de coinfecção bacteriana/fúngica), fonte de infecção por SARS-CoV-2 (adquirida na comunidade ou nosocomial), gravidade da doença determinada pela pontuação no Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3) e no SOFA na admissão na UTI para pacientes com COVID-19 adquirida na comunidade e nosocomial, principais fármacos administrados durante as primeiras 48 h de internação na UTI (oseltamivir, terapia antiviral, antibióticos, antifúngicos e corticosteroides), dados laboratoriais e presença de fragilidade definida por uma pontuação > 4 na Clinical Frailty Scale.(17) Foi registrado o uso de recursos como oxigenoterapia, VNI, cateter nasal de alto fluxo, VMI, vasopressores, terapia renal substitutiva (TRS), terapia de pronação, oxigenação por membrana extracorpórea e óxido nítrico durante a internação na UTI. Também foram registradas as principais complicações durante a internação na UTI, com foco em IHs e em bactérias e fungos isolados em culturas. As IHs foram definidas de acordo com os prontuários médicos e as culturas positivas. As IHs relatadas ou suspeitas foram confirmadas ou descartadas pelos autores deste estudo. Os médicos assistentes e a equipe da UTI, juntamente com os familiares ou representantes legais dos pacientes e conforme as normas éticas brasileiras, deliberaram sobre cuidados paliativos. Os pacientes foram acompanhados até a alta hospitalar. Foram coletados dados sobre o tempo de internação na UTI e no hospital e a principal causa imediata de óbito na UTI relatada pelo médico assistente. A principal causa imediata de óbito (Quadro S1) também foi confirmada ou refutada por um dos membros de nossa equipe de pesquisa com o auxílio de um formulário estruturado adaptado de estudos anteriores.(12,18) Nossos resultados foram relatados de acordo com as diretrizes Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology.(19)
Análise estatística Não foram realizados cálculos de tamanho de amostra para este estudo exploratório descritivo. As variáveis categóricas foram descritas por meio de frequências absolutas e relativas, e as variáveis contínuas, por meio de medianas e intervalos interquartis ou médias e desvios-padrão. Na comparação entre sobreviventes e não sobreviventes, os testes t de Student e Mann-Whitney foram utilizados para variáveis contínuas com distribuição normal e não normal, respectivamente. As variáveis categóricas foram comparadas por meio do teste do qui-quadrado de Pearson.
As associações com a mortalidade hospitalar foram estimadas por meio de um modelo de regressão logística. Foram incluídas no modelo todas as variáveis com valor de p < 0,05 na análise univariada, inclusive as basais e as durante a evolução, bem como os fármacos utilizados durante a internação na UTI. A fim de limitar o número de variáveis para evitar sobreajuste (overfitting), tanto a plausibilidade biológica quanto a colinearidade foram avaliadas. A colinearidade foi avaliada inicialmente examinando-se a matriz de dispersão e o coeficiente de correlação de Pearson para variáveis contínuas ou a tabulação cruzada para variáveis categóricas. Na presença de colinearidade (por exemplo, escore de fragilidade e idade; tipo de infecção e fonte de internação; e neutrófilos e linfócitos), a variável mais relevante do ponto de vista clínico foi mantida no modelo. Os resultados foram expressos em razões de chances (odds ratios) e seus respectivos intervalos de confiança de 95%.
Em todos os testes, o nível de significância adotado foi de p < 0,05. As análises estatísticas foram realizadas com o programa estatístico R 4.0 (R Core Team, 2018).
RESULTADOS Foram incluídos no estudo 645 pacientes adultos diagnosticados com COVID-19 que foram internados nas UTIs participantes entre 10 de março e 31 de agosto de 2020. A média de idade foi de 61,4 ± 16,6 anos. A maioria eram homens (387 [60,0%]) e brancos (434 [67,2%]). As características demográficas e as comorbidades estão descritas na Tabela 1. Hipertensão e diabetes foram as comorbidades mais frequentes (Índice de Comorbidade de Charlson = 3,7 ± 2,6). A fragilidade estava presente em 20,4% de nossos pacientes, e 83 (12,9%) tinham história de transplante de órgão sólido, principalmente transplante de rim. A principal fonte de internação foi o serviço de emergência (398 pacientes [62,1%]), e 582 (90,8%) apresentavam COVID-19 adquirida na comunidade. A Tabela S1 mostra os dados laboratoriais na admissão.
Os dados referentes à gravidade da doença e suporte orgânico durante a internação na UTI estão disponíveis na Tabela 2. A média do SAPS 3 foi de 53,8 ± 15,3, e a mediana do SOFA na admissão na UTI foi de 4,0 (2,0-7,0). Quase 21% (134/641) de nossos pacientes receberam vasopressores, e quase 30% (181/641) necessitaram de VMI na admissão na UTI. O tempo de internação na UTI foi de 13,9 ± 29,7 dias, 55,7% (359/644) de nossa coorte recebeu VMI, quase 30% (189/638) necessitaram de posição prona, e 35,1% (225/641) necessitaram de TRS. A Tabela 3 descreve as complicações clínicas mais frequentes durante a internação na UTI. No geral, a taxa de mortalidade na UTI foi de 39% (252/645). Mais de um terço de nossos pacientes desenvolveu IHs. As culturas positivas foram mais frequentes em sangue e aspirado traqueal, sendo que Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa foram os agentes Gram-negativos predominantes (Tabela 4). Os dados referentes à resistência a fármacos são apresentados no material suplementar (Tabelas S2 a S6) e mostram alta proporção de resistência aos carbapenêmicos tanto para Klebsiella pneumoniae (> 90%) quanto para Pseudomonas aeruginosa (50%).
Na análise multivariada, a ocorrência de IHs associou-se de forma independente a maior risco de óbito (OR = 3,57; IC95%: 2,29-5,59; p < 0,001) mesmo após ajuste para idade e SOFA. Pacientes com maior Índice de Comorbidade de Charlson (OR = 1,15; IC95%: 1,02-1,28; p = 0,02) e complicações clínicas, como insuficiência hepática, arritmia cardíaca, isquemia de mão/pé e hemorragia, também apresentaram maiores taxas de mortalidade (Tabela 5). As causas mais frequentes de óbito foram choque refratário e SDMO, mas não hipoxemia (Tabela 6).
DISCUSSÃO Neste estudo retrospectivo, foram analisadas características clínicas e laboratoriais, suporte de UTI, complicações clínicas e causa imediata de óbito na UTI em uma amostra de 645 pacientes adultos com COVID-19 internados em UTI. Constatamos que a maior parte de nossa coorte necessitou de VMI e que quase um terço necessitou de TRS e apresentou IHs como complicação durante a internação na UTI. As principais causas de óbito foram choque refratário e SDMO. Infecções nosocomiais como complicação na admissão na UTI associaram-se a maior mortalidade, mesmo após ajuste para características basais como idade, Índice de Comorbidade de Charlson, transplante de órgão sólido e SOFA.
A mortalidade hospitalar foi de 42,4% em nossa coorte. Vários estudos relataram resultados semelhantes, e os pacientes que necessitaram de VMI e TRS apresentaram maiores taxas de mortalidade (69,9% e 72,8%, respectivamente).(2,3,5) Em estudos no Brasil, as taxas de mortalidade relatadas foram geralmente altas. Ranzani et al.(20) relataram uma alta taxa de mortalidade (55%) em pacientes de UTI no Brasil e uma taxa ainda maior para aqueles em VMI (80%). No entanto, a gravidade da doença, avaliada com base no uso de suporte orgânico, também é alta, principalmente em hospitais públicos. Ferreira et al.(5) relataram o uso de VMI, vasopressores e TRS, respectivamente, em 79%, 73% e 35% dos pacientes em um hospital público de referência. Socolovithc et al.(4) relataram dados de um hospital privado durante a primeira onda da COVID-19 e observaram menores taxas de suporte orgânico com o uso de VMI, vasopressores e TRS, respectivamente, em 49,5%, 50,9% e 13,2% dos pacientes. Analisamos pacientes de hospitais privados e públicos e também demonstramos um alto uso de suporte para disfunção orgânica. Em nosso estudo, 55,7% dos pacientes foram submetidos à VMI, aproximadamente 20% utilizaram VNI ou cateter nasal de alto fluxo durante a internação na UTI e 35% necessitaram de TRS. As taxas de mortalidade são influenciadas pela gravidade da doença, e a VMI e a TRS são as intervenções mais associadas ao óbito, sendo medidas substitutas da gravidade. Não avaliamos a mortalidade em relação à principal fonte de renda dos hospitais, pois estudos anteriores no Brasil já demonstraram que amostras de conveniência de hospitais públicos e privados podem causar viés nos resultados.(21) No entanto, em uma amostra aleatória anterior de pacientes internados em UTIs brasileiras, as taxas de mortalidade dos pacientes sépticos não apresentaram diferenças entre instituições públicas e privadas.(21)
Requião-Moura et al.(22) relataram uma taxa de mortalidade de 58,2% em pacientes transplantados renais com COVID-19 internados em UTI e uma taxa de mortalidade de 75,7% em pacientes submetidos à VMI. Além disso, os pacientes que necessitaram de TRS apresentaram mortalidade de 69,8%. Alberca et al.(23) analisaram a mortalidade em pacientes transplantados de órgãos sólidos e constataram que os transplantados renais e cardíacos apresentaram maior risco de óbito em comparação com os transplantados hepáticos. Quase 35% dos pacientes de nossa coorte necessitaram de TRS, o que é muito superior ao relatado em um estudo anterior.(3) Esse achado pode ser explicado pelo número de pacientes renais crônicos e transplantados renais em nossa coorte. Um estudo multicêntrico no Brasil incluiu dados de 35 centros de transplante renal, envolvendo 1.680 hospitalizações e 577 internações em UTI por COVID-19, e relatou que 23,4% dos pacientes necessitaram de TRS.(22) Em parte, nossas maiores taxas de mortalidade em pacientes em VMI e TRS poderm ser explicadas pela gravidade da doença na admissão na UTI e pela alta proporção de pacientes transplantados. Pacientes com história de transplante são imunossuprimidos e correm risco de doença mais grave e IHs.(24)
Em nossa coorte, houve uma alta incidência de IHs (33,5%), sendo que K. pneumoniae e P. aeruginosa foram as bactérias Gram-negativas mais isoladas nas culturas. Vários estudos relataram alta incidência e mortalidade por IHs secundárias em pacientes com COVID-19.(9,25) Dados da Itália sobre 774 pacientes adultos com COVID-19 grave em 8 hospitais hub italianos mostraram que 359 pacientes (46%) desenvolveram 759 IHs.(9) Os autores relataram uma alta prevalência de bactérias multirresistentes (35% de todos os agentes isolados). Como esperado, a pneumonia associada à ventilação mecânica, as infecções da corrente sanguínea e as infecções da corrente sanguínea associadas a cateter foram as IHs mais frequentes.(9) As IHs prolongaram a VMI e a hospitalização, e as IHs complicadas por choque séptico quase dobraram a mortalidade. Não há dados robustos de PBMR sobre IHs em pacientes com COVID-19. Uma revisão sistemática relatou 44% de infecção nosocomial em pacientes com COVID-19 na China, sugerindo que o impacto pode ser maior em PBMR do que em países desenvolvidos.(26) Nossos dados mostraram que as IHs, que potencialmente podem levar à sepse, associaram-se à mortalidade mesmo após o ajuste para características basais, sugerindo que medidas preventivas são fundamentais para reduzir a mortalidade associada à COVID-19 em PBMR.
No presente estudo, 56 pacientes (9,2%) apresentaram COVID-19 nosocomial. Read et al.(27) estimaram que quase 11,3% dos casos de COVID-19 ocorreram após a admissão hospitalar no Reino Unido. Anteriormente, no início da pandemia de COVID-19, Wake et al.(28) descreveram resultados semelhantes. Recentemente, uma meta-análise relatou que a COVID-19 nosocomial está associada a maior risco de mortalidade em comparação com a COVID-19 adquirida na comunidade, especialmente em pacientes imunossuprimidos.(14) Em nosso estudo, não observamos os mesmos resultados. Um dos potenciais motivos pode ter sido as altas taxas de mortalidade mesmo para a COVID-19 adquirida na comunidade em nossa população, o que pode ter causado viés nos resultados.
As causas mais frequentes de óbito em nossa coorte foram choque refratário e SDMO, diferentemente de outros estudos em que a insuficiência respiratória foi a principal causa de óbito, com uma proporção menor de pacientes morrendo por choque e insuficiência de múltiplos órgãos.(13,15,29,30) Ketcham et al.(15) relataram que a disfunção orgânica mais frequente antes do óbito foi a insuficiência pulmonar (81,7%), sendo que choque séptico foi a causa primária de óbito em apenas 26,8% dos casos. Gupta et al.(30) analisaram a causa de óbito em 787 pacientes e constataram que 92,7% deles morreram por insuficiência respiratória; no entanto, quase 40% também apresentaram choque séptico. Dados de PBMR são escassos, mas Aggarwal et al.(11) recentemente relataram sepse e SDMO como as principais causas de óbito em pacientes com COVID-19 na Índia, seguidas por SDRA e choque cardiogênico. Uma possível explicação para a inconsistência nas taxas de mortalidade e principais causas de óbito pode estar relacionada aos recursos financeiros dos hospitais, conforme relatado anteriormente para sepse.(21,31) As principais causas de óbito são influenciadas pelas taxas de sepse bacteriana e fúngica em consequência das IHs, que provavelmente levam a uma maior frequência de choque séptico refratário e SDMO. Dados anteriores já sugeriam que as taxas de IHs são mais altas em ambientes com poucos recursos.(32) Além disso, a superlotação das UTIs, leitos temporários de UTI, a falta de profissionais de saúde treinados e experientes, a baixa proporção enfermeiro-paciente, a presença da síndrome de burnout na equipe, a insuficiência de equipamentos e insumos médicos, a gestão (stewardship) de antibióticos, a carga de trabalho da equipe e a prevenção de infecções podem contribuir para o aumento das taxas de IHs, o uso excessivo de antibióticos e o aumento da multirresistência.(10)
Nosso estudo tem alguns pontos fortes. Trata-se de um estudo multicêntrico, com coleta detalhada de dados com foco na relevância das infecções secundárias no desfecho de pacientes com COVID-19, incluindo dados sobre microbiologia e multirresistência. No entanto, também apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, trata-se de um estudo retrospectivo que coletou dados de registros eletrônicos em saúde referentes à primeira onda da pandemia de COVID-19 no Brasil. Em segundo lugar, estimamos as IHs de acordo com prontuários médicos e culturas positivas, mas não utilizamos um critério específico para confirmar a infecção.
Em conclusão, a taxa de mortalidade associada à COVID-19 em nossa coorte foi semelhante à de relatos internacionais, sendo muito alta em pacientes em VMI e TRS. A mortalidade associou-se à presença de IHs mesmo após ajuste para fatores conhecidos de risco como comorbidades, transplante de órgão sólido, gravidade da doença e idade. Refletindo a relevância da sepse, a principal causa de óbito foi choque refratário. Medidas de prevenção de IHs devem ser enfatizadas para melhorar os desfechos.
CONFLITOS DE INTERESSE Nenhum declarado.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES FJSR: autor responsável pelo artigo desde o início até a publicação. FJSR, FCA, MAS, EMF, DYVT, ESP, FSCS, MJ, NFN, FSVA, TMLA, FRM e FGRF: desenho do estudo. FJSR, FCA, MAS, EMF, FRM e FGRF: coleta dos dados. FJSR, FCA, MAS, EMF, DYVT, ESP, FSCS, MJ, NFN, FSVA, TMLA, FRM e FGRF: análise e interpretação dos dados, bem como redação e revisão do manuscrito. Todos os autores: aprovação final do manuscrito.
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