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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Rastreamento de câncer de pulmão com TC de baixa dose integrada à assistência pulmonar em um hospital público no sul do Brasil: resultados dos primeiros 712 pacientes

Lung cancer screening with low-dose CT integrated with pulmonary care in a public hospital in southern Brazil: results from the first 712 patients

Fábio Munhoz Svartman1,2,3, Maurício Mello Roux Leite2, Ana Paula Garcia Sartori2, Renato Soares Gutierrez2, Ana Carolina Cadore2, Carla Tatiana Martins de Oliveira2, Renata Ullmann de Brito2, Cristiano Feijó Andrade1,3

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220146

ABSTRACT

Objective: To describe the performance of a pulmonologist-led lung cancer screening pro-gram using low dose CT (LDCT) in a cohort of outpatients with stable respiratory diseases in the Brazilian public health care system. Methods: This was a retrospective analysis of the first two rounds of lung cancer screening of patients enrolled in the program. Inclusion criteria were being between 55 and 80 years of age, being a current or former smoker (smoking cessation = 15 years), and having a smoking history = 30 pack-years. LDCT results were interpreted in accordance with the Lung CT Screening Reporting and Data System, and those with a score of 3 or 4 were considered posi-tive screening. Incidental pleuropulmonary findings were sought in all reports. Results: LDCTs were requested for 791 patients during the study period, and 712 patients (90%) met the screening criteria. The mean patient age was 63 years, and most participants were current smokers (56%) with emphysema (78.5%) and other pleuropulmonary findings on CT (64%). Screening was positive in 14.0% and 5.6% of the cases in the first and second screening rounds, respectively. Lung cancer was detected in 1.5% of the patients in both first and second rounds (positive predictive value: 11.0% and 26.6%, respectively). The rate of early-stage (TNM I or II) screen-detected non-small cell carcinoma was 64.3%. Of the patients with positive screening, 19% were lost to follow-up before investigation was complete. Conclusions: The results of this screening program suggest its adequate performance in a cohort of patients with significant respiratory morbidity. The loss to follow-up rate highlights the need for constant monitoring and interventions to ensure adherence.

Keywords: Lung neoplasms; Diagnostic screening programs; Early detection of cancer; Brazil; Tuberculosis.

RESUMO

Objetivo: Descrever o desempenho de um programa de rastreamento de câncer de pulmão conduzido por pneu-mologistas usando TC de baixa dose (TCBD) em uma coorte de pacientes ambulatoriais com doença respiratória estável no sistema público de saúde brasileiro. Métodos: Análise retrospectiva das duas primeiras rodadas de rastreamento de câncer de pulmão em pacientes inscritos no programa. Os critérios de inclusão foram ter idade entre 55 e 80 anos, ser fumante atual ou ex-tabagista (cessação do tabagismo ≤ 15 anos) e carga tabágica ≥ 30 anos-maço. Os resultados do TCBD foram interpretados de acordo com o Lung CT Screening Reporting and Data System, e aqueles com pontuação 3 ou 4 foram considerados exames positivos. Achados pleuropulmonares incidentais fo-ram verificados em todos os relatórios. Resultados: TCBD foram solicitadas para 791 pacientes durante o período do estudo, e 712 pacientes (90%) preencheram os critérios de rastreamento. A média de idade dos pacientes foi de 63 anos, e a maioria dos participantes era fumante atual (56%) com enfise-ma (78,5%) e outros achados pleuropulmonares na TC (64%). O rastreamento foi positivo em 14,0% e 5,6% dos casos na primeira e segunda rodada, respectivamente. O câncer de pulmão foi detectado em 1,5% dos pacientes tanto na primeira quanto na segunda rodada (valor preditivo posi-tivo: 11,0% e 26,6%, respectivamente). A taxa de carcinoma de células não pequenas detectado em estágio inicial (TNM I ou II) foi de 64,3%. Dos pacien-tes com rastreamento positivo, 19% foram perdidos no seguimento antes da conclusão da investigação. Conclusões: Os resultados deste programa de rastreamento sugerem um desempenho adequado em uma coorte de pacientes com morbidades respiratórias significativas. A taxa de perda de seguimento destaca a necessidade de monitoramento constante e intervenções para garantir a adesão.

Palavras-chave: Neoplasias pulmonares; Programas de triagem diagnóstica; Detecção precoce de câncer; Brasil; Tuber-culose.

INTRODUÇÃO
 
O câncer de pulmão causa mais mortes do que qualquer outra neoplasia no mundo, e uma proporção substancial e crescente de casos ocorre em regiões de médio e baixo desenvolvimento socioeconômico.(1) No Brasil, o câncer de pulmão em estágio avançado é identificado em cerca de 70% dos casos diagnosticados,(2) e o número estimado de óbitos é de 28.000 a cada ano.(3) O rastreamento por TC de baixa dose (TCBD) em pacientes de alto risco, seguido de uma abordagem diagnóstica e terapêutica adequada, reduz a mortalidade dessa doença em 20% ou mais, como demonstrado por grandes ensaios clínicos nos Estados Unidos e na Europa.(4,5) No entanto, fatores associados ao perfil clínico-epidemiológico da população rastreada, bem como o sistema de saúde local, podem alterar potencialmente os benefícios do rastreamento.(6) Diretrizes internacionais atuais recomendam a continuidade do estudo dessa estratégia em diferentes cenários, bem como a coleta de dados a fim de aprimorar programas locais.(6,7)
 
Este estudo descreve os resultados de um programa de rastreamento desenvolvido para pacientes com alto risco de câncer de pulmão que estavam em acompanhamento para doenças pulmonares em um hospital público de grande porte no sul do Brasil. Por se localizar em área com alta incidência de doenças granulomatosas, principalmente tuberculose (89,9/100.000 habitantes na cidade de Porto Alegre e 46,6/100.000 habitantes no estado do Rio Grande do Sul),(8) bem como de paracoccidioidomicose(9) e silicose,(10) há interesse específico no potencial grande número de rastreamentos positivos associados a nódulos inflamatórios. Além disso, pouco se sabe sobre a viabilidade de um programa de rastreamento de câncer de pulmão no sistema público de saúde brasileiro.
 
MÉTODOS
 
Análise retrospectiva de todos os pacientes que realizaram TCBD na instituição entre a implantação do programa de rastreamento de câncer de pulmão (junho de 2014) e dezembro de 2019. O registro centralizado de todas as TCBD permitiu a localização de todos os prontuários para revisão. Na rotina de atendimento do programa, os pneumologistas solicitavam as TCBD durante os atendimentos ambulatoriais de pacientes com doenças pulmonares e de tabagistas que já estavam em acompanhamento no hospital. Dados demográficos e da história clínica, além dos resultados dos exames de espirometria e de controle de imagem, estavam disponíveis no prontuário eletrônico dos pacientes e foram coletados por meio de um formulário estruturado. Dados clínicos da solicitação do exame e de consultas anteriores foram revisados para confirmar a intenção de rastreamento. O principal diagnóstico de seguimento foi registrado conforme o relato do pneumologista no prontuário. DPOC foi confirmada por espirometria, mas pacientes com evidências de bronquite crônica também foram considerados casos de DPOC. Os dados foram registrados anonimamente e os aspectos éticos e metodológicos do projeto foram aprovados pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (CAAE 73309317.5.0000.5530). Resultados parciais do presente estudo foram apresentados anteriormente como pôster em uma conferência.(11)
 
Protocolo TCBD
 
A aquisição e o processamento das imagens seguiram as recomendações do American College of Radiology. (12) Em resumo, a TCBD foi realizada com um scanner de 16 canais (BrightSpeed; GE Healthcare, Waukesha, WI, EUA) sem o uso de contraste intravenoso, de acordo com os seguintes parâmetros: 120 kVp; 60 mA; tempo de rotação do gantry, 0,5 s; e pitch, 1,375. Uma única aquisição foi realizada durante a inspiração, e reconstruções subsequentes foram realizadas com colimação de 20 mm, incremento de 5 mm e espessura de 1,25 mm. Doses efetivas de radiação variaram entre 0,8 e 1,3 mSv, com um produto dose-comprimento entre 69 e 86 mGy•cm. Os resultados foram interpretados de acordo com os padrões do Lung CT Screening Reporting and Data System (Lung-RADS),(13) e as categorias de avaliação revisadas (versão 1.1; 2019) foram usadas sempre quando relevante. Os laudos foram preenchidos por radiologistas da instituição sob a supervisão de um radiologista certificado, que desenvolveu o programa e teve formação específica em radiologia torácica. Os relatórios incluíam o escore de classificação Lung-RADS, bem como informações sobre a presença de enfisema e de outros achados pleuropulmonares incidentais. Esses achados incluíram todas as anormalidades intersticiais, parenquimatosas e pleurais, agudas ou crônicas, que foram descritas no relatório, mas não usadas para a classificação Lung-RADS.(13) Achados sobre outros órgãos torácicos e extratorácicos, embora descritos no relatório, não foram registrados no presente estudo.
 
Os critérios de inclusão foram ter idade entre 55 e 80 anos; ter carga tabágica de pelo menos 30 anos-maço; e ser fumante atual ou ex-fumante (cessação ≤ 15 anos). Os critérios de exclusão foram ter doença pulmonar ou sistêmica que limitasse a investigação diagnóstica ou um possível tratamento cirúrgico para câncer de pulmão (definido pelo médico assistente no momento da solicitação do exame); apresentar sintomas ou sinais compatíveis com suspeita clínica de câncer de pulmão no momento da solicitação da TCBD; e ter tido câncer de pulmão anteriormente.
 
Os procedimentos para investigação após rastreamento positivo (incluindo TC de controle, biópsia ou encaminhamento para cirurgia) ficaram a critério do pneumologista assistente, embora também tenham sido consideradas sugestões do laudo da TCBD de acordo com os padrões Lung-RADS.(13) Como parte da rotina do programa, a maioria das TCs de controle também eram TCBD, e seus laudos também seguiam os padrões Lung-RADS.(13) As sessões multidisciplinares regulares não faziam parte formal do programa de rastreamento, e os casos difíceis eram discutidos individualmente com o radiologista, o cirurgião torácico, ou ambos, como prática rotineira da instituição.
 
A análise do presente estudo refere-se aos resultados na primeira (T0) e segunda (T1) rodadas de rastreamento. Os resultados clínicos e radiológicos foram avaliados para cada paciente após um rastreamento positivo, incluindo resultados de TCs de controle e resultados finais de investigação diagnóstica adicional (câncer ou doença benigna). Os padrões Lung-RADS(13) foram utilizados para determinar a estabilidade ou regressão da lesão em TCs de controle. Os prontuários dos pacientes com rastreamento positivo foram revisados até a definição diagnóstica ou perda/encerramento do seguimento. Dados adicionais de pacientes diagnosticados com câncer por rastreamento foram coletados, incluindo tipo histológico e detalhes sobre estadiamento e tratamento.
 
Os parâmetros adotados para avaliar o desempenho do programa foram definidos da seguinte forma: taxa de rastreamentos positivos — número de pacientes com escore Lung-RADS 3 ou 4 dividido pelo número de pacientes rastreados, sendo a taxa calculada para T0 e T1 separadamente; prevalência de câncer de pulmão — número de pacientes com câncer de pulmão confirmado em T0 dividido pelo número de pacientes rastreados em T0; incidência de câncer de pulmão — número de pacientes com câncer de pulmão confirmado em T1 dividido pelo número de pacientes rastreados em T1; e valor preditivo positivo — número de pacientes com câncer de pulmão confirmado dividido pelo número de pacientes com rastreamento positivo.
 
Como elemento adicional de investigação, os casos de carcinoma de células não pequenas detectados por rastreamento foram comparados com casos diagnosticados fora do programa na mesma instituição (pacientes cuja investigação foi iniciada devido a sintomas ou achados
incidentais). Essa amostra comparativa foi composta por todos os casos diagnosticados fora do programa de rastreamento em 2017, que foi o ponto médio do período do estudo.
 
Análise estatística
 
Estatística descritiva (frequências absolutas e relativas; médias e desvios-padrão; e medianas e intervalos interquartis) foi utilizada para relatar os dados de prevalência de rastreamento positivo e de neoplasias, bem como variáveis clínico-epidemiológicas. O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparação de frequências de rastreamento positivo entre pacientes com e sem achados de TC adicionais, bem como para comparação de câncer de pulmão em estágio inicial entre pacientes rastreados e não rastreados (amostra comparativa). O nível de significância foi estabelecido em 0,05 para todos os resultados.
 
RESULTADOS
 
Durante o período do estudo, TCBD foram realizadas em 791 pacientes. Em 79 desses pacientes (10%), a TCBD não foi solicitada para fins de rastreamento ou o paciente não atendeu aos critérios de inclusão do programa. Os motivos da exclusão desses pacientes estão detalhados na Figura 1. Dos 712 pacientes que realizaram a primeira rodada de rastreamento (T0), 266 (37,3%) realizaram a segunda rodada (T1) antes do final do período do estudo. Os dados clínicos e demográficos dos pacientes encontram-se na Tabela 1. Resumidamente, a média de idade foi de 63 anos, com discreta predominância de homens (51,5%) e de fumantes atuais (56%). O diagnóstico mais comum foi DPOC, que foi o principal diagnóstico em 69,3% dos pacientes. A média do VEF1 foi de 64,9% do valor previsto.
 




A taxa de rastreamento positivo em T0 foi de 14%, com distribuição semelhante entre os escores Lung-RADS 3 e 4 (Tabela 2). Em T1, entre 266 pacientes, 15 (5,6%) dos rastreamentos foram positivos. No geral, 16 casos de câncer foram identificados no estudo: 15 eram casos de câncer de pulmão primário, e 1 era um caso de câncer de mama metastático (o tumor primário não havia sido diagnosticado antes do rastreamento). Das 15 neoplasias pulmonares primárias, 11 foram identificadas em T0 (n = 721; prevalência de câncer de 1,5%) e 4 em T1 (n = 266; incidência de câncer de 1,5%). O valor preditivo positivo para rastreamento positivo em T0 foi de 11% (11 neoplasias confirmadas/99 rastreamentos positivos). Considerando apenas o escore Lung-RADS 4, o valor preditivo positivo foi de 23,9% (11/46). Em T1, o valor preditivo positivo foi de 26,6% (4/15) para rastreamento positivo e 50% (4/8) para escore Lung-RADS 4.

 
Detalhes sobre os pacientes diagnosticados com câncer de pulmão, incluindo estadiamento e tratamento, são apresentados na Tabela 3. O tipo histológico mais comum foi adenocarcinoma (13/15 pacientes), e tratamento com intenção curativa (cirurgia ou radioterapia ablativa) foi oferecido para todos os pacientes em estágio I ou II. Uma comparação do estadiamento do carcinoma de células não pequenas detectado no programa de rastreamento com aqueles detectados fora do programa de rastreamento em 2017 (n = 134) é apresentada na Figura 2. Estágio TNM I-II estava presente em 64,3% e 22,4% dos pacientes rastreados e não rastreados, respectivamente (variação percentual = 41,9%; IC 95%: 15,2-62,2; p = 0,0007).

 



A Tabela 4 mostra o resultado dos 114 rastreamentos positivos (T0 e T1), incluindo a proporção de casos em que o escore Lung-RADS regrediu em TCs subsequentes. Um achado importante foi que 19,3% (n = 22/114, T0 e T1 combinados) dos pacientes com rastreamento positivo foram perdidos no seguimento sem completar a investigação: 18,3% com escore Lung-RADS 3 e 20,3% com Lung-RADS 4 (T0 e T1 combinados).
 

 
Achados pleuropulmonares incidentais (além de enfisema) foram descritos em 64% dos exames tomográficos, incluindo bandas parenquimatosas/atelectasia cicatricial em 37,9% dos casos. As frequências de rastreamento positivo entre pacientes com e sem achados incidentais de TCBD foram semelhantes (16,4% e 12,5%, respectivamente; variação percentual = 3,9%; IC 95%: −1,3 a 9,6; p = 0,15). Não houve diferença estatisticamente significativa entre pacientes com e sem enfisema em TCBD (15% e 9,8%, respectivamente; variação percentual = 5,2%; IC 95%: −1,15 a 10,1; p = 0,09).
 
DISCUSSÃO
 
Nosso estudo relata os resultados iniciais de um programa de rastreamento de câncer de pulmão em uma coorte de pacientes com características específicas que diferem das demais: foi desenvolvido em um cenário de alta prevalência de doenças granulomatosas e conduzido por pneumologistas para pacientes já em acompanhamento de doenças respiratórias crônicas controladas no contexto do sistema público de saúde brasileiro.
 
Embora nossos critérios de inclusão tenham sido praticamente os mesmos do National Lung Screening Trial (NLST),(4) os pacientes incluídos em nosso estudo apresentavam um perfil clínico diferente, como esperado em uma coorte de pacientes com doenças pulmonares prévias em um contexto epidemiológico diverso. De fato, em nosso estudo, enfisema foi relatado em 78,5% dos pacientes durante a primeira rodada de TCBD, muito maior do que o relatado no NLST (30,7%).(14) Da mesma forma, apenas 10,6% tinham histórico de DPOC/enfisema naquele estudo,(14) enquanto que, em nosso estudo, o principal motivo de acompanhamento respiratório era DPOC (69,3%). Bandas parenquimatosas/atelectasia cicatricial também foram muito frequentes em nossa coorte, provavelmente refletindo infecções prévias, incluindo doenças granulomatosas localmente prevalentes.
 
Apesar dessas diferenças, as taxas de rastreamento positivo foram bastante semelhantes de acordo com a classificação Lung-RADS: A proporção de Lung-RADS 3 ou 4 foi de 13,6% e 14%, respectivamente, na reanálise do NLST(15) e em nosso estudo. O mesmo ocorreu com a prevalência de câncer: 1% e 1,5%, respectivamente.
 
Em um contexto semelhante ao do presente estudo, Grover et al.(16) avaliaram um programa de rastreamento em uma população previamente acompanhada devido a DPOC no sistema público de saúde do Reino Unido. A prevalência de câncer foi de 2% e, mais importante, 66,7% desses casos foram diagnosticados no estágio I ou II. Em nosso estudo, a proporção de casos precoces foi semelhante (64,3%) e, vale ressaltar, foi significativamente maior do que a proporção de casos detectados fora do programa de rastreamento em nossa instituição (22,4%) e em todo o país.(2) Na verdade, nossos resultados podem ter subestimado o benefício potencial do rastreamento, porque uma revisão cuidadosa dos dados revelou que em 2 dos casos em estágio IV houve um atraso não intencional na realização de TC de controle e investigação diagnóstica adicional. De fato, não podemos ter certeza de que se evitássemos esses atrasos, ocorreria um estadiamento mais favorável, e entendemos que essas situações podem causar dificuldades reais em um programa de rastreamento.
 
Uma preocupação importante é que pacientes com doenças pulmonares e função pulmonar comprometida podem apresentar um potencial limitado para tratamento com intenção curativa. Em nosso estudo, com exceção de 1 paciente que recusou tratamento, todos os pacientes em TNM I ou II receberam tratamento com intenção curativa (cirurgia ou radioterapia ablativa). Apesar do número significativo de pacientes com função pulmonar comprometida, incluindo mais de um quarto dos participantes com VEF1 < 50% do valor previsto, acreditamos que pacientes cuidadosamente selecionados com base em seu contexto clínico geral podem ser candidatos adequados para rastreamento mesmo em tais níveis de comprometimento da função pulmonar.
 
O rastreamento com TCBD em países em desenvolvimento é um desafio e os esforços para estudá-lo e implantá-lo ainda são incipientes.(17,18) No entanto, estudos como o de Santos et al.(19) demonstram que as taxas de detecção de câncer e a necessidade de exames invasivos podem ser semelhantes às em países desenvolvidos. De fato, em um estudo recente de Hochhegger et al.,(20) que avaliou retrospectivamente os resultados de rastreamento de 3.470 pacientes no Brasil (88% no sistema privado de saúde), os resultados foram bastante animadores: a prevalência de câncer foi de 2,1% e, mais importante, o estadiamento precoce foi identificado em 70,3% desses casos. Esses resultados são semelhantes aos em estudos internacionais, e os autores concluíram que a prevalência local de doenças granulomatosas não aumentou o número de biópsias pulmonares. Os resultados do nosso estudo vão na mesma direção e aumentaram significativamente o número de pacientes rastreados no sistema público de saúde (401 em Hochhegger et al.(20) vs. 721 no presente estudo). Mesmo com as limitações inerentes ao contexto do sistema público de saúde, nossas taxas de estadiamento precoce foram semelhantes às de Hochhegger et al.(20) — 64,3% vs. 70,3% — o que representa um avanço muito importante em relação às taxas usuais sem rastreamento. Acreditamos que a expertise de centros acadêmicos ou de grande volume em um contexto multidisciplinar, com especialistas familiarizados com a epidemiologia local e o manejo de doenças granulomatosas, pode contribuir para resultados satisfatórios como os obtidos no presente estudo, sem investigações desnecessárias.
 
Finalmente, a taxa de perda de seguimento foi uma limitação significativa. Essa é uma preocupação constante na prática de rastreamento clínico em situações de vida real.(21) Uma recente meta-análise de Lopez-Olivo et al.(22) incluiu 15 estudos americanos (16.863 pacientes) e encontrou uma taxa de adesão global de apenas 55%. Os autores(22) verificaram que os seguintes fatores tiveram importantes associações com a baixa adesão: tabagismo atual, minorias étnicas, idade < 65 anos, baixa escolaridade e programa de rastreamento descentralizado. Em nosso estudo, as razões para a baixa taxa de rastreamento em T1 não foram avaliadas, pois estavam além do escopo do estudo, e podem ter sido causadas por decisão do médico ou do paciente. No entanto, todos os rastreamentos positivos foram cuidadosamente revisados, e nossa perda de seguimento foi de aproximadamente 20%. Infelizmente, nosso estudo retrospectivo não conseguiu identificar as causas da não adesão às consultas ou da não realização das investigações solicitadas após um rastreamento positivo. Além das causas usuais de baixa adesão, um possível fator é que alguns pacientes com rastreamento positivo no final de 2019 podem ter tido dificuldades em agendar TCs de controle ou consultas médicas devido a restrições causadas pela pandemia de COVID-19 (a partir de março de 2020). Embora a alta taxa de pacientes perdidos no seguimento seja preocupante, entendemos que os problemas de adesão em nosso estudo são semelhantes aos relatados em estudos da vida real(22,23) e que detectar tais limitações pode ajudar a melhorar o programa, incluindo estratégias para contatar pacientes não aderentes e melhorar a “navegação” após um resultado positivo. Acreditamos também que os pacientes que já estão vinculados ao atendimento ambulatorial podem ter melhor adesão às rodadas subsequentes de rastreamento.
 
Em conclusão, um programa de rastreamento de câncer de pulmão para pacientes em acompanhamento respiratório no sistema público de saúde brasileiro em uma área com alta incidência de doenças granulomatosas e com alto índice de achados inflamatórios residuais em TC obteve resultados satisfatórios e comparáveis aos de outras coortes em diferentes contextos. A alta taxa de estadiamento precoce é encorajadora e sugere um impacto benéfico no número de tratamentos com intenção curativa. A frequência de investigações incompletas após o rastreamento positivo aponta para a necessidade de monitoramento e intervenções constantes para garantir a adesão ao rastreamento.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
FMS, MMRL, APGS, RSG e CFA: conceituação. FMS, MMRL e CFA: curadoria de dados. FMS e CFA: análise formal. CTMO, RUB, FMS, RSG, ACC, APGS e MMRL: investigação. FMS: redação do manuscrito. FMS, CFA, RSG, MMRL e APGS: edição e revisão do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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