Por que realizar ensaios clínicos pragmáticos é tão importante?
Ignacio Esteban1,2, Juliana Carvalho Ferreira1,3, Cecilia Maria Patino1,4
DOI: 10.36416/1806-3756/e20220397
CENÁRIO PRÁTICO
Pesquisadores na Finlândia delinearam um ensaio clínico randomizado (ECR) no qual adultos com mais de 65 anos de idade serão randomizados (1:1) para receber uma dose alta ou uma dose padrão de uma vacina quadrivalente contra influenza. O principal desfecho são internações cardiorrespiratórias até 6 meses pós-vacinação. Eles propõem usar um design pragmático e realizar seguimento por até 11 meses após a vacinação usando os registros nacionais de saúde finlandeses. Aqui, analisamos o desenho deste ensaio clínico pragmático (ECP) para discutir sua importância na tomada de decisão baseada em evidências.(1)
ECP: VANTAGENS E DIFERENÇAS EM RELAÇÃO AOS ENSAIOS CLÍNICOS EXPLICATIVOS
Os ECR são o desenho de estudo padrão ouro para determinar a segurança e a eficácia de novas intervenções. No entanto, o “cenário ideal” no qual os ensaios clínicos são realizados pode estar muito distante das reais necessidades e do processo decisório dos profissionais de saúde e da população. Os ECR podem ser classificados como ensaios explicativos (também chamados de fase III de desenvolvimento de medicamentos), cujo objetivo principal é confirmar uma hipótese clínica ou fisiológica em um ambiente muito controlado, ou como ensaios pragmáticos, como parte da fase de pós-comercialização ou a chamada fase IV, com o objetivo de testar a nova intervenção em cenários do mundo real, auxiliando assim a se compreender o verdadeiro impacto da introdução do medicamento ou da tecnologia em estudo.(2)
A escolha de um ECP ao invés de um ensaio clínico explicativo (ECE) depende do estágio de desenvolvimento da intervenção e do nível de pragmatismo desejado para aumentar a generalização dos resultados. Essa decisão implica em modificações nos aspectos típicos dos ECR para melhorar a viabilidade do estudo.
Os ECE geralmente são realizados em centros de pesquisa com profissionais treinados, enquanto os ECP podem ser realizados em vários tipos de centros de saúde (hospitais, clínicas e consultórios particulares) e por diferentes profissionais de saúde, muitos dos quais sem treinamento prévio em pesquisa; em nosso exemplo, o estudo ocorre em mais de 40 postos de saúde.(1) Isso aumenta a generalização dos resultados.
Os participantes dos ECP, como os do nosso exemplo, tendem a ser uma população heterogênea com critérios mínimos para sua seleção e com uma faixa etária mais ampla, enquanto os participantes dos ECE são frequentemente mais homogêneos e altamente selecionados ou compartilham uma patologia comum.(2)
Os dois tipos de ensaios clínicos utilizam um grupo controle; no entanto, os ECP geralmente utilizam outro grupo de braço ativo, muitas vezes um grupo de tratamento padrão ao invés de um grupo placebo. Em nosso exemplo, o grupo “alta dose” está sendo comparado ao grupo “dose padrão”. Os desfechos em ECP geralmente são centrados no paciente, como óbitos, hospitalizações, sintomas, incapacidade e qualidade de vida, o que facilita a coleta de dados com um sistema de vigilância mais flexível.(2) O seguimento dos participantes de ECE normalmente requer várias visitas ao local do estudo, enquanto o acompanhamento nos ECP é menos rigoroso; em nosso exemplo, os pesquisadores coletam periodicamente dados fornecidos pelos prontuários eletrônicos do sistema público de saúde. Outras características principais dos dois tipos de estudos estão resumidas na Tabela 1.
Devido a preocupações sobre adesão e seguimento menos rigorosos nos ECP, a coleta de dados de alta qualidade, o design estatístico robusto e o cegamento ao definir e determinar o desfecho do estudo são essenciais para a obtenção de resultados confiáveis. (2) A ferramenta Pragmatic Explanatory Continuum Indicator Summary (PRECIS-2)(3) é útil para conduzir e aumentar a robustez dos ECP.
PONTOS-CHAVE
1. Os ECP são cada vez mais utilizados na pesquisa clínica, pois oferecem evidências sobre intervenções em circunstâncias da vida real.
2. Os ECP fornecem informações de suma importância para novas intervenções, processos de desenvolvi-mento e tomadas de decisões em saúde pública, informando a prática clínica.
3. A correta implementação dos ECP com delineamento estatístico robusto, coleta de dados de alta qualida-de e seguimento são essenciais para aumentar sua validade.
REFERÊNCIAS
1. Hollingsworth R, Palmu A, Pepin S, Dupuy M, Shrestha A, Jokinen J, et al. Effectiveness of the quadrivalent high-dose influenza vaccine for prevention of cardiovascular and respiratory events in people aged 65 years and above: Rationale and design of a real-world pragmatic randomized clinical trial. Am Heart J. 2021;237:54-61. https://doi.org/10.1016/j.ahj.2021.03.007
2. Ford I, Norrie J. Pragmatic Trials. N Engl J Med. 2016;375(5):454-463. https://doi.org/10.1056/NEJMra1510059
3. PRECIS-2 [homepage on the Internet]. Aberdeen: University of Aberdeen; c2016 [ci-ted 2022 Oct 1]. Available from: http://www.precis-2.org/