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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Formas clínicas e diagnóstico da tuberculose em crianças e adolescentes durante a pandemia de COVID-19

Clinical forms and diagnosis of tuberculosis in children and adolescents during the COVID-19 pandemic

Michely Alexandrino de Souza Pinheiro1, Rafaela Baroni Aurilio1, Ana Alice Amaral Ibiapina Parente1,2, Maria de Fátima Bazhuni Pombo Sant’Anna2, Ana Cristina Cisne Frota1, Cristina Barroso Hofer2, Thalita Fernandes de Abreu2, Sidnei Ferreira2, Clemax Couto Sant’Anna2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220240

ABSTRACT

Objective: The present study aimed to describe the clinical forms and the time taken to diagnose new tuberculosis cases and to statistically analyze the isolated and combined forms of the disease in children and adolescents treated at a university hospital in Rio de Janeiro during the first year of the COVID-19 pandemic in Brazil. Methods: This was a cross-sectional study that used retrospective data on children (0-9 years old) and adolescents (10-18 years old) with pulmonary (PTB), extrapulmonary (EPTB), and combined tuberculosis (PTB + EPTB) followed up at the outpatient clinic from January 2019 to March 2021. Categorical data were analyzed by descriptive statistics and expressed as frequency and proportions. Categorical variables were compared using the Chi-square test, and numerical variables using Student's T-test. Results: A total of 51 cases were included, 63% (32/51) of which comprised patients in the year of the pandemic (group A), while 37% (19/51) were patients attended in previous years (group B). In group A, 19% (6/32) of the patients presented PTB, 59% (16/32) had EPTB, and 31% (10/32) had PTB+EPTB. In group B, 42% (8/19) of the patients presented PTB, 42% (8/19) had EPTB, and 16% (3/19) had PTB+EPTB. Conclusion: Our study revealed more tuberculosis cases in the first year of the pandemic than in the same period of the previous year, with greater variation of sites affected by the disease, including rarer and more severe forms.

Keywords: pandemic, children, adolescents, tuberculosis, coronavirus.

RESUMO

Objetivo: O presente estudo teve como objetivo descrever as formas clínicas e o tempo de diagnóstico de novos casos de tuberculose e analisar estatisticamente as formas isoladas e combinadas da doença em crianças e adolescentes atendidos em um hospital universitário do Rio de Janeiro durante o primeiro ano da pandemia de COVID-19 no Brasil. Métodos: Este estudo transversal utilizou dados retrospectivos de crianças (0–9 anos) e adolescentes (10–18 anos) com tuberculose pulmonar (TBP), extrapulmonar (TBEP) e combinada (TBP + TBEP) acompanhados no ambulatório de janeiro de 2019 a março de 2021. Os dados categóricos foram analisados por estatística descritiva e expressos em frequência e proporções. As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste Qui-quadrado e as variáveis numéricas pelo teste T de Student. Resultados: Foram incluídos 51 casos, sendo 63% (32/51) pacientes no ano da pandemia (grupo A) e 37% (19/51) pacientes atendidos em anos anteriores (grupo B). No grupo A, 19% (6/32) dos pacientes apresentavam TBP, 59% (16/32) TBEP e 31% (10/32) TBP+TBEP. No grupo B, 42% (8/19) dos pacientes apresentavam TBP, 42% (8/19) TBEP e 16% (3/19) TBP+TBEP. Conclusão: Nosso estudo evidenciou mais casos de tuberculose no primeiro ano da pandemia do que no mesmo período do ano anterior, com maior variação de locais acometidos pela doença, incluindo formas mais raras e mais graves.

Palavras-chave: pandemia, crianças, adolescentes, tuberculose, coronavírus.

 
INTRODUÇÃO
 
A tuberculose é uma doença transmissível que constitui uma das principais causas de morte em todo o mundo. Desde 1993, tem sido considerada uma emergência global e um problema desafiador de saúde pública. Em 2019, aproximadamente dez milhões de pessoas contraíram tuberculose, com 73.864 novos casos no Brasil. No final daquele ano, os indicadores globais de ônus da tuberculose diminuíram e o acesso à prevenção e tratamento melhorou.(1-3)
 
A pandemia da doença do coronavírus (COVID-19) reverteu anos de progresso. Pela primeira vez em mais de uma década, o número de mortes por tuberculose aumentou e a redução da incidência da doença alcançada em anos anteriores diminuiu. Aproximadamente metade das pessoas com tuberculose não teve acesso à saúde em 2020 e, portanto, não foram notificadas. Um estudo recente publicado pela organização Stop Tuberculosis Partnership mostrou que as medidas de isolamento social, que reduzem a demanda por serviços, podem, consequentemente, levar a 6,3 milhões de novos casos e mais 1,3 milhões de óbitos pela doença até 2025. No entanto, estima-se que o impacto da tuberculose tenha sido muito pior em 2021 e 2022.(3-6)
 
Em 2020, os recursos econômicos e humanos de saúde foram realocados devido à alta prioridade da COVID-19, interrompendo os atuais programas de saúde e reduzindo o diagnóstico e tratamento precoce de várias doenças, incluindo a tuberculose. O impacto da pandemia na atenção às doenças infecciosas pode ter sido maior na área de doenças pulmonares do que em outras, visto que as equipes especializadas concentraram seus esforços no controle da COVID-19, assim desmantelando serviços específicos de tuberculose.(7) O impacto negativo dessas medidas pode levar a um aumento de até 20% no número de óbitos por tuberculose nos próximos cinco anos.(6,8) As medidas de controle da tuberculose não têm alcançado as metas globais estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Aproximadamente 19,8 milhões de pessoas foram tratadas para tuberculose de 2018 a 2020, correspondendo a apenas metade da meta de 40 milhões em 5 anos (2018–2022). No mesmo período, apenas 1,4 milhões de crianças foram tratadas, o equivalente a 41% da meta de 3,5 milhões em 5 anos. O gasto global com serviços de tuberculose em 2020 foi de US$ 5,3 bilhões, metade do necessário para o controle da doença, e o tratamento preventivo diminuiu 22% em relação ao ano anterior.(4) No Rio de Janeiro, houve um aumento de 16% nos casos de tuberculose de 2015 a 2020, com 7.050 novos casos em 2021. Quanto à distribuição espacial, os casos foram mais concentrados em áreas de alta densidade populacional e maior vulnerabilidade social. As taxas de cura em casos de tuberculose confirmados laboratorialmente mostraram uma redução significativa de 60,1% em 2020, com aumento progressivo da mortalidade (2019–2020) e abandono do tratamento (2017–2021).(9)
 
O objetivo do presente estudo foi descrever as formas clínicas e o tempo de diagnóstico de casos novos de tuberculose e analisar estatisticamente as formas isoladas e combinadas da doença em crianças e adolescentes atendidos em um hospital universitário do Rio de Janeiro durante o primeiro ano da pandemia de COVID-19 no Brasil.
 
MÉTODOS
 
Este estudo transversal utilizou dados retrospectivos de crianças (0-9 anos) e adolescentes (10-18 anos) com tuberculose pulmonar (TBP), extrapulmonar (TBEP) e combinada (TBP + TBEP) que foram acompanhados no ambulatório de pneumologia pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira – (IPPMG), um hospital universitário pediátrico de referência no Rio de Janeiro, de 1 de janeiro de 2019 a 1 de março de 2021.
 
Os critérios de inclusão foram pacientes identificados no livro de registro de casos de tuberculose que foram acompanhados no IPPMG durante o período de tratamento da doença. Os dados clínicos e epidemiológicos foram obtidos dos prontuários médicos; pacientes cujos prontuários não foram encontrados foram excluídos.
 
As variáveis avaliadas incluíram história da doença (febre, tosse, emagrecimento, adinamia, dispneia e adenomegalia); contato com tuberculose; escore diagnóstico do Ministério da Saúde - Brasil (MS-Brasil); alterações na radiografia de tórax (aumento do hilo linfonodal, padrão miliar, pneumonia expansiva, cavitações, calcificações, derrame pleural e atelectasia);(10) bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) em esfregaços de Ziehl-Neelsen; cultura de Mycobacterium tuberculosis (M.tb); testes Gene Xpert MTB-RIF e Gene Xpert Ultra (Cepheid – EUA); positividade do teste cutâneo da tuberculina (TCT) (≥ 5 mm); testes de anticorpos para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e cuidados de saúde antes do diagnóstico de TBP (antibióticoterapia para germes comuns sem melhora).
 
O diagnóstico de TBP foi estabelecido de acordo com o escore clínico do MS-Brasil (mais de 40 pontos, muito provável; 30–35 pontos, possível; menos de 25 pontos, improvável) com base em critérios epidemiológicos e clínico-radiológicos, TCT (positivo ≥ 5 mm; negativo < 5 mm) e análises bacteriológicas.(11) O diagnóstico de TBEP, por sua vez, baseou-se em critérios clínicos e epidemiológicos, TCT e resultados de biópsia invasiva compatíveis com tuberculose. Pacientes com diagnóstico baseado nesses critérios e cuja resposta ao tratamento com medicamentos antituberculose foi satisfatória após dois meses de início foram classificados como portadores de tuberculose e incluídos no estudo.
 
Os pacientes com tuberculose foram divididos em dois grupos: grupo A - de março de 2020 a março de 2021, correspondendo ao primeiro ano da pandemia de COVID-19; e grupo B - de janeiro de 2019 a fevereiro de 2020, período correspondente ao ano anterior à pandemia.
 
O teste Gene Xpert MTB-RIF Ultra (Ultra) foi usado quando apropriado em pacientes do grupo A, enquanto o teste Gene Xpert MTB-RIF (Xpert) foi usado em pacientes do grupo B. A detecção de carga bacteriana do teste Ultra é categorizada como traços positivos, altos, médios e baixos. Em TBEP, traços positivos indicam um resultado M.tb positivo.(12)
 
Os dados foram digitados em uma planilha do Microsoft Excel 12.0 (Office 2007). Dados categóricos foram analisados por estatística descritiva e expressos em frequência e proporções, enquanto dados não categóricos foram analisados por variáveis numéricas como valores mínimo e máximo e mediana e expressos em box plot. As variáveis categóricas foram
comparadas pelo teste Qui-quadrado e as variáveis numéricas pelo teste T de Student; valores-p < 0,05 foram considerados significantes.
 
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do IPPMG da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 45439221.3.0000.5264.
 
RESULTADOS
 
Foram atendidos 51 pacientes de 2019 a 2021. O grupo A incluiu 32 pacientes: 60% (19/32) do sexo masculino e 47% (15/32) da cidade do Rio de Janeiro. A faixa etária variou de dois a 205 meses (mediana de 109 meses), com 47% (15/32) de adolescentes e 53% (17/32) de crianças. O grupo B foi composto por 19 pacientes: 58% (11/19) do sexo feminino e 84% (16/19) procedentes da cidade do Rio de Janeiro. A faixa etária variou de quatro a 182 meses (mediana de 84 meses), sendo 37% (7/19) adolescentes e 63% (12/19) crianças.
 
O grupo A apresentou um aumento de 68% no número de casos de tuberculose em relação ao ano anterior (grupo B). Ambos os grupos tivapresentaram uma maior prevalência de crianças; no entanto, o grupo A teve uma maior frequência de adolescentes do que o grupo B.
 
A Figura 1 mostra o número de casos novos identificados desde o primeiro caso no grupo B, passando pelo primeiro caso de COVID-19 no Brasil, a declaração da COVID-19 como pandemia (11/03/2020) e o início e fim do lockdown (maio a outubro de 2020) até a implementação de novas medidas restritivas (26/03/2021).
 

 

 
Quanto aos desfechos dos casos, três pacientes foram a óbito no grupo A, enquanto nenhum foi a óbito no grupo B.
 
A Figura 2 mostra as formas de apresentação da tuberculose em cada grupo.
 

 

 
Os dados sobre história clínica, contato com pacientes com tuberculose, resultados do TCT e atendimento prévio ao diagnóstico final em pacientes com TBP, TBEP e TBP + TBEP nos grupos A e B estão descritos na Tabela 1.
 

 

 
Os aspectos radiológicos das crianças e adolescentes com TBP e TBP + TBEP foram distribuídos nos grupos A e B. As três principais formas observadas foram: pneumonia expansiva, derrame pleural e adenomegalia hilar. No grupo A, representaram 62% dos casos, com 28% (9/32) apresentando pneumonia expansiva, 25% (8/32) derrame pleural e 9% (3/32) adenomegalia hilar. Já no grupo B, representaram 84% dos casos, sendo 42% (8/19) com pneumonia expansiva, 31% (6/19) derrame pleural e 11% (2/19) adenomegalia hilar.
 
Os 14 pacientes com TBP apresentaram escores clínicos iguais ou superiores a 30 pontos, com 100% dos pacientes no grupo A (6/6) e 87% no grupo B (7/8). Os testes laboratoriais empregados estão descritos na Tabela 2.
 

 

 
No grupo A, seis pacientes apresentaram resultados detectáveis no teste Ultra, enquanto no grupo B, dois obtiveram resultados detectáveis no teste Xpert. Nos grupos A e B, 33% (3/19) e 25% (8/32) dos pacientes, respectivamente, foram diagnosticados com tuberculose e iniciaram o tratamento durante a internação.
 
Os tipos de TBEP nos grupos A e B estão detalhados na Tabela 3.
 

 

 
A coinfecção com HIV foi identificada em 2/19 dos pacientes testados: um paciente do grupo A (com imunossupressão grave de acordo com a classificação do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC)(13) e um paciente do grupo B. Ambos tinham diagnóstico prévio de HIV e estavam recebendo terapia antirretroviral, mas com baixa adesão do paciente do grupo A. O gráfico da Figura 3 representa o tempo decorrido desde o início dos sintomas (dias) até o diagnóstico final da tuberculose nos grupos A e B.
 

 

 
O grupo A apresentou uma maior variabilidade que o grupo B; tal dispersão de valores resultou em uma variação significante no número de dias desde o início dos sintomas. Outliers foram encontrados em dias diferentes no grupo A. A mediana do número de dias para o diagnóstico de tuberculose foi de 56 dias no grupo A e 42 dias no grupo B (p < 0,01).
 
DISCUSSÃO
 
O presente estudo foi realizado em um hospital de referência do Rio de Janeiro (RJ) e mostrou que a pandemia de COVID-19 no Brasil levou ao atraso no diagnóstico da tuberculose em crianças e adolescentes.
 
A pandemia de COVID-19 reduziu a demanda por atendimento nos centros de saúde. Isso, somado à pobreza e ao confinamento em domicílios onde muitas pessoas convivem em pequenos espaços físicos, em sua maioria mal ventilados,(14) aumentou o número de casos de tuberculose no Brasil, um efeito que também foi identificado em nosso serviço.
 
Nosso estudo mostra que houve mais casos de tuberculose no primeiro ano da pandemia do que no mesmo período do ano anterior, predominantemente em crianças maiores de cinco anos, em ambos os anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 11% das crianças ao redor do mundo tiveram tuberculose em 2020. Em relação aos adultos, os homens foram mais acometidos do que as mulheres.(15) Embora a faixa etária tenha sido diferente, esse padrão foi observado neste estudo nos pacientes do grupo A; entretanto, o mesmo não ocorreu no grupo B. Quanto à apresentação clínica, os sintomas de febre e tosse foram mais prevalentes na avaliação de TBP e casos combinados, o que contribuiu para o escore clínico do MS-Brasil. O grupo B também apresentou baixa positividade laboratorial (BAAR e cultura), corroborando o fato de as crianças serem paucibacilares ou bacilo-negativas. No entanto, com a substituição do cartucho do Gene Xpert MTB-RIF pelo cartucho Ultra, em 2020, um maior número de pacientes do grupo A teve o diagnóstico de tuberculose confirmado; isso se deve ao fato de que este último método aumenta a sensibilidade do diagnóstico devido ao seu limite de detecção inferior para M.tb.(12) O teste Ultra tem um limite de detecção de M.tb inferior a 15,6 UFC, enquanto o teste Xpert tem um limite de 116 UFC. Apesar do uso dessa nova técnica, considerando as singularidades do TBP em crianças e adolescentes, o MS-Brasil recomenda que o diagnóstico nessa faixa etária seja realizado com base no sistema de pontuação. Esse sistema valoriza dados clínicos, radiológicos e epidemiológicos e não inclui comprovação bacteriológica.(11)
 
No grupo A, os casos de TBEP apresentaram uma maior variedade de sítios acometidos pela doença, incluindo formas mais raras e graves do que no grupo B. A falta de acesso aos serviços de saúde e a inespecificidade dos sintomas, que podem ser confundidos com outros doenças, podem ter contribuído para tal achado.(6)
 
Da mesma forma, o atendimento de emergência anteriormente disponibilizado e a maior demora no diagnóstico no grupo A podem ser atribuídos à dificuldade de diagnóstico imediato no período de 2020 a 2021 devido à maior demanda por serviços de emergência ocasionada pela pandemia.(6)
 
A análise do tempo até o diagnóstico de tuberculose no grupo A, mesmo com pacientes procurando atendimento de emergência, evidenciou um maior número de consultas prévias e um maior tempo para estabelecimento do diagnóstico no grupo A do que no ano anterior (grupo B). Portanto, esses pacientes podem ter tido seu acesso e suporte clínico para o diagnóstico de tuberculose afetados pela interrupção dos serviços de tuberculose durante a pandemia de COVID-19. A redução dos diagnósticos da doença durante a pandemia foi observada em todo o mundo, com base no menor número de notificações.(4)
 
No contexto da coinfecção tuberculose-HIV, o número de casos encontrado neste estudo foi inferior a 10%, corroborando o que ocorre em nível estadual, em que a proporção de casos tuberculose-HIV no período estudado variou de 7,9 a 8,6% dos casos.(9) O único paciente diagnosticado durante a pandemia apresentava imunossupressão grave, o que pode ter contribuído para a progressão desfavorável da doença. Supostamente, tal gravidade se deve à possível demora na busca por atendimento e baixa adesão, com interrupção parcial ou total do tratamento de controle do HIV, observado no mesmo período no país e no mundo, como ocorreu com os programas de tuberculose.(11)
 
Não foi possível identificar a origem da doença na maioria dos casos no grupo A; no entanto, quando identificada, foi devido ao contato próximo com indivíduos infectados. Esse achado pode ter sido causado pelo diagnóstico tardio de tuberculose ativa devido ao isolamento social. Embora tal medida de proteção tenha ajudado a reduzir a disseminação da COVID-19, ela favoreceu a exposição intradomiciliar à tuberculose. O contato prolongado em nível domiciliar é um dos fatores de risco que aumentam a transmissão ativa da tuberculose.(15,16)
 
Nosso estudo demostrou uma diminuição dos diagnósticos de tuberculose nos primeiros quatro meses após o início da pandemia, após a introdução de medidas restritivas e lockdown, sem casos de tuberculose diagnosticados nos dois meses subsequentes. Isso pode ser justificado pela reduzida acessibilidade dos pacientes aos serviços médicos devido à interrupção ou dificuldade de acesso ao transporte público ou visitas de acompanhamento canceladas.(7) Como resultado de medidas menos restritivas, mais do que o dobro de casos foram recuperados ao longo do meses seguintes, com pico após o fim do período de lockdown com quatro vezes mais casos do que no início da pandemia no estado do Rio de Janeiro.
 
Mais óbitos foram observados no grupo A, possivelmente em decorrência das medidas restritivas e do aumento do tempo para diagnóstico durante a pandemia de COVID-19. No Rio de Janeiro, a taxa de mortalidade que vinha diminuindo até 2017 tem aumentado progressivamente desde 2019, com a maior taxa de 4,81 por 100.000 habitantes em 2021. Assim, pode-se esperar um aumento de até 20% nos óbitos por tuberculose no próximos cinco anos.(6,8,9)
 
O presente estudo teve algumas limitações. O hospital onde foi realizado é um centro de referência para tuberculose, não necessariamente refletindo o que ocorre nas unidades básicas de saúde, que são os centros de atendimento de casos de COVID-19 mais acessíveis à população.
 
O impacto negativo da pandemia nos programas de tuberculose ainda terá repercussões na sociedade por vários anos; portanto, é urgente a adoção de ações para mitigar e reverter esse impacto. A prioridade imediata é restaurar o acesso e a prestação de serviços essenciais de tuberculose sem negligenciar o cuidado de outras doenças, incluindo a COVID-19 e a AIDS.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Delineamento do estudo: MASP, RBA, AAAIP, CCS, MFBPS, ACCF, CBH, TFA, SF. Coleta de dados: MASP. Análise de dados: MASP, RBA, ACCF, CBH, TFA, CCS. Redação do manuscrito: MASP. Revisão do manuscrito: RBA, ARF, AAAIP, ACCF, CBH, TFA, SF, MFBPS, CCS. Supervisão do estudo: CCS.
 
REFERÊNCIAS
 
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