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Educação Continuada: Fisiologia Respiratória

Doença das pequenas vias aéreas: quando a “zona silenciosa” fala

Small airway disease: when the “silent zone” speaks up

José Alberto Neder1, Danilo C Berton2, Denis E O’Donnell1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220414

 
CONTEXTO
 
As vias aéreas humanas consistem em aproximadamente 23 gerações de tubos que se ramificam dicotomicamente da traqueia até os alvéolos. A partir da geração 8 a jusante, as pequenas vias aéreas (< 2 mm de diâmetro) carecem de suporte cartilaginoso, sendo mais facilmente compressíveis/colapsáveis. Dado o aumento exponencial do número de vias aéreas, há um rápido aumento da área total de seção transversal; portanto, a velocidade do fluxo aéreo diminui, e a resistência das pequenas vias aéreas compreende apenas 10-20% da resistência total das vias aéreas. Segue-se que anormalidades funcionais extensas na chamada “zona silenciosa” podem não ser detectadas por testes de função pulmonar de rotina.(1)
 
VISÃO GERAL
 
Paciente do sexo masculino, 68 anos, não fumante (índice de massa corporal = 41,2 kg/m2) foi encaminhado para avaliação respiratória por dispneia insidiosa aos esforços e tosse seca. Havia sido submetido a transplante de células-tronco hematopoiéticas há aproximadamente um ano no contexto de leucemia mieloblástica aguda. Não havia evidências clínicas ou laboratoriais de doença do enxerto contra o hospedeiro. A espirometria não revelou obstrução, e o FEF25-75% estava reduzido em proporção a uma CVF baixa. A pletismografia mostrou uma tendência a baixos volumes pulmonares “estáticos” e alta resistência específica das vias aéreas. Em conjunto, esses resultados foram considerados ambíguos em um indivíduo gravemente obeso(2) com histórico de lobectomia superior direita por doença congênita. Dada a preocupação com uma bronquiolite obliterante incipiente, ele foi encaminhado para exames mais sensíveis de doença das pequenas vias aéreas (SAD, do inglês small airway disease), cujos resultados foram os seguintes: aumento do slope da fase III e da capacidade de fechamento (lavagem de N2 em respiração única), aumento da heterogeneidade da ventilação nas vias aéreas acinares em relação às vias aéreas condutoras (lavagem de N2 em respirações múltiplas) e aumento da diferença entre a resistência a 5 Hz e a 20 Hz (oscilometria de impulso). Como pode ser visto no Quadro 1, esses resultados são consistentes com SAD. Apesar do leve aprisionamento gasoso sem atenuação em mosaico na TC de tórax, a consistência dos achados funcionais levou à terapia imunossupressora. Na consulta de acompanhamento de três meses, constatou-se resolução dos sintomas e melhora uniforme em todos os marcadores funcionais de SAD.

 





 

 
O diagnóstico de SAD pode ser clinicamente relevante nos estágios iniciais de várias doenças pulmonares obstrutivas, incluindo asma,(3) fibrose cística e DPOC. Testes de SAD também podem revelar anormalidades insuspeitas das vias aéreas na sarcoidose e em algumas doenças pulmonares intersticiais, como pneumonite de hipersensibilidade e pneumonia intersticial não específica. A detecção de SAD pode alterar o manejo em doenças do tecido conjuntivo (artrite reumatóide, doença mista, por exemplo), doenças inflamatórias intestinais, transplante de medula óssea e pulmão, transtornos de imunodeficiência comum variável, panbronquiolite difusa e doenças relacionadas a exposições ambientais a poluentes, alérgenos e drogas.(4) Conforme aqui descrito, a SAD insidiosa pode ser uma complicação tardia do transplante de células-tronco hematopoiéticas, mesmo na ausência de doença do enxerto contra o hospedeiro. O tratamento imediato e agressivo é fundamental para melhorar a sobrevida.(5)
 
MENSAGEM CLÍNICA
 
Embora os testes fisiológicos que interrogam a “zona silenciosa” não estejam amplamente disponíveis, eles podem fornecer informações valiosas nos casos em que o diagnóstico e a quantificação da SAD podem ter impacto na decisão clínica. A falta de valores de referência confiáveis e de pontos de corte para anormalidade continua sendo um problema: em muitas circunstâncias, a piora longitudinal — ou a melhora na resposta ao tratamento – é mais útil. Se for possível, a combinação de técnicas (Quadro 1) melhora ainda mais a acurácia diagnóstica.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Woolcock AJ, Vincent NJ, Macklem PT. Frequency dependence of compliance as a test for obstruction in the small airways. J Clin Invest. 1969;48(6):1097-1106. https://doi.org/10.1172/JCI106066
2.            Neder JA, Berton DC, O’Donnell DE. Obesity: how pulmonary function tests may let us down. J Bras Pneumol. 2020;46(3):e20200116. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200116
3.            Jackson N, Rafique J, Singh D. Identifying small airway dysfunction in asthma in clinical practice. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20200046. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200046
4.            Burgel PR, Bergeron A, de Blic J, Bonniaud P, Bourdin A, Chanez P, et al. Small airways diseases, excluding asthma and COPD: an overview. Eur Respir Rev. 2013;22(128):131-147. https://doi.org/10.1183/09059180.00001313
5.            Busmail A, Penumetcha SS, Ahluwalia S, Irfan R, Khan SA, Rohit Reddy S, et al. A Systematic Review on Pulmonary Complications Secondary to Hematopoietic Stem Cell Transplantation. Cureus. 2022;14(5):e24807. https://doi.org/10.7759/cureus.24807
 

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