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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Avaliação de fatores de risco em pacientes com doença pulmonar intersticial associada à artrite reumatoide

Assessment of risk factors in patients with rheumatoid arthritis-associated interstitial lung disease

Carolina Rossetti Severo1, Carolina Chomiski1, Marina Borba do Valle1, Dante Luiz Escuissato1, Eduardo dos Santos Paiva1, Karin Mueller Storrer1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220145

ABSTRACT

Objective: To assess the risk factors for interstitial lung disease (ILD) in patients with rheumatoid arthritis (RA) and to evaluate the association of ILD with the use of methotrexate as well as with joint disease activity. Methods: A retrospective, cross-sectional study conducted between March and December 2019 at a tertiary healthcare center, in a follow-up of RA patients who had undergone pulmonary function tests (PFT) and chest computed tomography. We evaluated the tomographic characteristics, such as the presence of ILD and its extension, as well as joint disease activity. Functional measurements, such as forced vital capacity (FVC) and diffusing capacity for carbon monoxide (DLCO), were also assessed. After this, a multivariate logistic regression analysis was applied in order to identify risk factors associated with ILD. Results: We evaluated 1.233 patients, of which 134 were eligible for this study. The majority were female (89.6%), with a mean age of 61 years old and with a positive rheumatoid factor (86.2%). RA-associated ILD (RA-ILD) was detected in 49 patients (36.6%). We found an association of RA-ILD with age == 62 year, male sex, smoking history and fine crackles in lung auscultation and a decreased DLCO. The indicators of being aged = 62 years old and having moderate or high RA disease activity were both independent factors associated with RA-ILD, with an odds ratio of 4.36 and 3.03, respectively. The use of methotrexate was not associated with a higher prevalence of ILD. Conclusion: Age and RA disease activity are important risk factors associated with RA-ILD. Methotrexate was not associated with the development of RA-ILD in the present study.

Keywords: Rheumatoid arthritis; Interstitial lung disease; Rheumatoid arthritis- associated interstitial lung disease.

RESUMO

Objetivo: Avaliar os fatores de risco para doença pulmonar intersticial (DPI) em pacientes com artrite reumatoide (AR), bem como a associação com uso de metotrexate e com a atividade da doença articular. Métodos: Estudo retrospectivo, transversal, realizado entre março e dezembro de 2019 em um centro de saúde terciário, no seguimento de pacientes com AR submetidos a provas de função pulmonar (PFP) e tomografia computadorizada de tórax. Avaliamos as características tomográficas, como a presença de DPI e sua extensão, bem como a atividade da doença articular. Medidas funcionais, como capacidade vital forçada (CVF) e a medida de difusão de monóxido de carbono (DCO) também foram avaliadas. Em seguida, aplicou-se uma análise de regressão logística multivariada para identificar os fatores de risco associados à DPI. Resultados: Foram avaliados 1.233 pacientes, dos quais 134 foram elegíveis para este estudo. A maioria era do sexo feminino (89,6%), com idade média de 61 anos e fator reumatoide positivo (86,2%). A DPI associada à AR (DPI-AR) foi detectada em 49 pacientes (36,6%). Encontramos associação de DPI-AR com idade ≥ 62 anos, sexo masculino, história de tabagismo,crepitações finas na ausculta pulmonar e diminuição da DCO. Idade ≥ 62 anos e atividade articular moderada ou alta da AR foram fatores independentes associados à DPI-AR, com odds ratio de 4,36 e 3,03, respectivamente. O uso de metotrexato não foi associado à maior prevalência de DPI. Conclusão: A idade e a atividade da doença da AR são importantes fatores de risco associados à DPI-AR. O metotrexato não foi associado ao desenvolvimento de DPI-AR no presente estudo.

Palavras-chave: Artrite reumatoide; Doença pulmonar intersticial; Doença pulmonar intersticial associada à artrite reumatoide.

INTRODUÇÃO
 
A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune inflamatória sistêmica crônica, com prevalência que varia de 0,3% a 1% da população, com maior incidência em mulheres com idade entre 30 e 50 anos.(1)
 
Embora as manifestações articulares sejam mais prevalentes, manifestações extra-articulares da AR podem ocorrer em cerca de 40% dos pacientes, sendo o mais comum nódulos reumatoides, síndrome de Sjögren secundária e doença pulmonar.(2)
 
A associação de doença pulmonar com AR foi descrita pela primeira vez em 1948.(3) Desde então, uma ampla gama de acometimento pulmonar por esta doença tem sido bem descrita, como pleurisia/derrame pleural, nódulos reumatoides, síndrome de Caplan, hipertensão pulmonar, bronquiolite, bronquiectasias e doença pulmonar intersticial (DPI).(4,5)
 
A DPI é uma forma importante de doença pulmonar relacionada à AR.(5,6) Em estudos com tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) de tórax, sua prevalência varia de 28% a 58%,(6-8) mas estima-se que apenas 5% a 10% sejam clinicamente relevantes.(9,10)
 
Este estudo tem como objetivo avaliar os fatores de risco para DPI em pacientes com AR em acompanhamento ambulatorial em um serviço terciário de saúde, bem como avaliar a associação da DPI com o uso de metotrexato e a atividade da doença articular.
 
MÉTODOS
 
Trata-se de um estudo retrospectivo, transversal, que incluiu pacientes com idade ≥ 18 anos, em acompanhamento por AR em ambulatório de um serviço terciário de saúde no Brasil, de março a dezembro de 2019, que realizaram provas de função pulmonar (PFPs) e TCAR de tórax por qualquer motivo.
 
Pacientes com sobreposição de outra colagenose ou doença pulmonar, submetidos à radioterapia com potencial para lesão pulmonar induzida por radiação ou procedimentos de ressecção pulmonar, foram excluídos.
 
Todos os pacientes foram diagnosticados com AR por um reumatologista, de acordo com critérios diagnósticos específicos.(11,12)
 
Os dados de atividade da doença articular foram coletados de prontuários médicos e foi considerada a última medida antes da tomografia computadorizada. Foram utilizados os seguintes instrumentos validados: o Disease Activity Score-28 para AR (DAS-28) com proteína C reativa (DAS28-PCR), o DAS-28 com velocidade de hemossedimentação (DAS28-VHS) e o Clinical Disease Activity Index (CDAI). Para a análise, estratificamos os pacientes em dois grupos: atividade baixa/remissão e atividade moderada/alta. Escolhemos esse sistema de estratificação com base no fato de que baixa atividade de doença articular ou remissão são recomendadas como alvos de tratamento na prática clínica.(13,14)
 
Sintomas respiratórios como tosse, expectoração e grau de dispneia pela escala Medical Research Council modificada (mMRC), bem como dados do exame físico (baqueteamento digital, crepitações finas, saturação periférica de oxigênio em repouso), uso de medicamentos para tratamento atual da AR, o uso prévio de metotrexato em qualquer momento (duração em anos e dose máxima utilizada), dosagem de fator reumatoide (FR) e antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP).
 
As imagens de TCAR foram avaliadas de forma independente, em ordem aleatória, por dois radiologistas de tórax. Diante da divergência na interpretação dos resultados, a decisão final foi alcançada por consenso de ambos os radiologistas. A concordância interobservador entre os radiologistas não foi calculada. Os achados da TCAR foram categorizados em DPI ausente, limitada ou extensa, de acordo com a extensão do acometimento em cinco níveis e algoritmo de classificação proposto por Goh et al.(15) As tomografias com mais de 20% de envolvimento foram categorizadas como DPI extensa, e as com qualquer alteração intersticial com menos de 20% foram caracterizadas como DPI limitada.
 
Medidas de função pulmonar, como capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no 1º segundo (VEF1), relação VEF1/CVF, capacidade pulmonar total (CPT), volume residual (VR), relação VR/CPT, também foram avaliadas a medida de difusão do monóxido de carbono (DCO) e a relação da DCO/volume alveolar (DCO/VA).
 
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição.
 
Análise estatística
 
A análise dos dados foi realizada com os softwares Excel® e SPSS Statistics v. 22.0.
 
Os resultados da variável quantitativa foram descritos em média e desvio-padrão. As variáveis categóricas foram descritas em frequência e percentual. A curva ROC foi ajustada para avaliar a existência de pontos de corte para idade relacionada à DPI (sim ou não) (≥ 62 anos, p = 0,013, especificidade 56,3% e sensibilidade 69,7%). Para a comparação das três avaliações da extensão da doença (ausente, limitada ou extensa) com as variáveis quantitativas, foram aplicados o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis e o teste post-hoc de Dunn. As comparações da avaliação da extensão da doença (limitada ou extensa) foram feitas com o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Quanto às variáveis categóricas, a comparação foi feita com o teste do qui-quadrado. Um modelo multivariado foi ajustado para incluir sexo, crepitações finas, idade e DCO como variáveis explicativas (aquelas que apresentaram p < 0,05 na análise univariada), para avaliar o controle da atividade da doença articular, as variáveis foram ambas estatisticamente significativas (p < 0,05) e clinicamente relevantes.
 
Modelos de regressão logística foram ajustados para análise univariada e multivariada dos fatores associados à DPI. O teste de Wald foi utilizado para avaliar a significância estatística das variáveis e a medida de associação estimada foi calculada por uma razão de chances com intervalos de confiança de 95%. Valores de p < 0,05 indicaram significância estatística.
 
RESULTADOS
 
Entre os 1.233 pacientes atendidos de março a dezembro de 2019, 1.052 não foram elegíveis para este estudo por dados insuficientes de TCAR e/ou PFPs, não preencherem critérios para o diagnóstico de AR, dados conflitantes ou indisponíveis (Figura 1). Outros 47 pacientes foram excluídos do estudo devido aos seguintes critérios de exclusão: presença de outra doença pulmonar, presença de doença do colágeno sobreposta, história de radioterapia com potencial para lesão pulmonar induzida por radiação ou história de ressecção pulmonar. Assim, 134 pacientes foram incluídos no presente estudo.

 


 

 
Os participantes eram predominantemente do sexo feminino (89,6%), com média de idade de 61 anos. A maioria dos pacientes não tinha histórico de tabagismo (53%) e, entre os fumantes, a quantidade média foi de 22,8 maços-ano. A maioria dos pacientes apresentou FR positivo (86,2%), o anti-CCP foi coletado em apenas 18 participantes (o anti-CCP não é um exame facilmente disponível em nosso sistema público de saúde) (Tabela 1).

 


 

 
Quase todos os pacientes tinham história de uso prévio de metotrexato ou estavam em uso no momento da análise (93,2%).
Em relação às escalas de atividade articular (DAS28-PCR, DAS28-VHS ou CDAI), os pacientes foram estratificados de acordo com os diferentes níveis de atividade da doença. Alguns apresentaram discrepâncias entre as escalas no momento da avaliação, porém mais de 50% da amostra foi categorizada como em remissão ou com baixa atividade, independente da escala analisada. Além disso, o CDAI foi o escore de atividade da doença mais utilizado em nosso estudo, portanto, usamos essa ferramenta para estratificar os pacientes com atividade da doença moderada/alta para a análise univariada.
 
DPI-AR esteve presente em 49 pacientes (36,6%), 24,6% foram considerados como doença de extensão limitada e 11,9% como doença extensa. Comparando pacientes com e sem DPI, idade ≥ 62 anos, história de tabagismo e presença de crepitações finas foram fatores independentes para DPI-AR. Embora a maioria dos pacientes apresentasse função pulmonar preservada, os valores de DCO foram notavelmente maiores entre aqueles sem DPI (Tabela 2).
 


 

 
A idade de 62 anos foi utilizada por ser o ponto de corte com significância estatística indicado pela análise da curva ROC (p = 0,013) e teve 69,7% de sensibilidade. A análise multivariada demonstrou que ter idade ≥ 62 anos e apresentar atividade de doença moderada/alta (em qualquer um dos escores) foram fatores independentes para DPI-AR com odds ratio de 4,36 e 3,03, respectivamente (Tabela 3).

 


 

 
Em relação aos pacientes tratados com metotrexato (n = 124), não houve associação de tratamento prévio com metotrexato e presença de DPI (p = 0,219). Além disso, quando avaliada a extensão da DPI, 9,7% dos pacientes com história de uso de metotrexato apresentaram doença extensa e 65,3% ausência de DPI (p = 0,008) (Tabela 4).
 
DISCUSSÃO
 
O presente estudo indica que idade ≥ 62 anos, sexo masculino, história de tabagismo e crepitações finas são fatores de risco associados à DPI-AR (presentes em 36,6% da amostra). Valores mais elevados de DCO estão inversamente associados com DPI-AR.
A avaliação dos fatores de risco é de extrema importância para a DPI-AR, não apenas por sua relevante prevalência, mas também pelo impacto do diagnóstico tanto nas opções de tratamento quanto na mortalidade.(9,10,16) Embora a AR seja mais comum no sexo feminino, o sexo masculino é considerado um fator de risco para DPI-AR. Essa associação foi encontrada neste estudo e já havia sido demonstrada por outros autores.(10,16,17)
 
A presença de autoanticorpos relacionados à AR, especialmente em títulos elevados, tem sido sugerida como um fator de risco para DPI-AR.(2,10,17-19) Kelly et al. demonstraram que títulos elevados de anti-CCP estão fortemente associados com DPI-AR.(10) Em nosso estudo, não foi encontrada associação positiva entre FR ou anti-CCP positivos e DPI-AR; no entanto, diferentes métodos foram utilizados para a dosagem de FR, o que pode ter contribuído para criar um viés. Além disso, apenas um pequeno número de pacientes realizou anti-CCP, o que também pode ter influenciado os resultados aqui encontrados. Dito isso, uma meta-análise publicada recentemente mostrou que pacientes com FR ou anti-CCP positivos têm maior risco de desenvolver DPI-AR, mas a análise de subgrupos por região indicou que, embora pacientes da Ásia, África e Europa com anti-CCP positivo tenham apresentado maior risco de DPI-AR, não foi estatisticamente significativo para a população americana, com dois estudos dos Estados Unidos e um estudo do México incluídos nessa análise.(19) Isso permite questionar se a população americana tem um padrão diferente.
 
Apesar de os sintomas respiratórios não terem sido associados à presença de doença intersticial na amostra estudada, um terço dos pacientes assintomáticos apresentavam DPI na TCAR. Um estudo de coorte espanhol teve resultado semelhante, pois 33,7% dos 90 pacientes com DPI-AR eram assintomáticos.(18) Isso sugere que a presença de sintomas não deve ser usada isoladamente para determinar a presença de DPI em pacientes com AR.
 
Crepitações finas na ausculta pulmonar foram associadas ao diagnóstico de DPI-AR, demonstrando que uma ausculta pulmonar cuidadosa deve ser realizada em todos os pacientes com AR, independentemente de suas queixas relacionadas aos sintomas respiratórios. É um exame de baixo custo e sem contraindicações que pode contribuir para um diagnóstico precoce. Estudo prospectivo cego com amostra de 148 pacientes mostrou correlação entre crepitações finas bilaterais e presença de DPI fibrótica. Esse tipo de anormalidade na ausculta foi o fator preditivo mais relacionado ao padrão usual de pneumonia intersticial (PIU) na TCAR, que é o padrão tomográfico mais frequente observado em pacientes com DPI-AR.(20) Estudos com estetoscópios digitais e análise sonora de estertores em velcro mostraram que essa nova tecnologia tem melhor precisão se comparada à ausculta tradicional, apresentando precisão de 84% a 90% contra 60% a 70%, respectivamente.(21,22)
 
Na análise multivariada, atividade moderada ou alta da doença articular foram considerados fatores independentes associados à DPI-AR, com odds ratio de 3,03. Isso sugere a importância de controlar a inflamação sistêmica para a prevenção do desenvolvimento de DPI-AR. Isso já foi sugerido em um estudo de coorte prospectivo com 1.419 pacientes, que mostrou que a atividade articular na AR está associada a um maior risco de desenvolver DPI.(23) Outros estudos demonstram que o escore CDAI também está associado à atividade de DPI.(24,25)
 
Em nosso estudo, a média da DCO foi normal no grupo DPI-AR, porém foi consideravelmente menor do que no grupo sem DPI-AR. Apesar de vários pontos de corte já terem sido propostos na literatura para facilitar o rastreamento de DPI, não há consenso,(21,26,27) e mesmo com um ponto de corte de DCO baixo (47%), a acurácia e sensibilidade foram baixos (54,9% e 30,8%, respectivamente).(21)
 
A grande maioria dos pacientes do presente estudo foi tratada com metotrexato em algum momento; Vale ressaltar que 65% destes pacientes não tinham DPI e a DPI extensa esteve presente apenas em 9,7% dos casos, sugerindo um fator de proteção. Embora o metotrexato tenha sido historicamente considerado um fator causal de DPI, evidências recentes corroboram os achados do nosso estudo.(17,28-30)
 
Os resultados aqui apresentados devem ser interpretados considerando algumas limitações. A natureza retrospectiva do desenho da pesquisa é uma grande limitação do nosso estudo. Além disso, o estudo foi realizado em um único centro e, por ser um perfil de saúde pública, alguns dados estavam incompletos, como o anti-CCP. No entanto, a maioria dos dados encontrados está de acordo com a literatura, fato que corrobora a relevância deste estudo.
 
Em conclusão, a idade e a atividade da doença da AR foram fatores de risco importantes associados à DPI-AR. O uso de metotrexato não foi associado ao desenvolvimento de DPI-AR no presente estudo.
 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
CRS: investigação, coleta de dados, análise formal, visualização e redação do texto original. CC: investigação e análise formal. MBV: investigação e coleta de dados. DLE e ESP: investigação, análise formal e redação do manuscrito revisado. KMS: conceituação, investigação, análise formal, visualização e redação do manuscrito revisado. Todos os autores contribuíram para a versão final do manuscrito.
 
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