AO EDITOR, O edema pulmonar por pressão negativa (EPPN) é um tipo de edema não cardiogênico que pode ocorrer após um aumento abrupto da pressão negativa no espaço pleural devido à contração dos músculos inspiratórios na tentativa de superar uma obstrução aguda nas vias aéreas superiores. O EPPN é uma complicação potencialmente grave durante o período de recuperação de anestesia geral, ocorrendo em até 0,1% dos pacientes submetidos à intubação orotraqueal, sendo também responsável por 5-10% de todos os episódios de obstrução das vias aéreas superiores.(1,2)
Durante a prática anestésica, o EPPN é mais comum em homens jovens e saudáveis, que possuem maior massa muscular e, portanto, geram maiores variações na pressão negativa intrapleural.(2) Embora o EPPN geralmente se desenvolva logo após a extubação, esse fenômeno pode eventualmente ocorrer após algumas horas. Os principais sintomas são dispneia e tosse com secreção serossanguinolenta espumosa. Ao exame físico, podem estar presentes taquicardia, roncos, estertores e estridor. Nas formas mais graves podem ser observadas bradicardia, respiração paradoxal e cianose.(1-5)
Relatamos o caso de um homem de 26 anos, sem comorbidades prévias, submetido a ureterorrenoscopia flexível bilateral eletiva e litotripsia com inserção de cateter duplo J para tratamento de cálculos renal direito e ureteral esquerdo. O procedimento foi realizado sob anestesia geral balanceada com uso de máscara laríngea (ML). SpO2 e pressão arterial antes da indução anestésica eram 99% e 130/80 mmHg, respectivamente. Não houve sinais de aspiração de conteúdo gástrico durante o procedimento. O balanço hídrico permaneceu próximo de zero, e não foram observadas mudanças significativas da pressão arterial. O paciente evoluiu com episódio agudo de desconforto respiratório (taquidispneia, tosse e expectoração espumosa e sanguinolenta; SpO2 caiu para 86%) na sala de recuperação ao acordar da anestesia geral 15 min após a retirada da ML. A ausculta pulmonar apresentava estertores crepitantes predominantemente na base do hemitórax direito. Não havia estridor naquele momento. A gasometria arterial revelou pressão parcial de oxigênio de 41 mmHg e saturação de oxigênio arterial de 74% em ar ambiente. A suplementação de oxigênio foi iniciada com máscara não reinalante com fluxo de 5 L/min.
Radiografia de tórax à beira do leito foi realizada e mostrou opacidades sutis mal definidas mais evidentes no campo pulmonar inferior direito (Figura 1A). O paciente foi submetido à ventilação assistida com CPAP a 10 cmH2O e oxigênio a 100%. Após 30 min, houve melhora da SpO2 (98%), com redução do desconforto respiratório. Intubação foi descartada devido à melhora clínica do paciente. Em seguida, o paciente foi submetido à angio-TC pulmonar, que foi negativa para embolia pulmonar e evidenciou várias pequenas opacidades consolidativas, às vezes coalescentes, associadas a opacidades em vidro fosco, afetando todos os lobos em ambos os pulmões, predominantemente em regiões peribroncovasculares e mais extensas nos lobos inferiores (Figura 1B-1D). Os exames laboratoriais revelaram leucócitos = 9.600 células/μL, hemoglobina = 13,5 g/dL e contagem de plaquetas normal. Eletrólitos séricos, função renal, ecocardiograma e eletrocardiograma eram normais. O paciente foi encaminhado à UTI, e CPAP foi mantida em sessões de 60 min a cada 8 h, com desmame da oxigenoterapia após 24 h. Recebeu alta após dois dias com resolução completa dos sintomas e das alterações radiológicas.
Em resumo, o cenário clínico foi um episódio agudo de desconforto respiratório em um paciente jovem do sexo masculino durante o período de recuperação de anestesia geral com uso de ML. Os principais diagnósticos diferenciais, incluindo embolia pulmonar e edema cardiogênico, foram descartados. Devido ao curso clínico de rápida resolução do edema pulmonar, combinado com um fator causal claro e exclusão de diagnósticos diferenciais, concluiu-se que o mecanismo de pressão negativa após um laringoespasmo transitório foi o responsável pelo quadro clínico. Assim, o diagnóstico presuntivo foi EPPN, uma forma de edema pulmonar não cardiogênico.
NPPE é subdividido em dois tipos. O tipo 1 está relacionado ao esforço inspiratório vigoroso em caso de obstrução aguda das vias aéreas, como laringoespasmo pós-extubação ou epiglotite, e o tipo 2 ocorre após o alívio da obstrução parcial crônica das vias aéreas, como após adenoidectomia.(6-8) O caso apresentado aqui foi NPPE tipo 1.
O EPPN tipo 1 ocorre mais comumente em pacientes jovens durante o período de recuperação de anestesia geral com intubação orotraqueal. No entanto, com a curva de adoção acelerada da ML na prática clínica, vários casos de EPPN com uso de ML têm sido relatados.(8-10)
A patogênese da EPPN tipo 1 é multifatorial. O esforço inspiratório para superar a obstrução gera um aumento da pressão negativa intrapleural. O “efeito sifão” dentro da caixa torácica aumenta o retorno venoso para as câmaras cardíacas direitas, o que produz um aumento da pressão hidrostática nos capilares pulmonares e faz com que o fluido saia dos vasos para o espaço intersticial e alveolar causando edema, desequilíbrio entre ventilação e perfusão e, consequentemente, hipoxemia. Pode desencadear vasoconstrição pulmonar hipóxica e aumentar a resistência vascular pulmonar. Ao aumentar o volume do ventrículo direito, o septo interventricular pode se deslocar para a esquerda, com redução da complacência diastólica do ventrículo esquerdo. O aumento da pós-carga cardíaca e a hipóxia miocárdica levam à diminuição da função ventricular esquerda, com aumento da pressão venosa pulmonar. Hipercapnia, acidose, resposta hiperadrenérgica e perda da integridade capilar podem ser fatores contribuintes na fisiopatologia.(1-3,6,8)
O NPPE tem início rápido, geralmente em minutos, e uma resolução relativamente rápida. Se reconhecido e tratado precocemente, o EPPN costuma ser uma condição autolimitada e, portanto, reversível, com melhora clínica e radiológica relevante, frequentemente em 12-48 h. O diagnóstico de EPPN pode ser feito com base na presença de uma situação precipitante e sintomas compatíveis. Radiografia de tórax e/ou achados de TC de edema pulmonar corroboram o diagnóstico.(1,4,6,8)
O manejo do EPPN é principalmente de suporte e inclui seu reconhecimento precoce seguido de desobstrução das vias aéreas superiores, oxigenoterapia suplementar e uso de ventilação não invasiva (incluindo CPAP). Em casos extremos, pode ser necessária a (re)intubação com um determinado nível de PEEP. O relaxamento muscular com baixas doses de succinilcolina pode aliviar o laringoespasmo.(1-6,8) O papel de esteroides e diuréticos ainda é controverso e não há recomendação clara quanto ao seu uso.(1)
Em conclusão, os profissionais médicos devem estar cientes quanto ao EPPN, e uma compreensão correta dos mecanismos fisiopatológicos por trás dessa condição é essencial para seu diagnóstico precoce e manejo adequado.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES BBL, BLM e DRC: concepção, planejamento e desenho do estudo, coleta de dados, seleção das imagens e revisão da literatura. BLM, DRC e FMC: redação das versões preliminares e final do manuscrito. BLM, FMC e PRPS: revisão do manuscrito. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
CONFLITOS DE INTERESSE Nenhum declarado.
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