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Comunicação Breve

Perda de resposta a bloqueadores dos canais de cálcio após acompanhamento prolongado em pacientes com hipertensão arterial pulmonar idiopática

Loss of response to calcium channel blockers after long-term follow-up treatment in patients with idiopathic pulmonary arterial hypertension

Bruna Piloto1, Caio Julio Cesar dos Santos Fernandes1, Carlos Jardim1, Marcela Castro1, Jose Leonidas Alves-Jr1, Rogerio Souza1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20220337

ABSTRACT

Idiopathic pulmonary arterial hypertension (PAH) patients with a positive response to acute vasodilator challenge and a clinical response to calcium channel blockers (CCBs) for at least one year are traditionally designated true responders. Nevertheless, little is known about a sustained response to CCBs over longer periods of time. We evaluated the loss of response to CCBs after long-term treatment in a cohort of idiopathic PAH patients previously classified as being true responders. Our data suggest that idiopathic PAH patients can lose clinical response to CCBs even after one year of clinical stability, reinforcing the need for constant multidimensional reevaluation to assess the need for targeted PAH therapies and to classify these patients correctly.

Keywords: Pulmonary hypertension; Vasodilator agents; Calcium channel blockers.

RESUMO

Pacientes com hipertensão arterial pulmonar (HAP) idiopática com resposta positiva ao teste de vasorreatividade aguda e resposta clínica a bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) durante no mínimo um ano são tradicionalmente denominados “respondedores verdadeiros”. No entanto, pouco se sabe sobre a manutenção da resposta a BCC durante períodos mais longos. Avaliamos a perda de resposta a BCC após tratamento prolongado em uma coorte de pacientes com HAP idiopática previamente considerados respondedores verdadeiros. Nossos dados sugerem que pacientes com HAP idiopática podem deixar de apresentar resposta clínica a BCC mesmo depois de um ano de estabilidade clínica, reforçando a necessidade de reavaliação multidimensional constante para avaliar a necessidade de terapias específicas para HAP e classificar esses pacientes corretamente.

Palavras-chave: Hipertensão pulmonar; Vasodilatadores; Bloqueadores dos canais de cálcio.

A hipertensão arterial pulmonar (HAP) idiopática é uma doença rara caracterizada pelo remodelamento progressivo de pequenas artérias pulmonares na ausência de doenças associadas; esse remodelamento resulta em aumento da resistência vascular pulmonar e da pressão média da artéria pulmonar (PMAP), que por sua vez resulta em insuficiência cardíaca direita e morte.(1-3) A vasoconstrição pode desempenhar um papel no surgimento de HAP idiopática em pacientes que apresentam resposta ao teste de vasorreatividade aguda, caracterizando um fenótipo diferente.(4) Em um estudo prospectivo publicado em 1992, Rich et al. mostraram pela primeira vez que pacientes com HAP idiopática com resposta aguda a vasodilatadores poderiam se beneficiar do tratamento com bloqueadores dos canais de cálcio (BCC).(5) Em um estudo retrospectivo publicado em 2005, Sitbon et al. investigaram uma coorte de pacientes com HAP idiopática e observaram que 12,6% apresentaram resposta ao teste de vasorreatividade aguda; entretanto, o estado clínico de quase metade desses pacientes não melhorou com o tratamento com BCC após um ano de acompanhamento.(6) Os autores também mostraram que a taxa de sobrevida foi melhor naqueles que continuaram a apresentar resposta a BCC após um ano.(6) No entanto, ainda não se sabe qual é a proporção de pacientes que continuam a apresentar resposta a BCC depois de um ano. O objetivo do presente estudo foi avaliar a manutenção da resposta clínica a BCC em pacientes com HAP idiopática.
 
Avaliamos dados retrospectivos extraídos dos prontuários médicos de todos os pacientes consecutivos que receberam diagnóstico de HAP idiopática e apresentaram resposta ao teste de vasorreatividade aguda entre janeiro de 2003 e dezembro de 2018 em um centro de referência em HAP. Os dados basais incluíram a classe funcional da New York Heart Association (NYHA), os níveis de brain natriuretic peptide (BNP, peptídeo natriurético encefálico), a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (DTC6) e parâmetros hemodinâmicos. Há novos critérios para o diagnóstico de HAP idiopática.(7) No entanto, em virtude da natureza retrospectiva do presente estudo, adotamos a seguinte definição de HAP idiopática: PMAP ≥ 25 mmHg, pressão de oclusão da artéria pulmonar normal ≤ 15 mmHg e resistência vascular pulmonar > 3 unidades Wood na ausência de outras causas de hipertensão pulmonar pré-capilar.(8) Todos os pacientes foram submetidos a cateterismo cardíaco direito em conformidade com as técnicas padrão, e todos os testes de vasorreatividade aguda foram realizados com o mesmo protocolo durante o período de estudo, com óxido nítrico inalatório durante 10 min. O teste era considerado positivo se ocorresse uma diminuição da PMAP de pelo menos 10 mmHg, chegando a uma média absoluta < 40 mmHg, sem diminuição do débito cardíaco.(9,10)
 
Após a resposta positiva ao teste de vasorreatividade, os pacientes passavam a receber tratamento com BCC. Foram considerados “respondedores de curto prazo” aqueles que não conseguiram alcançar ou manter-se na classe funcional I ou II da NYHA ou aqueles cujos níveis de BNP permaneceram elevados e/ou cuja DTC6 permaneceu curta durante o primeiro ano de tratamento com BCC. Foram considerados “respondedores verdadeiros” aqueles que alcançaram ou permaneceram na classe funcional I ou II da NYHA após tratamento com BCC durante pelo menos um ano,(6) com melhoria dos níveis de BNP e da DTC6, permanecendo clinicamente estáveis durante o período de acompanhamento. A definição de perda de resposta a BCC após tratamento prolongado foi qualquer piora da classe funcional da NYHA, da DTC6 e/ou dos níveis de BNP seguida de prescrição de terapia específica para HAP após um ano de tratamento com BCC, a critério do médico assistente. O risco de óbito em um ano foi avaliado de acordo com critérios já descritos,(11) sendo classificado em baixo e não baixo no início do estudo, 3-6 meses após o início do tratamento com BCC e antes do início de terapia específica para HAP. Como esses não eram os critérios classicamente usados na época para definir a resposta a BCC, nós os empregamos exclusivamente para reforçar a necessidade de avaliação multidimensional.
 
Todas as análises estatísticas foram realizadas por meio do programa IBM SPSS Statistics, versão 26 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). As variáveis contínuas estão expressas em forma de média ± desvio padrão, ao passo que os dados categóricos estão expressos em forma de proporções. As diferenças entre os grupos foram analisadas por meio do teste t de Student ou do teste do qui-quadrado, conforme apropriado. O nível de significância adotado foi de p < 0,05.
 
Coletamos dados referentes a 26 pacientes com resposta positiva ao teste de vasorreatividade aguda, os quais corresponderam a 16,1% de todos os pacientes que receberam diagnóstico de HAP idiopática durante o período de estudo. Todos os 26 pacientes preencheram os critérios de vasorreatividade aguda (Figura 1). As características clínicas, demográficas e hemodinâmicas basais são apresentadas na Tabela 1. Quatro pacientes (2,4%) apresentaram resposta positiva ao teste de vasorreatividade aguda, mas não apresentaram melhora clínica após o tratamento com BCC, sendo considerados, portanto, respondedores de curto prazo. Vinte e dois pacientes (13,6% do total de pacientes com diagnóstico de HAP idiopática durante o período de estudo) preencheram os critérios de resposta a BCC ao longo de pelo menos um ano de tratamento. No entanto, apenas 11 (6,8% do total de pacientes com diagnóstico de HAP idiopática durante o período de estudo) permaneceram estáveis por períodos superiores a um ano, sem necessidade de terapia específica para HAP, sendo considerados, portanto, respondedores verdadeiros ao tratamento com BCC. O grupo de 11 pacientes que responderam ao tratamento com BCC durante mais de um ano, mas posteriormente não apresentaram resposta clínica (6,8% do total de pacientes com diagnóstico de HAP idiopática durante o período de estudo), o fizeram após uma média de 47 meses de acompanhamento e então passaram a receber terapia específica para HAP. No momento do diagnóstico, não houve diferenças significativas entre os respondedores verdadeiros e aqueles que deixaram de apresentar resposta após acompanhamento prolongado quanto às características clínicas, hemodinâmicas e funcionais.
 





 

 
Após o tratamento inicial com BCC, apenas 27% dos pacientes que posteriormente deixaram de apresentar resposta a BCC não preencheram os critérios de baixo risco de mortalidade. Esses pacientes foram reavaliados antes do início da terapia específica para HAP, e 82% foram considerados pacientes cujo risco de óbito em um ano não era baixo.
 
Tivemos quatro óbitos em nossa coorte. Dois ocorreram no grupo de pacientes que deixaram de apresentar resposta a BCC, e dois ocorreram no grupo de pacientes que ainda estavam recebendo tratamento com BCC no momento da análise. Três óbitos ocorreram em virtude de infecções seguidas de insuficiência ventricular direita. Um óbito ocorreu no pós-operatório de transplante de pulmão, em um paciente cujo tratamento com BCC falhara.
 
Constatamos que um ano de resposta clínica a BCC pode ser insuficiente para prever um benefício clínico em longo prazo e um desfecho favorável em pacientes com HAP idiopática. Aproximadamente 50% dos pacientes com resposta clínica positiva durante um ano apresentaram piora clínica e funcional e necessitaram de terapia específica para HAP após aproximadamente quatro anos de acompanhamento.
 
Diferentemente de nossos achados, Sitbon et al.(6) relataram que todos os paciente com HAP idiopática que apresentaram pelo menos um ano de benefício clínico com BCC após resposta positiva ao teste de vasorreatividade aguda, menos um, tiveram um excelente prognóstico após sete anos de acompanhamento e não necessitaram de terapia adjuvante para o tratamento da HAP. No entanto, nossos resultados mostram que esse fenótipo de HAP idiopática não é absoluto, e um período de acompanhamento de um ano pode não ser suficiente para identificar pacientes que apresentarão desfecho favorável durante o tratamento exclusivo com BCC. A avaliação genética de pacientes com HAP idiopática, comparando aqueles com resposta a vasodilatadores àqueles sem resposta, mostrou que múltiplas variantes genéticas estão presentes no mesmo indivíduo.(12) Portanto, é bem possível que a vasorreatividade aguda e um ano de resposta ao tratamento com BCC englobem múltiplas características genotípicas, resultando em padrões fenotípicos semelhantes, porém não idênticos.
 
O conceito de estratificação de risco é recente(11,13,14) e não tem sido usado para determinar a resposta a BCC. Segundo Sitbon et al., respondedores de longo prazo são aqueles que estão na classe funcional I ou II da NYHA e apresentam melhora hemodinâmica que se mantém em longo prazo sem necessidade de terapia específica. (6) Embora esses tenham sido os critérios usados em nossa instituição na última década, vale ressaltar que a avaliação por estratificação de risco também refletiu a perda de resposta. Embora seja aparentemente óbvio, isso não havia sido demonstrado anteriormente e reforça a necessidade de reavaliação multidimensional em pacientes considerados respondedores.
 
Nosso estudo tem limitações inerentes a seu caráter retrospectivo, tais como a amostra pequena. Além disso, variáveis hemodinâmicas como índice cardíaco e volume sistólico não estavam disponíveis para refinar a avaliação de risco, assim como também não estava disponível a reavaliação hemodinâmica durante o período de acompanhamento. Além disso, não foram usados limiares específicos para determinar a resposta a BCC, e a avaliação não foi multidimensional. Não obstante, nossos achados levantam questões que merecem investigação adicional em coortes prospectivas e controladas para validar as últimas mudanças ocorridas na classificação da HAP,(15) que agora inclui os pacientes que apresentam resposta a BCC como sendo um subgrupo separado de pacientes com HAP.
 
Em suma, nossos dados sugerem que pacientes com HAP idiopática podem deixar de apresentar resposta clínica a BCC mesmo depois de um ano de estabilidade clínica, reforçando a necessidade de reavaliação multidimensional constante para avaliar a necessidade de terapias específicas para HAP e classificar esses pacientes corretamente.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
BP, JLAJ e RS: desenho do estudo, coleta de dados, análise dos dados, redação do manuscrito e aprovação da versão final do manuscrito. CJCSF e CJ: análise dos dados, redação do manuscrito e aprovação da versão final do manuscrito. MC: coleta de dados, análise dos dados, redação do manuscrito e aprovação da versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Humbert M, Sitbon O, Simonneau G. Treatment of pulmonary arterial hypertension. N Engl J Med. 2004;351(14):1425-1436. https://doi.org/10.1056/NEJMra040291
2.            Alves JL Jr, Gavilanes F, Jardim C, Fernandes CJCDS, Morinaga LTK, et al. Pulmonary arterial hypertension in the southern hemisphere: results from a registry of incident Brazilian cases. Chest. 2015;147(2):495-501. https://doi.org/10.1378/chest.14-1036
3.            Montani D, Savale L, Natali D, Jaïs X, Herve P, Garcia G, et al. Long-term response to calcium-channel blockers in non-idiopathic pulmonary arterial hypertension. Eur Heart J. 2010;31(15):1898-1907. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehq170
4.            Langleben D, Orfanos SE, Giovinazzo M, Schlesinger RD, Hirsch AM, Blenkhorn F, et al. Acute vasodilator responsiveness and microvascular recruitment in idiopathic pulmonary arterial hypertension. Ann Intern Med. 2015;162(2):154-156. https://doi.org/10.7326/M14-1402
5.            Rich S, Kaufmann E, Levy PS. The effect of high doses of calcium-channel blockers on survival in primary pulmonary hypertension. N Engl J Med. 1992;327(2):76-81. https://doi.org/10.1056/NEJM199207093270203
6.            Sitbon O, Humbert M, Jaïs X, Ioos V, Hamid AM, Provencher S, et al. Long-term response to calcium channel blockers in idiopathic pulmonary arterial hypertension. Circulation. 2005;111(23):3105-3111. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.104.488486
7.            Humbert M, Kovacs G, Hoeper MM, Badagliacca R, Berger RMF, Brida M, et al. 2022 ESC/ERS Guidelines for the diagnosis and treatment of pulmonary hypertension. Eur Heart J. 2022;43(38):3618-3731. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehac237
8.            Lau EM, Tamura Y, McGoon MD, Sitbon O. The 2015 ESC/ERS Guidelines for the diagnosis and treatment of pulmonary hypertension: a practical chronicle of progress. Eur Respir J. 2015;46(4):879-882. https://doi.org/10.1183/13993003.01177-2015
9.            Alves JL Jr, Oleas FG, Souza R. Pulmonary Hypertension: Definition, Classification, and Diagnosis. Semin Respir Crit Care Med. 2017;38(5):561-570. https://doi.org/10.1055/s-0037-1606577
10.          Costa EL, Jardim C, Bogossian HB, Amato MB, Carvalho CR, Souza R. Acute vasodilator test in pulmonary arterial hypertension: evaluation of two response criteria. Vascul Pharmacol. 2005;43(3):143-147. https://doi.org/10.1016/j.vph.2005.05.004
11.          Hoeper MM, Pittrow D, Opitz C, Gibbs JSR, Rosenkranz S, Grünig E, et al. Risk assessment in pulmonary arterial hypertension. Eur Respir J. 2018;51(3):1702606. https://doi.org/10.1183/13993003.02606-2017
12.          Hemnes AR, Zhao M, West J, Newman JH, Rich S, Archer SL, et al. Critical Genomic Networks and Vasoreactive Variants in Idiopathic Pulmonary Arterial Hypertension. Am J Respir Crit Care Med. 2016;194(4):464-475. https://doi.org/10.1164/rccm.201508-1678OC
13.          Hoeper MM, Pausch C, Olsson KM, Huscher D, Pittrow D, Grünig E, et al. COMPERA 2.0: a refined four-stratum risk assessment model for pulmonary arterial hypertension. Eur Respir J. 2022;60(1):2102311. https://doi.org/10.1183/13993003.02311-2021
14.          Hoeper MM, Kramer T, Pan Z, Eichstaedt CA, Spiesshoefer J, Benjamin N, et al. Mortality in pulmonary arterial hypertension: prediction by the 2015 European pulmonary hypertension guidelines risk stratification model. Eur Respir J. 2017;50(2):1700740. https://doi.org/10.1183/13993003.00740-2017
15.          Simonneau G, Montani D, Celermajer DS, Denton CP, Gatzoulis MA, Krowka M, et al. Haemodynamic definitions and updated clinical classification of pulmonary hyperten-sion. Eur Respir J. 2019;53(1):1801913. https://doi.org/10.1183/13993003.01913-2018

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