AO EDITOR, A melhoria da broncoscopia diagnóstica e terapêutica tem sido acompanhada pelo aumento da ocorrência de inúmeras complicações. Sangramento endobrônquico iatrogênico é uma condição potencialmente alarmante, ocorrendo em 0,26% a 5% dos procedimentos, dependendo da definição utilizada, da população de pacientes, da finalidade diagnóstica e/ou terapêutica e das técnicas subsidiárias empregadas.(1)
Sangramento maciço e mortalidade são extremamente raros e ocorrem principalmente na broncoscopia terapêutica.(1) No cenário diagnóstico, as biópsias endobrônquicas e especialmente as transbrônquicas, bem como as criobiópsias pulmonares, são os procedimentos mais problemáticos A classificação da gravidade do sangramento é crucial para as decisões de manejo.
A gravidade do sangramento pode ser caracterizada de acordo com o volume de fluido aspirado: é geralmente aceito que sangramento < 50 mL é pequeno, sangramento de 50-100 mL é moderado e sangramento > 100 mL é grave. A gravidade do sangramento pode ainda ser classificada de acordo com a intervenção necessária para controlar o sangramento: sangramento moderado é definido como sangramento que requer encunhamento do segmento biopsiado e/ou administração endobrônquica de fármacos; e sangramento grave é definido como sangramento que requer intervenções adicionais, como colocação de bloqueador brônquico temporário ou administração de hemoderivados. Esta última proposta é menos influenciada pela diluição do sangue com secreções brônquicas e produtos instilados, sendo frequentemente considerada mais fácil e reprodutível.(2)
Em uma pesquisa realizada recentemente entre especialistas respiratórios, quase metade deles não tinha muita confiança para lidar com sangramento agudo e quase todos teriam interesse em mais formação.(3) Os desafios no manejo da hemorragia iatrogênica estão frequentemente relacionados à formação insuficientemente diversificada da equipe clínica, pois é necessária uma abordagem sistemática e multidisciplinar. Além disso, a disponibilidade de recursos adequados como a broncoscopia rígida, que pode ser mais segura e eficiente do que a broncoscopia flexível, varia de instituição para instituição. Ademais, faltam recomendações padronizadas, inclusive quanto aos fatores de risco hemorrágico dos pacientes. Relata-se que pacientes com uremia, trombocitopenia, HIV/AIDS, transplante de órgãos sólidos, distúrbios hematológicos e hipertensão pulmonar grave têm risco aumentado de sangramento.(1,4) No entanto, ainda faltam evidências quando vários fatores de risco estão presentes, e tais evidências são cruciais em uma população mais velha com um quadro complexo de comorbidades. (4) Independentemente da avaliação cuidadosa dos potenciais indicadores de risco de sangramento, cerca de dois terços dos pacientes com sangramento significativo têm coagulação normal e não têm nenhum fator de risco identificável.(2)
Persiste a falta de recomendações para a suspensão de fármacos e o manejo pré-procedimento. Os dados atuais não indicam risco aumentado de sangramento com o uso de aspirina isoladamente. Por exemplo, Herth et al.(5) concluíram que o uso desse fármaco não estava relacionado a aumento da probabilidade de sangramento, e sua proposta foi manter a aspirina antes da broncoscopia. No entanto, a ausência de mais dados acentua a necessidade de cautela na tomada de decisão. Pathak et al.,(6) que resumiram a literatura, recomendam suspender os inibidores do receptor P2Y12-ADP cinco a sete dias antes do procedimento, suspender a varfarina cinco dias antes do procedimento e monitorar a razão normalizada internacional. Alguns anticoagulantes orais diretos precisam ser suspensos por mais de 48 h (Quadro 1).(6) São necessários estudos maiores sobre vários fármacos recentes, e há uma demanda na literatura para se validar se essas práticas são confiáveis.
Os níveis de absorção sistêmica de fármacos por via endobrônquica permanecem pouco avaliados. Acredita-se que uma administração mais distal nas vias aéreas possa levar a uma maior absorção plasmática.
A instilação endobrônquica de solução salina gelada é uma das práticas mais antigas e comuns. Pode promover hemostasia por indução de vasoconstrição e por tamponamento vascular. No entanto, a hipotermia pode estar paradoxalmente associada a aumento do risco de sangramento, e não há diretrizes sobre as doses máximas seguras recomendadas Após repetidas instilações de 5-10 mL sem desfecho favorável, outras medidas devem ser tomadas.
Alguns dos adrenoceptores mais relevantes nos pulmões são os adrenoceptores beta-2, expressos na musculatura lisa das vias aéreas cuja ativação causa broncodilatação, e os adrenoceptores alfa-1, presentes nas artérias pulmonares de pequeno e médio calibre cuja estimulação leva à vasoconstrição. Exemplos de fármacos adrenérgicos que se ligam seletivamente a adrenoceptores alfa-1 são a fenilefrina e a oximetazolina. Fármacos adrenérgicos também podem ser não seletivos e se ligar a uma combinação de receptores adrenérgicos, como a adrenalina.(8) Fármacos vasoconstritores são amplamente empregados, e, de fato, a adrenalina tem sido o fármaco mais estudado e mais utilizado nesse cenário. No entanto, a dosagem e a diluição da adrenalina variam amplamente na literatura, e efeitos adversos podem surgir com doses de apenas 100 μg. As diretrizes da British Thoracic Society para broncoscopia propõem a instilação de 5-10 mL de adrenalina diluída a 1:10.000 (500-1.000 μg).(2) Arritmia potencialmente fatal é um dos efeitos adversos mais preocupantes e foi relatada após a instilação de 5 mL de adrenalina diluída a 1:20.000 (200 μg).(1) Outros efeitos colaterais como hemorragia cerebral, hipertensão ou isquemia miocárdica podem se desenvolver.(1) Adrenalina diluída em solução salina gelada é frequentemente utilizada, principalmente quando fármacos potencialmente mais seguros não estão disponíveis. Deve-se revisar cuidadosamente o histórico do paciente e considerar adequadamente o uso de adrenalina. Fenilefrina a 0,5% e xilometazolina a 0,1% vem sendo cada vez mais empregadas como fármacos vasoconstritores no tratamento da mucosa nasal, apesar de carecerem de validação formal. Em nosso centro, os autores adotaram o uso de xilometazolina a 0,1% (3 gotas em 5-10 mL de solução salina gelada; máximo de 6 gotas em duas administrações).
Outro fármaco que tem sido cada vez mais difundido é o ácido tranexâmico (ATX), agente antifibrinolítico sintético que é um inibidor competitivo reversível do receptor da lisina encontrado no plasminogênio. A ligação desse receptor impede que a plasmina se ligue à matriz de fibrina e a estabilize.(9) Alguns autores destacam o risco de o ATX causar eventos trombóticos, conforme descrito para a via intravenosa.(7) No entanto, a eficácia do ATX no controle do sangramento do tecido mucoso levou ao seu uso endobrônquico.(9) Resultados não padronizados, mas verticais, foram relatados com a administração endobrônquica de 20 mL de ATX diluído (ATX 500 mg/5 mL em 15 mL de solução salina gelada) até o máximo de 3 doses, com 1,5 min de observação para verificação da hemostasia entre as administrações.(9) A falta de validação formal também se aplica ao ácido aminocaproico. A sugestão de 2 ampolas de ácido aminocaproico (cada ampola 2,5 g/10 mL) em 50 mL de solução salina gelada, 5-10 mL em cada administração, é comumente encontrada.(10)
Quando essas opções terapêuticas tiverem se esgotado e uma hemorragia importante estiver presente, a abordagem será determinada por diversas variáveis, inclusive pelos protocolos de procedimentos do local de trabalho. Equipamentos de ressuscitação e pessoal clínico qualificado são imprescindíveis. O conhecimento estruturado da melhor abordagem quando medidas preventivas falham é crítico. Além disso, a padronização e a validação farmacológica da administração endobrônquica de fármacos são fundamentais para desfechos favoráveis.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES AA, VC e LF: concepção e desenho do estudo. AA, VC, DN, LF e PD: aquisição, análise e interpretação dos dados. AA, VC, DN e LF: redação do manuscrito. PD: revisão crítica do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.
CONFLITOS DE INTERESSE Nenhum declarado.
REFERÊNCIAS 1. Bernasconi M, Koegelenberg CFN, Koutsokera A, Ogna A, Casutt A, Nicod L, et al. Iatrogenic bleeding during flexible bronchoscopy: risk factors, prophylactic measures and management. ERJ Open Res. 2017;3(2):00084-2016. https://doi.org/10.1183/23120541.00084-2016
2. Du Rand IA, Blaikley J, Booton R, Chaudhuri N, Gupta V, Khalid S, et al. British Thoracic Society guideline for diagnostic flexible bronchoscopy in adults: accredited by NICE. Thorax. 2013;68 Suppl 1:i1-i44. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2013-203618
3. Scott A, McDonnell MJ, Ahmed M, Flannery A, Mujammil I, Breen D, et al. Survey of management of iatrogenic bleeding following bronchoscopic sampling. Eur Respir Rev. 2018;27(147):170128. https://doi.org/10.1183/16000617.0128-2017
4. Abuqayyas S, Raju S, Bartholomew JR, Abu Hweij R, Mehta AC. Management of antithrombotic agents in patients undergoing flexible bronchoscopy. Eur Respir Rev. 2017;26(145):170001. https://doi.org/10.1183/16000617.0001-2017
5. Herth FJ, Becker HD, Ernst A. Aspirin does not increase bleeding complications after transbronchial biopsy. Chest. 2002;122(4):1461-1464. https://doi.org/10.1378/chest.122.4.1461
6. Pathak V, Allender JE, Grant MW. Management of anticoagulant and antiplatelet therapy in patients undergoing interventional pulmonary procedures. Eur Respir Rev. 2017;26(145):170020. https://doi.org/10.1183/16000617.0020-2017
7. Oh S, Peters JI, Folch E. Iatrogenic Endobronchial Bleeding: Speed Things Up or Cool It Down?. J Bronchology Interv Pulmonol. 2015;22(3):191-194. https://doi.org/10.1097/LBR.0000000000000197
8. Farzam K, Kidron A, Lakhkar AD. Adrenergic drugs. [updated 2022 Jul 3]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022.
9. Korraa EE, Madkour A, Galal I, Ibrahim El-Saidy IM. Bronchoscopic instillation of tranexamic acid to control bronchopulmonary bleeding. Egypt J Bronchol. 2017;11(3):244-249. doi:10.4103/ejb.ejb_27_17 https://doi.org/10.4103/ejb.ejb_27_17
10. Moura E Sá J. Severe/mild haemoptyses - Pulmonologist intervention. Rev Port Pneumol. 2008;14 Suppl 4:S227-S241. https://doi.org/10.1016/S0873-2159(15)30331-7