Em todo o mundo, cerca de 10,6 milhões de pessoas adoeceram por tuberculose em 2021. A tuberculose é a segunda principal causa infecciosa de morte depois do COVID-19, e um total de 1,6 milhão de pessoas morreram de tuberculose em 2021. No entanto, a tuberculose é curável e evitável. Desde 2000, cerca de 74 milhões de vidas foram salvas devido ao diagnóstico e tratamento adequados da tuberculose. Em 2020, estimou-se que havia 155 milhões de sobreviventes de tuberculose ainda vivos em todo o mundo.(1)
A maioria dos programas de tuberculose concentra-se no diagnóstico e tratamento de pacientes que são acompanhados até o final do tratamento. No entanto, o monitoramento e a avaliação clínica e funcional após o tratamento são fundamentais, pois até 50% dos pacientes (> 70% daqueles com tuberculose multirresistente) apresentam doença pulmonar pós-tuberculose (DPPT), definida como “evidência de anormalidade respiratória crônica, com ou sem sintomas, atribuíveis pelo menos em parte à tuberculose (pulmonar) prévia”.(2,3)
Pacientes com DPPT podem apresentar vários graus de sequelas pulmonares funcionais e estruturais, como bronquiectasias, fibrose e espessamento pleural. Devido às sequelas estruturais, esses pacientes apresentam alto risco para outras doenças infecciosas pulmonares, incluindo as causadas por bactérias, vírus, micobactérias não tuberculosas e fungos, necessitando de protocolos para diagnóstico e prevenção. Eles podem ter déficits de função pulmonar (obstrução, restrição ou padrões mistos), tendo um risco duas vezes maior de apresentar anormalidades espirométricas do que a população em geral, e aproximadamente 10% desses pacientes podem ter perdido mais da metade de sua função pulmonar.(2,4,5) Além disso, esses pacientes podem apresentar sintomas respiratórios persistentes, como tosse residual e dispneia, além de redução da capacidade de exercício e da qualidade de vida.(2,6) Além disso, foi demonstrado que sobreviventes da tuberculose têm uma taxa de mortalidade pós-tratamento de longo prazo quase três vezes maior do que a população geral, com a maioria das mortes ocorrendo no primeiro ano após o término do tratamento.(7)
De fato, a tuberculose pode causar vários tipos de sequelas além da DPPT. Sobreviventes da tuberculose podem apresentar distúrbios cardiovasculares e pericárdicos, comprometimentos neurológicos, bem como efeitos psicológicos e socioeconômicos. Nightingale et al.(8) publicaram recentemente uma declaração clínica sobre saúde e bem-estar pós-tuberculose. Os autores desenvolveram um guia para o diagnóstico e manejo de condições pós-tuberculose, como DPPT, distúrbios cardíacos e neurológicos, assim como efeitos pós-tuberculose em crianças e adolescentes. Eles descreveram a apresentação clínica, fizeram recomendações para avaliação após o tratamento da tuberculose e discutiram o manejo clínico e farmacológico de cada uma das condições pós-tuberculose.
Esse importante documento se junta ao já publicado “Clinical standards for the assessment, management and rehabilitation of post-TB lung disease”,(9) que já havia destacado a importância de uma avaliação básica mínima ao final do tratamento da tuberculose para verificar a possibilidade de DPPT. Somente com o reconhecimento precoce dos danos poderão ser traçadas estratégias para uma melhor abordagem e tratamento/reabilitação dos casos de DPPT.(10,11)
No Brasil, embora existam muitos pacientes vivendo com sequelas de tuberculose, a avaliação funcional e radiológica após o término do tratamento não é realizada rotineiramente, nem é recomendada no “Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil” do Ministério da Saúde”.(12) Nesse sentido, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia decidiu desenvolver um documento específico para o diagnóstico e manejo da DPPT no Brasil. A elaboração do documento deverá ser realizada durante uma reunião de especialistas em tuberculose no próximo congresso da Sociedade em agosto de 2023. O documento será fundamental para enfatizar que a tuberculose deve ser considerada uma das principais causas de doença pulmonar crônica e que o diagnóstico e tratamento de DPPT devem ser implementados em vários ambientes programáticos.
AGRADECIMENTOS
Este estudo foi realizado no âmbito da Global TB Network, sediada pela Associação Mundial de Doenças Infecciosas e Distúrbios Imunológicos.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Todos os autores contribuíram igualmente para a redação, revisão e aprovação do manuscrito.
CONFLITOS DE INTERESSE
Nenhum declarado.
REFERÊNCIAS
1. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: WHO; c2022 [cited 2023 Feb 1]. Global Tuberculosis Report 2022. Available from: https://www.who.int/teams/global-tuberculosis-programme/tb-reports/global-tuberculosis-report-2022
2. Pontali E, Silva DR, Marx FM, Caminero JA, Centis R, D’Ambrosio L, et al. Breathing Back Better! A State of the Art on the Benefits of Functional Evaluation and Rehabilitation of Post-Tuberculosis and Post-COVID Lungs. Arch Bronconeumol. 2022;58(11):754-763. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2022.05.010
3. Mpagama SG, Msaji KS, Kaswaga O, Zurba LJ, Mbelele PM, Allwood BW, et al. The burden and determinants of post-TB lung disease. Int J Tuberc Lung Dis. 2021;25(10):846-853. https://doi.org/10.5588/ijtld.21.0278
4. Hulya S, Naz I, Karadeniz G, Erkan S. Clinical effects of TB sequelae in patients with COPD. Int J Tuberc Lung Dis. 2022;26(4):363-368. https://doi.org/10.5588/ijtld.21.0419
5. Silva DR, Freitas AA, Guimarães AR, D’Ambrosio L, Centis R, Muñoz-Torrico M, et al. Post-tuberculosis lung disease: a comparison of Brazilian, Italian, and Mexican cohorts. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20210515. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210515
6. Migliori GB, Caminero Luna J, Kurhasani X, van den Boom M, Visca D, D’Ambrosio L, et al. History of prevention, diagnosis, treatment and rehabilitation of pulmonary sequelae of tuberculosis. Presse Med. 2022;51(3):104112. https://doi.org/10.1016/j.lpm.2022.104112
7. Selvaraju S, Thiruvengadam K, Watson B, Thirumalai N, Malaisamy M, Vedachalam C, et al. Long-term Survival of Treated Tuberculosis Patients in Comparison to a General Population In South India: A Matched Cohort Study. Int J Infect Dis. 2021;110:385-393. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2021.07.067
8. Nightingale R, Carlin F, Meghji J, McMullen K, Evans D, van der Zalm MM, et al. Post-tuberculosis health and wellbeing: a clinical statement. Int J Tuberc Lung Dis. 2023. In press.
9. Migliori GB, Marx FM, Ambrosino N, Zampogna E, Schaaf HS, van der Zalm MM, et al. Clinical standards for the assessment, management and rehabilitation of post-TB lung disease. Int J Tuberc Lung Dis. 2021;25(10):797-813. https://doi.org/10.5588/ijtld.21.0425
10. Harries AD, Dlodlo RA, Brigden G, Chakaya JM. Taking action to improve post-TB lung health. Int J Tuberc Lung Dis. 2021;25(2):161-162. https://doi.org/10.5588/ijtld.20.0861
11. Visca D, D’Ambrosio L, Centis R, Pontali E, Tiberi S, Migliori GB. Post-TB disease: a new topic for investigation-and why it matters. Int J Tuberc Lung Dis. 2021;25(4):258-261. https://doi.org/10.5588/ijtld.21.0040
12. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2023 Feb 1]. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil 2019. [Adobe Acrobat document, 364p.]. Availa-ble from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf