AO EDITOR: O edema pulmonar neurogênico (EPN) é um edema não cardiogênico definido como desconforto respiratório agudo desencadeado por uma injúria ao sistema nervoso central (SNC). As causas mais comuns são traumatismo craniano, hemorragias intracranianas e convulsões.(1-4) Aqui, apresentamos o primeiro caso de EPN relacionado ao tratamento intratecal com pemetrexede.
Uma mulher de 34 anos submetida a tratamento sistêmico com osimertinibe para câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) metastático com mutação EGFR apresentou-se ao hospital com sintomas de progressão para a meninge. Nesse contexto, foi inserido eletivamente um cateter Ommaya no terceiro ventrículo para tratamento intratecal, e a paciente passou a receber infusão endovenosa de dexametasona (8 mg/dia). Após o procedimento, SpO2 em ar ambiente, FR e FC eram 97%, 16 ciclos/min e 85 bpm, respectivamente. O balanço hídrico permaneceu próximo de zero, e não houve necessidade de transfusão de sangue.
Cinco dias depois, pemetrexede intratecal foi administrado via cateter Ommaya (pemetrexede 50 mg mais dexametasona 5 mg dissolvidos em solução de cloreto de sódio 0,9% para preparar uma solução de 5 mL). Aproximadamente 16 h após a infusão, a paciente queixou-se de falta de ar, tosse e taquicardia. A ausculta pulmonar apresentava crepitações nas bases pulmonares. A FC e a SpO2 eram de 150 bpm e 80% em ar ambiente, respectivamente. A pressão arterial era de 140/90 mmHg. Nenhum sinal de hipertensão intracraniana foi observado. Foi iniciada suplementação de oxigênio com máscara sem reinalação (10 L/min).
A radiografia de tórax (RXT) à beira do leito mostrou opacidades pulmonares bilaterais nos campos médio e inferior e possível derrame pleural à direita (Figura 1A), e a TC de tórax confirmou extensas opacidades bilaterais em vidro fosco, relativamente simétricas, às vezes tendendo a consolidar, juntamente com espessamento septal e pequeno derrame pleural à direita (Figura 1C).
A TC também descartou tromboembolismo. Embora não houvesse radiografia prévia para comparação, a paciente havia realizado uma RM da coluna torácica alguns dias antes (Figura 1D), que revelou que os pulmões não apresentavam anormalidades difusas, reforçando o quadro hiperagudo. Não havia sinais clínicos de infecção. Eletrólitos séricos, procalcitonina, função renal, troponina, NT-proBNP (< 125 pg/mL), hemograma e ecocardiograma não apresentavam alterações. Foi realizada broncoscopia e a análise do LBA descartou infecção.
A paciente foi encaminhada à UTI; ventilação não invasiva (VNI) foi iniciada em modo de ventilação de dois níveis (VT = 6 mL/kg) em sessões de 120 min a cada 8 h, e a paciente foi desmamada da oxigenoterapia 5 dias depois. Nenhum antibiótico foi usado. O RXT (Figura 1B) e TC de controle após duas semanas (Figuras 1E e 1F) revelaram redução significativa das opacidades pulmonares (Figura 1B). Apesar da resolução dos sintomas respiratórios, a paciente foi encaminhada para cuidados paliativos exclusivos e faleceu 60 dias depois.
O cenário clínico foi um episódio agudo de taquicardia e desconforto respiratório em uma jovem após pemetrexede intratecal para tratamento de CPNPC metastático. Embora a doença pulmonar difusa não seja específica em exames de imagem, os achados da radiografia combinados com o rápido início dos sintomas e resolução relativamente rápida do comprometimento pulmonar favoreceram o diagnóstico de edema agudo de pulmão com um potencial fator causador (pemetrexede intratecal).
Os principais diagnósticos diferenciais foram excluídos, incluindo edema cardiogênico e nefrogênico, infecção e aspiração. Pneumonite por pemetrexede também é uma hipótese diferencial, mas o curto intervalo de tempo entre a infusão da droga e o início dos sintomas não coincide com o período habitual de início de pneumonite (semanas/meses). Pemetrexede intratecal em baixa dose também descarta pneumonite. Nossa hipótese, portanto, foi de um mecanismo neurogênico para o edema pulmonar como a principal causa dos aspectos clínicos.
Pemetrexede é um quimioterápico anticancerígeno utilizado no tratamento de CPNPC localmente avançado ou metastático, e sua administração intratecal pode ser realizada em pacientes com progressão para a meninge. Em um ensaio clínico,(5) pemetrexede intratecal foi administrado em 30 pacientes; o tempo médio de sobrevida foi de 9,0 meses (IC95%: 6,6-11,4 meses). Os eventos adversos mais comuns foram mielossupressão, que ocorreu em 30% dos pacientes, e neurotoxicidade. Nenhum evento pulmonar foi relatado.(5)
O EPN foi descrito pela primeira vez em 1908 e definido como um aumento do líquido intersticial e alveolar pulmonar devido a uma descarga simpática grave após envolvimento agudo do SNC.(4) Determinar a prevalência real do EPN é desafiador devido ao diagnóstico complexo. Vários gatilhos diferentes do SNC foram identificados, incluindo doenças infecciosas (mais comuns), sangramento cerebral, traumatismo cranioencefálico, epilepsia, acidente vascular cerebral e outros.(6)
A patogênese do EPN é pouco compreendida, mas acredita-se que seja consequência de uma descarga simpática maciça secundária a uma lesão da medula oblonga. Essa tempestade simpática leva a vasoconstrição sistêmica, aumento do volume sanguíneo pulmonar, aumento da permeabilidade capilar pulmonar e subsequente acúmulo de líquido no espaço alveolar (edema pulmonar).(7,8)
O EPN se apresenta dentro de minutos ou horas após uma lesão do SNC. No entanto, foi descrito um início mais rápido ou tardio. Dispneia é o sintoma mais comum. Taquicardia às vezes é observada concomitantemente à síndrome de Takotsubo, que tem um mecanismo semelhante.(9) O exame físico geralmente revela taquipneia e crepitações basilares. Os RXT geralmente mostram opacidades alveolares bilaterais e tamanho normal do coração.(6) O diagnóstico de EPN inclui envolvimento agudo do SNC, relação PaO2/FIO2 < 200 mmHg, opacidades bilaterais nas imagens torácicas, nenhuma evidência de hipertensão atrial esquerda e ausência de outras causas (infecção, SDRA, aspiração).(10)
O manejo do EPN consiste na abordagem da causa neurológica subjacente e na terapia de suporte para o edema pulmonar,(5) baseada em oxigenoterapia suplementar e VNI (incluindo CPAP). Em casos extremos, intubação com certo nível de PEEP.(6) O papel dos diuréticos ainda é controverso, não havendo recomendação clara. Embora a maioria dos casos se resolva dentro de 48-72 h, o desenvolvimento de EPN está associado a desfechos de longo prazo ruins.(6)
Este relato de caso destaca o papel do tratamento intratecal com pemetrexede como desencadeador de EPN. Até onde sabemos, esta é a primeira descrição na literatura. Médicos devem estar cientes da importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES FMC, EAF e AKM: concepção, planejamento, desenho do estudo e coleta de dados. EAF, AKM, MAFMF e FMC: rascunho e redação da versão final do manuscrito. FMC, MTC e MAFMF: revisão crítica do manuscrito. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
CONFLITOS DE INTERESSE Nenhum declarado.
REFERÊNCIAS 1. Baumann A, Audibert G, McDonnell J, Mertes PM. Neurogenic pulmonary edema. Acta Anaesthesiol Scand. 2007;51(4):447-455. https://doi.org/10.1111/j.1399-6576.2007.01276.x
2. Colice GL, Matthay MA, Bass E, Matthay RA. Neurogenic pulmonary edema. Am Rev Respir Dis. 1984;130(5):941-948.
3. Simon RP. Neurogenic pulmonary edema. Neurol Clin. 1993;11(2):309-323. https://doi.org/10.1016/S0733-8619(18)30155-5
4. Lo-Cao E, Hall S, Parsell R, Dandie G, Fahlström A. Neurogenic pulmonary edema. Am J Emerg Med. 2021;45:678.e3-678.e5. https://doi.org/10.1016/j.ajem.2020.11.052
5. Fan C, Zhao Q, Li L, Shen W, Du Y, Teng C, et al. Efficacy and Safety of Intrathecal Pemetrexed Combined With Dexamethasone for Treating Tyrosine Kinase Inhibitor-Failed Leptomeningeal Metastases From EGFR-Mutant NSCLC-a Prospective, Open-Label, Single-Arm Phase 1/2 Clinical Trial (Unique Identifier: ChiCTR1800016615). J Thorac Oncol. 2021;16(8):1359-1368. https://doi.org/10.1016/j.jtho.2021.04.018
6. Finsterer J. Neurological Perspectives of Neurogenic Pulmonary Edema. Eur Neurol. 2019;81(1-2):94-102. https://doi.org/10.1159/000500139
7. Hall SR, Wang L, Milne B, Ford S, Hong M. Intrathecal lidocaine prevents cardiovascular collapse and neurogenic pulmonary edema in a rat model of acute intracranial hypertension. Anesth Analg. 2002;94(4):. https://doi.org/10.1097/00000539-200204000-00032
8. Šedý J, Kuneš J, Zicha J. Pathogenetic Mechanisms of Neurogenic Pulmonary Edema. J Neurotrauma. 2015;32(15):1135-1145. https://doi.org/10.1089/neu.2014.3609
9. Inamasu J, Nakatsukasa M, Mayanagi K, Miyatake S, Sugimoto K, Hayashi T, et al. Subarachnoid hemorrhage complicated with neurogenic pulmonary edema and takotsubo-like cardiomyopathy. Neurol Med Chir (Tokyo). 2012;52(2):49-55. https://doi.org/10.2176/nmc.52.49
10. Davison DL, Terek M, Chawla LS. Neurogenic pulmonary edema. Crit Care. 2012;16(2):212. https://doi.org/10.1186/cc11226