CONTEXTO A dispneia crônica (isto é, dispneia durante pelo menos 3 meses) afeta negativamente a qualidade de vida relacionada à saúde de aproximadamente 10% da população geral. Em uma fração considerável desses indivíduos, a causa básica permanece incerta após uma avaliação clínica minuciosa, testes básicos de função pulmonar e exames de imagem do tórax, caracterizando a dispneia de origem desconhecida (DOD). O “médico do pulmão” é freqüentemente chamado para avaliar esses pacientes a fim de esclarecer o diagnóstico, um esforço repleto de complexidades na maioria das circunstâncias.
VISÃO GERAL Uma mulher de 67 anos, não fumante e sedentária (IMC = 34,6 kg/m2), relatou dispneia progressiva aos esforços após infecção por SARS-CoV-2 dois anos antes (3-4 pontos na escala modificada de dispneia do Medical Research Council). O histórico médico era positivo para hipertensão, depressão e fibromialgia. Uma investigação ampla em repouso foi inconclusiva (Figura 1). O teste de exercício cardiopulmonar incremental revelou um padrão respiratório taquipneico com redução consistente da capacidade inspiratória dinâmica, não obstante a ausência de hiperinsuflação pulmonar em repouso; além disso, a paciente relatou dispneia desproporcional à taxa de trabalho alcançada (5/10 pontos na escala de Borg a 45 W, > percentil 95). (1) Esses achados levantaram a suspeita de fraqueza/fadiga muscular inspiratória(2): apesar de reduzidas, tanto a PImáx como a PEmáx ainda estavam dentro dos limites da normalidade. É importante mencionar, porém, que a ventilação voluntária máxima (VVM) em 12 s (38 L/min) estava reduzida tanto em % do previsto (47%) como em relação à VVM calculada a partir do VEF1 (73 L/min). Os resultados da eletroneuromiografia dos membros superiores e inferiores foram consistentes com miopatia com descargas miotônicas. No momento, está sendo investigada a possibilidade tanto de distrofia miotônica como de canalopatias, possivelmente desencadeadas pelo SARS-CoV-2 e relacionadas com resposta inflamatória.
A DOD é uma síndrome heterogênea frequentemente multifatorial. Apenas uma minoria de pacientes com DOD (incluindo nossa paciente) relata dispneia na ausência de qualquer doença ativa conhecida por provocar o sintoma (dispneia sem causa aparente). Mais comumente, porém, há dispneia com múltiplas causas possíveis em pacientes que apresentam doenças cardiorrespiratórias ou sistêmicas e que são considerados “idealmente tratados” (dispneia residual aos esforços).(3) Não existe um algoritmo uniformemente aceito para a investigação de DOD (Figura 1). O valor de testes de função pulmonar mais sofisticados, particularmente o daqueles que avaliam as pequenas vias aéreas,(4) permanece incerto. O teste de exercício cardiopulmonar é frequentemente útil para descartar doença cardiorrespiratória importante, mostrando as consequências negativas da obesidade, simples descondicionamento e, às vezes, hiperventilação/ventilação disfuncional.(5) Medir a capacidade inspiratória dinâmica é fundamental,(6) e a gasometria arterial (ou gasometria capilar arterializada) é frequentemente necessária. No presente caso, o aumento das demandas metabólicas decorrente da obesidade resultou em consumo normal de oxigênio no pico do exercício, não obstante a redução da taxa de trabalho de pico.(5) Uma PImáx aparentemente normal pode ser enganosa porque: 1) a superativação dos músculos inspiratórios acessórios durante a manobra estática pode não ser sustentada dinamicamente (VVM, exercício); 2) os limiares para um resultado alterado podem variar em até 50%, dependendo dos valores de referência.(5)
MENSAGEM CLÍNICA Os princípios da inferência bayesiana considerando a prevalência local das principais alternativas diagnósticas e a probabilidade pré-teste de alteração devem ser aplicados para julgar os melhores passos investigativos em cada paciente com DOD. Ao seguir uma sequência lógica passo a passo (Figura 1), o pneumologista pode minimizar custos e aumentar o rendimento diagnóstico, evitando procedimentos fúteis e potencialmente iatrogênicos.
REFERÊNCIAS 1. Neder JA, Berton DC, Nery LE, Tan WC, Bourbeau J, O’Donnell DE; et al. A frame of reference for assessing the intensity of exertional dyspnoea during incremental cycle ergometry. Eur Respir J. 2020;56(4):2000191. https://doi.org/10.1183/13993003.00191-2020
2. Berton DC, Gass R, Feldmann B, Plachi F, Hutten D, Mendes NBS, et al. Responses to progressive exercise in subjects with chronic dyspnea and inspiratory muscle weakness. Clin Respir J. 2021;15(1):26-35. https://doi.org/10.1111/crj.13265
3. Neder JA. Residual Exertional Dyspnea in Cardiopulmonary Disease. Ann Am Thorac Soc. 2020;17(12):1516-1525. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.202004-398FR
4. Neder JA, Berton DC, O’Donnell DE. Small airway disease: when the “silent zone” speaks up. J Bras Pneumol. 2023;48(6):e20220414. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20220414
5. Neder JA, Berton DC, O’Donnell DE. The Lung Function Laboratory to Assist Clinical Decision-making in Pulmonology: Evolving Challenges to an Old Issue. Chest. 2020;158(4):1629-1643. https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.04.064
6. O’Donnell DE, Milne KM, Vincent SG, Neder JA. Unraveling the Causes of Unexplained Dyspnea: The Value of Exercise Testing. Clin Chest Med. 2019;40(2):471-499. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2019.02.014
7. Berton DC, Mendes NBS, Olivo-Neto P, Benedetto IG, Gazzana MB. Pulmonology ap-proach in the investigation of chronic unexplained dyspnea. J Bras Pneumol. 2021;47(1):e20200406. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200406