AO EDITOR, O adenocarcinoma lepídico é uma forma distinta de câncer de pulmão, cuja característica é a proliferação de células neoplásicas ao longo do revestimento alveolar, sem alterações na estrutura dos alvéolos. É uma variante do adenocarcinoma pulmonar, o tipo mais comum de câncer de pulmão, e geralmente tem um prognóstico melhor do que o de outras formas de câncer de pulmão, em virtude de seu crescimento lento e padrão de disseminação mais limitado.(1)
A amostragem de pequenos fragmentos de tecido pulmonar (biópsia transbrônquica, por exemplo) ainda é uma ferramenta comumente usada para o diagnóstico de câncer de pulmão. As principais limitações são: 1) as amostras podem não ser representativas de toda a lesão; 2) artefatos de esmagamento que podem não fornecer tecido suficiente para um exame histopatológico abrangente, incluindo imuno-histoquímica e testes moleculares. Isso pode levar a conclusões diagnósticas errôneas e tratamentos desnecessários.(2,3)
Uma mulher de 62 anos com diagnóstico recente de adenocarcinoma de pulmão — supostamente confirmado por meio de biópsia transtorácica no lobo superior direito, realizada em outra instituição — compareceu a nossa instituição para uma consulta oncológica para início de tratamento sistêmico. A paciente não apresentava sintomas respiratórios. Seu histórico médico incluía dor crônica decorrente de uma fratura vertebral em 2015 e constipação decorrente do uso de opioides, tratada por meio de laxantes de óleo mineral. Ela nunca havia fumado e não tinha histórico familiar de câncer de pulmão.
O exame físico revelou FR = 18 ciclos/min, FC = 80 bpm e SpO2 = 93% em ar ambiente. A ausculta pulmonar revelou estertores crepitantes, predominantemente no hemitórax direito. Os exames de sangue de rotina foram normais. A paciente foi submetida a PET/TC, que revelou opacidades em vidro fosco com espessamento septal, formando o padrão de pavimentação em mosaico no pulmão direito. Essas opacidades eram discretas tanto no lobo médio como no inferior: apareciam predominantemente no lobo superior, onde coalesciam (Figura 1A). A TC realizada anteriormente não estava disponível. As opacidades apresentavam captação ligeiramente aumentada de 18F-FDG (valor padronizado de captação máximo: 3,0), e havia dois linfonodos hipermetabólicos de tamanho normal (linfonodo hilar direito e paratraqueal superior direito; valor padronizado de captação máximo: 3,9; Figura 1B).
Antes do início do tratamento oncológico, revisamos os espécimes da biópsia transtorácica e não encontramos células neoplásicas. Diante desse achado, tomamos a decisão de realizar uma biópsia transtorácica guiada por TC no lobo superior direito. Os achados da biópsia sugeriam o diagnóstico de pneumonia lipoide, sem indícios de neoplasia ou infecção (Figura 1C).
Após a confirmação diagnóstica, o tratamento com óleo mineral foi interrompido e as opções de tratamento da dor sem opioides foram otimizadas. A paciente permaneceu sem sintomas respiratórios durante o período de acompanhamento. As opacidades em vidro fosco permaneceram, apresentando discreta redução após 9 meses. A TC de controle realizada 16 meses depois da PET/TC mostrou nova redução das opacidades em vidro fosco (Figura 1D).
A pneumonia lipoide é uma doença pulmonar rara caracterizada pelo acúmulo de material lipídico no parênquima pulmonar, decorrente de fonte exógena (aspiração de produtos com base em óleo) ou endógena (distúrbio do metabolismo lipídico). As manifestações clínicas podem variar, desde casos assintomáticos até casos com tosse, dispneia, dor torácica ou febre.(4,5)
Na TC de tórax, a pneumonia lipoide pode se manifestar em forma de opacidades em vidro fosco, consolidações ou padrão de pavimentação em mosaico. O diagnóstico diferencial inclui câncer de pulmão, proteinose alveolar pulmonar, pneumonia intersticial aguda, pneumonia intersticial não específica, pneumonia em organização, pneumonia por Pneumocystis jirovecii e hemorragia pulmonar.(6) No caso aqui relatado, um achado de imagem interessante foi a presença de opacidades exclusivamente no pulmão direito, predominantemente no lobo superior, um achado atípico de pneumonia lipoide exógena. Posteriormente, a paciente revelou que havia sido submetida a cirurgia lombar e, desde então, só se deitava para dormir com o corpo voltado para o lado direito, explicando assim o mecanismo preferencial pelo qual ocorrera a aspiração de material lipídico. Outro achado de imagem interessante foi a persistência extraordinariamente longa de alterações parenquimatosas para casos de adenocarcinoma de pulmão.
Em pacientes com achados de TC de tórax que simulam diversas doenças pulmonares, inclusive câncer de pulmão, a biópsia pulmonar desempenha um papel fundamental no diagnóstico, e o tipo de biópsia deve ser escolhido com cuidado. As limitações do diagnóstico de câncer de pulmão a partir de pequenas amostras de tecido incluem o risco de erros de amostragem, que podem não capturar toda a heterogeneidade do tumor, e a possibilidade de que artefatos de esmagamento obscureçam características histológicas importantes. Além disso, pequenas amostras de tecido podem não ser suficientes para um exame histopatológico abrangente, imuno-histoquímica e testes moleculares, limitando assim a identificação de subtipos tumorais específicos ou características moleculares cruciais para o planejamento do tratamento personalizado.(3,7,8)
A pneumonia lipoide e o adenocarcinoma lepídico apresentam algumas semelhanças quanto aos achados histopatológicos, tais como macrófagos carregados de lipídios nos espaços alveolares. No entanto, existem diferenças fundamentais. Em pacientes com adenocarcinoma lepídico, células epiteliais glandulares malignas revestem as paredes alveolares, mas a arquitetura alveolar é mantida, ao passo que em pacientes com pneumonia lipoide ocorre um processo de preenchimento alveolar acompanhado de acúmulo de material lipídico e resposta inflamatória crônica. Na imuno-histoquímica, o adenocarcinoma lepídico tipicamente expressa marcadores de diferenciação glandular, tais como citoqueratina 7, citoqueratina 20, fator de transcrição tireoidiano 1 e napsina A, que não estão presentes na pneumonia lipoide.(4,9)
Uma alternativa para evitar amostras pequenas obtidas por meio de biópsia pulmonar transbrônquica, a criobiópsia é um método promissor que tem se mostrado útil no diagnóstico de tumores endobrônquicos e pulmonares periféricos, com maior rendimento diagnóstico e qualidade das amostras coletadas para diagnóstico histopatológico e molecular de câncer de pulmão. Quando usada isoladamente ou em conjunto com a fluoroscopia ou a ultrassonografia endobrônquica radial, a criobiópsia pode melhorar a amostragem do tecido pulmonar,(10) assemelhando-se à biópsia transtorácica ou mesmo à biópsia cirúrgica (biópsia aberta ou videotoracoscopia).
Biópsias maiores podem fornecer uma visão mais ampla e detalhada do tecido pulmonar, permitindo um diagnóstico diferencial mais preciso, especialmente nos casos em que o diagnóstico de câncer de pulmão parece não corresponder ao contexto clínico ou em que outros diagnósticos são mais prováveis.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES FMC, SNC e AKM: concepção, planejamento e desenho do estudo; coleta de dados. SNC, AKM, MAFMF e FMC: redação do manuscrito. FMC, MTC e MAFMF: revisão do manuscrito. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
CONFLITOS DE INTERESSE Nenhum declarado.
REFERÊNCIAS 1. Lambe G, Durand M, Buckley A, Nicholson S, McDermott R. Adenocarcinoma of the lung: from BAC to the future. Insights Imaging. 2020;11(1):69. https://doi.org/10.1186/s13244-020-00875-6
2. Kage H, Kohsaka S, Shinozaki-Ushiku A, Hiraishi Y, Sato J, Nagayama K, et al. Small lung tumor biopsy samples are feasible for high quality targeted next generation sequencing. Cancer Sci. 2019;110(8):2652-2657. https://doi.org/10.1111/cas.14112
3. Kim L, Tsao MS. Tumour tissue sampling for lung cancer management in the era of personalised therapy: what is good enough for molecular testing?. Eur Respir J. 2014;44(4):1011-1022. https://doi.org/10.1183/09031936.00197013
4. Hadda V, Khilnani GC. Lipoid pneumonia: an overview. Expert Rev Respir Med. 2010;4(6):799-807. https://doi.org/10.1586/ers.10.74
5. Chieng HC, Ibrahim A, Chong WH, Freed H, Fabian T, Saha B, et al. Lipoid Pneumonia. Am J Med Sci. 2022;363(5):452-455. https://doi.org/10.1016/j.amjms.2022.01.019
6. Rossi SE, Erasmus JJ, Volpacchio M, Franquet T, Castiglioni T, McAdams HP. “Crazy-paving” pattern at thin-section CT of the lungs: radiologic-pathologic overview. Radiographics. 2003;23(6):1509-1519. https://doi.org/10.1148/rg.236035101
7. McLean AEB, Barnes DJ, Troy LK. Diagnosing Lung Cancer: The Complexities of Obtaining a Tissue Diagnosis in the Era of Minimally Invasive and Personalised Medicine. J Clin Med. 2018;7(7):163. https://doi.org/10.3390/jcm7070163
8. Nooreldeen R, Bach H. Current and Future Development in Lung Cancer Diagnosis. Int J Mol Sci. 2021;22(16):8661. https://doi.org/10.3390/ijms22168661
9. Zheng M. Classification and Pathology of Lung Cancer. Surg Oncol Clin N Am. 2016;25(3):447-468. https://doi.org/10.1016/j.soc.2016.02.003
10. Simon M, Simon I, Tent PA, Todea DA, Haranguș A. Cryobiopsy in Lung Cancer Diag-nosis-A Literature Review. Medicina (Kaunas). 2021;57(4):393. https://doi.org/10.3390/medicina57040393