AO EDITOR,
A tuberculose continua sendo um desafio para a saúde pública global, principalmente nas prisões, onde o risco de contrair a doença é 30 vezes maior.(1) O estado do Rio Grande do Sul tem mais de 40.000 pessoas privadas de liberdade e uma cobertura por equipes de Atenção Primária Prisional (eAPP) de aproximadamente 54,4% das pessoas privadas de liberdade em regime fechado. Atualmente, existem 45 eAPP distribuídas em instituições penais de todo o estado, a maioria superlotada.(2)
A necessidade de ampliar e aprimorar as ações de atenção à tuberculose, vigilância da tuberculose e gestão do controle da tuberculose, conforme recomendado pelos órgãos de saúde nacionais e internacionais,(3,4) estimulou o desenvolvimento de atividades de educação permanente em saúde com foco nas pessoas privadas de liberdade.(5) O Programa de Educação Permanente em Saúde – Sistema Prisional (PEPSSP) ocorreu de 6 de julho a 14 de dezembro de 2021, sendo voltado para servidores do sistema prisional, gestores, representantes do controle social e a comunidade acadêmica. A pandemia de COVID-19 levou ao formato virtual, com 11 aulas e 6 rodas de conversas virtuais. As palestras virtuais foram transmitidas ao vivo pelo YouTube e permanecem à disposição do público.(6)
As aulas virtuais transmitidas ao vivo abordaram temas relacionados à tuberculose no sistema prisional, coinfecção tuberculose/HIV, teste rápido no ingresso prisional, análise de indicadores para monitoramento e avaliação da tuberculose, entre outros. As rodas de conversas virtuais foram motivadas por perguntas desencadeadoras, identificando os desafios do trabalho cotidiano para controlar a tuberculose nas prisões.
Para complementar as atividades teóricas do PEPSSP, foi desenvolvida a primeira Competição em Saúde contra a Tuberculose no Sistema Prisional (COMPETI-TB).(7) Essa competição ocorreu de 23 de março a 04 de maio de 2022 e contou com a participação de 19 equipes ligadas a unidades prisionais do Rio Grande do Sul e 1.400 pessoas privadas de liberdade, que foram direta ou indiretamente envolvidas. O lançamento da 1ª COMPETI-TB, que abordou o tema “Desafios do controle da tuberculose no sistema prisional”, foi transmitido ao vivo pelo YouTube no dia 23 de março de 2022. As equipes inscritas eram mistas, incluindo profissionais dos setores de saúde e segurança. Participaram equipes multidisciplinares de instituições penais com eAPP habilitadas ou com outras equipes prestadoras de serviços de saúde para a população privada de liberdade. A 1ª COMPETI-TB consistiu em 10 desafios e 2 atividades bônus envolvendo o controle da tuberculose que promoveram a competição entre as instituições penais. A conclusão desses desafios e atividades bônus foi comprovada eletronicamente, com fotos, relatórios e vídeos; prazos e pontuações foram estipulados; e, ao final, foram premiadas as equipes com maior pontuação e as equipes de cada região penitenciária do estado que se destacaram.
Os desafios propostos tinham uma pontuação diversificada, sendo que as tarefas consideradas de baixo grau de dificuldade valiam 10 pontos; as de grau intermediário de dificuldade, 25 pontos; e as de alto grau de dificuldade, 50 pontos. As atividades bônus valiam pontos adicionais e serviram para desempate.
Por meio de cartazes, panfletos e faixas e do Pedágio da TB, as equipes discutiram o conceito da doença, sua transmissão e formas de prevenção, bem como a identificação de sintomáticos respiratórios. Observou-se discrepância entre os protocolos e sua implementação, o que levou a um movimento de padronização de ações e práticas, como definição de local adequado para coleta de escarro e uso de estratégias de rastreamento da tuberculose, incluindo busca ativa de sintomáticos respiratórios e teste rápido para doenças infecciosas no momento do ingresso no sistema prisional.
As equipes replicaram atividades de educação permanente em saúde em seus contextos cotidianos por meio de palestras, mesas redondas, elaboração de materiais informativos e jogos educativos, como o Bingo da TB, questionários e aulas sobre o tema, tudo voltado para os funcionários das instituições penais e as pessoas privadas de liberdade. Diversas prisões estabeleceram parcerias com instituições de ensino como parte dos desafios propostos. Houve avaliação dos indicadores de controle da tuberculose e do HIV, aplicação do escore de busca ativa anual de casos da Organização Mundial da Saúde e atualização ou conhecimento dos livros de registros de sintomáticos respiratórios, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde.(3)
O desafio final foi o preenchimento de uma ficha de avaliação pelas equipes participantes. Isso tornou possível confirmar a importância do PEPSSP para as instituições penais, pois além de disseminar o conhecimento técnico por meio de atividades práticas, ele também permite a integração entre profissionais com conhecimentos diversos.
Essa proposta de intervenção faz parte do projeto guarda-chuva intitulado “Contribuições para a gestão da saúde prisional estadual: monitoramento e avaliação, educação permanente e tecnologias em saúde”, aprovado pelo Comitê de Ética em Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul (Protocolo n. 4.251.658). A cerimônia de encerramento e premiação da 1ª COMPETI-TB também ocorreu por meio de transmissão ao vivo,(8) na qual foi apresentado um compilado das atividades desenvolvidas durante a COMPETI-TB e emitida uma Nota Informativa Conjunta sobre vigilância e controle da tuberculose no sistema prisional.(9)
Esta carta ao editor apresenta estratégias inovadoras, relatando o que já foi feito até o momento, e recomenda enfaticamente a busca ativa de casos e o rastreamento sistemático para tuberculose nas prisões.(10) Essa recomendação está alinhada com a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, que inclui o controle da tuberculose. Os resultados aqui apresentados demonstram a efetividade da implementação da política de educação permanente em saúde. O PEPSSP reflete o dinamismo e a abrangência do Sistema Único de Saúde e promove a valorização das vivências, a troca de experiências e a aprendizagem significativa, mostrando-se essencial para a resolução dos problemas do cotidiano prisional e para a abordagem da tuberculose e outras complexidades que afetam as pessoas privadas de liberdade.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
KZE, VGV, IF, ARMV e LGP: desenho do manuscrito, coleta de dados, análise dos dados, redação do manuscrito e aprovação da versão final do manuscrito.
CONFLITOS DE INTERESSE
Nenhum declarado.
APOIO FINANCEIRO
Os autores deste manuscrito receberam apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; Código de Financiamento 001) e do Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS; Processo n. 21/2551-0000095-3) para a preparação do manuscrito.
REFERÊNCIAS
1. Mabud TS, de Lourdes Delgado Alves M, Ko AI, Basu S, Walter KS, Cohen T, et al. Evaluating strategies for control of tuberculosis in prisons and prevention of spillover into communities: An observational and modeling study from Brazil [published correction appears in PLoS Med. 2019 Mar 1;16(3):e1002764]. PLoS Med. 2019;16(1):e1002737. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1002737
2. Dotta RM, Ely KZ, Schultz ÁLV, Soares Filho MM, Nunes PS, Busatto C, et al. Primary Prison Care Teams and tuberculosis notification in Rio Grande do Sul/Brazil. Cien Saude Colet. 2022;27(12):4415-4422. https://doi.org/10.1590/1413-812320222712.11682022en
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Coordenação Geral do Programa Nacional de Controle da Tuberculose [homepage on the Internet]. Brasília: o Ministério, c2019 [cited 2020 Jan 20]. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil, 2nd updated ed. [Adobe Acrobat document, 366p.]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf
4. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: WHO; c2022 [cited 2023 Feb 20]. Global Tuberculosis Report 2021. Available from: https://apps.who.int/iris/rest/bitstreams/1379788/retrieve.
5. Ely KZ, Valim ARM, Koepp J, Dotta RM, Swartzbold P, Possuelo LG. Processo de construção de um programa de educação permanente para as equipes de atenção básica prisional. In: Darsie C, Rocha CMF, Carneiro M, Galvão MCB, org. Educação e saúde: reflexões e experiências educativas. 1st ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC; 2022. Available from: https://www.researchgate.net/profile/Camilo-Darsie/publication/360375894_Educacao_e_saude_reflexoes_e_experiencias_educativas/links/6272fb7c3a23744a72649576/Educacao-e-saude-reflexoes-e-experiencias-educativas.pdf.
6. FIOCRUZ Brasília [homepage on the Internet]. Brasília: FIOCRUZ Brasília; [updated 2021 Nov 29; cited 2023 Feb 20]. Saúde prisional: conheça a exposição virtual de experiências. Available from: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/saude-prisional-conheca-a-exposicao-virtual-de-experiencias/#:~:text=A%20CESP%20%C3%A9%20vinculada%20ao,e%20Outras%20Drogas%20(Nusmad).
7. Possuelo LG, Ely KZ, Swartzbold P, Boeira E, Frighetto I, Vendrusculo VG, et al. Competição para prevenção da tuberculose na rede de saúde prisional: da criação à avaliação: memórias e aprendizados. 1st ed. Santa Cruz do Sul, RS: Ed dos Autores; 2023.
8. Encerramento do 1º COMPETI-TB: SISTEMA PRISIONAL. Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC Ao Vivo. 2022 May 5 [cited 2023 Feb 20]. Vídeo:1^46:49. Available from: https://www.youtube.com/watch?v=PHQAW9q1HDY.
9. Brasil. Rio Grande do Sul. Secretaria de Saúde. Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS) [homepage on the Internet]. Porto Alegre: CEVS; [cited 2023 Feb 20]. Nota Informativa Conjunta Nº 01/2022 – Vigilância Epidemiológica da Tuberculose (TB) na Saúde. Available from: https://www.cevs.rs.gov.br/upload/arquivos/202205/04093246-nota-informativa-conjunta-n-01-2022-vigilancia-epidemiologica-da-tuberculose-na-saude-prisional.pdf
10. Charalambous S, Velen K, Rueda Z, Croda J, Herce ME, Shenoi SV et al. Scaling up evi-dence-based approaches to tuberculosis screening in prisons. Lancet Public Health. 2023;8(4):e305-e310. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(23)00002-6