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Cartas ao Editor

COVID-19: fatores clínicos associados à capacidade funcional de pacientes hospitalizados na admissão e na alta

COVID-19: clinical factors associated with functional capacity of hospitalized patients at admission and discharge

Raiany Franca Guimarães1, Marcela Cangussu Barbalho-Moulim1, Veronica Lourenço Wittmer1, Lais Mello Serafim1, Elizângela Kuster1, Jenaine Rosa Godinho Emiliano2, Juliana Baroni Cordeiro2, Michele Coutinho Maia da Silva2, Rozy Tozetti Lima2, Juliana Zangirolami-Raimundo3, Rodrigo Daminello Raimundo3, Luiz Carlos Abreu1, Flavia Marini Paro1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230121

 
AO EDITOR,
 
No início da pandemia de COVID-19, salvar vidas era o objetivo mais urgente. No entanto, alguns meses depois, os serviços de saúde começaram a enfrentar outro enorme desafio, a chamada COVID-19 longa, que pode induzir incapacidades de longo prazo ou mesmo permanentes e pode ter impacto nos anos de vida ajustados por incapacidade e nos anos de vida ajustados por qualidade de vida.(1)
 
Entre os pacientes com COVID-19 que necessitam de hospitalização, o tempo de internação e a necessidade de UTI são amplamente variáveis. Alguns indivíduos podem necessitar de um longo período de internação na UTI e, consequentemente, correm maior risco de desenvolver síndrome pós-terapia intensiva.(2)
 
Além da perda funcional decorrente da hospitalização, os mecanismos da COVID-19 incluem manifestações pulmonares e extrapulmonares, afetando os sistemas neurológico, cardiovascular, renal e musculoesquelético, entre outros,(3) e tais disfunções podem interferir diretamente na capacidade funcional.
 
Embora alguns estudos abordando a evolução de pacientes hospitalizados com COVID-19 tenham sido publicados,(1-4) ainda existem lacunas no conhecimento sobre os fatores associados ao comprometimento da capacidade funcional desses pacientes durante a hospitalização.
 
O presente estudo teve como objetivo descrever a capacidade funcional de pacientes internados por COVID-19 e sua correlação com outras variáveis clínicas. Este foi um estudo longitudinal analítico envolvendo todos os pacientes adultos com COVID-19 internados no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes entre julho e dezembro de 2020. O Comitê de Ética em Pesquisa do hospital aprovou este projeto (CAAE: 33373820,6,0000,5071; aprovação: #4227571).
 
Dados demográficos, clínicos e funcionais (capacidade de sentar na cama, ficar em pé e andar) foram coletados desde o dia da admissão hospitalar até o dia da alta.
 
A análise estatística foi realizada com o pacote de software IBM SPSS Statistics, versão 22.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). As variáveis categóricas foram relatadas em suas frequências absolutas e relativas, e as variáveis numéricas contínuas em médias e desvios-padrão. As correlações foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Spearman, adotando-se o nível de significância de 5%.
 
A amostra foi composta por 60 pacientes, com média de idade de 63,0 ± 15,7 anos. O tempo médio de internação hospitalar foi de 19,3 ± 20,5 dias. Durante o período hospitalar, 41 pacientes (68,3%) necessitaram de suplementação de oxigênio; entretanto, apenas 2 (3,3%) continuaram necessitando-o na alta. Ventilação não invasiva foi utilizada em 12 pacientes (20%), assim como ventilação mecânica invasiva, em 7 pacientes (11,7%) durante um período médio de 17,3 ± 11,5 dias. Quase metade dos pacientes necessitou de internação em UTI (tempo médio de permanência na UTI = 6,2 ± 13,2 dias), sendo que 7 deles (25%) necessitaram de ventilação mecânica.
 
Em relação à capacidade funcional, 41 pacientes (68,3%) conseguiam sentar no leito na admissão, e esse percentual aumentou para 85% na alta. A capacidade de levantar-se foi observada em 60,0% dos pacientes na admissão e aumentou para 81,7% na alta. No dia da admissão, 61,7% dos pacientes conseguiam deambular e esse percentual aumentou para 76,7% na alta.
 
No dia da admissão, foi encontrada uma correlação negativa moderada entre SpO2 e incapacidade de caminhar. Isso significa que quanto menor a saturação, maior a incapacidade de caminhar. As demais variáveis clínicas não apresentaram correlações significativas com a capacidade de deambular na admissão (Tabela 1). Também encontramos uma correlação negativa moderada entre a SpO2 e a incapacidade de caminhar no dia da alta (Tabela 1).
 

 
O número de dias na UTI apresentou uma correlação positiva moderada com a incapacidade de sentar e uma correlação positiva fraca com a incapacidade de levantar na alta (Tabela 1).
 
Nossos resultados mostraram que pacientes com SpO2 mais baixa apresentaram mais dificuldades para deambular tanto na admissão quanto na alta. A hipoxemia parece ter um efeito negativo no desempenho funcional em pacientes com COVID-19, mesmo após a resolução da doença. Um estudo que avaliou pacientes com COVID-19 após a alta relatou pior desempenho no teste de caminhada de seis minutos e comprometimento da DLCO em todos os pacientes hipoxêmicos, sugerindo que esse comprometimento seria associado a fenômenos vasculares e de parênquima pulmonar decorrentes da COVID-19.(4) Baixa SpO2 reduz o fornecimento de oxigênio aos tecidos devido à menor saturação de oxi-hemoglobina. Além disso, a atividade muscular aumenta a extração periférica de oxigênio, reduz a oxigenação muscular e aumenta a necessidade de fornecimento de oxigênio para manter a atividade,(5) o que não é possível em pacientes que apresentam capacidade de difusão comprometida.
 
Nosso estudo também mostrou que maior tempo de permanência na UTI influenciou negativamente a capacidade de sentar e ficar em pé no dia da alta. Da mesma forma, o declínio da capacidade funcional foi observado em quase todos os pacientes hospitalizados com COVID-19 que receberam alta da UTI em um estudo que utilizou o índice de Barthel para medir o nível de dependência funcional nos pacientes.(6)
 
Embora os benefícios da mobilização precoce sejam bem conhecidos, ela foi recomendada apenas em situações específicas para pacientes hospitalizados no início da pandemia, porque a COVID-19 era pouco conhecida e para reduzir o risco de disseminação da doença.(7) Atualmente, devido ao crescimento do conhecimento sobre a doença, a mobilização precoce e a reabilitação têm sido cada vez mais recomendadas para esses pacientes.(2,8-10) Os resultados encontrados no presente estudo contribuem para reforçar isso.
 
Concluindo, identificou-se alta prevalência de limitações na capacidade funcional na admissão hospitalar e na alta de pacientes com COVID-19. Além disso, a capacidade funcional correlacionou-se negativamente com a SpO2 e o tempo de internação na UTI. Esses achados podem contribuir para o desenvolvimento de estratégias mais eficazes de prevenção e reabilitação precoce para pacientes com COVID-19 durante a hospitalização.
 
AGRADECIMENTOS
 
Agradecemos ao Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes a autorização de acesso aos dados e aos fisioterapeutas a colaboração.
 
FINANCIAMENTO
 
Raiany Franca Guimarães recebeu bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; código de financiamento 001) durante sua participação neste projeto.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
MCBM, VLW, FMP, RFG, JRGB, MCMS, JBC, RTL, LMS e EK: concepção e desenho do projeto. MCBM, VLWP, JRGB, MCMS, JBC, RTL, RFG, LMS, EK e FMP: planejamento da coleta de dados. MCBM, FMP e VLW: coordenação da coleta de dados. JRGB, MCMS, JBC, RTL, MCBM, LMS, EK e RFG: coleta de dados. LMS, EK, RFG, JZR, RDR e LCA: tabulação e revisão de dados. JZR, RDR, LCA, FMP e MCBM: análise e interpretação dos dados. JZR, RDR e LCA: análise de dados; RFG e FMP: redação do manuscrito; MCBM, VLWP, LMS, EK, RFG, JZR, RDR, LCA, JRGB, MCMS, JBC, RTL e FMP: apoio, revisão e aprovação da versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.Briggs A, Vassall A. Count the cost of disability caused by COVID-19. Nature. 2021;593(7860):502-505. https://doi.org/10.1038/d41586-021-01392-2
2.Jaffri A, Jaffri UA, Post-Intensive care syndrome and COVID-19: crisis after a crisis? Heart Lung. 2020;49(6):883–884. https://doi.org/10.1016/j.hrtlng.2020.06.006
3.Gupta A, Madhavan MV, Sehgal K, Nair N, Mahajan S, Sehrawat TS, et al. Extrapulmonary manifestations of COVID-19,.Nat Med. 2020;26(7):1017-1032. http://dx.doi.org/10.1038/s41591-020-0968-3
4.Wong AW, López-Romero S, Figueroa-Hurtado E, Vazquez-Lopez S, Milne KM, Ryerson CJ, et al. Predictors of reduced 6-minute walk distance after COVID-19: a cohort study in Mexico. Pulmonology. 2021;27(6):563-565. https://doi.org/10.1016/j.pulmoe.2021.03.004
5.Bhambhani YN. Muscle oxygenation trends during dynamic exercise measured by near infrared spectroscopy. Can J Appl Physiol. 2004;29(4):504-523. https://doi.org/10.1139/h04-033
6.Domínguez Fleitas V, Peña García M, De la Fuente Escudero C, García Pérez F. Functional evolution and mood of patients after admission for COVID-19 to intensive care unit [Article in Spanish]. Rehabilitacion (Madr). 2022;56(3):182-187. https://doi.org/10.1016/j.rh.2021.09.002
7.Thomas P, Baldwin C, Bissett B, Boden I, Gosselink R, Granger CL, et al. Physiotherapy management for COVID-19 in the acute hospital setting: Recommendations to guide clinical practice, J Physiother. 2020;66(2):73-82. https://doi.org/10.1016%2Fj.jphys.2020.03.011
8.Wittmer VL, Paro FM, Duarte H, Capellini VK, Barbalho-Moulim MC. Early mobilization and physical exercise in patients with COVID-19: a narrative literature review. Complementary Ther Clin Pract. 2021;43:101364. https://doi.org/10.1016/j.ctcp.2021.101364
9.Eggmann S, Kindler A, Perren A, Ott N, Johannes F, Vollenweider R, et al. Early Physical Therapist Interventions for Patients With COVID-19 in the Acute Care Hospital: A Case Report Series. Phys Ther. 2021;101(1):pzaa194. http://doi.org/10.1093/ptj/pzaa194
10. Dias LMS, Guimaraes FS, Leite CF, Paro FM, Annoni R, Oliveira ACO, et al. Physiothe-rapy practice for hospitalized patients with COVID-19. J Bras Pneumol. 2022;48(4):e20220121. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20220121

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