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Artigo Especial

Recomendações da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o manejo da doença pulmonar pós-tuberculose

Brazilian Thoracic Association recommendations for the management of post-tuberculosis lung disease

Denise Rossato Silva1, Ana Paula Santos2,3, Dina Visca4,5, Sidney Bombarda6, Margareth Maria Pretti Dalcolmo7, Tatiana Galvão8, Silvana Spíndola de Miranda9, Ana Alice Amaral Ibiapina Parente10, Marcelo Fouad Rabahi11, Roberta Karla Barbosa de Sales12, Giovanni Battista Migliori13, Fernanda Carvalho de Queiroz Mello2

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230269

ABSTRACT

Historically, all efforts against tuberculosis were focused on rapid diagnosis and effective treatment to break the chain of transmission of Mycobacterium tuberculosis. However, in the last few years, more and more evidence has been found on the dramatic consequences of the condition defined as post-tuberculosis lung disease (PTLD). Approximately one third of patients surviving pulmonary tuberculosis face considerable ongoing morbidities, including respiratory impairment, psychosocial challenges, and reduced health-related quality of life after treatment completion. Given the important global and local burden of tuberculosis, as well as the estimated burden of PTLD, the development of a consensus document by a Brazilian scientific society-Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT)-was considered urgent for the prevention and management of this condition in order to allocate resources to and within tuberculosis services appropriately and serve as a guide for health care professionals. A team of eleven pulmonologists and one methodologist was created by the SBPT to review the current evidence on PTLD and develop recommendations adapted to the Brazilian context. The expert panel selected the topics on the basis of current evidence and international guidelines. During the first phase, three panel members drafted the recommendations, which were divided into three sections: definition and prevalence of PTLD, assessment of PTLD, and management of PTLD. In the second phase, all panel members reviewed, discussed, and revised the recommendations until a consensus was reached. The document was formally approved by the SBPT in a special session organized during the 2023 SBPT Annual Conference.

Keywords: Tuberculosis; Post-infectious disorders; Disease management.

RESUMO

Historicamente, todos os esforços contra a tuberculose concentraram-se no diagnóstico rápido e no tratamento efetivo para quebrar a cadeia de transmissão do Mycobacterium tuberculosis. No entanto, nos últimos anos, têm sido encontradas mais e mais evidências sobre as dramáticas consequências da condição definida como doença pulmonar pós-tuberculose (DPPT). Aproximadamente um terço dos pacientes que sobrevivem à tuberculose pulmonar enfrenta morbidades consideráveis e persistentes, incluindo comprometimento respiratório, desafios psicossociais e redução da qualidade de vida relacionada à saúde após o término do tratamento. Diante da importante carga global e local da tuberculose, bem como da carga estimada da DPPT, considerou-se urgente o desenvolvimento de um documento de consenso por uma sociedade científica brasileira — a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) — para a prevenção e manejo dessa condição, a fim de alocar recursos de forma adequada para e nos serviços de tuberculose e servir de guia para os profissionais de saúde. Uma equipe de onze pneumologistas e um metodologista foi criada pela SBPT para revisar as evidências atuais sobre a DPPT e desenvolver recomendações adaptadas ao contexto brasileiro. O painel de especialistas selecionou os temas com base nas evidências atuais e diretrizes internacionais. Durante a primeira fase, três membros do painel redigiram as recomendações, que foram divididas em três seções: definição e prevalência de DPPT, avaliação da DPPT e manejo da DPPT. Na segunda fase, todos os membros do painel analisaram, discutiram e revisaram as recomendações até chegar a um consenso. O documento foi aprovado formalmente pela SBPT em sessão especial organizada durante o Congresso Anual da SBPT de 2023.

Palavras-chave: Tuberculose; Transtornos pós-infecções; Gerenciamento clínico.

 
INTRODUÇÃO
 
A tuberculose, além dos problemas físicos e psicológicos associados à doença, do estigma relacionado à doença e dos consideráveis custos financeiros, também acarreta uma condição definida como doença pulmonar pós-tuberculose (DPPT), que até agora tem sido pouco estudada, mas que recentemente ganhou destaque.(1)
 
Historicamente, todos os esforços contra a tuberculose concentraram-se no diagnóstico rápido e no tratamento efetivo, tentando quebrar a cadeia de transmissão do Mycobacterium tuberculosis. No entanto, nos últimos anos, o impacto das sequelas danosas de longo prazo causadas pela tuberculose pulmonar tem sido devidamente valorizado para pacientes individuais, seus contatos domiciliares, suas comunidades e os sistemas de saúde.(2)
 
Aproximadamente um terço dos pacientes que sobrevivem à tuberculose pulmonar enfrentam, após o término do tratamento, uma carga considerável e muitas vezes sub-reconhecida de morbidade persistente, incluindo comprometimento respiratório, desafios psicossociais e redução da qualidade de vida relacionada à saúde.(3,4) Até a mortalidade é maior em pacientes com DPPT, com risco de morte até seis vezes maior do que na população em geral.(5,6)
 
Apesar do recente aumento de publicações relacionadas à DPPT, os dados epidemiológicos da carga global e da morbidade associada à DPPT ainda são limitados em razão da falta de prioridade dos programas nacionais de tuberculose e da relativa complexidade da abordagem diagnóstica, que inclui, entre outros, avaliação clínica, radiológica e da função pulmonar.(7,8)
 
É evidente que as sequelas de DPPT contribuem para o excesso de mortalidade e morbidade,(9) causando incapacidades radiológicas e funcionais, favorecendo outras complicações (por exemplo: outras infecções, hemoptises etc.), prejudicando a qualidade de vida e, portanto, impulsionando a hospitalização e os custos para os sistemas de saúde. A avaliação e manejo precoce da morbidade por DPPT com base em recomendações sólidas de uma sociedade científica são de suma importância para garantir a alocação adequada de recursos para e nos serviços de tuberculose a fim de fornecer prevenção, diagnóstico e tratamento da DPPT com qualidade garantida.(3)
 
As presentes recomendações da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) se aplicam a pacientes com DPPT no contexto brasileiro. Um painel de 11 pneumologistas e um metodologista, incluindo dois especialistas internacionais, foi convidado pela SBPT para revisar o conhecimento atual sobre o tema e desenvolver recomendações específicas para o Brasil. Um painel de especialistas selecionou os temas com base nas evidências atuais e nas diretrizes internacionais disponíveis em julho de 2023. Durante a primeira fase, três membros do painel redigiram as recomendações, que foram divididas em três seções: descrição e prevalência da DPPT, avaliação da DPPT e manejo da DPPT. Na segunda fase, todos os membros do painel analisaram, discutiram e revisaram as recomendações até chegar a um consenso. O documento foi formalmente aprovado pela SBPT em sessão especial organizada durante o Congresso Anual da SBPT de 2023, realizado na cidade de Curitiba (PR).
 
DEFINIÇÃO
 
A DPPT foi definida durante o Primeiro Simpósio Internacional sobre Doença Pós-Tuberculose, realizado em Stellenbosch, África do Sul, como “evidência de anormalidade respiratória crônica, com ou sem sintomas, atribuível, pelo menos em parte, à tuberculose (pulmonar) prévia”.(1) A DPPT inclui uma grande variedade de sequelas pulmonares funcionais e estruturais, desde distúrbios leves a graves. Cavitação, bronquiectasias, espessamento pleural, fibrose e hipertensão pulmonar são alguns exemplos de sequelas de tuberculose. Além disso, os pacientes podem sofrer colonização e infecção por Aspergillus fumigatus, micobactérias não tuberculosas e outras bactérias. (1,10-16) Os déficits de função pulmonar descritos em pacientes com DPPT incluem obstrução, restrição ou padrão misto, e aproximadamente 10% deles perdem mais da metade de sua função pulmonar.(17) De fato, em comparação com a população em geral, os pacientes com DPPT têm duas vezes mais chances de apresentar alterações espirométricas.(18) Como consequência das sequelas pulmonares, são frequentes os sintomas respiratórios persistentes, como dispneia, tosse, sibilância e redução da capacidade de exercício.(19)
 
EPIDEMIOLOGIA
 
Apesar do recente aumento no número de publicações relacionadas à DPPT, a real carga epidemiológica da DPPT não é bem conhecida.(12) Estima-se que até 50% dos sobreviventes da tuberculose vivam com algum tipo de sequela.(20) Além disso, a taxa de mortalidade desse grupo de pacientes pode ser até 3-6 vezes maior em comparação com a da população em geral.(5,6,21)
 
De acordo com estudos anteriores, a prevalência de DPPT pode variar de 18% a 87%.(22) Essa grande variação pode ser atribuída aos diferentes cenários analisados e aos diversos parâmetros utilizados para o diagnóstico da DPPT. Em uma comparação recente de três diferentes estudos de coorte com pacientes com DPPT no Brasil, Itália e México, os testes de função pulmonar mostraram resultados diferentes, a maioria dos quais mostrou padrões obstrutivos, mistos e normais, respectivamente.(23)
 
Outro estudo utilizou padrões radiológicos para avaliar a prevalência de DPPT, e os resultados variaram de acordo com o tipo de exame (TC ou radiografia de tórax) e a alteração residual encontrada (cavitação, bronquiectasias, fibrose, nódulos, enfisema ou consolidação).(24)
 
As possíveis diferentes formas de caracterizar e definir a DPPT dificultam a generalização de vários estudos, e poucos dados podem correlacionar danos estruturais identificados em exames radiológicos de tórax, comprometimento funcional, sintomas respiratórios e qualidade de vida. Em 2022, uma meta-análise conduzida por Maleche-Obimbo et al.(25) identificou uma prevalência combinada de função pulmonar alterada, sintomas respiratórios persistentes e alterações radiológicas de 46,7%, 41,0% e 64,6%, respectivamente. A magnitude de qualquer tipo de DPPT variou de acordo com a sorologia para HIV, os contextos geográficos, os hábitos tabagísticos e os contextos urbanos/rurais.
 
AVALIAÇÃO DA DPPT
 
Idealmente, todo paciente que termina o tratamento da tuberculose deve ser avaliado clinicamente para identificar sequelas pós-tuberculose o mais rápido possível.(26) Os exames/investigações essenciais recomendados para identificar a DPPT estão descritos no Quadro 1. É provável que nem todos esses exames/investigações possam ser realizados em muitos contextos. Nesse caso, alguns exames/investigações devem ser priorizados, principalmente naqueles pacientes com sintomas persistentes (Quadro 1).(1,4,10,12,22,26-32)
 

 
História e exame clínico
 
Os padrões clínicos da DPPT incluem um amplo espectro de sinais e sintomas, variando de assintomático a incapacidade grave. Os sobreviventes da tuberculose geralmente apresentam alta prevalência de manifestações respiratórias como tosse crônica e dispneia.(33) O exame clínico deve se concentrar na frequência respiratória, frequência cardíaca e IMC de forma rotineira.(1)
 
Pacientes com alterações estruturais residuais podem apresentar exacerbações infecciosas e apresentam ainda maior risco de desenvolver tuberculose ativa novamente.(34) Doenças bacterianas, virais, fúngicas e micobacterianas não tuberculosas, que podem se complicar em razão de posterior hemoptise, podem ser graves e potencialmente fatais.(7) Os pacientes também apresentam altas taxas de hospitalização e de mortalidade respiratória.(33)
 
Vale ressaltar que outros fatores além de sequelas de tuberculose podem influenciar a DPPT e seus desfechos, como exposição ambiental ao tabagismo, abuso de substâncias, fumaça de biomassa e exposições ocupacionais. Além disso, as comorbidades cardiopulmonares e aquelas causadas por outras doenças também podem piorar os desfechos da DPPT.(1,7,22)
 
Exames de imagem de tórax
 
Embora os exames de imagem de tórax sejam uma ferramenta importante para avaliar pacientes com DPPT, eles não devem ser utilizados isoladamente para definir dano pulmonar pós-tuberculose, pois os pacientes podem ser assintomáticos ou não apresentar comprometimento funcional e apresentar exames de imagem alterados indicando cura pós-tuberculose.(35)
 
Tanto a radiografia de tórax quanto a TC de tórax são úteis na avaliação de danos estruturais pulmonares em sobreviventes de tuberculose.(24) Embora a TC tenha se mostrado mais sensível na identificação de uma gama diversificada de patologias residuais,(24) a disponibilidade, os custos e o impacto da radiação da TC devem ser levados em consideração para decidir qual opção melhor se adapta a cada caso e cenário específico.
 
Os padrões radiológicos mais comuns da DPPT relatados em uma revisão sistemática foram cavitação, bronquiectasias e fibrose. Além disso, também podem ser observados nódulos, consolidação, enfisema, espessamento pleural e padrões em mosaico.(35) A Figura 1 apresenta alguns padrões radiológicos da DPPT.


 

 
Testes de função pulmonar
 
Em 2015, um estudo denominado Burden of Obstructive Lung Disease(11) avaliou a associação entre comprometimento da função pulmonar e história de tuberculose em uma grande amostra internacional de base populacional e constatou que a tuberculose prévia associou-se tanto à obstrução do fluxo aéreo quanto à restrição espirométrica, devendo ser considerada uma causa potencialmente importante de doença obstrutiva e de redução da função pulmonar.
 
Até o momento, não há consenso sobre qual distúrbio é mais prevalente em indivíduos com sequelas de tuberculose. Um recente estudo de coorte prospectivo realizado no Malaui mostrou que 34,4% dos participantes apresentavam alterações na espirometria ao final do tratamento antituberculose.(33) Após 3 anos, 27,9% ainda apresentavam alterações nos testes de função pulmonar, principalmente de natureza obstrutiva (15,8%).(33)
 
O processo de cicatrização pelo qual os pulmões passam durante e após o tratamento antituberculose pode causar danos estruturais, levando à perda de tecido parenquimatoso e a padrão restritivo na espirometria. É menos claro quais mecanismos causam obstrução do fluxo aéreo associada à tuberculose. As duas hipóteses mais aceitas são (i) o desenvolvimento de doenças das vias aéreas (bronquiectasias e estenose brônquica) e (ii) fatores imunológicos que podem induzir hiper-responsividade brônquica.(11)
 
Portanto, sempre que a pletismografia ou as medidas de volumes pulmonares forem viáveis, elas devem complementar a espirometria para confirmar padrões obstrutivos, restritivos ou mesmo mistos de doença pulmonar, já que o tipo de defeito ventilatório pode ser heterogêneo e variar em diferentes populações.(23)
 
Reduções da DLCO podem ocorrer mesmo em pacientes com espirometria normal e podem ser uma ferramenta melhor para a avaliação da função pulmonar em pacientes com DPPT.(36) Além disso, também podem se correlacionar com o teste de exercício cardiopulmonar e predizer o consumo de oxigênio quando esse teste não estiver disponível.(37)
 
Assim como para a avaliação de outras doenças pulmonares e cardíacas, o teste de caminhada de seis minutos (TC6) auxilia na avaliação de pacientes com DPPT. Esse teste é barato, simples e muito útil para estudar limitações funcionais em sobreviventes de tuberculose e para elaborar programas de reabilitação adequados para pacientes com DPPT.(38)
 
Gasometria
 
Em pacientes com incapacidades clínicas, radiológicas e/ou funcionais graves, a gasometria arterial (quando possível) ou mesmo a medição da saturação de oxigênio por oximetria de pulso podem identificar pacientes hipoxêmicos.
 
As indicações de oxigenoterapia domiciliar devem ser as mesmas que as para os pacientes com doenças crônicas das vias aéreas, ou seja, PaO2 < 55 mmHg, SpO2 < 88% em ar ambiente, PaO2 entre 56 e 59 mmHg associada a cor pulmonale e/ou hematócrito > 55%.(39)
 
Teste de exercício cardiopulmonar
 
O teste de exercício cardiopulmonar fornece uma avaliação global das respostas integrativas ao exercício que envolvem os sistemas cardiovascular, respiratório, muscular e metabólico durante o esforço, sendo considerado o padrão ouro para avaliação funcional cardiorrespiratória.(40)
 
Em 2022, Curry et al.(37) constataram que, embora estatisticamente significativas, as correlações de quaisquer padrões de função pulmonar, se medidos por espirometria, DLCO ou mesmo pletismografia, com o consumo de oxigênio medido no teste de exercício cardiopulmonar, que é considerado o padrão ouro para medição da capacidade pulmonar, eram fracas. (1) Apesar de sua importância, o teste de exercício cardiopulmonar nem sempre está disponível.
 
Escores de sintomas e de qualidade de vida
 
Escores de gravidade específicos ainda não estão disponíveis para pacientes com DPPT, mas há consenso sobre a urgência de um sistema de pontuação que avalie mortalidade, qualidade de vida relacionada à saúde, taxa de declínio da função pulmonar, exacerbações/hospitalizações e recidiva de tuberculose.(1)
 
Diferentes questionários de qualidade de vida relacionada à saúde estão disponíveis e devem ser utilizados no acompanhamento de pacientes com DPPT, como o St George’s Respiratory Questionnaire e o Short-Form Health Survey (com 12 ou 36 questões).(1,26)
 
Considerações específicas para crianças
 
A avaliação ao final do tratamento deve seguir as mesmas recomendações propostas para adultos, embora faltem dados relativos a crianças. A TC de tórax geralmente não é indicada por causa da exposição à radiação, mas pode ser considerada em casos com sintomas crônicos e alterações radiológicas a fim de avaliar a extensão da doença e/ou excluir outros diagnósticos. Os testes de função pulmonar devem ser considerados em todas as crianças de 4 a 6 anos de idade com comprometimento pulmonar grave. Em crianças ≥ 4 anos de idade, a capacidade de exercício pode ser avaliada por meio do TC6. Questionários de qualidade de vida como o EQ-5D-Y e o instrumento Toddler and Infant (TANDI) podem ser utilizados com adaptações locais para crianças mais jovens.(26)
 
MANEJO DA DPPT
 
Atualmente, não existem diretrizes baseadas em evidências para o manejo da DPPT, mas a crescente literatura científica sobre o tema tem levantado várias questões que podem auxiliar no acompanhamento desses pacientes(2,26)
 
Tratamento inalatório e oral
 
Para aqueles com doença obstrutiva funcional estabelecida, os broncodilatadores inalatórios podem ser úteis para reduzir os sintomas de dispneia e prevenir o declínio da função pulmonar.(7) Apesar da ausência de evidências para se recomendar o uso rotineiro de broncodilatadores na DPPT, pequenos estudos sugeriram que os β2-agonistas de longa duração e os antagonistas muscarínicos de longa duração podem melhorar a função pulmonar e a dispneia.(7,24)
 
Os corticosteroides inalatórios devem ser evitados, pois podem aumentar a frequência de exacerbações e o risco de doenças micobacterianas.(41,42) No entanto, seguindo as recomendações aplicadas às bronquiectasias não císticas, em casos de DPPT associada à asma, a corticoterapia inalatória pode se justificar.(24) Da mesma forma, para inflamação crônica em pacientes com bronquiectasias não fibrose cística, recomenda-se o uso de macrolídeos por um período mínimo de 6-12 meses em pacientes com bronquiectasias e pelo menos duas exacerbações por ano.(39)
 
Complicações infecciosas
 
A abordagem clínica das exacerbações de etiologia infecciosa e não infecciosa deve ser a mesma aplicada a bronquiectasias não fibrose cística.(39)
 
Além das infecções respiratórias de etiologia bacteriana e viral, as complicações fúngicas são frequentes nas sequelas pulmonares pós-tuberculose. O Aspergillus sp. pode se apresentar de diferentes formas e com diferentes níveis de gravidade desde apenas colonização na forma de bola fúngica (aspergiloma) até infiltração do parênquima pulmonar e/ou tecido pleural com destruição e novas cavidades (aspergilose pulmonar crônica).(7,32) Os critérios diagnósticos para esta última apresentação incluem a presença de sintomas respiratórios ou constitucionais há pelo menos 3 meses, achados radiológicos sugestivos e evidências sorológicas ou microbiológicas de Aspergillus sp. O tratamento dos aspergilomas em pacientes assintomáticos pode ser apenas de “observação”; entretanto, o manejo cirúrgico é necessário em casos com múltiplos episódios de hemoptise. Por outro lado, a invasão e destruição do parênquima pulmonar exigirão manejo antifúngico.(32) A prescrição de antifúngicos orais de longo prazo, como itraconazol na dose de 400 mg/dia ou voriconazol na dose de 400 mg/dia, administrados por pelo menos 6 meses, é a terapia de primeira linha recomendada para aspergilose pulmonar crônica e tem sido associada a melhora na qualidade de vida, alívio dos sintomas e atraso na progressão da doença.(43)
 
Reabilitação pulmonar
 
Ex-pacientes de tuberculose com achados clínicos, funcionais ou radiológicos compatíveis com DPPT devem ser avaliados com vistas à reabilitação pulmonar (RP).(26) O Quadro 2 apresenta detalhadamente as indicações de RP, incluindo comprometimento da função pulmonar e/ou da DLCO(44); alterações na gasometria e/ou dessaturação noturna e dessaturação induzida pelo exercício(45); comprometimento da capacidade de exercício(1,38,46,47); sintomas respiratórios persistentes(48-51); tosse ineficaz e/ou dificuldade de eliminação de secreções brônquicas(52,53); pelo menos uma internação ou duas exacerbações nos últimos 12 meses(1,28,54,55); presença de comorbidades, incluindo DPOC, asma, bronquiectasias, fibrose pulmonar, hipertensão pulmonar e/ou necessidade de cirurgia(11,18,56); e comprometimento da qualidade de vida.(57-59)
 

 
O programa de RP deve ser coordenado de acordo com a organização local dos serviços de saúde, levando em consideração critérios de viabilidade, efetividade e custo-efetividade.(26) Os principais componentes do programa de RP estão resumidos no Quadro 3.
 




 
A avaliação da efetividade da RP deve ser realizada comparando as variáveis centrais antes e depois da RP,(26) conforme apresentado no Quadro 4.
 

 
Vacinação
 
Tal como acontece com outras doenças respiratórias crônicas, a DPPT pode causar complicações infecciosas, e algumas delas podem ser prevenidas com vacinação. As vacinas contra influenza, pneumococos e COVID-19 devem ser recomendadas para pacientes com DPPT.
 
A vacinação contra influenza deve ser repetida anualmente seguindo as campanhas locais de vacinação. Para a prevenção pneumocócica, a Associação Brasileira de Imunizações recomenda a vacina pneumocócica conjugada 13-valente ou a vacina pneumocócica conjugada 15-valente, que tem efeito imunogênico mais forte  o uso depende da disponibilidade  e, 6 meses a 1 ano depois, a vacina pneumocócica polissacarídica 23-valente, que pode ser reforçada com uma segunda dose administrada 5 anos depois.(24)
 
Existem algumas vacinas recomendadas para a população em geral (ou grupos etários específicos) das quais os pacientes com DPPT provavelmente se beneficiarão, como aquelas contra tétano, difteria, coqueluche, sarampo e herpes zoster. A vacinação contra o sarampo é recomendada se não houver evidência de imunidade (por exemplo: nascimento antes de 1957, comprovação de vacinação contra sarampo-caxumba-rubéola ou evidência laboratorial de imunidade ou doença). Pacientes com DPPT > 50 anos de idade também podem se beneficiar da vacinação contra herpes zoster. A vacina contra tétano-difteria-coqueluche é recomendada para a população em geral e deve ser considerada para pacientes com DPPT não previamente vacinados; além disso, as doses de reforço devem ser repetidas a cada 10 anos em adultos.(60)
 
Educação e aconselhamento para pacientes com DPPT
 
Todo paciente que participa de um programa de RP deve ser submetido a aconselhamento e educação em saúde. Os pacientes devem ser educados sobre os princípios básicos da doença (epidemiologia, aspectos clínicos, transmissão, diagnóstico e tratamento); sintomas comuns que podem apresentar após a doença aguda; como monitorar e manejar os sintomas em casa e quando devem procurar um serviço de saúde/chamar um médico; e riscos de reinfecção e como podem gerir esse risco. Além disso, os pacientes devem ser aconselhados sobre os benefícios de um estilo de vida saudável (como atividade física, nutrição adequada e cessação do tabagismo). A telessaúde, vídeos e cartilhas podem ser utilizados para a educação do paciente. Os familiares dos pacientes também devem ser incentivados a participar. O aconselhamento/educação em saúde deve incluir a manutenção dos resultados obtidos com a RP, por meio de um plano de acompanhamento.(26,61)
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
À medida que mais e mais evidências estão disponíveis sobre as consequências deletérias da DPPT, o desenvolvimento de um consenso direcionado a essa condição tornou-se uma prioridade para a SBPT. Aproximadamente um terço dos pacientes que sobrevivem à tuberculose pulmonar pode enfrentar uma morbidade considerável e contínua, e as presentes recomendações aplicam-se a eles. No presente manuscrito, elaborado por 11 pneumologistas e um metodologista com vasta experiência nessa área, foram feitas recomendações para prevenção, diagnóstico e manejo, e as últimas diretrizes internacionais foram adaptadas ao contexto brasileiro.
 
AGRADECIMENTOS
 
Gostaríamos de agradecer o apoio de Lia D’Ambrosio (Grupo de Consultoria em Saúde Pública, Lugano, Suíça) e Rosella Centis (Istituti Clinici Scientifici Maugeri, IRCCS, Tradate, Itália), que forneceram comentários úteis sobre o manuscrito.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
DRS, APS, GBM e FCQM: redação do manuscrito. Todos os autores revisaram e aprovaram a versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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