ABSTRACT
Objective: Although ventilator-associated pneumonia (VAP) is a major cause of nosocomial infection, its role in the prognosis of patients remains undefined. The objective of this study was to evaluate the impact of VAP on the clinical evolution of patients. Methods: This was a prospective cohort study involving 233 patients on mechanical ventilation (VAP group, n = 64; control group, n = 169). Primary outcomes were time on mechanical ventilation (TMV), time in ICU (TICU), overall length of hospital stay (LHS) and in-ICU mortality. Secondary outcomes were in-hospital mortality, microbiological profile, prior use of antibiotics and risk factors for VAP acquisition. Results: Control and VAP group outcomes were, respectively, as follows: median TMV (days), 9 (interquartile range [IQR]: 5-15) and 23 (IQR: 15-37; p < 0.0001); median TICU (days), 12 (IQR: 8-21) and 27 (IQR: 17-42; p < 0.0001); median LHS (days), 33 (IQR: 18-64) and 46 (IQR: 25-90; p = 0.05); and in-ICU mortality, 38% (95% CI: 31-45) and 55% (95% CI: 42-67; p = 0.02). VAP was a predictor of in-ICU mortality (OR = 3.40; 95% CI: 1.54‑7.48). TMV (OR = 2.27; 95% CI: 1.05-4.87) and prior use of antibiotics (OR = 1.07; 95% CI: 1.04-1.10) were risk factors for VAP. VAP did not affect in-hospital mortality. Acinetobacter spp. was the most common isolate (28%). Inappropriate empirical antibiotic therapy was administered in 48% of cases. Conclusions: In this study, there was a high incidence of infection with resistant bacteria and inappropriate initial antibiotic therapy. Long TMV and prior use of antibiotics are risk factors for VAP.
Keywords:
Pneumonia, ventilator-associated; Cross infection; Intensive care units; Hospital mortality; Risk factors.
RESUMO
Objetivo: Apesar de representar uma das principais causas de infecção nosocomial, o papel da pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) no prognóstico ainda permanece indefinido. O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto dessa doença na evolução clínica dos pacientes. Métodos: Estabeleceu-se uma coorte prospectiva de 233 pacientes sob ventilação mecânica (grupo PAV, n = 64; grupo controle, n = 169). Os desfechos primários foram tempo de ventilação mecânica (TVM), tempo de permanência na UTI (TUTI), tempo de permanência hospitalar (TH) e mortalidade na UTI. Os desfechos secundários foram mortalidade hospitalar, perfil microbiológico, uso prévio de antibióticos e fatores de risco para PAVM. Resultados: Os desfechos dos grupos controle e PAVM foram, respectivamente, os seguintes: mediana do TVM (dias), 9 (intervalo interquartílico [II]: 5-15) e 23 (II: 15-37; p < 0,0001); mediana do TUTI (dias), 12 (II: 8-21) e 27 (II: 17-42; p < 0,0001); mediana do TH (dias), 33 (II: 18-64) e 46 (II: 25-90; p = 0,02); e mortalidade na UTI, 38% (IC95%: 31-45) e 55% (IC95%: 42-67; p = 0,02). A PAVM foi um preditor de mortalidade na UTI (OR = 3,40; IC95%: 1,54-1,78). O TVM (OR = 2,27; IC95%: 1,05-4,87) e o uso prévio de antibióticos (OR = 1,07; IC95%: 1,04-1,10) foram fatores de risco para PAVM. A PAVM não afetou a mortalidade hospitalar. Acinetobacter spp. foi o isolado mais frequente (28%). Antibioticoterapia empírica inadequada foi administrada em 48% dos casos. Conclusões: No presente estudo, houve uma alta incidência de bactérias resistentes e de antibioticoterapia inicial inadequada. TVM longo e o uso prévio de antibióticos são fatores de risco para PAVM.
Palavras-chave:
Pneumonia associada à ventilação mecânica; Infecção hospitalar; Unidades de terapia intensiva; Mortalidade hospitalar; Fatores de risco.
IntroduçãoA pneumonia é a principal causa de infecção nosocomial em UTIs, ocorrendo, em mais de 90% dos casos, em pacientes submetidos à intubação endotraqueal e ventilação mecânica (VM).(1,2). Devido a sua relevância clínica e seu perfil epidemiológico, a pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) é estudada como uma entidade clínica distinta dentro das pneumonias nosocomiais, representando um dos principais desafios enfrentados pelo intensivista em sua prática diária.
Diversos estudos buscaram caracterizar a PAVM em termos de prognóstico, predisposições, microbiologia e custos.(3-5) Além de expor a magnitude do problema, tais estudos apontam características a serem exploradas subsequentemente em estratégias de diagnóstico, prevenção e tratamento. Apesar dos avanços na compreensão da epidemiologia da PAVM, alguns aspectos fundamentais, como a sua contribuição para a mortalidade e para o tempo de internação na UTI, ainda permanecem objeto de controvérsia, com dados conflitantes observados na literatura.(5-8)
O presente estudo se insere nesse contexto através do acompanhamento prospectivo de pacientes submetidos à ventilação mecânica na UTI de um hospital privado no Rio de Janeiro. Comparando o subgrupo que desenvolveu PAVM com os demais pacientes, buscamos determinar o impacto da PAVM no prognóstico dos pacientes submetidos à VM, aferindo-se como desfechos primários a taxa de mortalidade na UTI, o tempo de ventilação mecânica e os tempos de permanência na UTI e no hospital. Os desfechos secundários foram mortalidade hospitalar, fatores de risco para aquisição de PAVM, perfil microbiológico dos casos e utilização de antibióticos.
MétodosFoi montada uma coorte prospectiva unicêntrica no período entre agosto de 2005 e abril de 2007. O arrolamento de pacientes foi procedido conforme os seguintes critérios de inclusão: permanência em VM por pelo menos 48 h e idade entre 18 e 95 anos. Os critérios de exclusão foram os seguintes: comprometimento cognitivo prévio (escala de coma de Glasgow [ECG] ≤ 8); doença neoplásica em estádio avançado, definida como fora de possibilidade de terapia oncológica curativa; doença neuromuscular avançada; presença de via aérea artificial definitiva previamente estabelecida; procedência de outro hospital com via aérea artificial definitiva; cuidados de fim de vida determinados pelo médico assistente; e idade fora da faixa de inclusão. Para análise dos dados, a coorte foi dividida em dois grupos: caso (presença de PAVM) e controle (ausência de PAVM).
Em pacientes que sofreram mais de uma internação na UTI, apenas a primeira foi incluída na coorte.
O seguimento na UTI foi procedido até 48 h após extubação ou afastamento completo do suporte ventilatório (em caso de pacientes que foram traqueostomizados), até o óbito ou por 60 dias de ventilação mecânica invasiva. O seguimento tardio (hospitalar) foi efetuado até o desfecho (alta ou óbito) ou até janela de seis meses consecutivos.
Os casos de PAVM foram definidos pela presença de infiltrado radiográfico novo ou progressivo associado à febre (>38°C) ou à alteração no leucograma (≥ 12.000 ou < 4.000 células/mm3) e pelo menos um dos seguintes achados: secreção traqueal purulenta, isolamento de um patógeno pulmonar provável em uma amostra do trato respiratório inferior ou relação PaO2/FiO2 < 240.(9) Choque circulatório foi definido como aquele dependente de aminas vasoativas (noradrenalina > 0,1 µg/kg/min ou dobutamina > 5 µg/kg/min) por mais de 12 h consecutivas, adquirido após as primeiras 24 h de arrolamento.(10)
Para a análise do perfil etiológico da PAVM, foram utilizadas culturas quantitativas de material colhido através de LBA. O ponto de corte para infecção foi definido em 104 UFC/mL.(9,11) A antibioticoterapia prescrita inicialmente foi considerada adequada quando os germes isolados eram sensíveis ao menos a uma droga do esquema.
O cenário de coleta consistiu em uma UTI privada, com 46 leitos clínico-cirúrgicos (proporção 3:1), em um hospital desprovido de unidade de cuidados respiratórios de longa permanência, localizado na cidade do Rio de Janeiro, bairro de Copacabana, cuja taxa de densidade de utilização de VM mantêm-se em torno de 27,5% (dado extraído de registro do Sistema Qualidade em Terapia Intensiva da Associação de Medicina Intensiva Brasileira).
Dentre as variáveis coletadas, estão aquelas de admissão - idade, sexo, escores do Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) e Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), categoria de admissão (clínica ou cirúrgica), diagnóstico de admissão e motivo de indicação da VM - bem como as variáveis de evolução - incidência de PAVM, mortalidade na UTI, mortalidade hospitalar, tempo de VM, tempo de permanência na UTI, tempo de permanência no hospital, incidência de hemodiálise (como marcador de insuficiência renal aguda grave),(12) choque e traqueostomia.
As indicações de VM foram divididas em três categorias: exacerbação aguda de doença pulmonar crônica, doença cardiorrespiratória aguda (pneumonia, choque, edema agudo de pulmão, trauma, parada cardiorrespiratória, aspiração, SARA, pós-operatório imediato) e doença primariamente neurológica (queda de consciência ou doença neuromuscular).(13)
As variáveis contínuas e ordinais foram relatadas como mediana e intervalo interquartílico (II), enquanto as variáveis categóricas foram descritas como proporção e IC95%.
O teste de hipóteses entre variáveis contínuas e ordinais foi executado através do teste de Wilcoxon e, entre as variáveis categóricas, através do teste do qui-quadrado.
Vieses de suscetibilidade foram controlados através de ajustamento multivariável por regressão logística tipo stepwise. As variáveis independentes inseridas no modelo para a avaliação dos desfechos de mortalidade foram as seguintes: idade, sexo, categoria diagnóstica, indicação da VM, escore APACHE II, escore SOFA na admissão, incidência de PAVM, hemodiálise, choque circulatório e traqueostomia. As variáveis independentes testadas nos modelos para o desfecho aquisição de PAVM foram tempo de VM, uso prévio de antibióticos, idade, traqueostomia, indicação da VM e categoria diagnóstica. Os fatores de risco potenciais para a ocorrência dos desfechos foram inseridos nos modelos multivariáveis com base em estudos de risco previamente relatados.(10,12-14) Os escores de gravidade foram inseridos separadamente no modelo de regressão para evitar o fenômeno de autocorrelação. O nível de significância foi arbitrado em p < 0,05.
A metodologia do estudo foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa da instituição.
ResultadosDurante o período do estudo, 233 pacientes foram acompanhados, após 87 exclusões. Desses pacientes, 143 (61%) eram mulheres (IC95%: 55-68). A mediana de idade foi 79 anos (II: 66-86). Quanto ao diagnóstico de admissão, 173 pacientes (74%) enquadraram-se na categoria clínica (IC95%: 69-80). As medianas do escore APACHE II e do escore SOFA inicial foram 17 (II: 13-22) e 5 (II: 3-7), respectivamente.
Dos 233 pacientes, 64 desenvolveram PAVM ao longo do seguimento do estudo (incidência: 16,79% dias de VM). As medianas de tempo de internação na UTI e do tempo de VM até o diagnóstico de PAVM foram 12 dias (II: 7-20) e 10 dias (II: 5-17), respectivamente. O grupo dos pacientes que desenvolveu PAVM demonstrou-se homogêneo em relação ao grupo controle quanto às características de base aferidas, exceto pelo sexo, onde se manifestou a predominância feminina no grupo PAVM (72%; IC95%: 61-83; p = 0,04; Tabela 1). Dos pacientes com diagnóstico de PAVM, 51 (80%) foram submetidos à LBA. O perfil microbiológico associado à etiologia da PAVM está representado na Figura 1. Os germes mais frequentemente isolados foram Acinetobacter baumannii (28%), Pseudomonas aeruginosa (19%) e Staphylococcus aureus (20%); e 16% dos lavados apresentaram cultura negativa. Pelo resultado das culturas, verificou-se que 48% (IC95%: 36-61) dos pacientes receberam antibioticoterapia empírica inadequada para o agente etiológico.
A análise de regressão logística múltipla demonstrou que o tempo de VM (OR = 1,07; IC95%: 1,05-1,10, p < 0,0001) e o uso prévio de antibióticos (OR = 2,36; IC: 1,12-4,99, p = 0,023) foram fatores de risco independentes para o desenvolvimento de PAVM. Avaliando-se o desempenho dessas variáveis pela curva ROC, observou-se, respectivamente, uma área sob a curva de 0,82 (IC95%: 0,76-0,87) e de 0,59 (IC95%: 0,52-0,65) para o tempo de VM e para o uso prévio de antibióticos (Figura 2).
Comparando os pacientes com PAVM com o grupo controle, o tempo de VM (mediana: 23 dias; II: 15-37 vs. mediana = 9 dias; II: 5-15; p < 0,0001) o tempo de internação na UTI (mediana = 27 dias; II: 17-42 vs. mediana = 12 dias; II: 8-21; p < 0,0001) e o tempo de permanência no hospital (mediana = 46 dias; II: 25-90 vs. mediana = 33 dias; II: 18-64; p = 0,02) foram significativamente maiores (Figura 3).
Não houve diferença significativa na mortalidade hospitalar entre os pacientes que desenvolveram PAVM (67%; IC95%: 56-79) e os controles (59%; IC95%: 51-66). No entanto, a mortalidade na UTI foi significativamente maior no grupo com PAVM (55%; IC95%: 42-67 vs. 38%; IC95%: 31-45; p = 0,02; Figura 4) e sua contribuição como fator de risco independente para óbito na UTI pôde ser verificada por regressão logística múltipla (OR = 3,01; IC95%: 1,36-6,66; p = 0,006). Outros fatores de risco independentes para mortalidade na UTI foram insuficiência renal aguda (OR = 3,99; IC95%: 2,10-7,59; p < 0,0001); choque (OR = 4,66; IC95%: 2,08-10,41; p = 0,0002); traqueostomia (OR = 0,17; IC95%: 0,07-0,36; p < 0,0001); e sexo masculino (OR = 0,36; IC95%: 0,18-0,71; p < 0,0034).
DiscussãoOs resultados do presente estudo demonstram que a ocorrência de PAVM se relacionou positivamente a um maior tempo de permanência sob suporte ventilatório invasivo (cerca de 15 dias adicionais) e prolongou a estadia na UTI (cerca de 15 dias adicionais) e no hospital (cerca de 13 dias adicionais) de forma significativa. Da mesma forma, houve um aumento na mortalidade na UTI. Em contrapartida, a mortalidade hospitalar não foi afetada pela incidência dessa infecção. A análise multivariável confirmou a PAVM como fator de risco independente de mortalidade na UTI.
Existe uma considerável discrepância nos resultados de estudos epidemiológicos no que diz respeito à contribuição da PAVM para a mortalidade. Enquanto alguns demonstram sobrevida semelhante entre doentes com e sem PAVM,(6,8) outros estabelecem a PAVM como um fator de risco para o óbito.(7,15) Tais discordâncias podem ser devidas, em parte, à variedade entre as populações, os critérios de arrolamento e a análise de dados empregados.(16) Portanto, é importante considerar as diversas características dos estudos ao comparar e extrapolar seus resultados.
A incidência de PAVM na coorte foi 16,79% dias de VM, taxa mais elevada do que o percentil 90 do relatório do National Nosocomial Infections Surveillance System de 2004 (8,9% dias de VM), utilizado como referência por diversos autores e cujos critérios para definição de PAVM são semelhantes aos deste estudo.(17) Entretanto, esse sistema de vigilância é de adesão voluntária, estando sujeito a viés de seleção de centros com melhores resultados.
A população objeto do estudo mostrou homogeneidade entre os grupos quanto às características de base. O único dado demográfico que revelou diferença significativa foi o gênero, com predomínio feminino no grupo PAVM. É importante ressaltar que a maioria dos pacientes em ambos os grupos tinha idade maior que 79 anos, o que provavelmente é reflexo das características demográficas da região do hospital, localizado no bairro de Copacabana, onde há a maior concentração de idosos do município do Rio de Janeiro, com 24,8% da população acima de 60 anos.(18) Quanto ao diagnóstico na admissão, mais de 60% dos pacientes pertenciam à categoria clínica, sem que tenha havido diferenças na distribuição entre os grupos.
Tais características contrastam com as de populações de outros estudos, e o potencial dessas variáveis de exercer um impacto no prognóstico deve ser levado em consideração. Um grupo de autores(8) demonstrou a ausência de risco atribuível de morte em pacientes com PAVM em uma população constituída exclusivamente por doentes admitidos por trauma. Outros autores(6) encontraram resultados semelhantes em uma coorte
prospectiva que continha apenas 26% de pacientes da categoria clínica.
Esses resultados foram contrários aos observados em populações com maior prevalência de doentes clínicos, como a analisada em outro estudo(7) (44%) e a do presente estudo. Dos pacientes de um banco de dados de grandes proporções utilizado por um grupo de autores,(3) os que desenvolveram PAVM eram predominantemente do gênero masculino e significativamente mais jovens do que os controles, não havendo diferença na incidência de mortalidade entre os grupos.
Os fatores de risco independentes para o desenvolvimento de PAVM identificados neste estudo através da análise multivariável foram o tempo de VM e o uso prévio de antibióticos. Pode-se concluir, pela análise da curva ROC, que entre essas duas variáveis, embora o uso prévio de antibióticos tenha uma OR que demonstra uma relação mais estreita com a aquisição do desfecho, o tempo de VM possui uma maior reprodutibilidade, com sensibilidade e especificidade superiores, o que se manifesta pela área sob a curva acima de 0,8, para o ponto de corte de 12 dias.
A PAVM de início tardio (que se desenvolve a partir do quinto dia de VM) pode estar associada a um maior risco de morbidade e mortalidade, o que tem sido atribuído à maior prevalência de microrganismos resistentes nesse subgrupo.(4) No presente estudo, o tempo mediano de VM até a aquisição de PAVM foi de 10 dias, com a PAVM de início tardio constituindo 75% dos casos. Mesmo dentro dos 25% que desenvolveram PAVM de início recente, a maior parte dos resultados das amostras de LBA evidenciou germes com elevado risco de resistência a antimicrobianos. O agente etiológico mais prevalente em nossa unidade amostral foi Acinetobacter baumannii (28%), do qual metade das cepas é resistente aos carbapenêmicos. Embora a distribuição de proporções dos agentes causais varie entre estudos, a prevalência desse germe costuma ser baixa.(3,5,19) Essa disparidade se refletiu na inadequação, em 48% dos casos, da antibioticoterapia empírica inicial empregada nos pacientes com PAVM, verificada pelo resultado das culturas das amostras do LBA. Isso ressalta a importância de inquéritos microbiológicos periódicos em cada serviço, visando à confecção de uma estratégia terapêutica empírica adequada, uma vez que trabalhos prévios salientam o esquema antimicrobiano inicial inadequado como um fator de risco independente para a mortalidade,(4,20) e mesmo a sua correção posterior pelos resultados de culturas parece ser incapaz de reverter esse efeito.(21-23) Para tal finalidade, além do LBA, podem ser considerados também resultados provenientes de culturas de aspirado traqueal e de escovado brônquico protegido.(2) Embora a literatura caracterize a presença de patógenos de alto risco de resistência a antimicrobianos como um fator de risco independente para a mortalidade, o tamanho da amostra deste estudo impossibilitou a análise de subgrupos etiológicos nesse sentido.
No presente estudo, métodos de controle de vieses foram utilizados, o que permitiu ponderar adequadamente o efeito prognóstico da PAVM, ajustando-se o modelo para a interferência de outras variáveis extrínsecas, cuja contribuição para os desfechos clínicos tem sido apontada em trabalhos prévios.(10,12,14,24,25) No delineamento, a orientação prospectiva permitiu a coleta de variáveis com base no objetivo, não limitando o levantamento de dados a registros históricos armazenados para fins diversos, prática que pode gerar viés de seleção. Procedeu-se a um estrito protocolo de restrição (exclusão) durante o arrolamento, baseado na presença de AIDS, neoplasia em estádio avançado, distúrbio cognitivo prévio (ECG ≤ 8) e doença neuromuscular avançada. Porém, critérios de restrição comprometem o poder de generalização das conclusões para outras populações. Durante a análise dos dados, foi usado o ajustamento múltiplo por regressão logística, avaliando o peso proporcional de cada variável explanatória. A impossibilidade de estratificar os resultados segundo comorbidades, das quais não se obteve registros prospectivos, foi uma limitação do desenho do estudo.
Na análise multivariada, os escores de gravidade à admissão não foram fatores de risco de morte, em oposição a dados anteriores. Por outro lado, as disfunções orgânicas aferidas durante o curso da internação, ou seja, choque e insuficiência renal aguda, revelaram-se importantes fatores prognósticos.
Em conclusão, os resultados deste estudo apontam a PAVM como um fator de risco independente para a mortalidade na UTI. A mortalidade hospitalar, entretanto, não foi significativamente diferente em relação à do grupo controle. A PAVM também se relacionou a maiores tempos de VM, de internação hospitalar e de permanência na UTI. A etiologia da PAVM nesta população esteve associada a germes com alto risco de resistência a antimicrobianos. A antibioticoterapia inicial revelou-se inadequada em uma porção substancial dos casos. O tempo de VM e o uso prévio de antibióticos foram fatores de risco independentes para PAVM. As características da população estudada devem ser levadas em consideração ao tentar-se generalizar esses resultados para outros grupos de pacientes.
Referências 1. Cook DJ, Walter SD, Cook RJ, Griffith LE, Guyatt GH, Leasa D, et al. Incidence of and risk factors for ventilator-associated pneumonia in critically ill patients. Ann Intern Med. 1998;129(6):433-40.
2. American Thoracic Society; Infectious Diseases Society of America. Guidelines for the management of adults with hospital-acquired, ventilator-associated, and healthcare-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med. 2005;171(4):388-416.
3. Rello J, Ollendorf DA, Oster G, Vera-Llonch M, Bellm L, Redman R, et la. Epidemiology and outcomes of ventilator-associated pneumonia in a large US database. Chest. 2002;122(6):2115-21.
4. Kollef MH, Silver P, Murphy DM, Trovillion E. The effect of late-onset ventilator-associated pneumonia in determining patient mortality. Chest. 1995;108(6):1655-62.
5. Heyland DK, Cook DJ, Griffith L, Keenan SP, Brun-Buisson C. The attributable morbidity and mortality of ventilator-associated pneumonia in the critically ill patient. The Canadian Critical Trials Group. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(4 Pt 1):1249-56.
6. Papazian L, Bregeon F, Thirion X, Gregoire R, Saux P, Denis JP, et al. Effect of ventilator-associated pneumonia on mortality and morbidity. Am J Respir Crit Care Med. 1996;154(1):91-7.
7. Fagon JY, Chastre J, Hance AJ, Montravers P, Novara A, Gibert C. Nosocomial pneumonia in ventilated patients: a cohort study evaluating attributable mortality and hospital stay. Am J Med. 1993;94(3):281-8.
8. Baker AM, Meredith JW, Haponik EF. Pneumonia in intubated trauma patients. Microbiology and outcomes. Am J Respir Crit Care Med. 1996;153(1):343-9.
9. Calandra T, Cohen J; International Sepsis Forum Definition of Infection in the ICU Consensus Conference. The international sepsis forum consensus conference on definitions of infection in the intensive care unit. Crit Care Med. 2005;33(7):1538-48.
10. Vincent JL, Moreno R, Takala J, Willatts S, De Mendonça A, Bruining H, et al. The SOFA (Sepsis-related Organ Failure Assessment) score to describe organ dysfunction/failure. On behalf of the Working Group on Sepsis-Related Problems of the European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 1996;22(7):707-10.
11. Campbell GD Jr. Blinded invasive diagnostic procedures in ventilator-associated pneumonia. Chest. 2000;117(4 Suppl 2):207S-211S.
12. Ahlström A, Tallgren M, Peltonen S, Räsänen P, Pettilä V. Survival and quality of life of patients requiring acute renal replacement therapy. Intensive Care Med. 2005;31(9):1222-8.
13. Frutos-Vivar F, Esteban A, Apezteguía C, Anzueto A, Nightingale P, González M, et al. Outcome of mechanically ventilated patients who require a tracheostomy. Crit Care Med. 2005;33(2):290-8.
14. Estenssoro E, González F, Laffaire E, Canales H, Sáenz G, Reina R, et al. Shock on admission day is the best predictor of prolonged mechanical ventilation in the ICU. Chest. 2005;127(2):598-603.
15. Cunnion KM, Weber DJ, Broadhead WE, Hanson LC, Pieper CF, Rutala WA. Risk factors for nosocomial pneumonia: comparing adult critical-care populations. Am J Respir Crit Care Med. 1996;153(1):158-62.
16. Cook DJ, Kollef MH. Risk factors for ICU-acquired pneumonia. JAMA. 1998;279(20):1605-6.
17. National Nosocomial Infections Surveillance System. National Nosocomial Infections Surveillance (NNIS) System Report, data summary from January 1992 through June 2004, issued October 2004. Am J Infect Control. 2004;32(8):470-85.
18. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão [cited 2009 Abr 17]. População residente censo 2000; 2000. Available from: http://www.ibge.gov.br/
19. Vincent JL, Bihari DJ, Suter PM, Bruining HA, White J, Nicolas-Chanoin MH, et al. The prevalence of nosocomial infection in intensive care units in Europe. Results of the European Prevalence of Infection in Intensive Care (EPIC) Study. EPIC International Advisory Committee. JAMA. 1995;274(8):639-44.
20. Alvarez-Lerma F. Modification of empiric antibiotic treatment in patients with pneumonia acquired in the intensive care unit. ICU-Acquired Pneumonia Study Group. Intensive Care Med. 1996;22(5):387-94.
21. Luna CM, Vujacich P, Niederman MS, Vay C, Gherardi C, Matera J, et al. Impact of BAL data on the therapy and outcome of ventilator-associated pneumonia. Chest. 1997;111(3):676-85.
22. Sandiumenge A, Diaz E, Bodí M, Rello J. Therapy of ventilator-associated pneumonia. A patient-based approach based on the ten rules of "The Tarragona Strategy". Intensive Care Med. 2003;29(6):876-83.
23. Carmo Neto E, Souza PC, Azevedo F, Lugarinho ME. Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica: Análise de Fatores Epidemiológicos na Confecção de Profilaxia e Terapêutica. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(4):344-50.
24. Guidet B, Aegerter P, Gauzit R, Meshaka P, Dreyfuss D; CUB-Réa Study Group. Incidence and impact of organ dysfunctions associated with sepsis. Chest. 2005;127(3):942-51.
25. Ibrahim EH, Ward S, Sherman G, Kollef MH. A comparative analysis of patients with early-onset vs late-onset nosocomial pneumonia in the ICU setting. Chest. 2000;117(5):1434-42.
Trabalho realizado na Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital São Lucas Copacabana, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Pedro Mendes de Azambuja Rodrigues. Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital São Lucas Copacabana, Travessa Frederico Pamplona, 32, Copacabana, CEP 22061-080, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2545-4152. E-mail: pedroaza@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 17/4/2009. Aprovado, após revisão em 6/7/2009.
Sobre os autoresPedro Mendes de Azambuja Rodrigues
Médico Diarista. Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital São Lucas Copacabana, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Edgard do Carmo Neto
Médico Diarista. Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital São Lucas Copacabana, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Luiz Rodrigo de Carneiro Santos
Médico Diarista. Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital São Lucas Copacabana, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Marcos Freitas Knibel
Médico Chefe. Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital São Lucas Copacabana, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.