ABSTRACT
Objective: To determine the lung age of patients with morbid obesity and to compare it with the chronological age of these patients, emphasizing the premature damage that morbid obesity does to the lungs. Methods: An open, prospective cross-sectional study comprising 112 individuals: 78 patients with morbid obesity (study group); and 34 non-obese individuals with normal pulmonary function results (control group). All of the patients underwent spirometry for the determination of lung age. The lung age and the chronological age of the individuals in each group were compared in isolation and between the two groups. Results: The difference between lung age and chronological age in the group with morbid obesity was significant (p < 0.0001; 95% CI: 6.6-11.9 years), the mean difference being 9.1 ± 11.8 years. The difference between the study group and the control group in terms of lung age was significant (p < 0.0002; 95% CI: 7.5-16.9 years), the mean difference being 12.2 ± 2.4 years. Lung age correlated positively with chronological age and body mass index (BMI), whereas it correlated negatively with the spirometric variables (p < 0.0001 for all). Multiple linear regression analysis identified BMI and chronological age (p < 0.0001) as significant predictors of lung age. Conclusions: Lung age is increased in patients with morbid obesity, suggesting premature damage and accelerated lung aging, as evidenced by the discrepancy between chronological age and lung age. The determination of lung age might become a new tool for understanding pulmonary function results, for patients as well as for health professionals, in relation to obesity control.
Keywords:
Spirometry; Obesity, morbid; Respiratory function tests.
RESUMO
Objetivo: Determinar a idade pulmonar de pacientes com obesidade mórbida e compará-la com a idade cronológica desses pacientes, ressaltando o dano precoce da obesidade mórbida sobre os pulmões. Métodos: Estudo transversal, prospectivo e aberto que envolveu 112 indivíduos: 78 pacientes com obesidade mórbida (grupo de estudo) e 34 indivíduos não obesos e com função pulmonar normal (grupo controle). Todos os pacientes realizaram espirometria para a determinação da idade pulmonar. A idade pulmonar e a idade cronológica dos indivíduos em cada grupo foram comparadas isoladamente e entre os grupos. Resultados: A diferença entre a idade pulmonar e a idade cronológica no grupo com obesidade mórbida foi significativa (p < 0,0001; IC95%: 6,6-11,9 anos), com uma diferença média de 9,1 ± 11,8 anos. A diferença da idade pulmonar entre o grupo de estudo e o grupo controle foi significativa (p < 0,0002; IC95%: 7,5-16,9 anos), com uma diferença média de 12,2 ± 2,4 anos. A idade pulmonar demonstrou uma correlação positiva com a idade cronológica e o índice de massa corpórea (IMC) e uma correlação negativa com as variáveis espirométricas (p < 0,0001 para todos). A análise de regressão linear múltipla identificou as variáveis IMC e idade cronológica (p < 0,0001) como fatores preditivos significativos da idade pulmonar. Conclusões: A idade pulmonar está aumentada em pacientes com obesidade mórbida, sugerindo dano precoce e envelhecimento pulmonar acelerado, como evidenciado pela discrepância entre a idade cronológica e idade pulmonar. A determinação da idade pulmonar pode se tornar uma nova ferramenta na compreensão dos resultados da função pulmonar para pacientes e profissionais da saúde em relação ao controle da obesidade.
Palavras-chave:
Espirometria; Obesidade mórbida; Testes de função respiratória.
IntroduçãoO aumento alarmante de sobrepeso e obesidade no mundo(1) tem alcançado proporções epidêmicas nos últimos anos,(2) tornando-se um problema de saúde pública e econômica, e sua prevenção tem sido uma das prioridades da Organização Mundial da Saúde (OMS).(3)
Por ser uma doença sistêmica, a obesidade está associada com diversas comorbidades,(3) tais como diabetes mellitus, hipertensão arterial, insuficiência coronariana e morte súbita, sendo atualmente uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todas as idades e classes sociais.(2,3) Todavia, a influência da obesidade no aparelho respiratório não é tão bem estudada, muitas vezes passando despercebida.(3-5)
O conceito de idade pulmonar realizado através da espirometria tem sido utilizado para motivar a cessação do tabagismo(6-9) e ultimamente tem recebido atenção internacional por proporcionar resultados claros e compreensíveis da função pulmonar, com o rápido entendimento do paciente e do público em geral sobre as alterações espirométricas, tornando-se uma nova ferramenta na descoberta precoce das anormalidades funcionais nas doenças pulmonares.(10,11)
Embora a espirometria seja o mais frequente e indispensável teste de função pulmonar utilizado na avaliação clínica pelos pneumologistas, ela é um exame complementar muito pouco conhecido e utilizado na prática clínica por outros profissionais da saúde.(10)
Em nenhum estudo prévio utilizou-se o conceito de idade pulmonar para a detecção precoce da piora da função pulmonar em obesos mórbidos.
O objetivo deste estudo foi determinar a idade pulmonar de pacientes com obesidade mórbida e comparar essa idade com a idade cronológica dos pacientes, ressaltando o dano precoce da obesidade mórbida nos pulmões.
MétodosO delineamento do estudo foi transversal, analítico, prospectivo e aberto, sendo realizado no período entre janeiro de 2007 e julho de 2009. Foram selecionados para o estudo 78 pacientes com obesidade mórbida, definida como índice de massa corpórea (IMC) ≥ 40 kg/m2 . Os pacientes selecionados foram atendidos nos ambulatórios de obesidade da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e do Hospital São Lucas, localizados no município de Aracaju (SE), para a avaliação de risco pulmonar no eventual tratamento cirúrgico da obesidade.
Foi selecionado um grupo controle com 34 indivíduos sadios, assintomáticos respiratórios e que apresentavam função pulmonar normal de acordo com os critérios das Diretrizes Brasileiras para Testes de Função Pulmonar,(12) composto por voluntários (familiares e amigos dos pacientes ou profissionais da área da saúde) e por pacientes encaminhados para a avaliação clínica ou cirúrgica ambulatorial, todos com IMC ≤ 29,9 kg/m2 . Portanto, a amostra total envolveu 112 pacientes. Nessa seleção, houve o pareamento por sexo, idade e altura.
Todos os pacientes foram encaminhados e avaliados no serviço ambulatorial da UFS, onde foi realizada a avaliação clínica e as provas de função pulmonar por um pneumologista assistente.
Foram excluídos indivíduos portadores de qualquer doença pulmonar aguda ou crônica; fumantes ativos e ex-fumantes com qualquer carga tabágica atual ou prévia; indivíduos incapazes de realizar as provas de função pulmonar; portadores de hipertensão arterial grave ou mal controlada, insuficiência cardíaca, doença renal crônica, doença sistêmica grave ou diabetes mellitus descompensado; e indivíduos menores de 20 anos, de acordo com a fórmula original da idade pulmonar.(6) Foi considerado asmático e excluído aquele paciente que teve o diagnóstico ou apresentava história prévia de broncoespasmo, em qualquer idade, mesmo na infância.
Todos os indivíduos da amostra foram submetidos a radiografia do tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma e exames laboratoriais, tendo como finalidade a identificação dos critérios de exclusão.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFS (registro CAAE 0050.0.107.000-07), e um termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido de cada um dos pacientes.
O grupo de obesos mórbidos (IMC ≥ 40 kg/m2 ) foi classificado conforme as recomendações da OMS,(13) e todos tinham previamente tentado, por pelo menos três vezes, tratamentos clínicos para obesidade, com insucesso e frustração.
Após a avaliação clínica, o peso corporal foi obtido com o indivíduo livre de roupas pesadas e de calçados, e a estatura foi obtida utilizando-se um antropômetro acoplado à balança que preenchia os critérios de aferição de peso para obesos mórbidos. O IMC foi obtido através da equação peso/estatura2 (kg/m2 ).
A espirometria foi realizada com um espirômetro computadorizado (modelo Microlab-3500; Micro Medical Ltd., Kent, Inglaterra), com o paciente sentado e utilizando clipe nasal. Foram realizadas, no mínimo, três manobras expiratórias forçadas, que deveriam preencher os critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade exigidos pelas atuais recomendações da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia,(12) sendo selecionada a melhor delas. Foram avaliados os seguintes parâmetros: CVF, VEF1 e a razão VEF1 /CVF, com os valores expressos em litros e em porcentagem dos valores da normalidade calculados pela equação de Hankinson et al.(14)
O cálculo da idade pulmonar estimada do paciente foi automaticamente gerado e ajustado por computador durante a realização da espirometria. A idade pulmonar mínima pré-estabelecida foi de 20 anos, sendo a idade pulmonar máxima o maior valor apresentado pela fórmula original da idade pulmonar(6) :
Para homens:
Idade pulmonar = 2,87 × altura − (31,25 × VEF1 obtido) - 39,375
Para mulheres:
Idade pulmonar = 3,56 × altura − (40,00 × VEF1 obtido) − 77,280
sendo a idade pulmonar expressa em anos, a altura expressa em polegadas (2,54 cm) e VEF1 expressa em litros.
A análise estatística foi feita com o auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences, versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os valores foram expressos em média e desvio-padrão. O teste do qui-quadrado foi utilizado para testar as variáveis categóricas. Para determinar as diferenças entre a idade pulmonar e a idade cronológica em anos no mesmo grupo, utilizou-se o teste t de Student pareado e, para a análise das diferenças entre os dois grupos, foi realizado o teste t de Student não pareado. O coeficiente de correlação de Pearson foi calculado para descrever as relações entre idade pulmonar e as seguintes variáveis: idade cronológica, IMC, CVF e VEF1 . Utilizou-se a regressão linear múltipla para a seleção das variáveis independentes através do método stepwise. A variável dependente foi idade pulmonar, e as quatro variáveis independentes foram idade cronológica, IMC, sexo e presença de comorbidades. Confirmaram-se os pressupostos da análise da distribuição normal, homogeneidade e independência dos erros de acordo com as recomendações.(15) O nível de significância estatística adotado foi de p < 0,05, e todos os testes estatísticos foram bicaudais.
ResultadosAs características gerais e espirométricas dos grupos estudados estão ilustradas na Tabela 1. Não houve diferenças estatísticas entre os grupos quanto à idade cronológica, sexo, altura e etnia. A média do IMC foi de 24,6 ± 0,6 kg/m2 no grupo controle (variação: 19,2-29,8 kg/m2 ) e de 47,5 ± 0,7 kg/m2 no grupo de estudo (variação: 40,0-65,6 kg/m2 ), com diferença significativa entre os grupos (p < 0,0001). Quanto aos valores médios das variáveis espirométricas, foram verificadas diferenças significativas entre os grupos para CVF e VEF1 , em valores absolutos
e em porcentagem do previsto. Todavia, a razão VEF1 /CVF não demonstrou diferença significativa (p = 0,63).
Dentre os 78 obesos mórbidos selecionados, 38 (48,7%) apresentavam uma ou mais comorbidades, sendo que 36 (46,1%) eram hipertensos, 17 (21,7%) eram diabéticos, 15 (19,2%) tinham sintomas sugestivos de apneia do sono (ronco e/ou sufocamento noturno), e 38 (48,7%) apresentavam outras comorbidades (ansiedade, depressão, osteoartrose, doença do refluxo gastroesofágico, gastrite, dislipidemia, esteatose hepática e hipotireoidismo). As comorbidades de todos esses pacientes, entretanto, estavam clinicamente controladas através de dieta e/ou medicamentos, sendo que os pacientes, portanto, estavam liberados para o tratamento cirúrgico da obesidade.
A Tabela 2 apresenta a média da idade cronológica e da idade pulmonar em cada grupo, assim como as médias das diferenças entre a idade pulmonar e a idade cronológica em cada grupo e entre os grupos. A média da idade cronológica do grupo controle foi de 31,2 ± 11,0 anos e, aquela do grupo de obesos, foi de 34,1 ± 8,5 anos, não havendo uma diferença significativa entre os grupos (p = 0,18). Quanto à idade pulmonar, o grupo controle e o grupo de obesos apresentaram médias de idade de, respectivamente, 31,0 ± 10,2 anos e 43,2 ± 14,5 anos, havendo uma diferença significativa entre os grupos (p ≤ 0,0002). A diferença das médias da idade pulmonar entre os grupos foi de 12,2 ± 2,4 anos (IC95%: 7,5-16,9 anos).
Quando foram analisadas as médias da idade pulmonar e da idade cronológica em cada grupo isoladamente, observou-se, no grupo controle, que não houve uma diferença estatisticamente significativa entre a média da idade pulmonar (31,0 ± 10,2 anos) e a da idade cronológica (31,2 ± 11,0 anos), sendo que a diferença entre essas médias foi de -0,1 ± 9,8 anos (p = 0,93). Entretanto, no grupo de obesos, houve uma diferença significativa entre a média da idade pulmonar (43,2 ± 14,5 anos) e a da idade cronológica (34,1 ± 8,5 anos), com uma diferença entre essas médias de 9,1± 11,8 anos (p < 0,0001; IC95%: 6,6-11,9 anos; Tabela 2).
Quando analisamos as diferenças entre as médias da idade pulmonar e da idade cronológica entre os grupos (grupo controle vs. grupo de obesos: -0,1 ± 9,8 anos vs. 9,1 ± 11,8 anos), observou-se uma diferença significativa de 9,4 ± 2,1 anos (p < 0,0005; IC95%: 5,0-13,5 anos; Tabela 2).
A idade pulmonar apresentou correlação positiva com a idade cronológica e o IMC, e apresentou correlação negativa com as variáveis espirométricas em valores absolutos e em porcentagem do previsto, com significância estatística (p < 0,0001; Tabela 3).
A regressão linear múltipla permitiu identificar as variáveis IMC e idade cronológica como fatores preditivos significativos da idade pulmonar - β = 0,471; t(109) = 5,466; p < 0,0001 e β = 0,758; t(109) = 6,903; p < 0,0001, respectivamente. No modelo ajustado final para idade cronológica, IMC, sexo e comorbidades (hipertensão, diabetes e sintomas sugestivos de síndrome da apneia obstrutiva do sono - ronco e sufocamento), apenas a idade cronológica e IMC permaneceram no modelo, com significância estatística (Tabela 4). Esse modelo foi altamente significativo - F (2,109) = 47,72; p < 0,0001; R2a = 0,454 - e explica uma proporção de variabilidade de 45,4% da idade pulmonar.
A estimativa de variação da idade pulmonar mostrou um aumento de 0,390 anos (4,7 meses) a cada unidade de IMC elevada, desde que a idade cronológica seja mantida constante.
DiscussãoNo presente estudo, procuramos demonstrar o comprometimento pulmonar precoce, através da utilização do conceito de idade pulmonar, em indivíduos com obesidade mórbida que não apresentavam história tabágica nem comorbidades que justificassem alterações pulmonares.
Observamos, no grupo de obesos, um aumento da idade pulmonar, em relação à idade cronológica, em torno de uma década, com um aumento de 4,7 meses na idade pulmonar para o aumento de cada unidade de IMC. Estudos prévios demonstraram um aumento semelhante da idade pulmonar em relação à idade cronológica em indivíduos tabagistas.(6,7)
Por outro lado, no grupo controle (não obesos), não houve diferenças significativas entre a idade pulmonar e a idade cronológica, indicando que as idades eram semelhantes.
Considerando-se que a função pulmonar aumenta ao longo da vida, atingindo valores máximos em torno dos 20 anos de idade, permanece constante por algum tempo e mantém uma fase de platô até os 35 anos de idade, quando começa a declinar ao longo da vida - VEF1 cai em média 20 mL/ano(16) - os nossos resultados sugerem dano pulmonar e envelhecimento pulmonar acelerado em pacientes adultos jovens portadores de obesidade mórbida e livres de pneumopatias.
A intensidade das correlações entre a idade pulmonar e as variáveis IMC e idade cronológica revelaram a existência de uma correlação significativa positiva, e, por outro lado, uma correlação significativa negativa da idade pulmonar com as variáveis espirométricas (CVF e VEF1 ), mostrando que quanto maior o comprometimento da função pulmonar e o aumento do IMC, maior a idade pulmonar, o que determina um maior envelhecimento pulmonar em indivíduos com obesidade mórbida, uma vez que, na equação do cálculo da idade pulmonar, leva-se em conta o VEF1 .
Apesar do aumento assustador da obesidade nas últimas décadas no mundo, com estimativas da OMS que, em 2015, ao redor de 2,3 bilhões de adultos terão sobrepeso, e 700 milhões desenvolverão obesidade (10% da população mundial), assim como o claro efeito da obesidade na função pulmonar, há poucos estudos sobre o impacto da obesidade nos pulmões.(3)
A maioria dos indivíduos obesos tem sua função pulmonar alterada por um efeito mecânico no sistema respiratório e por efeitos metabólicos do tecido adiposo.(3,17-19)
A deposição intraperitoneal de gordura eleva o diafragma, reduzindo a CVF e a CPT a valores ainda dentro da normalidade.(20) O VEF1 é influenciado pela CVF, o que explica, em nosso estudo, o aumento da idade pulmonar nos indivíduos com obesidade mórbida, mas que apresentavam a razão VEF1 /CVF preservada. Existe uma relação inversa entre o grau de IMC e VEF1 , com um efeito modesto na função pulmonar em indivíduos com IMC até 40 kg/m2 .(3)
A média prevista do VEF1 em indivíduos saudáveis é de aproximadamente 95% do verdadeiro VEF1 ,(11) e o VEF1 médio previsto em nosso grupo controle foi de 97,2 ± 9,1% do verdadeiro VEF1 , o que pode explicar a idade pulmonar maior do que a idade cronológica em alguns indivíduos saudáveis e não obesos em nosso grupo controle.
Considerando-se que o VEF1 é um fator independente de causa de mortalidade e um
forte fator de risco para morte súbita, câncer e doenças cardiovasculares, esse parâmetro é geralmente aceito como uma medida sensível e específica para doenças pulmonares clinicamente significativas,(3) fazendo parte da fórmula de cálculo da idade pulmonar, que ultimamente tem sido utilizada para o diagnóstico precoce de alterações fisiopatológicas causadas não só pelo tabagismo, como também por pneumopatias crônicas, tais como DPOC, asma, câncer de pulmão e doenças intersticiais. Mesmo antes da apresentação de sintomas respiratórios,(10) devemos valorizar a utilização do conceito de idade pulmonar em indivíduos com obesidade mórbida.
A presença de comorbidades nos indivíduos com obesidade mórbida foi avaliada através da regressão linear múltipla, sendo determinado que apenas o IMC e a idade cronológica contribuíram com a idade pulmonar de maneira significativa, demonstrando a influência do IMC no dano pulmonar precoce.
A relação entre IMC e idade pulmonar foi demonstrada em um estudo retrospectivo(11) em pacientes categorizados em quatro quartis conforme seu IMC (≤ 21,55 kg/m2 ; 21,56 23,28 kg/m2 ; 23,29-25,22 kg/m2 ; e ≥ 25,23 kg/m2 ). Como pode se observar, a maioria dos pacientes naquele estudo não era considerada obesa segundo a OMS.
Além disso, o IMC ≤ 21,55 kg/m2 do grupo controle é muito difícil de ser encontrado na vida real, e, para o quarto grupo, que apresentava uma diferença significativa quando comparado com o primeiro grupo (controle), não foram demonstradas a variabilidade e a média do IMC.
Embora a espirometria seja um exame básico e indispensável na avaliação e no acompanhamento da grande maioria de pacientes com doenças pulmonares, nem sempre ela está disponível e seu uso não é frequente na assistência médica primária, mesmo em países desenvolvidos. Uma explicação é a falta de conhecimento e de entendimento dos seus resultados pelo paciente e pelo médico generalista.(10)
O conceito de idade pulmonar foi introduzido por Morris e Temple em 1985,(6) que avaliaram a função pulmonar, através da espirometria, de 988 indivíduos sadios não tabagistas, com idade cronológica entre 20 e 84 anos, de ambos os sexos; os resultados demonstraram uma similaridade entre a idade pulmonar e a idade cronológica. Através de regressão linear, o VEF1 apresentou-se como a melhor variável espirométrica a ser utilizada na fórmula da idade pulmonar.(6) Estudos iniciais da idade pulmonar foram utilizados para demonstrar diferenças significativas entre a idade pulmonar e a idade cronológica em tabagistas, e, atualmente, a idade pulmonar tem sido utilizada no incentivo ao combate do tabagismo e na detecção precoce de anormalidades da função pulmonar de pacientes com doenças pulmonares crônicas.(6-10)
O conceito de idade pulmonar, ao ser acrescentado ao laudo clássico dos resultados espirométricos (distúrbio ventilatório restritivo, obstrutivo ou misto), torna-se uma nova alternativa de compreensão do dano pulmonar causado pela obesidade, fornecendo uma interpretação fácil, segura, rápida e barata dos resultados, já que os resultados da espirometria, ao serem expressos para quantificar o grau de comprometimento funcional pulmonar da maneira clássica, podem não ser bem entendidos pelos pacientes e pelos profissionais da saúde que lidam com o tratamento da obesidade.
Todavia, quando os resultados da idade pulmonar forem discordantes da idade cronológica, os pacientes obesos poderão ser advertidos da descoberta precoce de danos pulmonares que poderão ser prevenidos ou controlados com a redução do peso corpóreo,(21) devendo-se ter cautela para não traduzir ao paciente o conceito de idade pulmonar como uma expectativa de vida; deve-se apenas alertá-lo do dano funcional pulmonar precoce.
O presente estudo, por ser transversal, apresenta limitações pela falta de uma visão ao longo do tempo, fazendo-se necessário que futuras pesquisas avaliem a força psicológica do conceito de idade pulmonar como um alerta e incentivo adicional aos obesos em tratamento, devendo as fórmulas previstas da idade pulmonar, atualmente utilizadas, ser avaliadas em futuros estudos para a população brasileira.
Em conclusão, a idade pulmonar está aumentada em pacientes com obesidade mórbida, sugerindo dano precoce e envelhecimento pulmonar acelerado, expressos pela discrepância entre a idade cronológica e a idade pulmonar. O conceito de idade pulmonar pode tornar-se uma nova ferramenta para a compreensão dos resultados da função pulmonar para pacientes e profissionais da saúde no combate à obesidade.
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* Trabalho realizado no Ambulatório de Obesidade da Universidade Federal de Sergipe e no Ambulatório de Obesidade do Hospital São Lucas, Aracaju (SE) Brasil.
Endereço para correspondência: Saulo Maia D'Ávila Melo. Rua José Olívio do Nascimento, 82, Edifício Parque da Sementeira, apto. 201, Jardins, CEP 49025-730, Aracaju, SE, Brasil.
Tel 55 79 3214-3593. Fax: 55 79 3214-3491. E-mail: smaia@infonet.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 11/2/2010. Aprovado, após revisão, em 14/6/2010.
Sobre os autoresSaulo Maia D'Ávila Melo
Médico. Hospital Universitário, Universidade Federal de Sergipe, e Hospital Governador João Alves Filho, Aracaju (SE) Brasil.
Valdinaldo Aragão de Melo
Professor Adjunto. Departamento de Medicina, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju (SE) Brasil.
Enaldo Vieira de Melo
Professor Assistente. Departamento de Medicina, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju (SE) Brasil.
Raimundo Sotero de Menezes Filho
Médico Endocrinologista. Instituto da Previdência do Estado de Sergipe, Aracaju (SE) Brasil.
Vinicius Leite de Castro
Acadêmico de Medicina. Universidade Federal de Sergipe, Aracaju (SE) Brasil.
Matheus Santana Paes Barreto
Acadêmico de Medicina. Universidade Federal de Sergipe, Aracaju (SE) Brasil.