ABSTRACT
Alpha-1 antitrypsin deficiency (AATD) is a relatively rare genetic disorder, inherited in an autosomal codominant manner, that results in reduced serum AAT concentrations, with a consequent reduction in antielastase activity in the lungs, as well as an increased risk of diseases such as pulmonary emphysema, liver cirrhosis, and necrotizing panniculitis. It results from different mutations in the SERPINA1 gene, leading to changes in the AAT glycoprotein, which can alter its concentration, conformation, and function. Unfortunately, underdiagnosis is quite common; it is possible that only 10% of cases are diagnosed. The most common deficiency is in the Z variant, and it is estimated that more than 3 million people worldwide have combinations of alleles associated with severe AATD. Serum AAT concentrations should be determined, and allelic variants should be identified by phenotyping or genotyping. Monitoring lung function, especially through spirometry, is essential, because it provides information on the progression of the disease. Although pulmonary densitometry appears to be the most sensitive measure of emphysema progression, it should not be used in routine clinical practice to monitor patients. In general, the treatment is similar to that indicated for patients with COPD not caused by AATD. Exogenous administration of purified human serum-derived AAT is the only specific treatment approved for AATD in nonsmoking patients with severe deficiency (serum AAT concentration of < 57 mg/dL or < 11 µM), with evidence of functional loss above the physiological level.
Keywords:
alpha 1-antitrypsin; Emphysema; Pulmonary disease, chronic obstructive.
RESUMO
A deficiência de alfa-1 antitripsina (DAAT) é uma herança genética autossômica codominante, relativamente rara, que resulta em concentração reduzida de alfa-1 antitripsina (AAT) no soro e, portanto, redução na atividade antielastase nos pulmões e aumento do risco de enfisema pulmonar, cirrose hepática e paniculite necrotizante. Resulta de diferentes mutações no gene SERPINA1 levando a mudanças na glicoproteína AAT, que podem alterar a sua concentração, conformação e/ou função. Infelizmente, o subdiagnóstico é muito comum, e é possível que apenas 10% dos casos estejam diagnosticados. A variante Z é a deficiência mais comum, e estima-se que mais de 3 milhões de pessoas em todo o mundo tenham combinações de alelos associadas à deficiência grave de AAT. É necessária a determinação da concentração sérica de AAT e a identificação de variantes alélicas por fenotipagem ou genotipagem. É fundamental o acompanhamento da função pulmonar, principalmente por espirometria, pois essa informa sobre a progressão da doença. A densitometria pulmonar parece ser a medida mais sensível da progressão do enfisema, mas não deve ser usada no acompanhamento de pacientes na prática clínica de rotina. O tratamento geral é semelhante ao indicado para pacientes com DPOC não causada por DAAT. A administração exógena de AAT derivada de soro humano purificado é o único tratamento específico aprovado para DAAT em pacientes não fumantes e com deficiência grave (nível sérico < 57 mg/dL ou AAT sérica < 11 μM), com comprovação de perda funcional acima da fisiológica.
Palavras-chave:
alfa 1-antitripsina, Enfisema; Doença pulmonar obstrutiva crônica.
INTRODUÇÃO A deficiência de alfa-1 antitripsina (DAAT) é uma alteração genética que foi reconhecida pela primeira vez em 1963. O subdiagnóstico da DAAT tem sido amplamente descrito na literatura.(1) Trata-se de uma herança genética autossômica codominante, relativamente rara, que resulta em concentração reduzida de alfa-1 antitripsina (AAT) no soro e, portanto, redução na atividade antielastase nos pulmões e aumento do risco de enfisema pulmonar, cirrose hepática, paniculite necrotizante entre outras.(2,3)
O gene inibidor de serina-protease (SERPINA1), localizado no cromossomo 14q32.1, codifica a AAT. Este gene é altamente pleomórfico e suas variantes podem se relacionar com valores normais ou deficientes da AAT nas formas leve, moderada ou grave, ou até com a total falta de secreção da proteína, quando os níveis séricos são indetectáveis (variante nula).(4) A prevalência da deficiência de AAT é desconhecida na grande maioria dos países, sendo mais bem conhecida na Europa e EUA.(5) Atualmente, há mais informações e maior facilidade de diagnóstico genético graças à disponibilidade de testes pela indústria farmacêutica.(6,7)
O principal local de produção da AAT é nos hepatócitos, mas também ocorre nas células intestinais, alveolares, macrófagos, neutrófilos e na córnea.(3) A proteína é liberada na circulação sanguínea e atua como proteção da elastase neutrofílica, principalmente no pulmão.(3) A sua meia-vida é de 3 a 5 dias, e o nível sérico varia pouco em pessoas normais, podendo estar aumentado em processos inflamatórios.(3)
Infelizmente, é possível que apenas 10% dos casos de DAAT estejam diagnosticados, existindo, portanto, alta taxa de subdiagnóstico, o que impede o aconselhamento genético e dificulta o tratamento adequado.(8) É recomendado que todos os pacientes com DPOC, doença hepática, paniculite necrotizante, granulomatose com poliangeíte ou bronquiectasias sem causa definida façam a dosagem sérica de AAT. (2,9) A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere que pacientes com diagnóstico de asma de início tardio sejam avaliados para DAAT.(10)
Em relação ao tratamento geral, os pacientes com manifestações pulmonares devem ser acompanhados de acordo com as recomendações preconizadas para a DPOC(11) e, em alguns casos, devem ser encaminhados para tratamento específico com reposição de AAT.(12)
Este documento tem por objetivo melhorar a assistência aos portadores de DAAT, informar com precisão os colegas pneumologistas sobre a AAT e sua deficiência, incentivar a busca ativa de pessoas com DAAT, incentivar a criação de referências assistenciais, estimular a avaliação da AAT em todas as doenças em que a sua deficiência possa ter associação e investigar os familiares dos pacientes com DAAT, assim como aqueles com suspeições em exames de imagem, com sintomas clínicos e/ou com alterações funcionais, ajudando, assim, a diminuir o subdiagnóstico e aumentar a possibilidade de uma assistência adequada.
GENÉTICA As mutações no gene SERPINA1 levam a diferentes mudanças na glicoproteína AAT, que podem alterar a sua concentração, conformação e/ou função.(5,13)
Mais de 200 variantes do gene SERPINA1 já foram descritas.(14) As variantes da AAT inicialmente encontradas foram classificadas com as letras entre “A” e “Z” baseada na velocidade de migração da molécula em um gradiente de pH em foco isoelétrico. Protease inhibitor (Pi, inibidor de protease) normal da AAT é designado com a letra M, também chamado de alelo M, que está presente em 85-90% da população. (13,15) Indivíduos homozigotos para o alelo M são denominados como homozigotos Pi*MM e possuem níveis séricos normais de AAT (100-220 mg/dL). O alelo M possui algumas subvariantes benignas como M1 (Ala213), M1 (Val213), M2, M3 e M4, que podem ser diferenciados por alguns métodos de testagem.(16) Outras variantes alélicas benignas são a E, G e Zpratt, que codificam variantes de AAT que não diminuem o nível sérico e nem a função dessa proteína.(17,18)
O alelo mais comumente associado à DAAT grave é o Z, principalmente em homozigose (Pi*ZZ), apresentando níveis de AAT séricos de 10-20% do normal (20-45 mg/dL), sendo encontrado com maior frequência no norte e oeste da Europa.(5,16,19) No alelo Z ocorre a substituição do ácido glutâmico por lisina na posição 342 do gene SERPINA1, e essa mutação leva à síntese de uma proteína malformada, que pode se polimerizar e ficar acumulada nos hepatócitos, podendo causar doença hepática.(5,15) Subsequentemente, o defeito secretor leva à redução de seu nível sérico, bem como de sua atividade, predispondo ao aparecimento de enfisema.(5,20,21) Dentre as mutações conhecidas, o Pi*ZZ está presente em 95% dos casos de deficiência grave e o alelo Z pode ser encontrado em 1 a cada 25 pessoas com ascendência europeia. Mutações em heterozigose, como Pi*MZ, em geral, causam redução leve a moderada da AAT comparada ao normal. Combinações do alelo Z e outras variantes patogênicas (por exemplo: Pi*SZ, ou MProcida, entre outras) podem resultar em níveis séricos de AAT abaixo do normal e causar doença pulmonar.(5,15) Entretanto, existem variabilidades na expressão clínica da doença, em que somente a presença da DAAT não é suficiente para induzir enfisema pulmonar. Fatores como tabagismo, exposição ambiental e fatores genéticos são predisponentes ao aparecimento de enfisema nesses casos.(9,22) Muitos pacientes Pi*ZZ nunca desenvolverão enfisema pulmonar ao longo da vida.
Outros alelos associados à deficiência grave são o MProcida, MHeerlen, MMalton, SIiyama, PLowell, algumas variantes mais raras e a família dos alelos nulos (Q0), que não produzem AAT.(5,15) Alelos como as variantes I e S, essa última sendo a variante mais frequentemente encontrada na região da Europa mediterrânea (principalmente na Península Ibérica), levam à concentração plasmática menor do que em Pi*MM, mas ainda com valor protetor, uma forma clínica mais branda de DAAT.(5) Entretanto, essas variantes quando estão associadas a fatores de risco como o tabagismo podem levar ao acometimento pulmonar. (2,23) As chamadas variantes disfuncionais, entre elas as variantes F e Pittsburgh, levam à produção de uma AAT com função anormal, com baixa ligação com a elastase neutrofílica ou atividade inibitória alterada. (23,24)
Alelos Z, SIiyama, MMalton e King não afetam a síntese, mas 70% da AAT mutante fica retida dentro do hepatócito e 15% formam polímeros que não são totalmente degradados e se acumulam no fígado, causando doença crônica. A formação de polímeros hepáticos tem relação direta com alterações estruturais da proteína mutante.(25) Atualmente, sabe-se que vários outros alelos, considerados raros, podem provocar problemas hepáticos graves: Pi*MPalermo, Pi*MNichinan, Pi* PLowell, Pi*PDuarte, Pi*Q0Cardiff, Pi* YBarcelona e Pi*ZAugsburg.(12)
Os alelos S, I e Queen também podem formar polímeros, mas em um ritmo mais lento, facilitando a sua remoção e raramente causando lesão hepática (Quadro 1). Além disso, há liberação de níveis séricos mais altos de AAT, geralmente conferindo proteção pulmonar em pessoas não fumantes.(3)
EPIDEMIOLOGIA A prevalência da DAAT não está ainda definida na maioria dos países, embora conste que ela varia em diferentes regiões geográficas e grupos raciais e que afeta principalmente indivíduos brancos de ascendência europeia.(19) Estima-se que mais de 3 milhões de pessoas em todo o mundo tenham combinações de alelos associadas à deficiência grave de AAT(26) e que o genótipo Pi*ZZ ocorra em 1:2000-5000 indivíduos na Europa e em 1:5000-7000 indivíduos que vivem em países com imigração europeia como os Estados Unidos e Austrália.(19) Se pouco se conhece sobre a prevalência dos alelos raros mais comuns, menos ainda se sabe sobre os alelos raros não S ou Z. Uma revisão do Registro Espanhol de pacientes com DAAT de 1998 a 2010 revelou que 56 (1,6%) entre 3.511 pacientes com DAAT tinham alelos raros.(27)
São muito importantes os registros como os da Alpha 1 Foundation nos EUA e, mais recentemente, os da European AATD Research Collaboration (EARCO) que permitem conhecer a DAAT em determinado local, caracterizar os pacientes, estabelecer programas visando o diagnóstico precoce, além de possibilitar o conhecimento sobre a história natural da doença. Entre 2020 e 2022, através da EARCO, foram avaliados 1.044 indivíduos de 15 países com níveis séricos de AAT < 11 µM (50 mg/dL). Entre os 629 indivíduos (60,2%) que apresentavam o genótipo Pi*ZZ, a maioria era do sexo masculino (51,5%) com média de idade de 55,6 ± 13,2 anos e média de idade no momento do diagnóstico de 44,7 ± 16,7 anos. A média de VEF1 em porcentagem do previsto era 66,9 ± 30,7%, e a média de DLCO era de 68,0 ± 23,2%. Além disso, a média no COPD Assessement Test (CAT) era de 13,2 ± 9,3 pontos, e 190 desses (30%) recebiam terapia de reposição com AAT.(28)
Existem várias formas de avaliar a prevalência de uma doença genética: rastreamento em recém-nascidos (RN), medindo a concentração em sangue estocado em banco de sangue, avaliação em bancos de dados genéticos ou em avaliação da população geral. Na Suécia, entre 1972 e 1974, foram avaliados 200.000 RN e foi encontrado o genótipo Pi*ZZ a cada 1.600 RN (0,06%).(5) Embora o rastreio em RN permita que se faça orientação para evitar a exposição a fatores de risco como tabagismo e poluição ambiental ou ocupacional, aspectos éticos tornaram este método inviável. Nos EUA, em 1988, entre 20.000 doadores de sangue foram encontrados 2.850 indivíduos Pi*ZZ (0,03%).(5)
Também é possível fazer o rastreamento dos casos de DAAT avaliando pacientes com doenças causadas pela DAAT. Entre pacientes com DPOC é esperado que se encontre de 1-4% de pacientes com genótipo Pi*ZZ, daí a OMS recomendar a dosagem de AAT para todos os pacientes com diagnóstico de DPOC.(10) Recentemente, foi relatada a relação prevalência de Pi*ZZ/taxa de prevalência de DPOC na Europa de 0,12% (0,08-0,24%), ocorrendo amplas diferenças entre os países.(19) Na Argentina, foi encontrada uma prevalência de DAAT de 0,83% entre pacientes com DPOC.(29) No Brasil, um estudo transversal avaliou 926 pacientes com DPOC de cinco diferentes estados e encontrou 0,8% de pacientes com genótipo Pi*ZZ e 2,80% com algum alelo variante, sendo avaliadas apenas as variantes S e Z.(30)
Em um estudo recente, foi descrita a frequência de alelos variantes em 30.827 indivíduos em seis países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha e Turquia) entre 2018 e 2022 (swab oral ou gota de sangue em papel filtro) entre pessoas que poderiam ter alguma deficiência. Foi identificada a prevalência de 12,7% do genótipo MS; 7,4% do MZ; 3 % do ZZ; 1,6% do SZ e 0,8% do SS.(7) Em outra análise dessa amostra foram avaliados todos os alelos variantes e encontradas 9.528 mutações (30,9%) e, entre os participantes, 818 (2,7%) possuíam alelos raros, excluindo-se dessa amostra todos os alelos S e Z. Os autores relataram que a identificação de alelos variados poderia estabelecer uma nova distribuição dos alelos nos diferentes países e que os achados poderiam auxiliar uma nova seleção de alelos para o painel diagnóstico.(6)
FATORES DE RISCO PARA DOENÇAS PULMONARES A DAAT é uma condição heterogênea na qual a combinação do genótipo com a baixa concentração sérica de AAT e os fatores de risco são fundamentais para o surgimento e progressão das suas manifestações clínico-funcionais.(3,31,32) Embora o tabagismo persista como o principal fator de risco para doenças pulmonares, os fatores predisponentes familiares, as infecções respiratórias e a exposição a poluentes ambientais ou ocupacionais, que também aumentam a inflamação e a elastase nas vias aéreas e nos alvéolos, são cada vez mais estudados e valorizados.(31-33)
Os indivíduos com AAT indetectável, associada a alelos nulos ou com deficiência acentuada, associada a alelos Z, genótipos homozigóticos Pi*ZZ e variantes raras, com níveis de AAT < 11 µM, podem desenvolver enfisema, mesmo sem história de tabagismo.(3,9) Entretanto, a exposição à fumaça do tabaco aumenta o número de neutrófilos e macrófagos nos pulmões e incrementa a produção individual de elastase por célula, acelerando o surgimento, a gravidade e a progressão do enfisema nesses indivíduos. A evolução do enfisema tem relação com a idade de início do tabagismo, a duração e a carga tabágica ao longo da vida.(9,34,35)
No registro alemão, em pacientes com DAAT com seguimento de 11 anos, houve associação entre o maior declínio do VEF1 com menor tempo de cessação do tabagismo, exposição ocupacional a inalantes e frequência de exacerbações da DPOC.(36) Em um grupo de fumantes Pi*ZZ com idades entre 37 e 39 anos e com espirometria normal, observou-se que poderia ocorrer alteração da DLCO e doença de pequenas vias aéreas, compatíveis com enfisema.(37) Em um estudo com pacientes Pi*ZZ, a alta exposição à poluição ambiental teve relação com a piora da troca gasosa e do status respiratório.(38)
Os indivíduos heterozigóticos, especialmente Pi*MZ e Pi*SZ, também podem desenvolver enfisema dependendo do grau de exposição ao tabagismo e, embora esse risco seja baixo em não tabagistas, ainda é motivo de controvérsia.(31,39) Em um estudo, o tabagismo aumentou o risco de DPOC em 5,2 vezes nos indivíduos do grupo Pi*MZ quando comparados com o grupo Pi*MM.(31) Entretanto, muitos estudos que demonstram aumento da perda de função pulmonar nos indivíduos com genótipo Pi*MZ apresentam o viés de não haver ajustado essa perda em relação à carga tabágica e, quando ajustado, o declínio do VEF1 geralmente é pequeno.
Em um estudo, demonstrou-se que o risco de desenvolver enfisema nos pacientes fumantes Pi*SZ quando comparados com PI*MM foi semelhante, embora a procura por avaliação médica dos primeiros tenha sido mais precoce.(39) Em outro estudo, os indivíduos com genótipo Pi*SZ que nunca tinham fumado não apresentaram risco aumentando de desenvolver DPOC, ao passo que fumantes com o mesmo genótipo tinham maior obstrução do fluxo aéreo e os ex-fumantes com esse genótipo não tiveram maior declínio do VEF1.(40) Atualmente, há preocupação com os indivíduos portadores dos alelos Pi*SZ que devem ser orientados a não se expor à fatores de risco e a terem seguimentos periódicos.
Na última década, com a nova taxonomia e etiopatogenia da DPOC, cada vez mais são valorizados os fatores de risco no início de vida (prematuridade, nascimento de baixo peso, exposição ao tabagismo intraútero e na infância), asma e infecções e exposições ambientais/ocupacionais ao longo da vida.(11,41) A influência de muitos desses fatores de risco de doenças broncopulmonares precisam ser mais bem estudados na DAAT, tanto em relação ao acometimento precoce, quanto à progressão da mesma. A obstrução ao fluxo aéreo na DPOC, notadamente nos fumantes, decorre da inflamação nas pequenas vias aéreas e da perda do recolhimento elástico devido ao enfisema, alterações que não podem ser diferenciadas na espirometria.(11,41)
Embora o papel da doença das pequenas vias aéreas nos pacientes com DAAT como fator de risco, marcador precoce de acometimento pulmonar, fator prognóstico e como característica tratável tenha sido bem discutido em uma revisão recente, outros estudos são necessários.(42) Um estudo que incluiu 193 pacientes com DAAT avaliou a lavagem de nitrogênio, método sensível para identificar doença nas pequenas vias aéreas, e mostrou que o índice de depuração pulmonar (lung clearence index) foi anormal em 83% de pacientes com genótipo Pi*ZZ, em 47% com outros genótipos e em 43% de 117 indivíduos com VEF1 normal.(43)
O estudo denominado Subpopulations and Intermediate Outcome Measures in COPD Study (SPIROMICS) mostrou que os pacientes fumantes com genótipos Pi*ZZ e Pi*MZ têm mais bronquiectasias e essas alterações se associavam com maior grau de enfisema, doença nas pequenas vias aéreas e repercussão clínica em comparação aos pacientes sem bronquiectasias.(44)
A relação entre asma e a DAAT segue controversa e, embora alguns estudos mostrem maior prevalência de asma nesse grupo de pacientes, esse achado geralmente é concomitante ao diagnóstico de DPOC.(33) Em princípio, a asma não é fator de risco para aceleração do declínio da função pulmonar, e a reposição de AAT não previne a perda de função decorrente da asma.(33)
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS PULMONARES A DAAT tem como apresentação clínica clássica o aparecimento precoce de DPOC. É descrito uma considerável variabilidade no tempo para o início dos sintomas, mas raramente aparece antes dos 25 anos. Sintomas mais graves são mais comumente vistos em tabagistas e ex-tabagistas, o que influencia inclusive a média de idade do início dos sintomas, sendo mais frequente entre 32 a 40 anos nos tabagistas e entre 48 e 54 anos em não tabagistas.(45-47)
As características que distinguem a DPOC relacionada à DAAT em pacientes não tabagistas ou tabagistas, sem fator de risco ocupacional, em relação à DPOC pelo tabagismo não relacionada à DAAT, são o início precoce dos sintomas, enfisema panacinar e predomínio basal das alterações radiológicas.(5) Entretanto, a apresentação “clássica” da DPOC de origem pelo tabagismo também acontece na DAAT e não deve afastar essa possibilidade nesses pacientes.(47,48) É importante ressaltar que até 37% dos indivíduos com DAAT grave tem enfisema predominantemente em lobos superiores.(19,49)
Entre os sintomas mais comuns da DAAT, dispneia aos esforços é mais prevalente (84%), seguido por sibilos associados a infecções respiratórias (76%), sibilos sem infecções respiratórias (65%), tosse e catarro (50%) e tosse crônica (42%).(50) Na espirometria ocorre, classicamente, distúrbio ventilatório obstrutivo, com CVF normal ou reduzida. Na análise dos volumes pulmonares, o VR e a CPT podem estar aumentados, com DLCO reduzida. Pode ser encontrada resposta após uso de broncodilatador, e a associação com asma pode estar associada à progressão mais rápida da doença.(51) Fatores que se associam ao rápido declínio da função pulmonar são início dos sintomas com idade entre 30 e 44 anos, ser do sexo masculino, ter baixo IMC e ter baixo nível sérico de AAT, assim como apresentar exacerbações frequentes, reversibilidade ao broncodilatador e intensa diminuição da capacidade funcional.(52,53) A associação da DAAT e bronquiectasias é conhecida, porém ainda não está bem definida a fisiopatologia para o aparecimento dessas lesões. Sua prevalência varia bastante entre os estudos, variando de 26 a 52% em estudos com grandes amostras de pacientes, porém a presença de bronquiectasias sem enfisema associado não deve excluir o diagnóstico de DAAT.(54)
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS EXTRAPULMONARES Doença hepática A doença hepática é a segunda manifestação mais comum em adultos com DAAT e a segunda principal causa de morte nesses pacientes.(55) A hepatopatia mediada pela DAAT ocorre principalmente pelo acúmulo anormal de polímeros de proteína com mutação dentro do retículo endoplasmático rugoso dos hepatócitos. Esses polímeros podem levar à inflamação e consequente fibrose hepática, cirrose e aumento do risco do carcinoma hepatocelular, principalmente quando associado à hepatite B.(55) Como a doença hepática é altamente variável e nem todos os pacientes com o genótipo ZZ desenvolvem a doença, apesar da presença dos polímeros no fígado, devem existir outros fatores causais ainda não bem esclarecidos. Existem sugestões que determinantes genéticos do processamento da proteína intracelular possam ter alguma influência na susceptibilidade da doença no fígado na DAAT.(56) Pacientes com variantes genéticas associadas à presença dos polímeros hepáticos, tais como SIiyama, MDuarte, MMalton e, particularmente, a presença do alelo Z, podem evoluir com algum sinal de doença hepática.(56)
A doença hepática tem uma distribuição bimodal com o primeiro pico na primeira infância e o segundo nos pacientes após os 50 anos de idade.(57) No período neonatal, colestase prolongada é a principal manifestação clínica. Um estudo sueco que avaliou 200 mil recém-nascidos identificou 127 neonatos com genótipo Pi*ZZ; desses, 73% apresentaram icterícia prolongada e 8% apresentaram doença hepática grave.(58) Alterações nas enzimas hepáticas foram identificadas em 50% dos neonatos, com resolução espontânea em meses, e aos 18 anos a maioria encontrava-se saudável. Apenas 3% tiveram doença progressiva grave.(59) Na população pediátrica, a DAAT representa 3,5% das causas de transplante de fígado. (60) Em adultos, a presença de fibrose hepática ocorre em 20-36% dos pacientes Pi*ZZ e fibrose avançada é 10-20 vezes mais frequente nesses pacientes.(61) Cerca de 10% dos pacientes com DAAT grave desenvolvem cirrose, e 14,5% desses necessitam de transplante hepático.(60,62) Apenas um pequeno percentual dos pacientes portadores da DAAT e fibrose hepática avançada apresentam alterações das enzimas hepáticas com níveis variando ao longo dos anos.(63)
A gama GT é o marcador mais sensível para o diagnóstico da doença hepática, com média significativamente mais elevada que a transaminase glutâmico pirúvica (TGP) nos portadores de DAAT.(64) Pacientes Pi*SS podem ter alterações discretas de transaminases, mas sem doença hepatobiliar.(64) Já nos portadores do genótipo Pi*SZ são encontradas enzimas hepáticas elevadas e clara predisposição à fibrose, cirrose hepática e carcinoma hepatocelular, mas essa predisposição é bem inferior à de pacientes Pi*ZZ.(57,64) O paciente portador do genótipo Pi*MS não mostra aumento do risco para doenças hepáticas.(64)
Deve-se realizar rotineiramente a avaliação hepática não invasiva com estudo bioquímico, elastografia hepática transitória e determinação dos fenótipos/genótipos em indivíduos com DAAT.(5) Dado a natureza e risco de complicações, a biópsia hepática é reservada apenas para casos selecionados. A elastografia hepática transitória é útil para descartar fibrose avançada (estágios 3 e 4), mas é menos efetiva em estágios iniciais.(62) Ultrassonografia do fígado é indicada a cada seis meses nos pacientes com enzimas alteradas, cirrose ou hipertensão portal, como rastreio para carcinoma hepatocelular.(65)
Nenhuma terapia está atualmente aprovada para a doença hepática, fora o transplante hepático para pacientes com doença avançada.(66) Existem estratégias promissoras sendo investigadas, como pequenas moléculas de RNA que bloqueiam a formação dos polímeros ou que estimulam as vias que aceleram a sua eliminação. O fazirsiran, um RNA inibitório (RNAi) que tem como alvo o RNA mensageiro da AAT e Z-AAT para degradação, foi avaliado em pequeno estudo de fase 2 com 16 pacientes com deficiência Pi*ZZ demonstrando diminuição de 83% na Z-AAT total do fígado após 24 a 48 semanas e melhora nas anomalias histológicas do fígado, incluindo redução na pontuação da inflamação portal em dois terços dos pacientes.(67)
Paniculite A paniculite associada à DAAT é uma doença extremamente rara e suas manifestações clínicas incluem lesões cutâneas nodulares,
dolorosas, vermelhas e frequentemente com uma descarga de óleo que acomete áreas de trauma como coxas, nádegas, abdômen e membros superiores.(68) Acomete em igual frequência homens e mulheres e em associação com vários fenótipos. Está bem mais associada à pacientes Pi*ZZ, e sua patogênese se relaciona a falta de oposição à atividade proteolítica no tecido gorduroso subcutâneo.(68) Várias terapias (antibióticos, agentes anti-inflamatórios, quimioterápicos) já foram testadas com variada taxa de sucesso. O tratamento com a reposição da AAT tem mostrado excelente resultados, com respostas clínicas rápidas, devendo ser utilizada em casos refratários às outras terapias.(69)
Associações com outras doenças Não há evidências suficientes para confirmar a relação da DAAT com outras doenças (doença vascular, doença inflamatória intestinal, glomerulonefrite e vasculite sistêmica). Em paciente Pi*ZZ, várias anormalidades vasculares foram sugeridas, incluindo aneurismas abdominais e intracranianos, displasia fibromuscular arterial e tromboembolismo venoso, todas baseadas no princípio de que a atividade proteolítica sem oposição danifica as paredes dos vasos em indivíduos gravemente deficientes.(5,70,71) Existe um relato do caso de um indivíduo com mutação AAT Pittsburgh que morreu devido a sangramento grave após uma infecção viral. (72) Existe uma relação funcional entre as proteínas plasmáticas AAT e antitrombina III. Para elucidar esta relação foi estudado o plasma de um menino de 14 anos que morreu de distúrbio hemorrágico, sendo encontrada uma variante de AAT na qual a metionina na posição 358 foi substituída por uma arginina, convertendo a função normal da AAT como inibidor da elastase para a de inibidor da trombina.(72) Em relação à associação entre DAAT e doença inflamatória intestinal os dados são conflitantes, não podendo ser legitimada. Existe um estudo em crianças Pi*ZZ com doença hepática importante e nefropatia associada.(73) Parece existir um risco aumentado em pacientes com DAAT desenvolver vasculite associada a anticorpos anti-citoplasma de neutrófilos C (C-ANCA), o que é reforçado por mecanismos patogenéticos plausíveis. No fluido extravascular a AAT desempenha um papel importante como inibidor da proteinase-3, uma serina protease semelhante à elastase dos neutrófilos localizada nos grânulos primários dos neutrófilos. Se não for controlada, a proteinase-3 exerce potente capacidade destrutiva de tecidos; assim, a deficiência de AAT poderia desencadear uma resposta autoimune, permitindo o aumento da exposição extracelular à proteinase-3.(74)
DIAGNÓSTICO Quando testar O diagnóstico da DAAT traz diversos impactos imediatos, tais como a necessidade de testar membros da família, a oportunidade de implementar medidas educativas, de intervir precocemente sobre o hábito do tabagismo, de advertir sobre exposições ambientais e ocupacionais e de considerar um tratamento específico para DAAT.(75) A OMS recomenda testar todos os pacientes com diagnóstico de DPOC ou asma de início na idade adulta.(10) A GOLD e as diretrizes internacionais de DAAT reforçam a orientação de realizar avaliação de DAAT pelo menos uma vez na vida em todos os indivíduos com DPOC, independentemente da idade, da etnia ou da gravidade da doença,(11) assim como naqueles com enfisema e asma com obstrução fixa. (2,5,9,76-78) Apesar dos esforços globais na recomendação da avaliação da DAAT, essa é uma condição ainda altamente subdiagnosticada.(79) A maioria dos indivíduos com DAAT apresentam um longo intervalo de tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico da DAAT.(80) Devem ser testados também todos os indivíduos com doença hepática crônica de etiologia indeterminada, indivíduos com paniculite necrotizante, vasculite C-ANCA positivo, bronquiectasias de etiologia indeterminada ou com história familiar de qualquer das condições acima (Quadro 2).(2,5,77)
Devido ao caráter hereditário da DAAT como condição autossômica codominante, após a identificação de um caso de DAAT, deve ser oferecida a testagem aos familiares de primeiro grau, mesmo que sejam assintomáticos, pelo risco dos mesmos apresentarem algum alelo variante ou mesmo DAAT.(11) Os familiares portadores de mutações se beneficiam de aconselhamento genético e medidas preventivas, sendo as mais importantes evitar o tabagismo, poluentes ambientais e ocupacionais.(76) Exemplificando a situação, um indivíduo heterozigoto para o alelo Z e outro alelo normal (genótipo Pi*MZ), tem um risco 5-10 vezes maior de desenvolver DPOC se exposto à fumaça de cigarro comparado a tabagistas Pi*MM.(31) No entanto, se ele não fumar, o risco de desenvolver DPOC é semelhante ao daqueles com genótipo Pi*MM não tabagistas.(79) Na avaliação de familiares não é recomendada a dosagem sérica da AAT como primeiro exame, pois tal teste não detecta a genética dos alelos, podendo o paciente apresentar nível sérico normal ou próximo do normal e ele ser considerado, equivocadamente, como sendo geneticamente normal. Assim, a avaliação nesses casos deve ser sempre feita inicialmente pela genotipagem. (2) O cônjuge de um indivíduo com genótipo Pi*ZZ ou com alguma associação rara ou heterozigoto também deve ser testado para AAT para fins de aconselhamento genético. Como o genótipo Pi*MZ não é infrequente e os casamentos acontecem por afinidade, é aconselhável testar os filhos do casal que são ambos portadores do genótipo Pi*MZ, pois é possível detectar uma criança com genótipo homozigoto grave.(9) Até o momento, as atuais diretrizes não recomendam a realização de testagem da população geral, de adolescentes ou recém-nascidos.(78,81)
Métodos diagnósticos Medida quantitativa de AAT A medida da concentração plasmática da AAT é preferencialmente realizada por imunonefelometria em vista da sua alta sensibilidade. Os resultados plasmáticos podem ser expressos em miligramas por decilitro (mg/dL) ou milimoles por litro (µmol/L ou µM), sendo considerados valores normais > 113 mg/dL e 20-39 µM, respectivamente. Valores abaixo de 110 mg/dL indicam a possibilidade de algum alelo mutante, como S ou Z ou aqueles raros, e serve como orientação para prosseguir na investigação do genótipo. Valores iguais ou acima de 11 µmol são ainda considerados como protetores. O encontro de valores abaixo do normal em pacientes com doenças pulmonares ou hepáticas deve ser um sinal de alerta para investigações posteriores. De um modo geral, aproximadamente 80% da AAT plasmática chega ao líquido intersticial e 10% alcança o fluido de revestimento epitelial.(82) O volume total da AAT plasmática é inferior somente ao total da albumina plasmática.
A AAT é uma proteína de fase aguda e pode aumentar em até 75-100% nos pacientes com alguma infecção ou doença inflamatória,(83) o que implica que a dosagem de AAT plasmática deve ser realizada quando o paciente estiver em fase estável. Essa alteração é mais evidente nos valores intermediários da AAT. É recomendável a medida da proteína C reativa (PCR), que pode indicar a possibilidade de infecção vigente; se a PCR estiver alta, a medida da AAT não deve ser valorizada e necessita ser repetida.(12) A AAT também pode se encontrar anormalmente elevada no terceiro trimestre da gravidez,(84) em pessoas muito idosas(85) e naquelas em uso rotineiro de contraceptivo oral.(86) Por outro lado, valores baixos de AAT podem estar associados à hipoproteinemia e insuficiência hepática. Foi relatado que nos primeiros seis meses de vida a concentração mediana de AAT diminui e volta a se elevar ao final do primeiro ano.(87) Há a possibilidade da medida da concentração de AAT no plasma na maioria dos estados brasileiros.
A concentração plasmática da AAT também pode ser medida coletando-se sangue em papel-filtro (dried blood sample; DBS) por uma picada na região distal de um dos dedos da mão com uma lanceta ou coletado por punção venosa. O sangue deve ser distribuído por igual nos cinco círculos do papel-filtro (Whatman 903; Sigma-Aldrich, Burlington, MA, EUA), observando-se que o sangue ultrapasse o verso do cartão. Se o sangue for coletado por punção venosa, pode-se distribuir homogeneamente 50 µL do sangue nos círculos com uma pipeta. Após esse procedimento, o papel-filtro deve ser seco em ar ambiente durante 12 horas e, posteriormente, mantido em um envelope, protegendo-o contra umidade e luminosidade.
Medidas qualitativas de AAT Fenotipagem da AAT A fenotipagem da AAT é realizada pelo método da eletroforese por focalização isoelétrica, observando-se a migração da proteína alfa-1 na eletroforese em pH 4-5. Este método de diferenciação não é difícil de realizar, mas consome muito tempo e requer grande experiência do técnico, pois as diferentes mutações migram com velocidades que são muito próximas devido a pequenas alterações na constante da dissociação eletrolítica.(88) Os alelos Null (Q0) não produzem alfa-1 e não são reconhecidos na eletroforese.
Genotipagem A genotipagem identifica as variantes dos alelos que ocorrem por mutação no lócus do gene SERPINA1. A análise da região do DNA pelo método da ampliação da reação em cadeia da polimerase permite identificar as variantes. A análise genética pode ser realizada em células de tecidos, glóbulos brancos ou no sangue coletado em papel-filtro.
Um novo método de genotipagem da AAT, largamente utilizado no Brasil desde 2018, desenvolvido pela Progenika Biopharma S.A. (Derio, Espanha), possibilita, simultaneamente, a identificação das 14 variantes mais comuns pela coleta de células da mucosa oral (swab bucal).(89) A coleta de células da mucosa da bochecha pelo swab bucal é minimamente invasiva, rápida de ser coletada, não requer tempo de secagem, mantém-se estável por dois meses em ar ambiente e pode ser transportada pelo correio normal.(90) A não detecção de nenhuma das 14 mutações no teste é relatada como “variante não detectada” e há 99% de chance de que seja o genótipo MM.(91)
Sequenciamento genético Se não for detectado nenhum alelo mutante e a concentração plasmática estiver abaixo de 50 mg/dL ou se há discordância entre a concentração plasmática de AAT e o genótipo do indivíduo, é necessário o sequenciamento genético.(2,9)
Algoritmo para diagnóstico da DAAT Há duas vias para a análise de DAAT (Figura 1): uma iniciando-se pela concentração plasmática de AAT, também chamada de via convencional, e outra pela fenotipagem ou genotipagem, via alternativa. No Brasil, pela maior possibilidade da medida em amostras de sangue, é mais comum iniciar-se pela avaliação da dosagem sérica da AAT. Se o nível sérico da AAT avaliado por nefelometria estiver abaixo de 113 mg/dL, há a possibilidade de haver deficiência da AAT e deve-se solicitar a genotipagem. Se houver a decisão de se começar pela genotipagem, uma alternativa é o teste com coleta de swab bucal (Progenika Biopharma) que permite, simultaneamente, a identificação das 14 variantes mais comuns (Quadro 3). Nessa via, se houver a presença de algum alelo variante, é necessária a medida da concentração plasmática. Em qualquer uma das vias, o sequenciamento genético (teste confirmatório mais sensível) pode ser necessário se os resultados do teste de triagem sérica e do teste genético/fenotípico forem discordantes.
A coleta em papel-filtro (DBS) pode ser utilizada pela vantagem de ser simples de coletar, a possibilidade de armazenagem e envio a um laboratório central para medida da concentração plasmática e fenotipagem ou genotipagem. No entanto, existe a desvantagem de haver muito poucos laboratórios no Brasil que manejam a técnica da dosagem por DBS.(12)
MONITORAMENTO DE PACIENTES ASSINTOMÁTICOS Não é incomum que a baixa dosagem de AAT no plasma não resulte em alterações funcionais ou anatômicas que se manifestem em sintomas respiratórios. Isso representa um desafio clínico: como proceder com pacientes assintomáticos com DAAT? A proporção de indivíduos com DAAT que desenvolvem doença pulmonar é ainda desconhecida, mas estudos indicam que até 50% dos não fumantes podem manter a função pulmonar normal ao longo da vida.(9)
O primeiro passo é uma avaliação adequada dos sintomas. Em pacientes com doença pulmonar progressiva e perda gradual da função, os sintomas podem ser subestimados. O paciente pode reduzir suas atividades diárias para evitar desconforto, atribuindo seus sintomas ao envelhecimento ou sedentarismo. Questionários objetivos como a escala de dispneia do Medical Research Council, COPD Assessment Test ou escala London Chest Activity of Daily Living para funcionalidade podem ajudar a identificar limitações em pacientes que não relatam objetivamente sintomas durante a anamnese.(92)
Os pacientes devem ser aconselhados a evitar exposição a fatores que possam aumentar o risco de enfisema. Todos os fumantes devem receber orientação e tratamento para cessação do tabagismo. Além disso, é importante avaliar e orientar sobre a exposição ambiental e ocupacional a fumaça e vapores tóxicos, pois cessar a exposição pode retardar a progressão da doença pulmonar em pacientes com DAAT.(93)
É fundamental avaliar pacientes com DAAT quanto ao aparecimento de enfisema pulmonar e doença hepática. Todo paciente com DAAT grave deve ser submetido a provas funcionais respiratórias, TC de tórax sem contraste e avaliação hepática. A avaliação do acometimento hepático é especialmente importante em pacientes com genótipos ZZ, SZ e outros raros que possam ser fatores de risco, como MMalton e SIiyama.(2) Esses pacientes devem ser submetidos a avaliações periódicas (dependendo do quadro clínico), com exame físico focado em sinais de doença hepática, ultrassonografia hepática e/ou elastografia e exames laboratoriais como AST, ALT, fosfatase alcalina, gama-glutamil transferase, albumina, bilirrubinas e coagulograma.(13) A fibrose hepática pode ser silenciosa e o carcinoma hepatocelular pode aparecer em 3% dos casos,(94) sendo fatores de risco sexo masculino, idade acima de 50 anos, estilo de vida e resultados de testes de função hepática persistentemente elevados.(12)
A frequência de monitoramento para detectar o início ou progressão de doenças pulmonares em pacientes com DAAT ainda não está estabelecida e depende da concentração de AAT e patogenicidade da mutação apresentada. Geralmente, em pacientes sem sintomas respiratórios e com espirometria basal normal (ou seja, VEF1 ≥ 80% do previsto), a espirometria é repetida a cada 12 meses ou se os sintomas mudarem a cada 6-12 meses. Se possível, é importante medir os volumes, fluxos e DLCO no início do acompanhamento. A alteração da DLCO é mais precoce e mais intensa do que o declínio do VEF1. É fundamental que um paciente assintomático com alguma mutação seja orientado a procurar apoio médico na percepção de dispneia, principalmente aos esforços, ou em qualquer outro acometimento pulmonar importante como, por exemplo, pneumonia. A redução inexplicada no VEF1 pós-broncodilatador para abaixo do limite inferior da normalidade é um sinal para se considerar o início do tratamento específico.(2)
O monitoramento de pacientes assintomáticos com DAAT deve ser personalizado. A patogenicidade da mutação específica e a concentração sérica são fatores a serem considerados ao estabelecer a frequência de acompanhamento. Aconselhamento genético e orientações sobre estilo de vida para evitar exposições potencialmente prejudiciais são as condutas mais importantes nesse contexto. É essencial considerar a abordagem multidisciplinar envolvendo pneumologistas, hepatologistas, geneticistas e outros especialistas para garantir melhor qualidade de vida e prognóstico para esses pacientes.
TRATAMENTO GERAL OU NÃO ESPECÍFICO Inclui o tratamento para cessação do tabagismo (comportamental e farmacológico) e orientações sobre a importância de não se expor a irritantes (tabagismo passivo, poeiras, fumaça, poluentes ou inalação de produtos químicos). Os demais tópicos são semelhantes aos indicados para pacientes com DPOC não causada DAAT: vacinação anti-influenza e antipneumocócica, tratamento farmacológico como preconizado pela GOLD(11) com o uso de broncodilatadores (antimuscarínicos e β2-agonistas) de liberação lenta e corticoides inalatórios (em situações especiais), reabilitação pulmonar e suporte nutricional. As exacerbações devem ser tratadas e, quando elas se tornam recorrentes, está indicado o uso de antibióticos profiláticos e/ou corticoides inalatórios. O paciente que preencher os critérios gasométricos para oxigenoterapia suplementar deverá receber esse tratamento.(75)
O tratamento cirúrgico também está indicado para alguns pacientes com DAAT e enfisema pulmonar. Os resultados são limitados e não necessariamente promissores. Em casos muito bem selecionados a cirurgia de redução de volume pulmonar tem sido realizada com resultados positivos (melhora funcional e de qualidade de vida).(95)
A DAAT é uma das principais causas de transplante pulmonar nos grandes centros mundiais. Está bem documentado, em vários estudos, que os pacientes com DAAT após transplante pulmonar apresentam melhora da qualidade de vida e da sobrevida.(96,97)
TRATAMENTO ESPECÍFICO A terapia de reposição de AAT deve ocorrer nos pacientes que estão com tratamento otimizado da DPOC e ele deve ser realizado de modo personalizado. (11) Reconhece-se que há pacientes com mutação grave, mas que permanecem com a função pulmonar e estado clínico estáveis.
Vários estudos demonstram que existe um conhecimento limitado sobre a DAAT e o seu diagnóstico entre os profissionais da saúde e que existe uma desigualdade importante no acesso aos cuidados especializados e ao tratamento.(9) No Brasil, as leis orgânicas do Sistema Único de Saúde (SUS) dispõem sobre o direito à promoção, proteção e recuperação da saúde de todo cidadão, porém as doenças raras têm uma grande dificuldade de assistência e com a DAAT não é diferente.
Embora tenha havido melhorias em termos de conscientização sobre a DAAT e compreensão do seu tratamento nos últimos anos, os desafios concentram-se no aprimoramento do diagnóstico, na realização de tratamento geral otimizado e na melhoria do acesso ao tratamento específico, terapia intravenosa de AAT, que é a única intervenção farmacológica disponível que pode retardar a progressão da doença.(98) A complexidade de interpretar as variantes genéticas, sua importância e o papel da triagem do paciente e da família, bem como o manejo da doença, requer experiência e parece ser mais bem desenvolvida em centros de referência que tenham capacidade de promover assistência e tratamento adequados, incluindo terapia de reposição intravenosa de AAT.(1,9)
A terapia de reposição com AAT purificada intravenosa é o ponto central no tratamento da DAAT, embora a cirurgia de redução do volume pulmonar e o transplante pulmonar tenham real importância em casos selecionados. Evitar ou diminuir a destruição do parênquima pulmonar pela DAAT é a principal meta do tratamento de reposição de AAT,(99) pois o aumento intravenoso por meio da infusão de inibidor de alfa-1 tripsina humana combinada é o meio mais direto, eficiente e único de elevar os níveis de AAT no sangue e no interstício pulmonar e evitar a progressão do enfisema para formas mais graves.(100)
Há várias diretrizes e artigos científicos com recomendações sobre o tratamento da DAAT no adulto. Na Europa e nos EUA vários estudos reforçam a necessidade criteriosa do diagnóstico e o acesso ao tratamento de reposição intravenosa em pacientes com DAAT grave. No entanto, ainda existe a necessidade de aperfeiçoamento de biomarcadores de progressão do enfisema e de resposta à terapia de reposição. Os estudos sobre a taxa de declínio da densidade pulmonar indicam que esta ferramenta é útil para ajudar a avaliar os resultados da terapia de reposição. No que diz respeito à terapia específica, a pesquisa sobre a reposição personalizada, com seleção individualizada do regime terapêutico de acordo com a necessidade do paciente, é imprescindível.(9)
Algumas diretrizes, como a belga,(101) a portuguesa,(13) a polonesa(102) e a canadense(103) introduziram a taxa de declínio do VEF1% pós-broncodilatador como critério para início do tratamento, ainda que, atualmente, o declínio do VEF1 tenha menor sensibilidade do que a diminuição da densidade pulmonar. Parece consensual que a indicação de reposição intravenosa de AAT deva ser feita em não fumantes ou ex-fumantes com mais de 18 anos, com uma variante genética consistente com deficiência grave de AAT, baixo nível sérico de AAT (< 11 µmol/L ou < 57 mg/dL) e evidência de limitação ao fluxo de ar na prova de função pulmonar. (5,11,13,101-103) A verificação do declínio acelerado da função pulmonar através da queda do VEF1 em avaliação funcional seriada é uma maneira mais sensível do que a obstrução ao fluxo de ar isolado, já que a primeira, de forma indireta, pode significar a existência de destruição do tecido pulmonar devido ao desequilíbrio enzimático. Níveis de AAT sérico acima de 11 11 µmol/L ou 57 mg/dL são considerados protetores e devem ser usados como parâmetro para considerar a efetividade da terapia de reposição.(104)
Alguns pacientes apresentam enfisema na TC de tórax sem limitação do fluxo aéreo na espirometria, demonstrando que a primeira é mais sensível, pelo menos inicialmente, do que a avaliação funcional. O acompanhamento funcional por espirometria dos pacientes com suspeição de estarem desenvolvendo enfisema deve ser realizado anualmente e considera-se perda real da função pulmonar a avaliação em três anos para identificar possíveis declínios no VEF1 (considera-se perda excessiva ≥ 100 mL/ano), momento em que a terapia específica poderia ser iniciada.(5,11,13,101)
Os estudos RAPID-RCT e RAPID Open-Label Extension (RAPID-OLE(105,106) são os maiores ensaios clínicos sobre terapia de reposição intravenosa com AAT já realizados. O RAPID foi um estudo controlado por placebo com acompanhamento de dois anos, com os pacientes recebendo, aleatoriamente, AAT por via intravenosa 60 mg/kg semanalmente ou placebo por 24 meses. (105) Ao final deste período os pacientes que recebiam placebo passaram a receber reposição específica com AAT e os que recebiam a reposição continuaram a recebê-la por mais dois anos (RAPID-OLE).(106) No estudo RAPID-RCT, ao final dos dois anos, houve redução de 2,90 g de tecido pulmonar por litro de volume pulmonar no grupo recebendo reposição de AAT, enquanto que, no grupo placebo, a perda foi de 4,38 g/L, diferença estatisticamente significante. Na sequência do estudo, ao final de quatro anos, os que continuaram com reposição de AAT perderam 5,03 g/L, ao passo que os que recebiam placebo e passaram a receber reposição de AAT perderam 6,32 g/L. Entre o dia 1 e o mês 24, a perda anual de tecido pulmonar medida pela CPT foi 33% maior em pacientes que receberam placebo. Durante esse segundo período, dos 24 aos 48 meses, a taxa da perda dos que passaram a receber AAT diminuiu e foi igual aos que receberam reposição de AAT desde o início, mas a densidade pulmonar não voltou ao valor daqueles que receberam reposição de AAT desde o início do estudo. Portanto, a eficácia do tratamento com AAT foi mantida ao longo dos quatro anos no grupo com reposição de AAT. Os dois estudos mostraram, claramente, dois pontos importantes: ao final dos primeiros 24 meses a reposição de AAT protegeu os pulmões da perda excessiva de tecido pulmonar; ao final dos 48 meses, o grupo que recebia placebo anteriormente e passou a receber reposição de AAT teve taxa de perda igual ao grupo que recebia reposição de AAT desde o início do estudo, mas não voltou mais ao valor anterior, isto é, a perda é definitiva.(105,106) Esses dois estudos não deixam dúvidas sobre a eficácia do tratamento específico com reposição venosa da AAT e aumentaram a certeza de que a terapia realmente retarda o avanço da destruição pulmonar.
Há mais de 30 anos, há evidências da eficácia bioquímica da terapia de reposição intravenosa, com elevação das concentrações sérica e pulmonar, inclusive no fluido de revestimento epitelial. Desde 1989 a aplicação intravenosa de AAT purificada do plasma humano foi aprovada pela Food and Drug Administration dos EUA,(107) com dose de 60 mg/kg administrada semanalmente. A sua administração está contraindicada em doentes com déficits seletivos de IgA devido à possibilidade de reações graves de anafilaxia. Nos 13 anos de reposição intravenosa no Hospital Regional da Asa Norte em Brasília, infundindo-se AAT em 8 a 12 pacientes por semana, nunca houve uma reação anafilática. Apesar da incidência de deficiência grave de IgA (< 7 mg/dL) ser muito pequena na população em geral (< 1%), orientamos dosar-se a concentração de IgA total antes de se iniciar a terapia de reposição, já que todas as preparações comerciais de terapia de reposição de AAT contêm algum nível de IgA e pacientes com deficiência grave correm risco de anafilaxia com infusão de pool de AAT humana. A aplicação, preferencialmente, deve ser em centros de referência e por equipe treinada.(1,9,108) Não existem evidências suficientes para aplicações quinzenais ou mensais, ficando essas situações a critério dos centros de referência, de acordo com a condição do paciente. O estudo SPARTA, ainda não terminado, avalia a reposição semanal de AAT nas doses de 60 mg/kg, 120 mg/kg ou placebo com a hipótese de que a dose de 120 mg/kg alcançará nível protetor mais alto (> 20 µmol) e haverá menos perda de tecido pulmonar ao longo de três anos.(109)
A AAT é capaz de exercer efeitos além da inibição de proteases, tendo efeitos antibacterianos ao inibir respostas pró-inflamatórias induzidas por endotoxinas bacterianas in vitro e in vivo.(110) A terapia de reposição com AAT associa-se à redução na concentração de leucotrieno B4, um dos mais importantes mediadores do recrutamento e ativação dos neutrófilos, com ação central na inflamação das vias aéreas.(111)
A terapia de reposição com a AAT é por tempo indeterminado, dispendiosa e necessita ser bastante criteriosa. Os dados que sustentam a eficácia clínica da AAT intravenosa são robustos e incluem estudos randomizados que avaliaram desfechos como níveis séricos de AAT, função pulmonar e densidade pulmonar na TC de tórax.(3,9,105,106,111-113)
Sendo apoiados por vigorosa literatura, recomendamos a reposição de AAT para qualquer paciente maior de 18 anos com deficiência grave de AAT, ou seja, com níveis séricos abaixo do protetor (< 57 mg/dL ou AAT sérica < 11 μM), com comprovação de perda funcional acima da fisiológica (mesmo em pacientes com função pulmonar ainda normal ou com grau leve, moderado ou grave de obstrução ao fluxo aéreo). Para pacientes com VEF1 > 80% do previsto será considerado perda funcional excessiva, quando exceder 100 mL/ano em avaliações anuais no período de três anos. Variações em curto espaço de tempo podem ocorrer pela variabilidade teste-reteste. O tratamento específico não deve ser descontinuado mesmo que o VEF1 caia abaixo de 25% do previsto. Não há consenso sobre a reposição de AAT nos pacientes Pi*SZ, mesmo com níveis séricos de AAT < 11 μM ou < 57 mg/dL. É possível que os dados armazenados no EARCO venham responder a esse questionamento.
Durante o período de reposição intravenosa de AAT é desaconselhado o monitoramento de rotina dos níveis séricos de AAT.(9) O acompanhamento da função pulmonar deve ser anual, exceto para pacientes com suspeição de queda acima da fisiológica, devendo esses ter avaliação funcional de acordo com a necessidade. O objetivo do acompanhamento da função pulmonar é avaliar o seu declínio e estimar o prognóstico. É interessante a aplicação de questionários de avaliação de qualidade de vida e de avaliação da DPOC. assim como a monitorização das exacerbações.(9,105) Apesar do custo da reposição da AAT, não se pode furtar a oferecer a quem precisa uma chance de um tratamento específico que retardará a destruição do parênquima pulmonar e, em consequência, aumento da sobrevida.(108)
Além dos alelos Pi*ZZ, Pi*Q0 e Pi*SZ (quando associado a níveis séricos abaixo do nível protetor), outras variantes genéticas podem levar a níveis baixos de AAT com desenvolvimento de enfisema, necessitando reposição de AAT: Pi*MProcida, Pi*MMalton, Pi*MPalermo, Pi*MNichinan, Pi*SIiyama, Pi*Z e Pi*MHeerlen. Várias variantes também podem provocar doença hepática grave: Pi*MMalton, Pi*MPalermo, Pi*MNichinan, Pi*SIiyama, Pi*Plowell, Pi*Duarte, Pi*Q0Cardiff, Pi*YBarcelona, Pi*Z e Pi*ZAugsburg.(12) Todos os pacientes com variantes genéticas que podem provocar doenças graves no fígado devem, também, receber assistência especializada da hepatologia.
RECOMENDAÇÕES Todos os adultos com obstrução persistente do fluxo aéreo na espirometria pós-broncodilatador devem ser testados para DAAT. Ademais, as realizações dos testes incluem enfisema em um indivíduo com menos de 45 anos, enfisema em não fumante ou fumante com baixa carga tabágica, enfisema predominante nas regiões basilares na TC de tórax, história familiar de enfisema e/ ou doença hepática, paniculite atual ou anterior e doença hepática crônica inexplicada atual ou anterior.(3,9,11)
Considerando o caráter hereditário da DAAT como condição autossômica codominante, após o diagnóstico do chamado caso índice, deve ser realizada a testagem dos familiares de primeiro grau (pais, irmãos, filhos e cônjuge), mesmo que sejam assintomáticos, pelo risco dos mesmos apresentarem alguma variante da AAT.(11) Se a variante identificada em um familiar não for graves, não é necessário medir a concentração plasmática de AAT, essa deva ser sempre avaliada nos familiares portadores de mutações graves.(76) O indivíduo heterozigoto com genótipo Pi*MZ tem risco 5-10 vezes maior de desenvolver DPOC se exposto à fumaça de cigarro, comparado a tabagistas Pi*MM.(31) No entanto, se ele não fumar, o risco de desenvolver DPOC é semelhante ao do Pi*MM não tabagista. O mesmo se aplica aos portadores heterozigóticos de alguma variante grave rara.(79)
Indivíduos heterozigóticos Pi*SZ ou de duas variantes muito raras ou Pi*Z e outra variante rara devem ser seguidos e orientados a evitar os fatores de risco para DPOC. Nos indivíduos sintomáticos com teste de AAT com ausência de variantes, deve-se solicitar o sequenciamento genético, pois podem ser portadores de variantes nula; nesse caso a concentração plasmática de AAT será indetectável.(2)
O encontro de indivíduos portadores do genótipo Pi*MZ ou a associação Pi*M e um alelo raro requer atenção especial, pois é possível que o cônjuge apresente também o genótipo Pi*MZ e que um eventual filho do casal possa nascer com o genótipo Pi*ZZ.(9) Nesses casos deve-se alertar a pessoa com o genótipo Pi*MZ ou Pi*M e um alelo raro que, ao terem um filho, é necessário avaliar o seu genótipo e, caso esse seja um homozigoto para deficiência grave, orientá-lo desde criança a não fumar e a evitar outros fatores de risco.
Após a realização da genotipagem e das medidas plasmáticas da família do caso índice, deve-se realizar uma reunião com toda a família para explicar o que é a AAT, onde ela é produzida, sua ação, o que são alelos normais e variantes, as consequências possíveis nos indivíduos portadores de variantes e com deficiência plasmática, bem como os fatores de risco para lesões pulmonares. Essas reuniões podem ser realizadas de modo virtual, e a finalidade é esclarecer, orientar e, principalmente, tranquilizar a família.
Para evitar a estigmatização do portador de DAAT é necessário orientar o indivíduo a levar uma vida saudável, a não se sentir com limitações e a não temer o futuro. Em relação ao achado de crianças com variantes que possam predispor a lesões pulmonares, devem-se orientar os pais para que não fumem, que eduquem as crianças a não fumarem nem se expor a fatores de risco e que só expliquem sobre a genética da DAAT depois que as crianças tenham uma idade compatível para compreender o fato. Os pais devem orientar as crianças a terem uma vida a mais normal possível para que não se sintam limitadas.
Até o momento, as atuais diretrizes não recomendam a realização de testagem da população geral, de adolescentes ou de recém-nascidos.(78,81) Talvez fosse uma medida preventiva importante realizar a genotipagem nos adolescentes e jovens fumantes e orientá-los a abandonar o tabagismo. Essa medida nunca foi realizada em outros países, mas poderia ser custo-efetiva.
Por fim, existe a possibilidade de se agrupar os deficientes de AAT em um banco de dados e segui-los, o que permite conhecer a evolução da história natural dos pacientes com DAAT, a intervenção mais precoce ao longo da doença, a personalização da terapêutica e a orientação genética familiar. A EARCO, banco de dados internacional, atualmente abriga dados anonimizados de investigadores de 24 países europeus e das Américas (Argentina, Colômbia, Costa Rica e Canadá). As parcerias para armazenamento de dados no EARCO só podem ser realizadas por um hospital, individualmente, e não por um grupo de centros representando um país ou sociedade médica. Os dados dos pacientes são considerados propriedade do hospital e do investigador principal, mas podem ser compartilhados com a autorização do coordenador do grupo de pesquisa do hospital.
Quando indicada a reposição de AAT, essa deve seguir os critérios descritos neste documento.(1,9,108,114) A experiência com a cirurgia de redução do volume pulmonar para pacientes com DAAT é limitada. O transplante de pulmão e fígado são reservados para os casos graves e terminais desses órgãos.(96) Após o transplante de fígado, a DAAT é corrigida, pois o fígado do doador com fenótipo normal produz e secreta AAT.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES Todos os autores contribuíram para a concepção e o desenho do estudo, bem como para a elaboração do manuscrito. PHTF, JRJ e MM contribuíram para a revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual relevante e aprovaram a versão final do manuscrito.
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